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Revista Práxis Educacional

versión On-line ISSN 2178-2679

Práx. Educ. vol.19 no.50 Vitória da Conquista  2023  Epub 17-Mayo-2024

https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.11962 

Resenhas

AS CONTRIBUIÇÕES DA ABORDAGEM ONTOLÓGICA DO MÉTODO CIENTÍFICO

THE CONTRIBUTIONS OF THE ONTOLOGICAL APPROACH OF THE SCIENTIFIC METHOD

LOS APORTES DEL ENFOQUE ONTOLÓGICO DEL MÉTODO CIENTÍFICO

Liliane Santos Tobias1 
http://orcid.org/0000-0003-1101-2587

1Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa, Paraíba, Brasil; lilianetobias.pd@gmail.com


RESUMO:

Esta é uma resenha sobre o livro “Método Científico: uma abordagem ontológica”.

Palavras-chave: método científico; ontologia; abordagem

ABSTRCT:

This is a review of the book “Método Científico: uma abordagem ontológica”.

Keywords: scientific method; ontology; approach

RESUMEM:

Esta es una reseña del libro “Método Científico: uma abordagem ontológica”.

Palabras clave: método científico; ontología; acercarse

O livro “Método Científico: uma abordagem ontológica” de autoria de Ivo Tonet, foi lançado em 2013, pelo Instituto Lukács, preenchendo uma lacuna de sistematização sobre o método em Marx, necessidade premente para os estudiosos da teoria social crítica1. Ao longo da sua trajetória o autor tem se dedicado aos estudos marxistas, voltando os seus interesses especialmente para a ontologia do ser social, perfazendo temas como trabalho, reprodução e emancipação humana, sendo um intelectual reconhecido no âmbito da educação, filosofia e ciências sociais no Brasil. De posse destes termos, apresentamos algumas considerações trazidas na presente obra que atestam a sua relevância, com o intuito de auxiliar os/as pesquisadores/as interessados/as na temática, especialmente os/as iniciantes, tendo em vista o complexo de questões analisadas, bem como a qualidade didática da exposição na apresentação das categorias e conceitos.

Tonet resgata os fundamentos ontológicos do método científico, com abordagem histórico-social de bases marxistas2. Desenvolve a análise considerando o trabalho como categoria fundante do ser social que permite compreender o processo de reprodução ao longo da história e os modos de entificação da problemática do conhecimento, depreendendo-se a razão do mundo que norteará as abordagens científicas analisadas, e considerando as classes sociais como sujeito fundamental do processo de conhecimento.

[...] a conquista e a manutenção do domínio de uma classe sobre outras exige que a classe que quer dominar lance mão não apenas de forças materiais, mas também de forças não materiais (ideias e valores). E, para isso, ela deve dar origem a determinada concepção de mundo que fundamente o seu domínio. Deste modo, conhecer e explicar o mundo de determinada forma são condições imprescindíveis para que uma classe conquiste e mantenha o seu domínio sobre outras (TONET, 2013, p. 18).

Diante disso, faz-se necessário, perscrutar os diferentes paradigmas científicos que se estabeleceram historicamente a fim de entender as determinações que estão implicadas no modo de conhecer reproduzidos, cujos interesses referendam uma perspectiva de classe que orienta as práxis e as concepções de mundo que legitimam.

O autor organiza o livro em seis partes: a introdução, quatro capítulos e as considerações finais, com o objetivo de analisar a problemática do conhecimento que se estabelece em torno da relação sujeito-objeto, nas diferentes formas de produzir ciência experienciadas pela humanidade. Os capítulos desenvolvem análises sobre os padrões greco-medieval, moderno e marxiano considerando a origem, natureza e função que exercem na reprodução do ser social, bem como suas rupturas fundamentais, em cada configuração histórica socialmente determinada.

Na introdução o autor enfatiza a problemática em torno do método científico moderno, que é amplamente disseminado como sinônimo de “caminho único e adequado para produzir conhecimento verdadeiro”. Esta assertiva assenta-se no pressuposto de que a sociedade moderna organiza o padrão científico que a caracteriza, rechaçando as formas de produção de conhecimentos anteriores, o que levou a compreensão de que é a modernidade (ou pós modernidade para algumas correntes de pensamento) a forma de sociabilidade definitiva e, assim sendo: “[...] qualquer abordagem do método científico que questione [...] essa forma de fazer ciência é [...] declarada sem sentido ou, no máximo, ideológica e, portanto, não científica” (TONET, 2013, p. 10), o que induz a um falseamento da problemática do conhecimento.

Contrapondo-se a esta perspectiva, no primeiro capítulo o autor ressalta que a problemática do conhecimento pode ser compreendida numa abordagem crítica a partir de dois caminhos: do ponto de vista gnosiológico e ontológico. Organiza a exposição dessas duas formas de abordagem discorrendo brevemente sobre suas características basilares como produtos histórico-sociais.

Afirma que a metodologia científica tradicional/moderna reconhece apenas uma forma de abordagem, a gnosiológica, que tem o sujeito como polo regente do conhecimento. Tida como o único caminho adequado e correto de produzir ciência, a gnosiologia - estudo da problemática do conhecimento - se estabelece renunciando a abordagem ontológica (presente nas formações sociais greco-medievais). Tendo em vista que o conhecimento é instrumento para a intervenção social, essa compreensão, segundo o autor, impede que se percebam os interesses sociais que permeiam a construção da cientificidade e que se desenvolva uma mentalidade realmente crítica (TONET, 2013, p. 11-12).

A ontologia, por sua vez, é “[...] o estudo do ser, isto é a apreensão das determinações mais gerais daquilo que existe” (TONET, 2013, p. 12). Nela o objeto é o polo regente do conhecimento, e portanto, o sujeito não cria teoricamente o objeto, mas captura as suas determinações reais, ultrapassando os elementos empíricos com vistas a apreensão da sua essência, e o traduz através de conceitos. Afirma que a abordagem ontológica pode ser metafísica ou histórico-social e, dependendo do caráter que a ontologia apresenta, poderemos ter por exemplo “[...] uma abordagem da problemática do conhecimento fundamentada em uma ontologia não-histórica, de caráter fenomenológico ou existencialista” (TONET, 2013, p. 15).

Apresentados sumariamente os dois caminhos, no segundo capítulo o autor trata do padrão greco-medieval, demonstrando a centralidade da objetividade e a impostação filosófica de caráter ontológico. Discorre sobre a forma de produção baseada no trabalho escravo e servil, onde a concepção de mundo disseminada pelas classes dominantes, estava baseada na hierarquia e imutabilidade da estrutura social, numa atividade passiva do homem diante do mundo que requisitava a adaptação a uma ordem cósmica inalterável. Assim o conhecimento tinha um caráter contemplativo, essencialmente a-histórico, cabendo ao sujeito “[...] apreender a essência imutável das coisas” (TONET, 2013, p. 24-25), haja vista que a verdade estava no próprio objeto, isto é, no ser.

No terceiro capítulo o autor analisa o padrão moderno, situando a centralidade da subjetividade e o caráter gnosiológico do conhecimento científico. A ruptura com o mundo feudal e a transição para o mundo capitalista trouxe implicações materiais e espirituais significativas diante da intensa complexificação da sociedade. O dinamismo gerado pelo novo modo de produção e composição de novas classes fundamentais, impulsionado pela ênfase na razão, na liberdade e na individualidade, fez com que o ser humano se tornasse eixo da vida social, construtor ativo da sua história, em um mundo infinito, sem ordenação hierárquica e em constante movimento (TONET, 2013, p. 33).

O autor enfatiza as consequências do fenômeno da reificação para a problemática do conhecimento no padrão moderno, haja vista que as relações sociais nesse modo de produção se estabelecem como relações entre coisas e não entre pessoas. Adquirindo um caráter natural esta ‘coisificação’ das relações humanas, mediadas pelas mercadorias, gera impactos mascarando os fenômenos sociais, sem que se percebam o cerne gerador de conflitos. Outro aspecto significativo é o processo de individuação individualista, que altera a dinâmica entre ser humano singular e a comunidade, fazendo com que o interesse comum seja subsumido ao interesse individual. (TONET, 2013, p. 32-33).

Essa nova organização e concepção de mundo acentua a importância do conhecimento científico, imprescindível para a reprodução da riqueza material e desenvolvimento das forças produtivas. O objeto é teoricamente construído pelo sujeito, que se direciona aos aspectos da realidade que podem ser mensuráveis e quantificáveis, portanto, o critério de verdade se estabelece através da experimentação e verificação empírica. Este processo “[...] impõe que o conhecimento seja uma articulação entre os dados empíricos e a razão, colhidos através dos sentidos, única mediação entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo” (TONET, 2013, p. 37).

O padrão moderno considera que a sociabilidade atual é a última e mais adequada forma de desenvolvimento da humanidade. Assim, o objetivo central do conhecimento é pragmático/utilitário: “[...] deve ter apenas por finalidade permitir o aperfeiçoamento dessa forma de sociabilidade” (TONET, 2013, p. 46). Com esse fim, o cientista/pesquisador deve impedir que os seus interesses interfiram na análise do objeto, utilizando o valor lógico, metodológico e a vigilância epistemológica, para que não haja comprometimento valorativo na produção do conhecimento. Dada a “[...] incapacidade do homem de compreender a realidade como totalidade e de intervir para transformá-la radicalmente” (TONET, 2013, p. 62), o conhecimento produzido direciona-se à busca de melhorias e não a uma transformação estrutural da realidade.

No quarto capítulo Tonet dedica-se à abordagem do padrão marxiano, afirmando que Marx lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de mundo, como também de produzir conhecimento científico, articulando filosofia e ciência. Ressalta que esta abordagem supera os padrões de conhecimento anteriores quando compreende a objetividade e a subjetividade enquanto momentos que constituem uma unidade indissolúvel, tendo a práxis como atividade mediadora entre ambas, haja vista que para Marx a ênfase entre uma ou outra tem um caráter redutor e parcial da realidade.

Nessa abordagem as categorias totalidade, historicidade e práxis são fundamentais para a efetuação do conhecimento, tendo em vista que conhecer não é meramente contemplar, pois parte do princípio de buscar respostas para questões postas pela humanidade, em virtude das necessidades de intervenção/transformação do real, em um cenário de constantes mudanças. Há, portanto, uma determinação recíproca entre conhecimento e realidade, em que o método se organiza partindo da “terra para o céu”:

Voltar-se para o objeto, histórica e socialmente construído a partir da sua matriz fundante, que é o trabalho, para apreender a lógica desse processo de entificação, trazer para a cabeça a lógica desse objeto; capturar e traduzir teoricamente o processo histórico e social de construção desse objeto (TONET, 2013. p. 80).

Desse modo é a tradução da lógica do próprio objeto - que existe independentemente da consciência e, portanto, tem prioridade ontológica sobre o sujeito - que permite a captura do seu movimento real, numa mediação permanente entre teoria e práxis, com vistas a sua reconstrução teórica, que precisa considerar o processo histórico-social e os diversos elementos que o constituem, articulando aparência e essência. Portanto, o critério de verdade é o objeto: “[...] somente a prova ontoteórica e ontoprática poderão demonstrar a verdade ou falsidade de qualquer conhecimento” (TONET, 2013, p. 125).

Sinalizados brevemente estes aspectos, percebemos que o conhecimento socialmente produzido não é neutro, porta perspectivas, valores e concepções de mundo que determinam o modo pelo qual os fenômenos são analisados. Conforme observamos o apelo ao método científico tradicional/moderno, como o “único modelo de produção de conhecimento verdadeiro”, atende ao caráter reformista de manutenção dos padrões de sociabilidade do capital, escamoteando o conflito entre as classes e reduzindo a realidade ao aparente, mensurável e imediato, com consideráveis implicações para a cientificidade.

Considerando as determinações sócio-históricas atuais, dispor de uma análise como esta, nos permite compreender a dimensão do método científico para além de um conjunto de instrumentos e técnicas, percebendo a função ideológica que desempenha na compreensão da realidade, bem como “os interesses que permeiam a construção da cientificidade”, articulando mediações entre conhecimento e realidade, entre teoria e práxis, como possibilidades para a construção de uma verdadeira crítica emancipatória.

Deste modo, o estudo empreendido por Tonet traz uma relevante contribuição para as pesquisas desenvolvidas a partir do método crítico-dialético - sendo uma fundamentação imprescindível para os/as pesquisadores/as e interessados/as em aprofundar análises e estudos nessa área - pelas notórias contribuições concedidas ao campo da teoria social crítica, como também para o campo da teoria do conhecimento

Referência

TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013 [ Links ]

SOBRE A AUTORA

1Na apresentação Belmira Magalhães enfatiza que o livro se direciona aos fundamentos do método em Marx e responde a uma necessidade apontada pelos estudiosos do marxismo, principalmente daqueles que exercem a docência.

2Discussão apresentada com base no pensamento maduro de Marx, bem como de Georg Lukács e Istívan Mészaros.

SOBRE A AUTORA

4TOBIAS, Liliane Santos. As contribuições da abordagem ontológica do método científico. Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista, v. 19, n. 50, 2023. DOI: https://doi.org/10.22481/praxisedu.v19i50.11962

Recebido: 24 de Janeiro de 2023; Aceito: 18 de Março de 2023

Liliane Santos Tobias. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Pesquisadora Bolsista CAPES. Participante do Grupo de Pesquisa: Exclusão, Inclusão e Diversidade - UFPB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4161901365187208

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