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Regae: Revista de Gestão e Avaliação Educacional

versión On-line ISSN 2318-1338

Regae: Rev. Gest. Aval. Educ. vol.12 no.21 Santa Maria  2023  Epub 15-Abr-2024

https://doi.org/10.5902/2318133884590 

Artigo

PROGRAMA DE PREVENÇÃO DE EVASÃO UNIVERSITÁRIA NA ÓTICA DE COORDENADORES DE GRADUAÇÃO EM SAÚDE

UNIVERSITY DROPOUT PREVENTION PROGRAM FROM THE PERSPECTIVEOF HEALTH GRADUATION COORDINATORS

José Renato Romero¹ 
http://orcid.org/0000-0003-3186-0153

Ana Cláudia Puggina² 
http://orcid.org/0000-0001-8095-6560

Alfredo Almeida Pina-Oliveira³ 
http://orcid.org/0000-0002-1777-4673

¹Universidade Guarulhos, Guarulhos, São Paulo, Brasil. E-mail: jose.romero@prof.uscs.edu.br.

²Faculdade de Medicina de Jundiaí, Jundiaí, São Paulo, Brasil. E-mail: anaclaudiapuggina@g.fmj.br.

³Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: alfredopina@usp.br.


Resumo

Neste texto, apresentam-se os resultados de um estudo de abordagem qualitativa, realizado com coordenadores dos cursos de graduação em Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia e Psicologia, de uma universidade privada. O objetivo foi compreender as estratégias institucionais empregadas pelos coordenadores de curso para lidar com a evasão de estudantes de graduação em Ciências da Saúde e propor um programa de prevenção da evasão universitária.Foi empregada a análise de conteúdo, com suporte dosoftwareQualitative Content Map 2020.Identificaram-se duas categorias principais: reconhecer barreiras e características dos estudantes; e valorizar ações e recursos institucionais, cada uma com cinco subcategorias que constituíram fatores importantes para a fundamentação da proposta.A proposta de prevenção da evasão universitária de estudantes das graduaçõesem saúde apresentou dois enfoques principais: financeiro e motivacional.Os coordenadores das graduações em saúde destacaram ações para prevenir a evasão universitária com base nos desafios enfrentados pelosestudantes e nos recursos universitários disponíveis. Esta proposta de programa de prevenção de evasão universitária pode contribuir para repensaraspectos motivacionais, de suporte financeiro, de valorização do desenvolvimento acadêmico e de apoio institucional à gestão acadêmica no ensino superior em saúde.

Palavras-chave: evasão escolar; estudantes de ciências da saúde; ensino superior; instituições acadêmicas

Abstract

This text presents a qualitative study with coordinators of undergraduate courses in Biomedicine, Physical Education, Nursing, Pharmacy, Physiotherapy, Veterinary Medicine, Nutrition, Dentistry and Psychology at a private University. The objective was to understand the institutional strategies employed by course coordinators to deal with the dropout of undergraduate students in Health Sciences and to propose a program to prevent university dropout. We adopted a Content Analysis supported by Qualitative Content Map 2020 software. Two main categories were identified: recognizing barriers and characteristics of students and valuing institutional actions and resources, each with five subcategories that constituted essential factors for the foundation of the proposal. The proposal to prevent university dropouts among undergraduate health students had two main approaches: financial and motivational. Undergraduate health coordinators highlighted actions to prevent university dropout based on the challenges faced by students and available university resources. This proposal for a university dropout prevention program can contribute to rethinking aspects of motivation, financial support, appreciation of academic development and institutional support for academic management in higher education in health.

Key-words: student dropouts; students, health occupations; higher education; schools

Introdução

Em 1998, a Unesco promoveu a Conferência Mundial sobre Educação Superior do Século XXI, com o propósito de iniciar um processo abrangente de reforma na educação superior global. Durante a conferência, foram enfatizados os princípios fundamentais do ensino superior, incluindo o direito universal à educação e a importância de proporcionar igualdade de acesso com base no mérito individual (Castanho, 2000). No Brasil, a reforma na educação foi impulsionada pelo Plano Diretor da Reforma do Estado, que exigiu ajustes por parte das IES para se adequar à realidade nacional. O objetivo dessa reforma era promover melhorias na qualidade de vida das pessoas em diversos setores da sociedade e no mercado de trabalho (Gomes et al., 2010).

Entretanto, ao longo das últimas duas décadas, a expansão da educação superior no Brasil trouxe consigo dois desafios significativos para os gestores das IES: a evasão e a retenção dos estudantes. Essas questões têm sido alvo de preocupação e requerem atenção por parte das instituições educacionais (Costa; Bispo; Pereira, 2015). A entrada na universidade pode ser considerada um evento significativo em termos socioeconômicos na vida das pessoas. No entanto, devido às diversas situações e desafios enfrentados durante o período de formação acadêmica, é comum que ocorram sentimentos de insatisfação, decepção e frustração ao longo desse processo (da Cunha; de Lucca; de Lima, 2015).

Em 2013, o Inep registrou mais de 7 milhões de matrículas em instituições de ensino superior. Essa quantidade tem aumentado constantemente ao longo do tempo. No entanto, dados indicam que apenas cerca de 62,4% dessas matrículas resultam na conclusão dos cursos de graduação, revelando uma taxa significativa de abandono dos estudos (Sales; Balby; Cajueiro, 2016).

A evasão universitária ocorre quando um estudante abandona um programa de estudos, independentemente dos motivos que o levaram a sair. Tanto a evasão, quanto a retenção de estudantes universitários, têm sido estudadas e analisadas sob várias perspectivas buscando a compreensão das causas e consequências desses fenômenos, bem como identificar ações preventivas e corretivas que possam reduzir seus impactos em diversas áreas das IES (Bonadio; Pereira, 2016). É uma questão que afeta, não apenas países em desenvolvimento, mas também nações desenvolvidas, como Estados Unidos, Reino Unido, México e Austrália (Cunha; Lucca; Lima, 2015; Veloso; Almeida, 2002). Esse fenômeno representa um custo significativo para os estudantes, visto que há uma relação entre renda familiar e menor taxa de empregabilidade, o que pode dificultar o acesso e aumentar as chances de abandono dos estudos universitários (Veloso; Almeida, 2002).

Diversos motivos são frequentemente associados à evasão universitária, tais como baixo desempenho acadêmico, qualidade inadequada do ensino ou de disciplinas mal estruturadas, oportunidades de emprego surgindo antes ou durante os estudos, perspectivas limitadas de emprego, questões familiares e falta de aptidão para o curso3. Além desses fatores, o modelo de ensino superior no Brasil, junto com a ineficiência da gestão institucional, são dois aspectos que estão relacionados aos fenômenos de evasão e retenção (de Lima; Zago; 2018).

De acordo com relatórios anuais do Inep, a falta de recursos financeiros é apontada como a principal causa da evasão universitária. Além disso, as expectativas do aluno em relação à sua formação e sua integração com a instituição, também podem desmotivar o estudante a investir tempo e dinheiro para concluir o curso (Leal; Miranda, 2013). Estudos sobre a evasão em universidades públicas e privadas no Brasil mostraram que os Estados do Sul, Sudeste e Norte, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Pará, apresentam a maior concentração de casos de evasão (Ryan; Delci, 2000). Esses aspectos são importantes para entender os processos pelos quais uma intervenção ou programa pode ser eficaz, especialmente em situações em que se busca reduzir a evasão estudantil (Deci; Ryan, 2008).

Sendo assim, a presente pesquisa se justifica pela relevância da investigação das causas e consequências da evasão na educação universitária e, em particular, como promover formas de enfrentá-la na área da saúde. Compreender os fatores que resultam neste fenômeno, torna-se crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes que minimizem a evasão e garantam oportunidades educacionais equitativas para todos os estudantes.

Método

O presente estudo constitui uma parte integrante da tese intitulada Motivação para aprender e evasão de universitários: proposição de um programa de prevenção da evasão na graduação em saúde (Romero, 2021). Este estudo descreve a fase qualitativa em que foram entrevistados os coordenadores dos cursos de graduação na área da saúde e se propôs a seguir os critérios exigidos pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research(Tong; Sainsbury; Craig, 2007).

Na primeira etapa deste estudo, foram coletados dados quantitativos dos estudantes de Ciências da Saúde da IES. Para isso, foram aplicadas a escala de motivação para aprender de universitários e a escala de motivos de evasão no ensino superior (Romero; Pina-Oliveira; Puggina, 2023). Os cursos envolvidos foram Picologia, Odontologia, Veterinária, Enfermagem, Nutrição, Biomedicina, Educação Física, Fisioterapia e Farmácia.

Na segunda etapa, foram coletados dados qualitativos de uma amostra intencional de coordenadores dos cursos de saúde da IES. Inicialmente, ocorreu a interação com os coordenadores por meio da apresentação dos dados quantitativos sobre a evasão universitária e motivação acadêmica em seus respectivos cursos a fim de estimular uma análise do panorama geral das respostas dos discentes.

Em seguida, foram feitas perguntas abertas por escrito para compreender a percepção dos coordenadores sobre esse fenômeno no contexto da gestão acadêmica, suas abordagens para lidar com isso e os elementos-chave para propor um programa de prevenção da evasão de estudantes de graduação na área da saúde.

Os coordenadores receberam um formulário on-line com questões relacionadas à caracterização sociodemográfica e, para maior entendimento das questões da entrevista, o pesquisador principal fez ligações telefônicas para cada coordenador, solicitando complementações das respostas por meio de áudios gravados e enviados via WhatsApp® para inclusão posterior no corpus final, composto pelas respostas digitadas e pela transcrição literal dos áudios recebidos.

Todos os coordenadores receberam as mesmas perguntas, embora a formulação e a ordem exata dessas perguntas tenham variado ligeiramente entre as entrevistas. O roteiro de entrevista foi testado em dois coordenadores, também recrutados de forma intencional, e revisado antes do início efetivo da coleta de dados. Todas as entrevistas foram realizadas pelo mesmo pesquisador.

As entrevistas tiveram duração média de 15 a 25 minutos e foram gravadas utilizando o aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp®. Todas as entrevistas foram transcritas e, para preservar o anonimato, os nomes dos coordenadores e locais mencionados foram substituídos por códigos. Sendo assim, cada transcrição recebeu a letra C de coordenador e um número arábico aleatório para garantir o sigilo e a confidencialidade dos participantes.

No início de cada entrevista, foram compartilhadas informações para criar um ambiente acolhedor e receptivo aos participantes e eles foram encorajados a expressar-se de forma livre e aberta.

Inicialmente, os participantes foram questionados se estavam familiarizados com o termo ‘evasão’ no contexto universitário e se compreendiam esse fenômeno. Para assegurar que todos os participantes estavam se referindo ao mesmo conceito de evasão, o entrevistador forneceu uma definição no início da entrevista, explicando: ‘Nesta entrevista, abordaremos o fenômeno da evasão. Você já refletiu sobre esse termo anteriormente? Como existem diferentes definições de evasão, vou definir aquela à qual nos referiremos durante a entrevista: evasão é quando um aluno abandona voluntariamente seus estudos antes de concluí-los. Isso é familiar?’.

Em seguida, os participantes foram convidados a responder à seguinte pergunta: Como você compreende o fenômeno da evasão? Após coletar essas respostas, os coordenadores foram questionados sobre a existência de diretrizes da IES para prevenir a evasão universitária. Da mesma forma, perguntou-se se a instituição oferecia algum tipo de treinamento relacionado a essa temática. Complementarmente, os participantes foram

informados sobre os dados coletados na etapa quantitativa do estudo realizada com os estudantes e solicitou-se que relatassem suas percepções e insights em relação aos resultados encontrados na gestão de seus respectivos cursos de graduação em saúde.

Após a coleta de todas as respostas, os participantes tiveram a oportunidade de revisar e alterar as transcrições, caso desejassem. No entanto, nenhuma mudança foi feita, e todos os participantes manifestaram se sentir bem representados com o material empírico produzido. Não ocorreu nenhum tipo de perda de informação ou problema técnico com as gravações.

Para a etapa analítica, outra enfermeira - docente na área de Medicina e Saúde Coletiva e com experiência em estudos quantitativos e qualitativos -, integrou-se à equipe desta pesquisa. Destaca-se que o pesquisador principal conviveu com alguns participantes durante sua atuação como coordenador na IES estudada, porém, em período anterior à coleta de dados. Todos os integrantes da equipe de pesquisa atuam como coordenadores ou gestores acadêmicos na graduação e ou pós-graduação.

Para analisar as respostas das perguntas abertas dos coordenadores, foi utilizada a análise de conteúdo com o suporte do softwareQualitative Content Analysis Map- QCA Map 2020 -, na versão 1.0.9, disponível em: https://www.qcamap.org/ui/home (Mayring; Fenzl, 2023).

Foi adotada uma abordagem indutiva para analisar o corpus obtido com os coordenadores dos cursos de graduação na área de saúde da instituição participante. Não foi aplicado um critério de saturação de dados, uma vez que a composição intencional da amostra limitou a compreensão do fenômeno de interesse: a evasão universitária de estudantes de graduação na área de saúde. As notas de campo do pesquisador principal ajudaram a refletir sobre os pontos de vista, as entonações e as emoções dos entrevistados.

Os trechos selecionados das transcrições permitiram a reorganização do material empírico, a identificação de temas, a categorização e a discussão dos resultados. A análise qualitativa foi realizada num texto com 14 páginas e 6.300 palavras, derivadas da transcrição literal das respostas dos coordenadores da instituição participante.

O documento, em formato Microsoft Word® foi ajustado, anonimizado e inserido no QCA Map, uma vez que permitiu realizar a análise colaborativa on-line com o orientador e responder à questão norteadora: como os coordenadores da graduação em saúde da compreendem o fenômeno da evasão universitária e os processos para sua prevenção?.

Os coordenadores receberam informações detalhadas sobre o estudo e anuíram com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido no formato eletrônico.

Resultados

Foram entrevistados oito coordenadores, sendo que um deles coordena simultaneamente dois cursos - Biomedicina e Farmácia -, e outro coordena três cursos: Educação Física Licenciatura, Educação Física Bacharelado e Fisioterapia. Os demais coordenam um curso cada, totalizando dezcursos na área da saúde da Universidade.

Entre os entrevistados, 57,14% eram homens. A média de idade dos coordenadores foi de 57,57 (±4,78) anos e a faixa etária variou de 48 a 64 anos. Em relação à titulação, 71,43% possuíam mestrado e 28,57% doutorado. Os coordenadores relataram ter experiência como docentes na instituição, com uma média de 15,57 (±14,00) anos. Quanto à experiência como coordenadores na instituição, a média foi de 2,86 (±1,73) anos. Dos participantes, 57,14% relataram ter experiência como coordenadores em outras instituições de ensino, enquanto os outros 42,86% nunca coordenaram cursos em outros locais. A média de tempo desde a formatura foi de 30,58 (±7,46) anos, variando de 19 a 41 anos.

Sobre os dados qualitativos, foram geradas as seguintes estatísticas derivadas das duas categorias principais por meio do QCA Map 2020.

Tabela 1 Estatísticas das categorias e subcategorias do corpus total. 

Categorias Subcategorias Contagem absoluta % da Soma
Reconhecer barreiras e características dos estudantes 59 43
Questões financeiras 20 14
Mercado de trabalho 11 8
Frustração sobre o curso 5 3
Dificuldades enfrentadas na graduação 13 9
Necessidades específicas 10 7
Valorizar ações e recursos institucionais 77 56
Política institucional 16 11
Concorrência 2 1
Estratégias indiretas para formação 33 24
Apoio tecnológico para gestão 12 8
Problemas operacionais 14 10
Total -- 136 100

Fonte: autores.

Para facilitar a apresentação dos dados qualitativos, optou-se por organizar a apresentação dos excertos em dois quadros representativos das duas categorias supracitadas. A primeira categoria, Reconhecer barreiras e características dos estudantes, inclui cinco subcategorias intituladas: questões financeiras, mercado de trabalho, frustração sobre o curso, dificuldades enfrentadas e necessidades específicas, quadro 1.

Quadro 1 Categoria e subcategorias relacionadas aos estudantes na perspectiva dos coordenadores da graduação em saúde.  

Categoria: Reconhecer barreiras e características dos estudantes
Subcategorias Justificativa Exemplo
Questões financeiras Aquilo que se relaciona com dificuldades na captação de recursos financeiros para custear os estudos. Sem condições de pagar as mensalidades.
“O principal problema é a situação financeira do aluno”. C3 “Eu entendo que a evasão está relacionada com alguns fatores principais. Primeiro deles, a questão financeira”. C8 “O fenômeno da evasão está relacionado diretamente com a parte financeira”. C6
Mercado de trabalho Questões relacionadas a falta de oportunidade de se trabalhar sob remuneração ou perda do emprego. Não existir oferta de emprego.
“é um fenômeno que está muito relacionado com o mercado de trabalho. Se existe renda no mercado, o aluno permanece no curso”. C1 “quando você vê um período de economia boa, de crescimento e de empregos, você tnum número menor de evasão, [...] na pandemia aumentou a evasão. Às vezes, dependendo de fatores externos, da parte política financeira e econômica do país, você tem isso refletido no teu número de evasões”. C3 “Fica evidente que quando o desemprego está alto, os alunos abandonam com maior frequência os estudos também de modo geral é isso”. C7
Frustração sobre o curso Quando o aluno percebe que o as disciplinas ou o currículo não atendem suas expectativas. Escolha equivocada do curso.
“O aluno está deslumbrado pela atividade que ele escolheu pela profissão e ele fica às vezes decepcionado, ele tem muitas disciplinas básicas. Ele já imaginava que iria iniciar nas disciplinas mais aplicadas”. C2 “E aí esse aluno pode se frustrar e também evadir. Um outro motivo também que às vezes a gente identifica é o aluno que entra na universidade, mas ele percebe ao longo do curso e isso normalmente é só no início do primeiro para o segundo período ou do segundo para o terceiro período do curso, que ele não tem afinidade com a profissão e aí esse aluno também solicita o trancamento e acaba evadindo. Acho que esses fatores são os que mais se aplicam aqui no curso que eu coordeno”. C6 “Ele acaba percebendo que não é aquilo que ele quer fazer e por isso ele acaba evadindo”. C8
Dificuldades enfrentadas Aqueles alunos que apresentam situações difíceis nas disciplinas ou que não se planejaram para enfrentar o cotidiano acadêmico. Baixo desempenho e dificuldades em deslocamentos.
“Uma outra questão também é a dificuldade cognitiva, às vezes o aluno faz muito tempo que parou de estudar já tinha dificuldade e aí ele não consegue acompanhar o curso. E também na região metropolitana, uma outra questão, é que muitas vezes ao aluno perde muito tempo de deslocamento do seu local de trabalho até ele chegar ou da sua residência para ele chegar na instituição. Então, às vezes, ele imagina que isso é possível, mas os imprevistos da cidade fazem com que ele chegue atrasado nas aulas, quando ele vê que vai perder o semestre, acaba desistindo”. C2 “O trabalho requer muitas horas do seu dia e com isso ele não consegue render academicamente, então começa a diminuir as notas começa e a faltar muito e o rendimento cai”. C3
Necessidades específicas Questões que não estavam previstas fora do controle dos discentes. Doenças, gravidez, mudança de cidade.
“Motivos particulares dos alunos (doenças, mudanças bruscas na família, ou novo emprego), o aluno se afasta contrariado, ou seja, não por sua escolha, mas, por uma situação imposta”. C5 “Um [motivo] é o particular do aluno, é um número bem menor, então o aluno tem alguém com uma doença na família”. C3 “Uma outra situação também relacionada com evasão pode ser em função de mudança de Estado, mudança de cidade”. C6

Fonte: autores.

A segunda categoria - Valorizar ações e recursos institucionais -, apresenta outras cinco subcategorias: política institucional, concorrência, estratégias indiretas para formação, apoio tecnológico para gestão e problemas operacionais, quadro 2.

Quadro 2 Categoria e subcategorias relacionadas aos aspectos da IES na perspectiva dos coordenadores da graduação em saúde.  

Categoria: Identificar e fortalecer estratégias institucionais
Subcategorias Justificativa Exemplo
Política institucional Relaciona-se às alternativas que a universidade oferece para apoiar os estudantes. Financiamentos estudantis.
“Como parcelamento das mensalidades, renegociações, pagamento dos meses em aberto pós término da graduação, setores preparados para esse fim específico, entre outros”. C7 “O aluno não tem condições de manter o curso. Apesar de a instituição oferecer para eles alguns algumas formas de melhorias de pagamento”. C4 “O que puder fazer para ajudar também o aluno. Precisa de uma bolsa de estudos? Precisa de alguma coisa, aí fala direto com a Reitoria para ver se o que consegue ajudar”. C5
Concorrência Questões relacionadas a oferta que outras instituições de ensino superior oferecem para que os discentes se transfiram. Valores menores nas mensalidades ou condições melhores para estudos.
“O fenômeno da evasão universitária está relacionado com a concorrência que pode oferecer algumas alguns grandes descontos em transferências. Então os alunos são atraídos por uma mensalidade menor”. C1 “Previamente os próprios alunos já vão sinalizando, em sala de aula, a questão de evasão, ou de ir para instituição de valor menor”. C4
Estratégias indiretas Abordagens sobre como a equipe da IES se relaciona com o aluno e consegue garantir um bom atendimento de suas necessidades. Receptividade do coordenador, capacidade de resolução de problemas pela equipe técnico-administrativa.
“Em relação as recomendações de evasão, é aquela coisa: a instituição pede para a gente ter o máximo de atenção. Dar o máximo de atenção para o aluno no sentido dele se sentir acolhido no aspecto das aulas.” C5 “Sim, existem recomendações. Uma das principais recomendações é o acompanhamento dos alunos e das turmas pelo próprio coordenador, asvisitas as salas pelo menos uma vez a cada 15 dias, no máximo uma vez por mês”. C3 “E a orientação que nos dão é que quando nós detectamos esse tipo de aluno, esse comportamento, que a gente acione o aluno, que entre em contato com o aluno o quanto antes e tente entender o que está acontecendo com esse aluno. Ouvir as dificuldades que que ele apresenta e fazer com que ele retorne. Tentar dar soluções, encaminhamentos, para a resolução dos problemas e dificuldades que ele apresenta”. C8
Apoio tecnológico na gestão Recursos tecnológicos empregados para mapear possíveis candidatos à evasão de estudantes de graduação. Uso de software ou programa específicos para avaliar a probabilidade de evasão universitária.
“É especificamente para o Ser Retention, software específico da IES estudada, que é o programa de retenção do aluno. Houve um treinamento realizado on-line no laboratório de informática [para aprender as finalidades dessa nova tecnologia]”. C1 “Essa ferramenta [Ser Retention], é uma ferramenta muito boa, porque ela consegue filtrar o aluno que tem o risco de evasão mínimo, médio e alto. E a gente acaba, por meio dessa ferramenta, conseguindo mapear mais facilmente os alunos com alto índice, com alto risco de evasão e, aí dessa forma, a gente acaba sendo, tendo uma ferramenta que nos ajuda a identificar esse aluno para poder acioná-lo e reverter o processo”. C8 “Nesse programa [Ser Retention] você vê o aluno, qual é o problema dele olha realmente ele está muito inadimplente, ele tem muitas faltas e aí o coordenador entra em contato com o aluno para tentar ajudá-lo”. C3
Problemas operacionais Quando o aluno enfrenta algum problema na instituição e tem dificuldades em sua resolução. Boletos com valores acima do acordado e não familiaridade com os processos administrativos e acadêmicos.
“Ah, não gerou o boleto? Então a gente já sabe também que isso é um problema e chega uma hora que ele não consegue pagar. E não porque não quer, porque não consegue gerar o boleto, então vamos encaminhar para quem é responsável por isso! Então isso são coisas importantes”. C2 “Outro problema é o descontentamento com a com a instituição. Às vezes, a gente até vivencia isso, até muda o esquema, muda o gestor, muda a liderança. E com isso muda a mantenedora e com isso o aluno visualiza algumas mudanças que ele começa a não mais a se identificar com aquela instituição”. C3 “Uma coisa também para evitar evasão é a questão das disciplinas a distância. É que os alunos acabam não se familiarizando com o acesso ao portal [do aluno].” C2

Fonte: autores.

A proposta de prevenção da evasão universitária de estudantes na área da saúde, numa instituição de ensino privada, foi desenvolvida considerando projetos e ações com dois enfoques principais: o enfoque financeiro - quadro 3 -, e o enfoque motivacional -quadro 4.

No enfoque financeiro, foram propostos cinco projetos incluindo Projeto Empoderamento Financeiro, Projeto Convênio de Atendimento no Campus, Projeto Carona Solidária, Projeto Apoio e Sustentabilidade, Projeto Recompensando o Sucesso. Já no enfoque motivacional, foram sugeridos nove projetos, como o Projeto Acolher, Projeto Conexões Inspiradoras, Projeto Monitoria Solidária, Projeto Saber+, Projeto Profissão 360º, Projeto Previne, Projeto Universidade Sem Drogas, Projeto Bem-Estar Compartilhado e Projeto Mulheres em movimento.

Quadro 3 Projetos com enfoque financeiro da proposta de programa de prevenção da evasão universitária em cursos de graduação da saúde.  

Projetos com enfoque financeiro
Projeto Empoderamento Financeiro Criação da disciplina Gestão de Recursos Financeiros, no primeiro semestre, integrando-a ao currículo. O formato presencial permitirá o acompanhamento personalizado dos alunos pelo professor para uma melhor gestão financeira. Oferta de cursos relacionados à saúde financeira para alunos e familiares, por meio de oficinas profissionalizantes ou cursos de extensão durante os períodos de férias, incluindo tópicos como planejamento financeiro, orçamento e investimentos. Realização de palestras coach financeiro em família, para promover a educação financeira conjunta, fortalecer os laços familiares e melhorar a saúde financeira de todos os membros da família. Essas ações podem reduzir o estresse financeiro, melhorar a qualidade de vida e fortalecer as habilidades de tomada de decisão. O envolvimento das famílias fortalece a parceria entre a instituição de ensino, promovendo a formação integral dos estudantes e construindo uma base sólida de conhecimentos financeiros com impacto positivo ao longo da vida dos estudantes e suas famílias.
Projeto Convênio de Atendimento no campus Implantação de um convênio de atendimento para incentivar os alunos a utilizarem as clínicas de ensino do campus, que atendem a população em geral e os próprios estudantes. Os serviços podem ser oferecidos gratuitamente ou a uma taxa mínima, dependendo do curso e dos insumos necessários. Essa iniciativa visa valorizar o aluno, demonstrando preocupação com seu bem-estar físico e mental, e permite que os alunos também beneficinum familiar direto, fortalecendo o vínculo com a instituição. Acredita-se que essa estratégia motivará os alunos a permanecerem na instituição e promoverá a divulgação dos cursos e o interesse por uma segunda graduação.
Projeto Carona Solidária Redução dos gastos de transporte dos alunos. por meio do uso de uma plataforma que conectará aqueles que possuem condução própria com os que utilizam transporte público. Compartilhando despesas, os alunos também economizam tempo no trajeto e têm a oportunidade de formar novas amizades, fortalecendo seu vínculo com a instituição.
Projeto Apoio e Sustentabilidade Criação de um fundo financeiro destinado a apoiar alunos de baixa renda por meio de projetos sustentáveis, alinhando o propósito do projeto com uma abordagem consciente e ecologicamente responsável. Esse fundo poderia ser alimentado por doações da comunidade acadêmica, empresas parceiras e até mesmo por iniciativas de economia circular dentro da própria instituição. Dessa forma, além de oferecer ajuda financeira, o projeto poderia incentivar práticas sustentáveis, como reciclagem, reutilização de materiais e a implantação de soluções energéticas mais eficientes no campus. Essa abordagem não apenas atenderia às necessidades financeiras dos estudantes carentes, mas também criaria um ambiente institucional engajado em promover a responsabilidade socioambiental, gerando impactos positivos tanto para a comunidade acadêmica quanto para o meio ambiente.
Projeto Recompensando o Sucesso A implantação de um sistema abrangente de reconhecimento acadêmico vai além dos descontos, oferecendo recompensas como bolsas de estudo, participação em programas de pesquisa, estágios remunerados e projetos de impacto social. Esses incentivos não só reconhecem o esforço dos alunos, mas também estimulam o desenvolvimento contínuo de suas habilidades e compromisso com a excelência acadêmica. Além disso, o projeto atrairia talentos promissores para a instituição, elevando a qualidade do ensino e formando futuros líderes em suas respectivas áreas. Essa abordagem promove um ambiente de excelência educacional e valoriza os talentos acadêmicos, impulsionando o crescimento mútuo entre a instituição e seus estudantes.

Fonte: autores.

Quadro 4 Projetos com enfoque motivacional da proposta de programa de prevenção da evasão universitária em cursos de graduação da saúde. 

Projetos com enfoque motivacional
Projeto Acolher Realização de tours acadêmicos para que os estudantes possam conhecer toda a estrutura da IES, demonstrando o cuidado com o crescimento acadêmico e valorizando o investimento dos alunos. Organização de gincanas com alunos veteranos incentivam a interação entre calouros e veteranos, compartilhando boas práticas acadêmicas, troca de experiências, facilitando a adaptação dos novos estudantes. Implantação de um professor padrinho para uma turma cria um ambiente acolhedor, aproximando os alunos da instituição e coordenação, facilitando a resolução de problemas e reduzindo dúvidas relacionadas à adaptação acadêmica.
Projeto Conexões Inspiradoras Realização de palestras com ex-alunos bem-sucedidos, para motivar e incentivar os calouros a perseverar em seus estudos, compartilhando histórias inspiradoras de superação de desafios e sucesso acadêmico.
Projeto Monitoria Solidária Implantação da Monitoria Solidária, em que alunos veteranos destacados em disciplinas oferecem suporte acadêmico aos colegas com dificuldades de compreensão ou interesse em aprofundar conhecimentos. Essa iniciativa visa fortalecer o aprendizado colaborativo, promover a solidariedade entre os estudantes e contribuir para a redução da evasão, incentivando a continuidade dos estudos.
Projeto Saber+ Implantação de um projeto de tutoria e mentoria acadêmica para aprimorar o desempenho acadêmico dos estudantes e prevenir a evasão. A iniciativa visa oferecer suporte personalizado por meio de uma rede de apoio composta por professores, estudantes veteranos e profissionais especializados. As principais etapas incluem a identificação de alunos em risco, o recrutamento de tutores e mentores voluntários, sessões regulares de tutoria e mentoria, oficinas de desenvolvimento e monitoramento contínuo para avaliação do projeto.
Projeto Profissão 360º Estabelecer uma conexão significativa entre as disciplinas do primeiro ano e a profissão escolhida pelos alunos é uma abordagem eficaz para aumentar o interesse e reduzir a evasão. Incluir disciplinas mais específicas da profissão nos semestres iniciais permite que os estudantes se identifiquem melhor com sua futura carreira desde o início do curso, proporcionando uma visão clara do propósito da graduação. Isso promoverá uma maior motivação dos alunos ao se conectarem diretamente com suas expectativas profissionais.
Projeto Previne Capacitação dos professores para identificar alunos propensos à evasão e fornecer orientação adequada é essencial para um ambiente educacional acolhedor e personalizado. Além de identificar sinais de evasão, o treinamento pode incluir estratégias de engajamento, metodologias ativas e uso de tecnologias inovadoras para promover o crescimento acadêmico e pessoal dos alunos. Criação de uma rede de apoio com outros profissionais da instituição possibilitará assistência abrangente, incluindo suporte emocional e auxílio na adaptação, contribuindo para o sucesso acadêmico e formação de cidadãos preparados para os desafios profissionais e pessoais.
Projeto Universidade Sem Drogas Prevenção ao uso de substâncias em universitários, visando criar um ambiente acadêmico saudável e seguro. O projeto busca conscientizar sobre os riscos do uso de drogas, promovendo bem-estar e resiliência por meio de palestras, workshops e apoio psicossocial. Capacitando os estudantes a fazerem escolhas conscientes e saudáveis, o programa incentiva a formação de grupos de apoio e a participação ativa da comunidade universitária na promoção de um estilo de vida livre de vícios.
Projeto Bem-Estar Compartilhado O atendimento de alunos e familiares nas clínicas acadêmicas regidas pelos cursos de enfermagem, farmácia, nutrição, fisioterapia, psicologia e odontologia é uma iniciativa que não só irá motivar alunos novos e veteranos, mas também promoverá uma abordagem interdisciplinar e holística na formação acadêmica. Ao proporcionar um ambiente de prática real para os estudantes dessas áreas, onde eles têm a oportunidade de aplicar os conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula, a experiência clínica se torna enriquecedora e extremamente valiosa para o desenvolvimento profissional dos futuros profissionais de saúde. O atendimento nas clínicas acadêmicas cria uma conexão direta com a comunidade local, permitindo que os alunos desenvolvam habilidades de comunicação e empatia ao lidar com pacientes e seus familiares. Essa vivência prática inspira alunos novos e veteranos a se dedicarem aos estudos, fortalece o vínculo com a sociedade e contribui para uma formação mais completa e significativa. Além disso, ao atender aos membros das famílias dos alunos, a clínica acadêmica promove um ambiente inclusivo e acolhedor, onde a comunidade educacional é percebida como um recurso valioso para a saúde e o bem-estar da população em geral.
Projeto Mulheres em movimento A criação de uma academia exclusiva para mulheres na instituição busca atrair o público majoritário na área da saúde, aproveitando a estrutura física institucional e a atuação dos alunos estagiários do curso de Educação Física. Além disso, há a possibilidade de parceria com cursos de Nutrição e Gastronomia oferecendo orientação personalizada sobre alimentação saudável e qualidade de vida.

Fonte: autores.

Discussão

A prevenção de evasão universitária é um fenômeno complexo e multifatorial, demandando uma abordagem integral e a implantação de ações plurais e diversificadas. Para lidar com essa questão de forma efetiva, é essencial considerar diversos aspectos que podem influenciar a trajetória acadêmica dos estudantes. Publicações sobre o tema apresentam ações satisfatórias e reflexões relevantes considerando o enfoque financeiro (Ferreira, 2017; Silva et al., 2019; Brutes; Seibert, 2014; Oliveira; Souza, 2019; Cordeiro, 2017; Fragoso; Valadas; Paulos, 2019), na conscientização do impacto do uso de drogas na universidade (Towsend; Flisher; King, 2007; Lemma et al., 2021; Gubbels; van der Put; Assink, 2019), a importância do bem-estar físico e emocional(National Academies of Sciences et al., 2021; Pires et al., 2013) do aluno para permanecer na IES e a participação fundamental dos professores e alunos veteranos(Peretta; Oliveira; Lima; 2019) nesse processo.

Estudos mostraram que é fundamental promover uma maior conscientização sobre a importância da educação financeira, fornecendo informações e recursos para ajudar as pessoas a tomar decisões financeiras mais conscientes e responsáveis. Isso inclui aprender a fazer orçamentos, poupar, investir e lidar com dívidas de maneira consciente, visando à construção de uma vida financeira saudável e equilibrada. No entanto, no Brasil, esse tema ainda é pouco abordado tanto nas escolas quanto nas famílias (Ferreira, 2017; Silva et al., 2019; Brutes; Seibert, 2014).

Para facilitar o deslocamento dos alunos, especialmente aqueles que dependem do transporte público, a instituição pode contar com a ajuda dos cursos relacionados à Tecnologia da Informação. Através da criação de uma plataforma de compartilhamento de informações ou até mesmo de um aplicativo, será possível conectar os alunos que realizam trajetos semelhantes, permitindo uma comunicação eficiente entre eles e proporcionando alternativas de caronas. Isso não só contribuirá para a redução de custos e a otimização dos deslocamentos, mas também promoverá uma maior interação entre os estudantes (Oliveira; Souza, 2019; Cordeiro, 2017).

Pesquisadores afirmam que os estudantes percebnuma falta de conexão e alinhamento entre o ensino acadêmico e as demandas dos empregadores, o que pode afetar diretamente a inserção do aluno no mercado de trabalho, bem como a motivação e engajamento dos estudantes ao longo de sua jornada universitária. Quando os alunos não conseguem perceber a relevância prática das disciplinas iniciais do curso em relação à sua futura carreira, podem sentir-se desencorajados e desmotivados, questionando a utilidade do que estão aprendendo. Isso pode levar a um maior risco de evasão universitária, à medida que os estudantes não conseguem visualizar como o conhecimento adquirido se traduzirá em oportunidades profissionais (Fragoso; Valadas; Paulos, 2019).

Isso pode incluir a introdução precoce de disciplinas mais aplicadas, estágios, programas de mentoria com profissionais da área e parcerias com empresas e organizações para projetos de pesquisa e desenvolvimento de habilidades relevantes para o setor. Ao promover essa conexão mais estreita entre a academia e o mundo profissional, as instituições de ensino podem fortalecer o senso de propósito e pertencimento dos estudantes, incentivando-os a persistir em seus estudos e a se prepararem adequadamente para suas futuras carreiras.

Outro fator de risco significativo para a evasão universitária, pode ser o uso de drogas, uma vez que pode comprometer o desempenho acadêmico e a saúde mental dos estudantes. Autores realizaram uma revisão sistemática da literatura empírica publicada entre 1990 e 2006 para determinar se a pesquisa existente poderia fornecer evidências e uma compreensão mais profunda da relação entre o abandono do ensino e o uso de substâncias como tabaco, álcool, cannabis/maconha e outras drogas ilícitas. Quarenta e seis artigos foram revisados. Apesar das diferenças nas definições de abandono, dos referenciais teóricos empregados e nas diversas medidas de uso de substâncias entre os estudos, as principais descobertas apontam para uma relação consistente entre o abandono do ensino e o uso de substâncias (Scherer; Leshner, 2021; Towsend; Flisher; King, 2007).

Sobre o mesmo fator, uma pesquisa propôs avaliar o transtorno do uso de álcool e fatores associados entre os estudantes de graduação da Universidade de Gondar. A prevalência geral de transtorno por uso de álcool entre os estudantes foi de 61,8%, sendo que ser do sexo masculino e ter amigos íntimos que usam álcool foram fatores significativos associados ao aumento do transtorno por uso de álcool. Os pesquisadores sugerem que intervenções devem ser disponibilizadas aos alunos que usam álcool e drogas para reduzir os problemas relacionados ao uso e, assim, melhorar sua saúde e bem-estar funcional e social (Lemma et al., 2021).

A atenção e levantamento dos fatores de risco pode contribuir para identificar estudantes em situação vulnerável e oferecer o suporte necessário para evitar a evasão universitária. Pesquisadores realizaram uma meta-análise e identificaram vários fatores de risco com efeitos significativos para o absenteísmo escolar tais como atitude negativa em relação à instituição de ensino, abuso de substâncias, problemas de externalização e internalização do jovem e baixo envolvimento dos pais na escola. Para a evasão, foram históricos de reprovação, coeficiente de inteligência baixo ou dificuldades de aprendizado e baixo desempenho acadêmico mostraram grandes efeitos (Gubbels; van der Put; Assink, 2019).

Em contraponto, a promoção do bem-estar e a disponibilização de serviços de apoio psicológico podem contribuir para a retenção dos estudantes e a prevenção da evasão universitária. Prevenir a evasão nos cursos universitários relacionados à saúde é crucial para o bem-estar dos estudantes e seu sucesso acadêmico. O bem-estar emocional é importante para o desempenho dos estudantes, com taxas de evasão variando de 43% a 86% entre aqueles com problemas de saúde mental diagnosticados. A saúde física, emocional e psicológica dos estudantes pode ser negativamente afetada pelo estresse, especialmente durante a adolescência e o início da idade adulta (National Academies of Sciences et al., 2021).

O estímulo à prática de atividades físicas pode ter um impacto positivo na saúde e bem-estar dos estudantes, contribuindo para a sua permanência na instituição e reduzindo as taxas de evasão. A IES que possuir o curso de Educação Física, cujos alunos podem realizar estágios e oferecer supervisão gratuita para a prática de atividades físicas. Essa oferta de recursos e oportunidades contribui para promover a saúde e o bem-estar dos alunos, incentivando a adoção de um estilo de vida ativo e saudável. Pesquisadores compararam a prática de atividade física entre estudantes de graduação em enfermagem ingressantes e concluintes e identificaram que o padrão sedentário se mostrou predominante para os grupos de estudantes ingressantes e concluintes do curso. Houve diferença estatisticamente significante para tempo gasto sentado e ano em curso, com maior percentual para ingressantes (Pires et al., 2013).

Outro fator preventivo de evasão universitária pode ser apoio de alunos veteranos pode ser uma estratégia eficaz para orientar os calouros e facilitar a adaptação ao ambiente universitário. Além disso, o alinhamento da estrutura curricular com as demandas do mercado de trabalho pode aumentar a empregabilidade dos estudantes e reduzir a evasão relacionada à falta de perspectivas profissionais. Envolver alunos veteranos de bom desempenho para ajudar e orientar os calouros e revisar a estrutura curricular para torná-la mais atrativa e profissionalizante podem melhorar a conexão entre a formação acadêmica e as expectativas do mercado de trabalho(Peretta; Oliveira; Lima; 2019).

Além disso, outro aspecto que deve ser considerado é a capacitação e motivação dos professores que são fundamentais para a qualidade do ensino e o engajamento dos estudantes, impactando diretamente na prevenção da evasão universitária. Para que um professor possa desempenhar sua função de maneira eficaz, é essencial que ele esteja motivado e em constante busca por aprimoramento. Isso envolve a desenvolvimento de reconstrução contínua de competências, de modo a mobilizar seus conhecimentos para engajar os alunos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, é possível desenvolver uma prática docente de qualidade, que seja relevante para o contexto em que se está inserido.

O suporte e orientação adequados durante essa fase de transição podem fazer a diferença na retenção dos estudantes e na redução da evasão universitária. A transição do ensino médio para o ensino superior pode ser desafiadora devido à maior autonomia e menor estruturação da vida universitária. A falta de proximidade institucional e a maior independência exigem do estudante uma adaptação mais eficiente. Essa adaptação adequada é fundamental para evitar a evasão universitária, pois permite que o aluno supere as dificuldades iniciais, estabeleça uma rotina de estudos eficaz e desenvolva habilidades de autogestão, promovendo assim seu engajamento e sucesso acadêmico (Osti et al., 2020; Oliveira; Souza, 2019).

Em estudo quanti e qualitativo baseado nas respostas de 45 professores de graduação - Ciências Biológicas, Engenharia Florestal, Medicina Veterinária e Odontologia -, de uma universidade federal no nordeste brasileiro, observou-se que a não identificação com o curso, as dificuldades financeiras, falta de interesse e desmotivação, reprovações e dificuldades de aprendizagem constituem os principais motivos para a evasão universitária(Araujo; Silva; Pederneiras, 2022).

Como forma de prevenir a evasão universitária, estratégias como manter o diálogo aberto e a aproximação com os estudantes de graduação, realizar práticas pedagógicas mais acessíveis e dinâmicas, incentivar atividades práticas e profissionalizantes e promover reflexões sobre as áreas profissionais escolhidas foram apontadas pelos docentes como boas alternativas para a gestão acadêmica e institucional (Araujo; Silva; Pederneiras, 2022).

Conclusões

Os coordenadores da área de saúde da IES estudada destacaram estratégias relevantes para combater a evasão universitária. Essas estratégias tiveram como foco principal o reconhecimento das barreiras e características individuais dos estudantes, bem como a identificação e o fortalecimento de medidas institucionais.

Com uma compreensão aprofundada dos desafios enfrentados pelos estudantes de Ciências da Saúde durante sua trajetória acadêmica, foi possível embasar a proposta do programa de prevenção da evasão universitária.Esse programa concentrou-se na implantação de ações que reforçam o suporte oferecido pela IES, criando um ambiente propício para a permanência e o sucesso dos estudantes.

O programa de prevenção da evasão universitária de estudantes da graduação na saúde apresentou dois enfoques foram principais: financeiro e motivacional. Com base nesta ancoragem empírica, a proposta é implantar um programa de prevenção da evasão universitária baseado em estratégias motivacionais, suporte estudantil para administração de seus recursos financeiros, valorização das oportunidades de desenvolvimento acadêmico na própria IES e apoio institucional à gestão acadêmica.

No tocante às limitações do presente trabalho, cabe destacar a captação e compreensão da evasão universitária com foco exclusivo nos coordenadores de graduação da área de saúde numa universidade com fins lucrativos. Nesse sentido, selecionar e aprofundar o entendimento que estudantes e outros trabalhadores das IES apresentam sobre este fenômeno de interesse podem avançar no refinamento de programas de prevenção da evasão universitária no campo da formação em saúde em instituições de ensino públicas, privadas com ou sem fins lucrativos, confessionais ou comunitárias.

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Recebido: 28 de Julho de 2023; Aceito: 13 de Setembro de 2023

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