1 INTRODUÇÃO
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), instituídos pela Lei n. 11.892 (BRASIL, 2008), enquanto espaço educacional que oferta a modalidade da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), têm por finalidade promover
[...] uma formação contextualizada, banhada de conhecimentos, princípios e valores que potencializam a ação humana na busca de caminhos de vida mais dignos. Assim derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana, é um dos objetivos basilares dos Institutos Federais. Sua orientação pedagógica deve recusar o conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no pensamento analítico, buscando uma formação profissional mais abrangente e flexível, com menos ênfase na formação para ofícios e mais na compreensão do mundo do trabalho e em uma participação qualitativamente superior nele. (PACHECO, 2015, p. 14).
Diante desse escopo, não se pode mais amparar-se no ensino tradicional. Contudo há de se fomentar na EPT estratégias de ensinagem (ANASTASIOU; ALVES, 2015) que despertem, exercitem e construam as aprendizagens (operações mentais), permitindo ao estudante “[...] sensações ou estados de espírito carregados de vivência pessoal e de renovação” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 69). Dito de outro modo, “[...] os IF necessitam difundir práticas educativas que permitam a mediação de conteúdos sedimentados à realidade do educando” (CASTAMAN; DE BORTOLI, 2020, p. 33). Assume-se o conceito de prática educativa atrelada à pedagógica, enquanto “[...] um conjunto de saberes e princípios éticos, morais, culturais, sociais e afins, que a escola utiliza para orientar o aluno no exercício de sua formação cidadã, na sua relação do dia a dia, na sala de aula, na escola e nos demais contextos de vida” (NASCIMENTO; VIEIRA; KIMURA, 2013, p. 12763).
Para tanto, as estratégias de ensinagem necessitam fortalecer espaços para consolidação de uma educação horizontalizada, que instigue o estudante a ser protagonista na construção das suas aprendizagens. Há uma série de estratégias de ensinagem apresentadas por Anastasiou e Alves (2015) que coadunam com esta proposta. Porém, neste texto, optou-se por abordar o estudo de caso.
O estudo de caso consiste em um forte instrumento de pesquisa, de argumentação e de “[...] análise minuciosa e objetiva de uma situação real que necessita ser investigada e é desafiadora para os envolvidos” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 91). Observa-se como um relevante recurso para fortalecer a relação professor/estudante no espaço educacional da EPT.
Destarte, questiona-se: como o emprego do estudo de caso, enquanto uma estratégia de ensinagem, pode fortalecer e oportunizar para que o estudante construa o conhecimento na EPT? Para tentar responder a este questionamento, busca-se conhecer sobre as estratégias de ensinagem na EPT, de modo a compreender acerca do emprego do estudo de caso no contexto do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), em uma instituição de ensino federal.
Assim, a partir de uma abordagem qualitativa, pautada na técnica bibliográfica e no relato de experiência, busca-se refletir sobre a temática. A pesquisa bibliográfica pauta-se em Vasconcellos (1994), Zabala (1998), Libâneo (2005), Ramos (2008), Anastasiou e Alves (2015), Correia, Costa e Akerman (2017), Castaman e De Bortoli (2020) e Pacheco (2020), para tratar das estratégias de ensinagem na EPT. Ainda, em Freire (2005), Coutinho e Moraes (2015), Yin (2005), Alves-Mazzotti (2006), Grillo e Gessinger (2008), Graham (2010), Machado (2011), Silva et al. (2014), Anastasiou e Alves (2015), Vieira, Vieira e Pasqualli (2017), entre outros que se ocupam da temática, para auxiliar no relato de experiência da vivência realizada na unidade curricular de Recursos Humanos e Relações Interpessoais, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) − Campus Sertão, no curso Técnico em Comércio, inscrito no PROEJA.
O presente estudo está dividido em duas seções: a) examina sobre as estratégias de ensinagem na EPT; b) relata e reflete acerca do emprego do Estudo de Caso, enquanto estratégia de ensinagem no PROEJA.
2 ESTRATÉGIAS DE ENSINAGEM NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
Os IF representam a expansão da EPT e o estabelecimento de concepções e de princípios alicerçados na Politecnia. A politecnia “[...] significa uma educação que possibilita a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas” (RAMOS, 2008, p. 3). Ainda, implica uma formação humana integral e omnilateral, de modo a superar a divisão de seres humanos que pensam e aqueles que trabalham, produzida pela divisão social do trabalho. “A formação humana omnilateral inclui o trabalho, a ciência, a cultura e a educação esportiva ou física. A educação humanística é parte inseparável da educação técnica e tecnológica, em todos os campos em que se dá a preparação para o trabalho” (PACHECO, 2020, p. 11).
Essas particularidades dos IF evocam a necessidade de um cenário diferenciado no processo de ensino e aprendizagem, já que requer a criação de condições para que o estudante possa produzir ciência, tecnologia e arte, integrando os saberes científicos aos populares (PACHECO, 2020). Entende-se que assim será possível compreender e transformar a vida. A EPT trata de conhecimentos de naturezas e de especificidades diversas e que requerem uma constante aproximação com a realidade, com conteúdos vividos, em redes de relações microssociais. Diante deste projeto educacional, não é possível que as práticas educativas orientem-se em uma abordagem tradicional, sustentadas no Ratio Studiorum2, restringindo à memorização de conceitos, de conteúdos e de fatos sem relação com o cotidiano ou com questões socialmente relevantes. É necessário incluir práticas educativas que promovam a autonomia intelectual e a emancipação. Dito de outro modo,
[...] práticas educativas, a partir de uma metodologia dialética, pautada na abordagem sócio-cultural, compreendem que o trabalho pedagógico deve ser construído em parceria entre professor e estudante, ou seja, ensinando os educandos a refletir e a criticar, por meio de desafios ao funcionamento pleno e criativo de seu pensamento [...] (CASTAMAN; DE BORTOLI, 2020, p. 42).
Neste caso, as práticas educativas necessitam ser entendidas como práticas sociais, que ocorrem em todos os contextos e âmbitos da existência individual e social humana, de maneira institucionalizada ou não, sob várias modalidades (LIBÂNEO, 2005). Assim, para tratar sobre o ensino na EPT, adota-se o conceito de estratégias de ensinagem, expressão cunhada por Anastasiou em 1994, a qual remete a
[...] uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender, em um processo contratual, de parceria deliberada e consciente para o enfrentamento na construção do conhecimento escolar, decorrente de ações efetivadas na sala de aula e fora dela. (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 20).
Diante do exposto e apesar de os autores referenciados neste textos não se ocuparem especificamente da EPT, alude-se que, ao assumir o conceito de estratégias de ensinagem para esta modalidade de ensino, deve-se inferir que a prática necessita ser educativa em uma perspectiva emancipatória do sujeito. Ou seja, a inter-relação pedagógica estabelecida entre professor e estudante será permeada de aprendizagens de determinada realidade (des)(re) construídas por ambos, a partir de conceitos, de experiências vivenciadas e da criação de novos contextos. Valoriza-se a contribuição de cada um e de todos, constituindo momentos de ensinagem e de transformação da aprendizagem em apreendido (FREIRE, 2005).
Deste modo, o processo de ensinagem é uma triangulação, denominada como “momentos” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 16), no qual “[...] o professor triangula o fazer aulas, a criação de estratégias e o imergir dos estudantes na realidade própria dos conteúdos” (CORREIA; COSTA; AKERMAN, 2017, p. 25). Vasconcelos (2009, p. 42-3) enfatiza que o objeto do trabalho docente implica um processo de construção de conhecimento e de complementaridade, sendo que, imbricados a este processo, devem estar:
a) os objetivos gerais e específicos da instituição e da disciplina; b) saber identificar a turma com a qual irá trabalhar; c) conhecer o mercado de trabalho no qual o aluno irá trabalhar; d) os objetivos do processo de ensino-aprendizagem; e) selecionar as mais adequadas estratégias de atividades e recursos para que o ensino-aprendizagem seja alcançado; f) avaliar a aprendizagem dos alunos e verificar seu desempenho docente a fim de retomar os objetivos iniciais almejados para determinada turma; g) uma relação professor-aluno que abarque os aspectos de parceria e interação.
Anastasiou e Alves (2015) aludem que a aplicação das estratégias de ensinagem requer do professor uma prática educativa dinâmica, dialógica, participativa, interativa, criativa e que possibilite o desenvolvimento das operações mentais. Implica dialeticamente em mobilizar, construir e elaborar a síntese do conhecimento, de modo a promover o conhecimento de todo o processo de ensinagem, desde a visão inicial ou sincrética, a efetivação da análise, até a síntese qualitativamente superior. Vasconcelos (1994) reafirma e destaca sobre os três momentos fundamentais do método dialético para fins didáticos: a mobilização para o conhecimento, a construção do conhecimento e a elaboração da síntese do conhecimento, que podem ocorrer simultaneamente.
A partir da relação professor-estudante se estabelece um contrato ético-didático, em que são criadas estratégias para a aproximação de conteúdos contextualizados na realidade social. Esse conjunto permite a produção de conhecimento engajado e híbrido, entre o acadêmico e o cotidiano. (CORREIA; COSTA; AKERMAN, 2017, p. 24).
O professor deve ser um verdadeiro estrategista, de modo a estudar, a selecionar, a organizar e a propor os melhores recursos para facilitar que o estudante possa construir o seu conhecimento, a sua autonomia intelectual e o seu pensamento crítico e construtivo. Logo, “A construção do conhecimento é um momento de desenvolvimento operacional da atividade do aluno, de sua práxis, que pode ser predominantemente perceptiva, motora ou reflexiva” (ANASTASIOU, p. 20). Para tanto, é fundamental eleger os procedimentos adequados que venham a permitir a intencionalidade da proposta, ou seja, a construção do conhecimento, a partir dos conteúdos factuais, procedimentais, atitudinais e/ou a aprendizagem de conceitos (conjunto de fatos, de objetos ou de símbolos) e de princípios (leis e regras que se produzem em um fato, objeto ou situação) (ZABALA, 1998).
Vasconcellos (1994) indica elementos categóricos que poderão orientar na definição e na escolha das estratégias de ensinagem para a construção do conhecimento: significação, problematização, práxis, criticidade, continuidade-ruptura, historicidade e totalidade. Assim, existem inúmeras estratégias de ensinagem que podem compor o trabalho pedagógico docente e promover o quadro teórico-prático pretendido, em momentos sequenciais e de complexidade crescente.
Anastasiou e Alves (2015) descrevem 20 estratégias de ensinagem: aula expositivo-dialogada, estudo de texto, portfólio, tempestade cerebral, mapa conceitual, estudo dirigido, lista de discussão por meios informatizados, solução de problemas, phillips 66, grupo de verbalização e de observação (GV/GO), dramatização, seminário, estudo de caso, júri simulado, simpósio, painel, fórum, oficina (laboratório ou workshop), estudo do meio e ensino com pesquisa. Destarte, neste texto, explora-se o Estudo de Caso, o qual será aprofundado na seção que segue.
3 ESTUDO DE CASO: UMA EXPERIÊNCIA NO PROEJA
Notadamente, o estudo de caso remete à pesquisa, uma vez que tem sido empregado como método para levantamento e produção de dados empíricos de abordagem qualitativa (VIEIRA; VIEIRA; PASQUALLI, 2017), em produções nas quais as questões de investigação envolvem “como” e “por quê”; quando o pesquisador tiver pouco controle do que acontece ou que virá a acontecer; quando o interesse for em um fenômeno contemporâneo que esteja ocorrendo em contextos de vida real (YIN, 2005); quando explora em profundidade um caso tentando contextualizar no tempo e no espaço e desvelar a sua essencialidade e características. Yin (2005, p. 30) configura o estudo de caso enquanto um instrumento de pesquisa, uma “[...] investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
Alves-Mazzotti (2006) salienta dificuldades em caracterizar o estudo de caso, uma vez que pode ser adotado tanto para fins de ensino e de consultoria quanto como modalidade de pesquisa. Reforça que o estudo de caso para fins didáticos possui contornos diferentes dos explicitados a um estudo de caso para pesquisa.
Anastasiou e Alves (2015, p. 91) incluem o estudo de caso no rol das estratégias de ensinagem e o entendem como uma “[...] análise minuciosa e objetiva de uma situação real que necessita ser investigada e é desafiadora para os envolvidos”. Para Spricigo (2014), o estudo de caso baseia-se em situações reais, servindo de estratégia de ensino para desenvolver habilidades e competências quanto à tomada de decisões, à capacidade de argumentação, à resolução de problemas e ao trabalho conjunto.
Essa estratégia de ensino oferece aos estudantes a oportunidade de direcionar sua própria aprendizagem em situações relativamente complexas. Por meio dela, os estudantes enfrentam situações/dilemas, reais ou fictícios, interagindo com os personagens e circunstâncias do caso, de modo a compreender a situação e o contexto nele presentes com o intuito de solucionar o fato apresentado. Já o papel principal do professor consiste em articular a busca do conhecimento e ajudar o estudante a trabalhar com o tema proposto, desde a análise do problema até as possíveis soluções envolvidas na situação. (VIEIRA; VIEIRA; PASQUALLI, 2017, p. 148-9).
Grillo e Gessinger (2008, p. 131) reforçam que uma das principais características do estudo de caso é “[...] a oportunidade de se terem diferentes análises realizadas pelos participantes, de acordo com conhecimentos, experiências, perspectivas particulares e muitas vezes originais, sem necessariamente se chegar a uma solução única e convergente”. Outrossim, Silva et al. (2014, p. 128) aludem que
O estudo de caso como estratégia pedagógica tem potencial de intervenção na realidade investigada, visando dentre outros propósitos, desenvolver no discente a capacidade de análise (interpretação, julgamento), síntese e planejamento de intervenção (função proativa).
Diante do exposto, relata-se a experiência ocorrida no PROEJA, no IFRS. O PROEJA, a partir do Decreto n. 5.840 (BRASIL, 2006), pode ser ofertado na esfera estadual, municipal e federal, enquanto uma tentativa de integrar a educação profissional à educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). O PROEJA enquanto política pública tem como intuito
[...] uma formação integrada do cidadão, a qual consiste não somente na absorção de conhecimentos científicos e profissionais, mas num conhecimento para a vida, para a sua construção pessoal como ser social que se transforma e transforma a sociedade em que se encontra inserido. (COUTINHO; MORAES, 2015, p. 73).
Logo, as características que contornam a EPT nos IF, somadas aos traços especiais que compõem o PROEJA, exigem ainda mais dos profissionais da educação para que estejam preparados e capacitados para desempenhar suas funções em relação ao programa e à formação dos trabalhadores. O documento-base do PROEJA salienta que os docentes necessitam qualificar-se tendo em vista o compromisso e a necessidade de organizar um trabalho pedagógico embasado em concepções e em práticas educativas que orientem todo o processo pedagógico do programa (BRASIL, 2007). Para isso, é imprescindível que o professor compreenda que
No caso do PROEJA, a complexidade do desenho curricular e da prática didático-pedagógica é ainda maior, pois envolve a educação geral do ensino médio e fundamental, conteúdos especiais da EPT [Educação Profissional e Tecnológica] e da FIC [Formação Inicial e Continuada] e abordagens da educação de jovens e adultos. (MACHADO, 2011, p. 694).
Além disso, é imprescindível que os professores que atuam junto ao PROEJA considerem a experiência de vida dos estudantes jovens e adultos em uma abordagem dialética, ainda que criem novas relações para possibilitar a interação dos sujeitos envolvidos no processo, adentrando em seu mundo, contribuindo na transformação e no aprimorando dos saberes existentes e agregando novos conhecimentos (CIAVATTA; RUMMERT, 2010).
No IFRS – Campus Sertão, o Curso Técnico em Comércio, na modalidade PROEJA, no turno noturno, tem a finalidade de formar profissionais, “[...] em consonância com as demandas dos setores produtivos e da compreensão da realidade, a partir da mediação dos conceitos já elaborados, o aprender a conhecer, aprender a ser, numa perspectiva política, social e cultural” (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL [IFRS], 2012, p. 11). A Unidade Curricular intitulada “Recursos Humanos e Relações Interpessoais”, ofertada no 1º semestre do curso, totaliza 80h de carga horária e tem por objetivo “Proporcionar embasamento teórico e prático para que o aluno possa melhor compreender as relações interpessoais nos diversos ambientes e conhecer atividades relacionadas aos procedimentos da gestão de pessoas na organização” (IFRS, 2012, p. 28), a partir de um ementário mediado por uma prática social.
Para refletir sobre o tema “Trabalho em Equipe”, na referida unidade curricular, adotou-se a proposta do estudo de caso. O tema já havia sido abordado teoricamente em outra aula, assim esta estratégia de ensinagem teve como intenção estimular para que os estudantes apresentassem a síntese do conhecimento, de modo a integrar os conteúdos científicos estudados e aplicá-los em uma situação concreta. Minayo (2001, p. 17) admite que “[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”. Freire (2005) ressalta que é necessário partir da realidade dos educandos, propondo temas geradores oriundos de pesquisas, trazendo a vida cotidiana e a atualidade dos sujeitos. Anastasiou e Alves (2015, p. 91) marcam sobre a escolha do tema no estudo de caso:
O caso deve ser do contexto de vivência do estudante, ou de parte de uma temática em estudo. Quanto mais desafiador for o assunto, maior a possibilidade de se manter os estudantes envolvidos. As soluções não devem ser comparadas com os dos demais grupos, mas entre o esforço do próprio grupo. Preponderam aqui categorias da construção do conhecimento como a da significação e da práxis.
Para esclarecer a parte procedimental em relação à utilização do estudo de caso no ensino no PROEJA, relata-se que a turma era composta de 16 estudantes. Deste modo, o professor orientou o roteiro e a dinâmica de trabalho, bem como dividiu a turma em 4 (quatro) grupos, com 4 (quatro) integrantes cada um, por ordem de afinidade. Na sequência, distribuiu diferentes estudos de caso impressos, selecionados pelo professor responsável, para cada grupo. Os estudos de caso completos de caracterização aberta, conectados a conhecimentos relevantes, evocativos e sustentáveis (GRAHAM, 2010), foram entregues aos estudantes em consonância com um material de apoio. Os Quadros 1, 2, 3 e 4 apresentam um recorte das situações-problemas trabalhadas, as quais foram adaptadas para este relato.
Quadro 1Situação-problema 1
Maria chega todos os dias para trabalhar no horário certo. Gertrudes possui um filho com necessidades especiais e geralmente se atrasa para o trabalho, visto que precisa encaminhá-lo na creche. A chefia não sabe desses episódios. Em virtude de Gertrudes chegar mais tarde, Maria está com suas atividades sobrecarregadas e não está entregando no prazo. Diante dessa situação, como você reage?
Quadro 2Situação-problema 2
A tão sonhada vaga como diretora da empresa está prestes a se tornar sua. Basta concluir com sucesso o atual projeto. Contudo você descobriu uma falha tênue um mês atrás e não comunicou ninguém. Este equívoco, em longo prazo, poderá trazer prejuízos à empresa. É ainda o único que sabe. Diante desta situação, como você reage?
Fonte: As autoras.
Quadro 3Situação-problema 3
Você está negociando um aumento de salário de sua equipe com o seu chefe. Ele é extremamente rude, mas gosta do seu trabalho, em especial. Assim, ele lhe dá duas opções: aumentar somente o teu salário ou nenhum aumento. Nenhuma das duas é exatamente o que você queria. Qual sua resposta?
Fonte: As autoras.
Quadro 4Situação-problema 4
Você atua no departamento de compras e está adquirindo um produto após cotá-lo com vários fornecedores. Um deles, amigo de infância, mesmo tendo o melhor preço de todos, insiste em lhe oferecer uma comissão “por fora”. Deste modo, você e a empresa ganhariam. O que faz?
Fonte: As autoras.
Reforça-se que os problemas apresentados tratavam de situações decisórias próximas à realidade e não possuíam uma solução predefinida. Por isso exigiu o empenho dos estudantes na identificação do problema, na análise e na avaliação de evidências, no desenvolvimento de argumentos lógicos e na proposição de soluções. A análise deveria ser realizada a partir de diferentes ângulos teóricos e empíricos, triangulando pessoas, eventos e circunstâncias.
Ressalta-se também que, ao propor a análise de casos em sala de aula, os estudantes podem equacioná-los sem a pressão e a urgência, muitas vezes, exigida na vida profissional concreta. Logo, o estudante pode explorar todas as variáveis, averiguar possibilidades e avaliar e eleger os melhores caminhos para a solução do problema.
O caso apresenta um problema relacionado ao tema que está sendo ensinado, acompanhado por informações contextuais e de fundo, o que permite aos estudantes da EPT chegar a conclusões sobre as teorias existentes, melhorar potencialmente práticas conhecidas, considerar e avaliar alternativas de ação, bem como aumentar a compreensão sobre as circunstâncias nas quais as decisões são tomadas. Além disso, o caso pode ser uma forma estruturada para compartilhar experiências, revelar desafios e oportunidades, com os quais uma determinada tecnologia se depara e comunicar lições aprendidas e práticas pioneiras que podem contribuir para resolução de situações similares. (VIEIRA; VIEIRA; PASQUALLI, 2017, p. 151).
Nesta etapa, os estudantes foram convidados a problematizar em grupo e, por meio de análise e de discussão coletiva, sugerir estratégias e soluções para o problema. Conforme Vieira, Vieira e Pasqualli (2017), esse processo contribui para a promoção do raciocínio crítico e argumentativo dos estudantes. Anastasiou e Alves (2015, p. 75, grifo das autoras) pontuam sobre as estratégias utilizadas em grupo:
[...] constituem um desafio a ser reconhecido e enfrentado. Sabemos que a aprendizagem é um ato social, necessitando da mediação do outro como facilitador do processo. Esse outro que estabelece a mediação entre o aluno e o objeto de estudo pode ser o professor, os colegas, ou um texto, um vídeo, um caso a ser solucionado, um tema a ser debatido.
Na sequência, solicitou-se que todos os estudantes realizassem anotações das considerações e das elaborações individuais e do grupo no caderno para registro da atividade. A partir destes apontamentos, o grupo deveria revisar, consolidar e garantir um estudo analítico e resolutivo realizado do caso. Na etapa final, socializou-se a proposta de resolução consensual.
Durante a realização do estudo de caso, o professor atuou magistralmente como um coordenador, orientando pontos relevantes e esclarecendo dúvidas, sem interferir na reflexão. Anotou no quadro as soluções apresentadas por cada grupo, a cada situação, o que facilitou a problematização final e a aplicação das conclusões a situações novas ou do cotidiano dos estudantes. Ainda, revisou os fundamentos, os conceitos e as teorias, em um exercício de aplicação das considerações finais trazidas pelos grupos e de discernimento das melhores conclusões.
Para encerrar a atividade, solicitou-se que cada estudante realizasse a transcrição da síntese no Portfólio individual, o qual “[...] propicia ao professor verificar de forma imediata as dificuldades que o estudante possa estar apresentando e propor soluções para sua superação” (ANASTASIOU; ALVES, 2015, p. 19). Apesar de não abordada nesta análise, a atividade do Portfólio serviu como o registro da síntese conclusiva das inúmeras atividades pedagógicas trabalhadas no semestre.
O estudo de caso serviu como um dos instrumentos de avaliação dos estudantes e da mediação do conteúdo na Unidade Curricular. Verificou-se que a estratégia de ensinagem (estudo de caso) utilizada em sala de aula proporcionou ainda mais a participação dos estudantes nas discussões propostas. Durante as reflexões no pequeno grupo e após o debate com toda turma, analisou-se que muitos estudantes trouxeram as suas vivências cotidianas e também buscaram soluções consensuais para os casos, argumentando a partir de sua realidade. Como os casos permitiam uma discussão aberta entre os participantes, a delimitação do tema circunstanciou os fatores que poderiam dificultar e/ou sabotar a coesão e o trabalho em equipe, tais como: individualismo e falta de objetivos, liderança despreparada, falta de comprometimento, inflexibilidade, comunicação ineficiente, desvalorização do trabalho do colega e falta de sinergia na equipe.
Destaca-se que o trabalho em grupo para discussões dos casos foi um fator impreterível para as trocas cooperativas entre os integrantes do grupo, o que aprimorou as relações interpessoais. Serviu como um instrumento de participação, de envolvimento e de diálogo democrático em prol da construção coletiva do conhecimento dos estudantes do PROEJA. Verificou-se ainda que o estudo de caso como estratégia de ensino permitiu a cooperação, a participação e a interação entre os envolvidos, promovendo a aproximação entre teoria e prática, sendo o estudante um dos elementos centrais no processo de aprendizagem.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho versou sobre o estudo de caso como uma estratégia de ensinagem no PROEJA. Verificou-se que o estudo de caso enquanto estratégia de ensino consiste em um exame objetivo de determinada situação-problema. No caso, elegeram-se conteúdos vinculados ao contexto de vivência dos estudantes. Este foi um dos principais quesitos, pois foi possível explorar e compreender os fatores determinantes e consequentes da realidade, das rotinas e das práticas da situação-problema, o que estimulou os estudantes ao debate.
O estudo de caso consistiu em um importante instrumento de ensino, já que fortaleceu a argumentação crítica dos estudantes, por meio de imersão profissional, pesquisas de campo e em grupo. Ainda, permitiu que apresentassem o seu ponto de vista sobre a temática estudada e a construção da aprendizagem por parte do estudante. Constatou-se que foram riquíssimas as colocações expostas pelos grupos. Os estudantes do PROEJA tiveram vez e voz na participação democrática da aula. Por fim, os argumentos concatenados neste texto convergiram no potencial do estudo de caso enquanto estratégia de ensino, o que provocou a reflexão, a discussão e a construção do conhecimento, premissas tão difundidas na EPT.
As considerações aqui relatadas acerca do estudo de caso como estratégia de ensino no PROEJA ainda são incipientes e requerem aprofundamento. No entanto entende-se que se trata de um tema fecundo para outras investigações, pois permite pensar a constituição da docência no PROEJA.