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Acta Scientiarum. Education

versión impresa ISSN 2178-5198versión On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.46 no.1 Maringá  2024  Epub 01-Mar-2024

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v46i1.61274 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

O processo de elaboração do livro didático de História na escola pública: uma análise no município de Itaipulândia (PR) (2010-2020)

El proceso de elaboración del libro didáctico de Historia en la escuela pública: un análisis en la ciudad de Itaipulândia (PR) (2010-2020)

Janete Liane Boehm Lutke1  * 
http://orcid.org/0000-0003-3448-718X

João Carlos da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-9322-8754

1Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Rua Universitária, 1619, 85819-110, Cascavel, Paraná, Brasil.


RESUMO.

Sabe-se que o Livro Didático (LD) é uma ferramenta amplamente utilizada no Brasil nas várias disciplinas que compõem a grade curricular da Educação Básica. Em vista disso, o LD de História destinado aos anos iniciais do Ensino Fundamental é o objeto desta investigação, que parte da seguinte problemática: Qual é a especificidade do LD para o ensino de História utilizado nos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede pública de ensino do município de Itaipulândia (PR)? Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, a partir de uma revisão bibliográfica e de análise documental. O escopo central foi analisar o processo histórico de elaboração e de uso do LD para o ensino de História no referido município, nos anos de 2010 a 2020. As reflexões teóricas mobilizadas, que compreendem o processo histórico de produção e circulação do LD, as dimensões sociais, econômicas e políticas da constituição da História como disciplina escolar no Brasil e a elaboração e uso do LD de História para nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em Itaipulândia (PR), estão pautadas nos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC). Como resultados, é possível constatar que o ato de produzir o LD advém do esforço coletivo dos educadores da rede pública de ensino no processo de implantação e implementação da PHC. Com relação ao ensino de História, o LD de apoio pedagógico é elaborado considerando a importância social e humana que tem esse campo do conhecimento. Assim, o material produzido no município de Itaipulândia (PR) constitui-se uma possibilidade para desenvolver um trabalho pedagógico na perspectiva da PHC, que é a proposta pedagógica institucionalizada nessa rede de ensino.

Palavras-chave: ensino de história; Itaipulândia; livro didático; pedagogia histórico-crítica

RESUMEN.

El libro didáctico (LD) es una herramienta muy utilizada en Brasil en las diversas disciplinas que componen el currículo de la Educación Básica. Así, el LD de Historia destinado a los Años Iniciales de la Educación Primaria es el objeto de esta investigación, que parte de la siguiente problemática: ¿cuál es la especificidad del LD para la enseñanza de la Historia utilizado en los años iniciales de la Educación Primaria en la red pública de enseñanza del municipio de Itaipulândia (PR)? Metodológicamente, se trata de una investigación de enfoque cualitativo, basada en una revisión bibliográfica y un análisis documental. El objetivo principal era analizar el proceso histórico de elaboración y uso de la LD para la enseñanza de la historia en el municipio en cuestión, entre 2010 y 2020. Las reflexiones teóricas movilizadas, que comprenden el proceso histórico de producción y circulación de la LD, las dimensiones sociales, económicas y políticas de la constitución de la Historia como asignatura escolar en Brasil y la elaboración y uso de la LD de Historia para los Años Iniciales de la Escuela Primaria en Itaipulândia (PR), se basan en los supuestos de la Pedagogía Crítico-Histórica (PHC). Como resultados, es posible verificar que el acto de producir el LD proviene del esfuerzo colectivo de los educadores de la red pública de enseñanza en el proceso de implantación y puesta en práctica del APS. En relación con la enseñanza de la Historia, el LD para el apoyo pedagógico se elabora teniendo en cuenta su importancia social y humana. Así, el material producido en la ciudad de Itaipulândia (PR) constituye una posibilidad de desarrollar un trabajo pedagógico en la perspectiva del APS, que es la propuesta pedagógica institucionalizada en esta red de enseñanza.

Palabras-clave: enseñanza de la historia; Itaipulândia; libro de texto; pedagogía crítico-histórica

ABSTRACT.

The textbook is a widely used tool in Brazil in the various disciplines that make up the curriculum of Basic Education. Thus, the History textbook for the early years of Elementary Education is the object of this investigation, which is based on the following problem: what is the specificity of the textbook for the teaching of History used in the early years of elementary education in the public school system of the city of Itaipulândia (PR)? Methodologically, this is qualitative approach research, based on a bibliographic review and document analysis. The central scope was to analyze the historical process of elaboration and use of the textbook for History teaching in that city, from 2010 to 2020. The theoretical reflections mobilized, which comprise the historical process of production and circulation of the LD, the social, economic , and political dimensions of the constitution of history as a school subject in Brazil, and the elaboration and use of the textbook of History of the Elementary Education in Itaipulândia (PR), are based on the assumptions of Critical-Historical Pedagogy. As a result, it is possible to verify that the act of producing the textbook comes from the collective effort of the public school educators in the process of implementation and implementation of Critical-Historical Pedagogy. About the teaching of history, the textbook for pedagogical support is elaborated considering it social and human importance. Thus, the material produced in the city of Itaipulândia (PR) constitutes a possibility to develop a pedagogical work from the perspective of Critical-Historical Pedagogy, which is the pedagogical proposal institutionalized in this teaching network.

Keywords: history teaching; Itaipulandia; textbook; critical-historical pedagogy.

Introdução

As reflexões propostas neste artigo retomam aspectos discutidos na pesquisa de mestrado (Lutke, 2021) desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Tanto a referida pesquisa quanto este texto tomam o Livro Didático (LD) de História como objeto de estudo, considerando-o como instrumento veiculador do conhecimento científico, de modo a ser um suporte teórico-prático no que concerne ao papel da escola na emancipação do indivíduo no processo de transformação da realidade.

A pesquisa originou-se a partir de observações assistemáticas ao longo da jornada na docência na Educação Básica, além dos estudos na formação em serviço. Tais ponderações suscitaram a constatação de que o LD tem limites, mas também vantagens, o que requer uma análise de suas múltiplas dimensões. Sobre a História, verificou-se que, como ciência e componente curricular, merece um debate profundo e sistemático dada a sua importância social e humana. Assim sendo, propõe-se a análise do LD produzido e utilizado no município de Itaipulândia, localizado no Oeste do Paraná, para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, frente às exigências do mundo contemporâneo.

Com base em uma análise documental e bibliográfica, partiu-se da seguinte problemática: Qual é a especificidade do LD para o ensino de História utilizado nos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede pública municipal de ensino de Itaipulândia (PR)? O objetivo geral desta investigação foi analisar o processo histórico de elaboração e de uso do LD para o ensino de História no referido município, entre os anos de 2010 e 2020.

A fim responder à pergunta de pesquisa, buscou-se demonstrar os limites e as possibilidades de se produzir um LD de apoio com base em uma teoria pedagógica que almeja um ensino para o desenvolvimento humano pleno, a saber, a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC).

Como fundamentação teórica, foram utilizadas obras de críticos da sociedade vigente e defensores da possibilidade de outra sociedade, que se diferencie da atual, uma sociedade que possa ser compreendida e modificada por meio da análise da totalidade. Os principais teóricos utilizados foram Alves (2015), Saviani (2009; 2013) e Bittencourt (2018).

Outras fontes de apoio, propiciadas pela historiografia, que se articulam ao objeto de investigação e que contribuíram para as análises propostas foram: Sapelli (2005), Silva e Fonseca (2010), Horn e Germinari (2013), Paniago (2013), Caimi (2015; 2018), Moretto (2017) e Silva (2018), além dos documentos e dados oficiais da Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Itaipulândia (2013; 2018; 2019).

Partindo do pressuposto de que a educação escolar se revela como instrumento fundamental no desenvolvimento pleno do ser humano e de que a função social da escola pública é a transmissão do saber sistematizado como patrimônio da humanidade (Saviani, 2013), é importante analisar o objeto de estudo em uma perspectiva de totalidade. Na concepção dialético-materialista, a totalidade é um conceito de grande relevância no conjunto do pensamento marxista, consistindo na unidade concreta de contradições que interagem. A totalidade social, por sua vez, constitui-se em um complexo geral estruturado e historicamente determinado; existe ‘nas’ e ‘por meio das’ mediações e transições múltiplas pelas quais suas partes específicas ou complexas - isto é, as ‘totalidades parciais’ - estão relacionadas entre si, em uma série de inter-relações e determinações recíprocas que variam constantemente e se modificam (Bottomore, 1988).

A análise da realidade educacional evidencia a necessidade de práticas, de instrumentos e de uma perspectiva teórica sólida para o ensino público na contemporaneidade. Esse Tal contexto revela a complexidade da prática educativa, já que implica a formação do ser humano. A tarefa educacional é, simultaneamente, “[...] a tarefa de uma transformação social ampla e emancipadora” (Mészáros, 2008, p. 76).

Para apresentar os resultados desta investigação, o artigo foi organizado em cinco seções principais: a primeira, esta introdução, contextualiza o tema, a pergunta de pesquisa, o objetivo e os elementos teórico-metodológicos; a segunda, que destaca o surgimento do LD no contexto da Educação Básica; a terceira, destinada especificamente ao LD da disciplina de História; a quarta, que contempla a análise do LD produzido e utilizado em Itaipulândia (PR); e a quinta, em que são tecidas as últimas considerações deste texto.

O livro didático no contexto da escola pública

O LD, tal como se conhece hoje, teve sua gênese na modernidade, com Comenius, e ganhou centralidade na relação educativa. Operando uma ruptura com o ensino artesanal, centrado na obra clássica utilizada pelo preceptor feudal, Comenius concebeu um modelo de escola mais adequado ao seu tempo. Na realidade histórica brasileira, a mudança para os manuais didáticos teve longa duração, concretizando-se somente na segunda metade do século XX (Alves, 2015).

O manual escolar iniciou sua transformação em LD justamente a partir da década de 1960, quando as características do livro foram se adaptando à nova realidade escolar, com a expansão na oferta do ensino. Até esse período, esses materiais sofreram poucas alterações e permaneceram por décadas no mercado editorial e, consequentemente, no universo escolar (Freitas & Rodrigues, 2008).

No Brasil, em 1985, foi instituído oficialmente o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), por meio do Decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985 (Brasil, 1985). No segundo semestre de 1993, o Ministério da Educação (MEC), por meio da Resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), angariou recursos para a aquisição dos LDs destinados aos alunos das redes públicas de ensino, estabelecendo, dessa forma, um fluxo regular de verbas para a aquisição e distribuição do LD. Dos programas relacionados à distribuição de material didático no Brasil, o PNLD é o de maior história.

Com o Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017 (Brasil, 2017), os programas relacionados ao livro foram unificados. O PNLD passou a se chamar Programa Nacional do Livro e do Material Didático, uma vez que, além de LDs, o programa também distribui obras literários. Além disso, passou a atender, a partir de 2019, às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas ao Poder Público (Brasil, 2019).

Com a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em sua terceira versão, em dezembro de 2017 (Brasil, 2017), um dos objetivos do PNLD passou a ser apoiar a implementação da BNCC. Esse suporte se forma no diálogo que os LDs e literários precisam ter, em consonância com os pressupostos do documento.

O material disponível sobre a política do LD no Brasil pode ser resumido em decretos, leis e justificativas divulgadas pelo governo para regulamentar a produção e a distribuição desse produto. Tais dispositivos legais têm recebido de intelectuais, cientistas e políticos muitas críticas ao longo dos tempos, mas é fato que a atual legislação dispõe de muitas alterações acerca do PNLD visando à ampliação do programa. O intuito é abranger todos os níveis de ensino, bem como garantir a aquisição de livros para ampliar o acervo das bibliotecas de todas as escolas públicas da Educação Básica no país.

Em 2019, ocorreu a maior reforma do programa do livro desde 1995. Atualmente, a escolha dos materiais é realizada virtualmente, por meio do Sistema do Programa do Dinheiro Direto na Escola (PDDE Interativo). O acesso ao sistema é concedido pela Secretaria de Educação, e a operação deve ser realizada pelo diretor de cada escola. Entretanto, há que se considerar que, com a obrigatoriedade dos LDs nas escolas, especialmente a partir da consolidação das disciplinas escolares, no decorrer do século XIX, o saber escolar acabou sofrendo uma interferência empresarial (Alves, 2015). O mercado editorial pode exercer um controle nas produções, seja pela necessidade de lucros, pelos métodos acríticos que, em sua maioria, são voltados apenas à formação técnica e profissional, seja pela interferência dos meios de comunicação, que promovem uma ronda à posição ideológica dos programas educacionais. Se, de um lado, o Estado apostou no PNLD como uma possibilidade de melhorar a qualidade do ensino, de outro, o mercado editorial vislumbrou uma grande oportunidade de negócios (Cassiano, 2013).

Já no final do século XIX, segundo Cassiano (2013), apontou-se a necessidade da nacionalização do LD produzido por brasileiros. O interesse da organização republicana de instrução pública que tais livros estivessem adequados à realidade brasileira fez com que ocorresse uma expansão do mercado editorial nacional, tornando-se a escola um espaço privilegiado de circulação e de público consumidor de seus produtos (Cassiano, 2013).

Algumas das cartilhas mais utilizadas desde os anos de 1930 até a segunda metade do século XX se destacaram pela quantidade de exemplares e pela permanência no ensino de gerações ao longo dos séculos XIX e XX. Tais materiais disseminaram métodos e práticas de ensino, além de manterem-se no mercado por muito tempo.

O LD, considerando também um produto, está submetido às pressões do mercado, sendo necessário considerar seu caráter comercial para melhor compreender a sua função como instrumento pedagógico. Pensar na comercialização do LD no Brasil implica a compreensão de que essa é uma venda cíclica, diretamente relacionada ao calendário escolar. De acordo com Sapelli (2005), são muitos os interesses envolvidos na política nacional do LD, instaurando-se uma preocupação tanto no controle ideológico, que pode ser exercido pelo LD, quanto no que se refere ao lucro que o programa pode proporcionar aos grandes grupos editoriais. Para a pesquisadora,

O livro didático não tem sido instrumento para a formação de sujeitos críticos, capazes de construir uma visão ampliada acerca do contexto social. Pelo contrário, têm representado a própria negação do saber elaborado, assim cumprindo papel de instrumento que contribui para a manutenção do status quo capitalista. [...] Controlar o conteúdo do livro didático tem representado controlar o próprio currículo. (Sapelli, 2005, p. 40).

Cumprindo sua função original, o LD1 “[...] permanece atendendo às necessidades de uma escola universal, pública e gratuita, necessária ao desenvolvimento da força de trabalho especializada, para o avanço das forças produtivas e a consequente ampliação do capital” (Paniago, 2013, p. 60). Além de sua predominância nas salas de aula de todo o país, o LD tem assumido a primazia entre os recursos didáticos utilizados por boa parte dos professores. Impulsionados por inúmeras situações adversas, grande parte dos docentes brasileiros o transformou no principal (ou até mesmo no único) instrumento que auxilia o trabalho em sala de aula (Silva, 2012).

A fetichização2 do livro didático parece ofuscar discussões significativas acerca das determinações que permeiam as produções didáticas para a escola pública, em face de sua significativa relevância econômica e de contornos ideológicos e políticos, sobretudo, no período republicano brasileiro, tais como as indicadas por Silva (2012): o papel que o livro desempenha ou que deveria ter no ensino; como é e como poderia ser utilizado; e quais as reais condições de formação, de trabalho e de ensino e aprendizagem enfrentadas por professores e alunos no cotidiano das escolas brasileiras.

Reconhecer as múltiplas facetas do livro e o seu uso em um ensino que atenda aos interesses da maioria da nação certamente são os meios mais eficazes de produzir conhecimento e de desenvolver a criticidade nos indivíduos partícipes do processo educativo. Ao se analisarem as diversas categorias relacionadas ao LD, é necessário observar as suas formas de uso, compreender as diretrizes que o embasam e reconhecer seus aspectos mercadológicos, ideológicos, curriculares, instrumentais, fetichistas, disseminadores e/ou vulgarizadores do conhecimento, considerando seus elementos históricos, sociais, políticos e econômicos, além, é claro, dos principais sujeitos envolvidos no processo: os estudantes e os professores.

Apesar de o MEC informar que o PNLD tem sido um sucesso, de que as etapas ocorrerem de forma harmoniosa e coerente e do processo de fetiche que tem passado o LD, as indagações dos professores com relação à distribuição desse material ainda são muitas. As questões permeiam problemas relacionados à escolha, por exemplo, haja vista que não há tempo suficiente para que o professor participe de forma efetiva. Ademais, essa seleção é relativa, pois, atualmente, a mesma editora deve atender a todos os níveis de ensino por áreas. Outro entrave diz respeito à distribuição de livros. Os que chegam às escolas não são suficientes, pois são entregues com base no número de alunos do ano anterior, o que não condiz, na maioria das vezes, com o número de estudantes do ano em curso. Além disso, a reserva técnica não atende às solicitações feitas pelos gestores escolares, e o material não é acrescido ou entregue.

Acrescenta-se a essa lista a insatisfação dos profissionais com relação aos conteúdos apresentados nos livros. Na escola em que a autora principal deste texto atua, por exemplo, os livros disponibilizados, de forma geral, não aprofundam os saberes, são superficiais, fragmentados, vulgarizados e não consideram a realidade local, dentre outros aspectos elencados e vivenciados nas unidades escolares brasileiras.

No que diz respeito aos programas do livro e ao uso desse objeto como instrumento de ensino, observam-se outros aspectos problemáticos: apresentam e disseminam ideias que não correspondem ao mundo concreto e/ou não possibilitam a compreensão da realidade; difundem a ideologia dominante, objetivando a manutenção e a reprodução da organização do modo de produção capitalista; propagam preconceitos e valores culturais hegemônicos; veiculam publicidade e difundem marcas, produtos e serviços comerciais que estimulam o consumismo; subestimam a capacidade do aluno em compreender conteúdos relevantes e aprofundados; ignoram o caráter histórico de produção da vida humana e suas determinações; e ocultam os antagonismos sociais, transmitindo uma ideia harmônica na construção da nação.

Essas críticas foram ganhando peso, segundo Silva (2018), porque, com a expansão da escola pública, a substituição do ensino baseado nos clássicos pelo uso do manual didático foi idealizada para que o conhecimento fosse transmitido de modo rápido, fácil e barato por qualquer um. Isso vai de encontro à posição do referido autor, da qual compartilhamos, de que o processo educativo tem

O desafio de conduzir o aprendizado inicial da vida humana através do conhecimento real, numa visão dialética do desenvolvimento histórico e cultural, proporcionando aos educandos sua emancipação cultural, provocando-lhes, segundo Saviani, a serem cidadão críticos e participativos na sociedade, tendo liberdade de pensamento e possibilidade de escolha de sua própria manutenção de existência, utilizando-se do trabalho como princípio social do convívio humano (Silva, 2018, p. 34).

Seguindo nessa direção, o estudo e a pesquisa sobre o processo de escolha do LD tornam-se necessários para buscar as respostas às questões subjacentes a esse material, que pode se tornar um instrumento ora de transformação social, ora de alienação e de reprodução da ideologia dominante ou dos interesses mercantis.

O livro didático de História

Nas últimas décadas, as discussões sobre o ensino de História e o LD para essa área do conhecimento, no Brasil, vêm se acentuando. O resultado de algumas pesquisas acadêmico-científicas pode ser notado na própria realidade educacional, nas mudanças curriculares estaduais e municipais e no próprio programa do livro, mas ainda existem lacunas a serem preenchidas.

A gênese do livro é parte constitutiva do processo de criação da escola pública, que expandiu o seu desenvolvimento como instrumento didático. Com a ampliação da escola elementar, “[...] compêndios, cartilhas, catecismos, livros de leitura, foram compondo o acervo didático das escolas, avolumando-se e circulando cada vez mais pelas mãos de professores e alunos” (Bittencourt, 1993, p. 340). O LD foi sendo caracterizado conforme a função que lhe foi atribuída em cada período histórico, mas, desde que foi idealizada a instituição escolar, já se pensava em um livro para o ensino.

A produção didática na disciplina de História esteve inicialmente ligada às instituições que engendravam a História Oficial, isto é, aquela elaboração histórica que mais convém aos grupos dominantes na sociedade, consagrada e difundida principalmente nos livros escolares e na mídia. Uma das principais entidades foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), no estado do Rio de Janeiro, a partir dos autores que se consagraram nas produções, pertencendo ao corpo intelectual ligado ao Colégio Pedro II ou à Escola Militar, onde eram formados os jovens da elite brasileira (Bittencourt, 1993). A introdução do ensino de História na escolarização, em meados do século XIX, fez aumentar a produção dos compêndios, dos manuais e dos LDs.

Na mesma época, professores do Colégio Pedro II produziram LDs para a área de História. O que diferenciava os livros produzidos pelos intelectuais do Colégio Pedro II da proposta comeniana era exatamente a autoria, já que “[...] o fato de ser elaborado pelo professor revelava o controle exercido por ele sobre o instrumento de trabalho” (Alves, 2015, p. 29), ao passo que, na proposta de Comenius, o autor era outro especialista, não o professor.

Nos anos que seguiram a primeira metade do século XX, as escolas passaram a ter sua função reelaborada, mas a essência de educar e instruir por meio de valores que correspondiam ao contexto social e histórico permaneceu em cada época. As matérias ensinadas centravam-se na formação do homem civilizado, seguindo padrões de países europeus e norte-americanos. Os livros destinados aos estudantes e aos professores norteavam o ensino da disciplina e refletiam o contexto em que foram produzidos, as finalidades do ensino e o público atendido (Cardoso, Amorin, & Reis, 2016).

A escola primária dessa época centrava o ensino na formação do cidadão trabalhador, com o intuito de atender ao crescimento dos comércios, das fábricas e das indústrias em todo o país. Diferentemente do ensino secundário, que visava à formação da elite, o ensino primário estava direcionado à formação popular, da classe trabalhadora, a qual, por sua vez, terminava seus estudos nessa etapa de escolarização. De acordo com Cardoso et al. (2016, p. 439),

Todas as disciplinas dessa etapa de ensino tinham seus valores moralizantes e profissionalizantes. Da trilogia ler-escrever-contar, passando pelo ensino de ciências, moral e cívica, até o ensino de desenho, trabalhos manuais e educação física, percebia-se a perspectiva de formação para a ordem e progresso, em que a expressão lógica estabelecida era que a ordem caminhava harmonicamente ao progresso desejado. O Ensino de História tornou-se um instrumento de desenvolvimento do sentimento nacionalista, sendo este um de seus principais objetivos, de forma que os materiais didáticos de História refletirão tais concepções.

Com base nesse ponto de vista, é possível considerar o LD como uma tecnologia que institui formas de abordagens para conteúdos, para metodologias e para questões ideológicas, além de ser utilizado no meio escolar para a disseminação de saberes e informações. No caso da disciplina de História, o LD tem sido o principal material do professor, mesmo com as ressalvas docentes já elencadas anteriormente. Essa realidade pode ser constatada pela precariedade da formação acadêmica de muitos professores, sem contar as péssimas condições de trabalho nas escolas públicas brasileira. Diante disso, não raro, o trabalho docente se restringe à repetição das ideias contidas nesses livros, reforçando o entendimento do aluno de que essa é a única fonte digna de confiança (Horn & Germinari, 2013).

Segundo Gatti Júnior (2009), o LD de História foi cunhado em um contexto de expansão da rede escolar para todos com condições diferenciadas, predominando a baixa qualidade para as escolas destinadas às camadas populares. Para o autor,

De fato, o livro didático e a política de distribuição executada pelos diversos governos serviram para camuflar um sem número de mazelas do sistema educacional brasileiro. Se parte considerável dos professores recrutados para o trabalho nessa escola que se expande não eram à época formados nas áreas disciplinares em que atuavam, nada melhor que um livro organizador dos conteúdos e das práticas pedagógicas das aulas, acompanhado, evidentemente, das perguntas e respostas às questões propostas no próprio livro didático (Gatti Júnior, 2009, p. 14).

Embora o LD tenha sofrido alterações, permaneceu por um bom tempo como medida paliativa no cenário escolar, como parte da solução para o professorado, marcado pela falta de qualificação e de tempo para preparação de suas aulas. Entre as décadas de 1970 a 1990, com a ampliação do acesso das classes populares à escola, o livro tornou-se um recurso didático indispensável, estabelecendo parte das condições materiais utilizadas nas escolas. Esses instrumentos passaram a ser os portadores dos conteúdos e se tornaram os organizadores das atividades didático-pedagógicas exercidas pelos professores para viabilizar os processos de ensino e aprendizagem (Gatti Júnior, 2009).

De acordo com Caimi (2018), ao longo dos últimos 20 anos, especialmente a partir de 1996, quando o PNLD foi redimensionado e configurado em um modelo contínuo e sistemático de avaliação, com aporte de recursos orçamentários, a qualidade do LD foi alavancada, pois minimizaram-se erros conceituais, anacronismos e simplificações, foram suprimidos situações estereotipadas e preconceitos, melhorou-se a qualidade da editoração dos livros, com uso de recursos visuais intercalados aos textuais, dentre outros aspectos.

Para a autora, mesmo com o caminho de conquistas relacionas ao LD no âmbito do PNLD, ainda persistem problemas relevantes, mas que podem ser superados na medida em que os processos avaliativos se tornem mais rigorosos e que os estudos e as discussões nas diferentes áreas do conhecimento acadêmico e escolar ganhem maior visibilidade (Caimi, 2015).

É importante destacar que nem tudo é LD, pois “[...] o ensino se dá por múltiplos caminhos e que a produção de materiais didáticos, de forma descentralizada e vinculada a realidades específicas de aprendizagem, deve ser apoiada e valorizada” (Silva & Fonseca, 2010, p. 27). Os LDs têm sido adaptados aos aspectos do PNLD, são produzidos em formas de coleções, destinados aos diferentes níveis de ensino e apresentam o livro do aluno e o livro do professor, mas a produção de livros no Brasil não se resume aos didáticos. Para a disciplina de História, há uma variedade de textos paradidáticos, em função da indefinição dos conteúdos curriculares propostos para o ensino (Bittencourt, 2018).

Para a História, esse é mais um desafio a ser superado, pois, ao se tornar o instrumento veiculador dos saberes históricos, o LD assume uma tarefa formativa e informativa que deve ser analisada cuidadosamente. O melhor dos LDs não pode competir com o professor, haja vista que ele, mais do que qualquer livro, é quem sabe quais os aspectos do conhecimento falam mais de perto a seus alunos e que modalidades de exercício ou de atividade se adequam à sua classe.

O professor, por meio das aulas de História, deve levar o aluno a ler o mundo como se fosse um documento, pois é no mundo que ele deve atuar como sujeito histórico e social. Ensinar História nos primeiros anos da Educação Básica é uma escolha contínua do que e como ensinar; “[... é] tornar a sala de aula um lugar privilegiado de investigação, de reflexão e de produção de conhecimentos” (Menezes & Silva, 2012, p. 226).

O desafio desse processo constitui-se em fornecer um instrumento intelectual ao aluno de modo que compreenda a História como produto de atuação humana, tome consciência da sua condição de sujeito histórico e faça, desse modo, as relações do presente com o passado, em uma perspectiva de totalidade.

As pesquisas sobre a produção didática permitem um aprofundamento acerca das características dos LDs de História, evidenciando que ele está em processo de mudanças, tendendo a favorecer a liberdade do professor no seu trabalho, nas estratégias de ensino, na escolha de fontes e documentos, na reconstrução de conteúdos apresentados e na indicação de pesquisas complementares para os alunos. Essas sugestões revelam mudanças nas concepções de professor e aluno, evidenciando, mesmo que de maneira implícita, que o LD não deve ser o único material utilizado pelos discentes (Bittencourt, 2018).

Ao definir seu compromisso social como educador, ciente da complexa tarefa de aprimoramento da qualidade social da educação, o professor contribuirá para que os educandos desenvolvam o pensamento crítico e o pensamento histórico, incluindo-se como sujeitos na sua relação com a coletividade.

A produção e uso do livro didático de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental em Itaipulândia (PR): limites, desafios e perspectivas

Com a análise do LD produzido para a rede municipal de Itaipulândia (PR) e a sua sincronia (ou não) com as políticas nacionais, observa-se que esse município, entidade federativa, não está isento às políticas públicas em âmbito nacional e estadual. Nesse contexto, foram discutidas as possibilidades de se efetivar um material de apoio pedagógico que contemplasse ou melhor se aproximasse de uma proposta pedagógica preocupada com o acesso ao conhecimento científico, com vistas à transformação social. Desse modo, o processo de construção de um LD próprio para os anos iniciais do Ensino Fundamental de Itaipulândia (PR) só foi possível devido à organização dos professores da escola pública municipal e à luta na construção de políticas educacionais com base na perspectiva teórica da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC).

A partir de estudos acerca dos fundamentos teóricos, da história das disciplinas e do LD com ênfase nos conteúdos, tendo em vista seus fundamentos para a organização desses e dos planejamentos, foram elencados os limites do livro e da História como disciplina curricular. Com base nessa análise sistemática do LD de História distribuído pelo MEC, constatou-se que esse material ainda não alcançou a capacidade de permitir, ao aluno, a partir de sua leitura, apropriar-se dos conhecimentos históricos. A forma de apresentação do passado nas narrativas do LD para o ensino de História não instigava a percepção das experiências históricas.

Nesse sentido, o LD de História de Itaipulândia (PR) foi elaborado com base na categoria trabalho e procura expressar o conhecimento universal, em uma perspectiva de totalidade. O trabalho com os conteúdos escolares no campo da História é organizado de forma a levar alunos e professores à reflexão sobre a memória, a pesquisa e investigação, os documentos, a narrativa histórica e a oralidade.

Os profissionais da educação que atuam nas escolas públicas do município de Itaipulândia (PR), ao assumirem a PHC como perspectiva teórica, buscam conhecê-la, entender seus fundamentos, compreender e compactuar das suas concepções de homem, de sociedade, de educação e da função social da escola, promovendo momentos de estudos, de análises e de reflexões sobre a problemática educacional no município. Para eles, essa compreensão é basilar para a efetivação tanto de políticas públicas quanto da Proposta Pedagógica Curricular (PPC) (Itaipulândia, 2018).

A rede de ensino de Itaipulândia (PR), embasada no currículo regional coordenado pela Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP), implantado em 2007 (Associação dos Municípios do Oeste do Paraná [Amop], 2007), tem uma PPC fundamentada na PHC, que considera a escola como sendo a promotora igualitária dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e culturais construídos histórica e coletivamente pelo conjunto dos professores, desde os anos de 1980 , quando se reivindicavam a valorização da escola pública como espaço de transmissão e a apropriação dos saberes científicos, artísticos e filosóficos. E foi a partir desse mesmo ano que a proposta de produção de um LD que atendesse a esse referencial teórico passou a ser uma necessidade dos educadores itaipulandienses.

De acordo com Saviani (2009, p. 137), “[...] na elaboração do livro didático é preciso não esquecer as condições objetivas que determinam o professor que o vai utilizar. Sabe-se que o livro didático depende do professor, uma vez que não o pode substituir”. Esse era um dos maiores desafios da equipe da Smed de Itaipulândia (PR) naquele momento: “[...] produzir o livro didático que seja um estímulo constante para a atividade criadora do professor e lhe mantenha vivo o gosto pelo ensino” (Saviani, 2009, p. 137).

A necessidade, portanto, era imprimir um olhar para o livro como um recurso indispensável para o ensino, mas que deveria sofrer alterações na forma de seu uso, transformando-se em um instrumento de valorização do professorado. Essas mudanças só seriam (e têm sido) possíveis com um projeto sólido de formação geral e específica.

A opção da PPC para a rede pública municipal, com base na PHC e no Materialismo Histórico-Dialético (MHD) como instrumentos de compreensão e transformação da realidade, possibilitava à História, como disciplina escolar.

Atualmente, há uma coleção completa de LDs de apoio pedagógico para a rede pública municipal. A ‘Coleção Educar e Saber’ contempla as áreas de Língua Portuguesa, de Matemática, de Ciências, de História e de Geografia para os anos iniciais do Ensino Fundamental da escola pública de Itaipulândia (PR). Esse fato traduz a preocupação dos professores com um ensino que possibilite o acesso ao conhecimento universal, já que isso não se observa nos LDs disponibilizados pelo MEC. Os docentes da rede compreendem que a escolha do método é fundamental na percepção da contradição que só é possível com base na categoria da luta como motor na história (Itaipulândia, 2019).

Os professores da rede municipal de Itaipulândia (PR), ao entenderem que os alunos que frequentam a escola pública são, em sua maioria, os filhos da classe trabalhadora, oriundos das classes sociais menos favorecidas economicamente, manifestam sua preocupação com o resgate de uma lógica organizativa em que o texto prevalece sobre os demais componentes, buscando reafirmar que: “[...] O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (Saviani, 2013, p. 13).

É importante ressaltar que a iniciativa e o formato coletivo de elaboração do LD de apoio ao ensino público municipal, disponibilizado para os estudantes e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, a primeira fase de progressão dos conteúdos do 1º ao 5º ano, ainda não superaram todas as críticas e questionamentos. Ainda há um longo caminho a ser percorrido; mesmo não sendo uma tarefa fácil, é algo possível.

Na ótica de Saviani (2009, p. 132), “[...] o Livro didático organizado a partir da PHC deve servir como estímulo a professores e alunos no sentido de aguçar-lhes a capacidade criadora levando-os a descoberta e uso de novos recursos, através de sugestões múltiplas e ricas”. Dessa forma, o professor será capaz de exercer sua função visando à função precípua da escola, que é ensinar e promover o desenvolvimento. Esse tem sido o desafio dos educadores da rede municipal de ensino de Itaipulândia (PR).

A intenção no ato de produzir e disponibilizar o LD para os cinco Componentes Curriculares de todos os segmentos do Ensino fundamental está na coerência com o ensino pautado na PHC e, portanto, na busca pela superação das insuficiências do LD distribuído pelo MEC, bem como em uma das maneiras de garantir o acesso ao conhecimento científico aos alunos da escola pública municipal (Itaipulândia, 2013).

Por meio dos estudos iniciados em 2004, que culminaram em mudanças na educação do município e na formação da equipe de produção de material, em 2010, reporta-se à identificação das insuficiências do LD distribuído pelo MEC, elencadas anteriormente. O mesmo ocorre com relação à disciplina de História, foco deste debate.

Alves (2005) argumenta que o manual didático contemporâneo, além de resumir um programa de conteúdos informativos, condiciona os procedimentos docentes necessários ao seu desenvolvimento. É preciso aceitar, coletivamente, o desafio de inserir a educação no centro da preocupação, resgatando e/ou reafirmando a função social da escola: a transmissão do conhecimento culturalmente significativo.

Para Saviani (2009, p. 139), idealizador da PHC:

[...] o bom livro didático será, em suma, aquele que, reconhecendo-se um dentre os diversos recursos que concorrem para o êxito do ensino, for capaz de reunir o maior número de estímulos que permitam a professores e alunos dinamizar o dia a dia do processo ensino-aprendizagem na direção do objetivo fundamental da educação: a promoção do homem. Esse tipo de livro não surgirá, porém, espontaneamente.

A intenção que move o esforço na elaboração e na materialização do LD municipal consiste na garantia de possibilitar que todos os estudantes tenham acesso ao saber elaborado. Nesse sentido, o trabalho com os conteúdos escolares no campo da História é organizado de forma a levar alunos (e professores) à reflexão sobre a memória, a pesquisa, a investigação, os documentos, a narrativa histórica e a oralidade.

Acreditar na efetivação de um ensino pautado na valorização do conhecimento histórico, no compromisso com um ensino crítico, que se preocupe em explicar e problematizar o processo de produção da existência humana estabelecidos nas relações de trabalho marcados pelas contradições das relações sociais, que compreenda o homem como um ser concreto e social, conforme preconizam as propostas curriculares regional e local, materializadas no LD, seria, no mínimo, ingênuo. Entende-se que o livro por si só não dá conta de atender à função social e humana da História, e, portanto, não se pode transformá-lo em um fetiche. Sabe-se dos limites e dos desafios que se apresentam no contexto educativo de Itaipulândia (PR), com a compreensão de que, “[...] se pretendemos desenvolver o pensamento crítico e o pensamento histórico, temos que fazê-los apoiados em bases científicas” (Casagrande, Peletti, & Batista, 2016, p. 115). Disso decorre a importância de uma sólida formação do professor.

Evidentemente, o livro não seria o único instrumento utilizado pelos docentes em sala de aula, mas se manifesta na materialização de um dos pressupostos da PHC, que é a garantia, mesmo que minimamente, do acesso ao conhecimento científico pela mediação do professor.

Corrobora-se da visão de Paniago (2013, p. 89), que afirma que,

Em uma sociedade dividida em classes antagônicas não se pode esperar pela reformulação do manual didático, nem pela construção de um livro didático que supere a simplificação e a vulgarização dos conhecimentos acumulados socialmente. Essa possibilidade implicaria uma formulação que se voltasse ideologicamente contra os interesses da classe dominante e, consequentemente, a favor da formação da consciência para a emancipação do Capital.

Seguindo nessa direção, entende-se que a produção do LD de apoio pedagógico na rede pública de Itaipulândia (PR) se configura em um processo cuja orientação se fundamenta na PHC e que os educadores não esperam que as condições sejam dadas, mas lutam pelas condições materiais e imateriais no interior da escola pública.

Diante das considerações e das inquietações dos professores que tornaram possível uma avaliação do uso do LD para ministrar as aulas de História e dos demais Componentes Curriculares, constata-se, com base nos documentos oficiais, nos relatórios da Smed e na experiência da autora principal deste artigo em aplicar o material em sala, que esse processo é contínuo e que o uso de bons livros é indispensável no ensino, uma vez que permitem o acesso ao conhecimento e à informação, sendo utilizados para funções diversas. Também, é preciso considerar a indispensabilidade do professor como mediador do conhecimento, o que implica afirmar que não é suficiente a escolha de bons LDs, de acesso a bibliografias clássicas, mas é necessária a valorização do professor na sua condição de trabalho e em formação.

Evidentemente, o livro não seria o único instrumento utilizado pelos professores itaipulandienses em sala de aula, mas se manifesta na materialização de um dos pressupostos da PHC, que é a garantia de transmissão do conhecimento científico pela mediação do professor. O livro não é o único, mas se caracteriza como um instrumento insubstituível, portador do discurso científico que é incorporado dialeticamente, em certa medida, ao discurso didático.

Saviani (2009), ao discutir a questão do LD no quadro da organização escolar brasileira, evidencia a necessidade e a urgência da produção de bons livros, alertando que uma obra que persiga na promoção do educando como objetivo fundamental da educação não surgirá espontaneamente.

A importância do LD, seja para a área da História ou para os demais Componentes Curriculares, reside na concretização dos conteúdos escolares provenientes das propostas curriculares e da produção historiográfica. Na elaboração do LD, Saviani (2009) assevera que é necessário levar em conta que “[...] o livro depende do professor, uma vez que não o pode substituir. Em contrapartida, o professor também depende do livro, pois este se lhe apresenta como um recurso indispensável” (Saviani, 2009, p. 137). É preciso, pois, atentar-se para o fato de não tornar o livro como um cristalizador da rotina.

O livro de História de Itaipulândia (PR) apresenta sugestões de leituras de outros obras, de filmes e de consultas de mídia eletrônica, além de incentivar visitas de conhecimento e pesquisas complementares, o que indica que o material não é e não deve ser a única fonte utilizada no cotidiano escolar. Dessa forma, considera-se o LD para o ensino de História elaborado e utilizado nos anos iniciais do ensino Fundamental de Itaipulândia (PR) como uma possibilidade para desenvolver um trabalho pedagógico na perspectiva da PHC. O material expressa um avanço no sentido de efetivação da proposta pedagógica em implantação e implementação na rede municipal de ensino.

Considerações finais

Ao se investigar os aspectos que envolvem o LD para a escola pública, é possível encontrar múltiplas evidências que expressam a sua construção histórica, desde a sua origem comeniana, pautada na divisão do trabalho e no modelo manufatureiro de organização laboral, até a sua utilização na escola contemporânea.

Conforme foi destacado ao longo deste artigo, o ensino sempre esteve vinculado de alguma forma a um livro escolar. Instrumento responsável pela formação de gerações, o LD ainda é o principal recurso utilizado não só como ferramenta didático-pedagógica, mas também como fonte de consulta pessoal, já que, em muitos casos, é o único material impresso disponível em lares brasileiros, marcados pela desigualdade social.

A importância do LD, seja para a área da História ou para os demais Componentes Curriculares, reside na concretização dos conteúdos escolares provenientes das propostas curriculares e da produção historiográfica. Há, desse modo, uma relação intrínseca entre o professor e o LD, em que um depende do outro (Saviani, 2009). Todavia, para Saviani (2009), não se pode tornar o livro como um cristalizador da rotina escolar.

O LD de apoio pedagógico para os anos iniciais do Ensino Fundamental no município de Itaipulândia (PR) completa, em 2020, 10 anos de sua elaboração e de tentativas de implementação que, historicamente, foram sendo produzidas e mostram os avanços e retrocessos, os limites e as perspectivas, bem como as condições em que ocorrem, em meio a inúmeras contradições. Esse processo só foi possível a partir da organização dos professores, com base na perspectiva teórica institucionalizada na rede de ensino, a PHC.

A proposta de produção do LD emerge a partir da necessidade do grupo de professores da rede municipal após a publicação e distribuição do currículo regional, que fundamenta a PPC no município em questão. Com vistas a atender às necessidades desafiadoras do momento, a equipe de produção, constituída no início de 2010, inaugurou, no segundo semestre desse mesmo ano, a elaboração coletiva de um material que perdura até o momento. Com os estudos acerca dos fundamentos teóricos, da história das disciplinas e do LD com ênfase nos conteúdos, tendo em vista seus fundamentos para a organização desses e dos planejamentos, foram elencados os limites do livro e da História como disciplina curricular. A partir de uma análise sistemática do LD de História distribuído pelo MEC, constatou-se que esse ainda não permite que o aluno, a partir de suas leituras, aproprie-se dos conhecimentos históricos, já que a forma de apresentação do passado nas narrativas do LD para o ensino de História não instigava a percepção das experiências históricas.

Nesse sentido, o LD de História de Itaipulândia (PR) foi elaborado com base na categoria trabalho, almejando expressar o conhecimento universal, em uma perspectiva de totalidade. O trabalho com os conteúdos escolares no campo da História é organizado de forma a levar alunos (e professores) à reflexão sobre a memória, a pesquisa e a investigação, os documentos, a narrativa histórica, a oralidade. De acordo com Saviani (2009), o LD como portador da mensagem educativa é “[...] não somente o instrumento adequado, mas insubstituível, uma vez que os demais recursos não se prestam para a transmissão de um corpo de conhecimentos sistematizados” (Saviani, 2009, p. 134).

Foram mobilizadas para este debate questões oriundas da prática pedagógica, de experiências e de estudos na jornada profissional da Educação Básica pública. Ao optar-se pelos anos iniciais do Ensino Fundamental, insistiu-se em permanecer no constante processo de mudança preconizado pela História. Ser professor nessa etapa da escolarização é desenvolver nos estudantes a capacidade de questionar, de relacionar, de temporalizar, de conceituar, respeitadas as experiências e o acervo de conhecimentos pertinentes à faixa etária a que pertencem, priorizando o ensino culturalmente significativo.

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1O LD assume uma característica múltipla, pois a sua elaboração e a sua produção são realizadas por critérios de um ideário mercadológico de compra e venda. Constituído em um campo estratégico na consolidação de grandes grupos editoriais nacionais e estrangeiros, o LD tem um caráter de produto. Todavia, é preciso considerar, dentre as múltiplas facetas assumidas pelo LD, que os meios possíveis do processo de ensino e aprendizagem com o uso dessa ferramenta se caracterizam pela função que lhe é atribuída em sala de aula. Para ampliar as reflexões, sugere-se a leitura a obra de Moretto (2017), intitulada ‘O livro didático na Educação Básica: o livro didático e seu papel em sala de aula’.

2De acordo com Bottomore (1988), Marx considerava que, na sociedade capitalista, os objetos materiais têm certas características que lhes são conferidas pelas relações sociais dominantes, como se lhes pertencessem naturalmente. Esse fenômeno é por ele denominado de fetichismo.

7NOTA: Janete Liane Boehm Lutke foi produtora do texto, responsável pelas ideias, argumentos, análises e articulação com referencial teórico; João Carlos da Silva: Foi orientador do trabalho, responsável pela leitura crítica do texto, além de sugestões e observações de cunho teórico e analítico.

Recebido: 21 de Outubro de 2021; Aceito: 30 de Maio de 2022

*Autor para correspondência. E-mail: janeteliane@hotmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Janete Liane Boehm Lutke: Mestra em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Faculdades Integradas Camões (Fica), Especialista em Educação Especial Inclusiva pela Fica, Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino e Aprendizagem. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3448-718X E-mail janeteliane@hotmail.com

João Carlos da Silva: Pós-doutorado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Professor no Colegiado de Pedagogia e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Cascavel. É membro do Grupo de Pesquisa HISTEDOPR - História, sociedade e educação no Brasil - GT Oeste do Paraná, Cascavel, atuando na área de Educação, com ênfase em História da Educação ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9322-8754 E-mail: joao.silva@unioeste.br

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