1 INTRODUÇÃO
Na última década, esteve em destaque nas diferentes mídias a falta de engenheiros civis no mercado de trabalho, o que provocou expansão significativa do número de vagas, matrículas e cursos de Engenharia Civil. Em meados do ano de 2013, foi divulgada, na mídia, uma empregabilidade para o setor superior a 87%, período que precedeu a copa de 2014 (Menezes apudAraújo; Costa; Costa, 2019), sendo que esse fato gerou mudanças no cenário acadêmico. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2017 (Brasil, 2018), em 2009, o curso de Engenharia Civil nem aparecia entre os dez cursos de graduação com maior número de matrículas no Brasil. Já em 2017 o curso apareceu em quinto lugar, com 346.827 pessoas matriculadas, contando a rede pública e a privada. Entretanto, com a crise econômica, nos últimos anos ocorreu considerável redução no oferecimento de ocupação profissional (trabalho), e os recém-formados engenheiros enfrentam, atualmente, um mercado difícil (Araújo; Costa; Costa, 2019).
Neste contexto de expansão do curso de Engenharia Civil, profissionais formados buscam a carreira acadêmica para atuação que inclui a docência. Todavia, o bacharel em Engenharia Civil não tem, em sua formação, o aprendizado de teorias e práticas pedagógicas que contribuem para o exercício da docência. Há um crescimento no número de profissionais com graduação que se voltam para a docência na educação superior, e isso ocorre com os egressos do curso de Engenharia Civil, em que é cada vez mais comum a imigração do profissional para a prática acadêmica (Alves; Ferreira; Amaral, 2019). Este fato está ocorrendo apesar de o professor universitário estar vivenciando um cenário que contribui para o esgotamento físico e emocional decorrente de sua prática profissional, já que, especialmente no ensino superior, o trabalho mobiliza a estrutura física, cognitiva e emocional, o que produz sobrecarga e desgaste (Faria; Camargo; Venâncio, 2020).
De acordo com Alves, Camargo e Venâncio (2019), a educação é um refl exo das trocas de conhecimento entre o professor, o estudante e a sociedade. Neste contexto, o professor é o intercessor das práticas pedagógicas que serão implantadas para o sucesso dos estudantes. Portanto, ele tem papel fundamental na formação dos futuros profissionais
Diante desses desafios, um fato vem preocupando a educação superior, o qual diz respeito ao processo de evasão de estudantes, que vem causando um prejuízo social, acadêmico e econômico, tanto nas instituições de ensino públicas como privadas (Parise; Santana, 2019). Essa evasão é comum nos cursos de Engenharia Civil, e, de acordo com Leitão (2001), uma possível causa para esse fenômeno pode ser o despreparo didático-pedagó gico dos professores que atuam no citado curso.
O profissional bacharel em Engenharia Civil tem sua formação baseada no aprendizado teórico e prático, sem experiência no exercício de práticas pedagógicas que deveriam ser inseridas na construção do conhecimento do seu estudante (Alves; Camargo; Venâncio, 2019). Álvares (2006) também apresenta preocupação quanto às práticas pedagógicas nos cursos de Engenharia Civil, uma vez que a docência, nestes cursos, está aliada ao exercício da profissão como engenheiro ou como pesquisador, realizando a docência sem formação pedagógica para tal.
Medeiros (2019, p. 5) destaca que
A LDB 9394/96, em seu Art. 52, inciso II, prevê que pelo menos um terço do corpo docente tenha titulação acadêmica de mestrado ou doutorado para atuar nos cursos de nível superior, mas não obriga a formação docente (pedagógica) de profissionais que não cursaram licenciatura.
Uma dificuldade da docência em cursos de Engenharia Civil é a falta de interesse em pesquisas a respeito do ensino em engenharia e, especialmente, sobre a docência no curso (Álvares, 2006). Como identificado anteriormente, estudos a respeito da docência de engenharia civil podem ajudar a identificar falhas e a possibilidade de melhorias no ensino no curso, contribuir na redução da evasão e auxiliar na formação dos futuros profissionais, professores e engenheiros. De acordo com Álvares (2006), o número de referências sobre o tema é mínimo, mas é importante conhecer e estudar a formação dos docentes com a finalidade de contribuir positivamente na construção do conhecimento dos estudantes.
Diante dessas considerações, este artigo se adensa nos fatores que estão determinando a constituição da docência de professores engenheiros civis. Por sua vez, o problema de pesquisa se apresenta da seguinte forma: quais fatores estão contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes na educação superior?
Com isso, a estruturação deste artigo se concentrou na compreensão dos fatores que estão contribuindo para a constituição da docência de professores engenheiros civis que atuam em cursos de Engenharia Civil oferecidos no estado do Rio Grande do Sul. Com esta perspectiva demarcada, o estudo se constitui como leitura da problemática da constituição da profissão de professores, tomando como base as seguintes questões de pesquisa: a) “Quais as razões da escolha da docência pelos engenheiros civis que atuam em cursos superiores de Engenharia Civil?” b) “Como o engenheiro civil constrói os conhecimentos da docência da educação superior?”; e c) “Quais as contribuições da formação inicial e continuada na constituição da docência?”.
Para responder a estas indagações, o trabalho está organizado em três partes: inicia-se apontando o percurso metodológico trilhado na investigação, e, na segunda parte, constam os resultados e as discussões, em que se discorre sobre as razões de escolha da docência pelos engenheiros civis, o processo de construção dos conhecimentos da docência da educação superior por parte dos engenheiros civis e as contribuições da formação inicial e continuada na constituição da docência. Por fim, são apresentadas as considerações finais deste estudo.
Esta temática se faz necessária, pois a docência da educação superior apresenta desafios e exigências que merecem ser investigados. São necessários conhecimentos para exercê-la adequadamente, ou, no mínimo, é necessário compreensão e aquisição de conhecimentos, saberes e habilidades vinculados à atividade docente para melhorar sua qualidade. Para ser um bom profissional, não é suficiente que o professor domine apenas os conteúdos, nem seja um reconhecido pesquisador na área. A profissionalização docente refere-se ao modo de atuação docente no que diz respeito à aprendizagem do estudante.
2 PERCURSO METODOLÓGICO
A compreensão dos fatores que estão contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes na educação superior se deu por meio de pesquisa do tipo descritiva, com uma dimensão exploratória, e foi desenvolvida seguindo abordagem que se assenta predominantemente numa perspectiva qualitativa e dialética, acompanhada por um tratamento quantitativo, seguindo os movimentos e as contradições próprios dos espaços educativos. Seguiu orientação naquilo que Minayo (2001) destaca, ou seja, a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionaliza-ção de variáveis.
Na pesquisa descritiva, os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados sem interferência do pesquisador, e assume-se o formato de levantamento, que envolve técnicas padronizadas de coleta de dados, como questionário e observação sistemática, com o intuito de descrever as características de determinada população, fenômeno ou estabelecer relações entre variáveis (Prodanov; Freitas, 2013).
A pesquisa foi desenvolvida a partir da pesquisa bibliográfica que fundamenta e orienta todo o trabalho, realizada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e, atualmente, com material disponibilizado na Internet; e da pesquisa de campo envolvida por estudo de caso, que se trata de “[...] uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos” (Yin, 2001, p. 32).
A pesquisa de campo envolveu professores que possuem formação inicial em Engenharia Civil e que atuam nos 53 cursos de Engenharia Civil oferecidos na modalidade presencial por instituições de ensino superior existentes no estado do Rio Grande do Sul. Participaram desta investigação 23% deste total de cursos, sendo 5 cursos de instituições de ensino superior públicas e 7 cursos de instituições privadas. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas a todos os professores que possuem formação inicial em Engenharia Civil e que atuam nestes 12 cursos, perfazendo 225 professores. Esses professores que formam o universo desta pesquisa foram convidados a responder um questionário on-line desenvolvido na plataforma Google Forms.
Também foram analisados os currículos Lattes de cada professor envolvido, assim como documentos relacionados ao curso de Engenharia Civil disponibilizados nos sites das instituições de ensino superior envolvidas, legislações vigentes (diretrizes curriculares, regulamento da profissão de engenheiro civil expedido pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia [CONFEA, 2016]), documentos disponibilizados no site do Ministério da Educação e projeto pedagógicos dos cursos envolvidos.
Durante o desenvolvimento da pesquisa foi realizada uma análise das respostas do questionário e dos documentos envolvidos, desencadeando o processo de construção do seu relatório final. Os resultados obtidos nos questionários acompanhados da análise documental e da pesquisa bibliográfica encontram--se divulgados neste estudo, em que foram constituídas categorias para melhor compreender os fatores que estão contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes na educação superior.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Dos 225 questionários enviados aos professores engenheiros civis atuantes nos cursos de Engenharia Civil do estado do Rio Grande do Sul, 41 retornaram. Dos respondentes 74,4% são do sexo masculino. Foi identificado que 33,3% têm mais de 50 anos; 33,3%, entre 31 e 40 anos; 25,6%, entre 41 e 50; 5,1%, entre 26 e 30 anos; e apenas 2,6% têm entre 20 e 25 anos.
A maioria dos professores (48,7%) finalizou a graduação antes de 2000, 17,9% entre 2001 e 2005, e outros 17,9% entre 2006 e 2010, 12,8% entre 2011 e 2015, e apenas 2,6% a partir de 2016. Sobre a formação inicial, 71,8% são formados em instituições públicas e 28,2% em instituições privadas, sendo que 84,6% são formados no estado do Rio Grande do Sul. Dos respondentes, 74,4% têm doutorado; 17,9%, mestrado; 7,7%, doutorado incompleto; e nenhum dos respondentes possui apenas pós-graduação lato sensu - especialização.
A respeito das instituições de ensino em que lecionam, 56,4% dos professores atuam em instituições de ensino superior públicas, e 43,6%, em privadas. Dos professores respondentes, 64,1% são atuantes na área, sendo a maioria como consultor ou projetista. A respeito de experiências prévias em sala de aula ou com o magistério, 71,8% tiveram algum tipo de contato antes da posição que ocupam atualmente.
Nesta direção, na sequência, são apresentados dados que buscam compreender fatores que estão contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes na educação superior, tendo como referência o contexto do caso envolvido nesta investigação.
3.1 Razões da escolha da docência pelos engenheiros civis que atuam em cursos superiores de Engenharia Civil
Para analisar a primeira questão de pesquisa apontada neste estudo, foram realizadas perguntas no questionário para identificar quais razões motivaram os professores engenheiros civis a seguir nesta atividade profissional.
Quando indagados sobre os motivos que orientaram a escolha da docência, a maioria dos respondentes destaca o professor como agente de transformação e transmissão do conhecimento, seguido da possibilidade de realização de pesquisas. Outros motivos mais recorrentes foram apontados e são apresentados na Tabela 1 a seguir. Além desses apontamentos, os respondentes destacaram, numa questão que indicava “Outros” motivos que merecem ser citados e que interferiram na escolha da docência, conforme segue: ajudar a produzir e dividir conhecimento, vocação e autonomia em termos de área de atuação, transmissão de conhecimentos adquiridos na prática profissional e com outras experiências, a falta de experiência no mercado de trabalho em empresas e o mercado de trabalho que estava ruim e, na docência, havia oportunidades.
Motivos | Número de pessoas que marcaram essa alternativa | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
O professor como agente de transformação e transmissão do conhecimento | 27 | 69,2% |
Realização de pesquisas | 26 | 66,7% |
Clima ou ambiente da instituição de ensino | 20 | 51,3% |
Experiências durante a graduação | 18 | 46,2% |
Dinamismo da docência | 14 | 35,9% |
Valorização profissional | 11 | 28,2% |
Salário atrativo | 10 | 25,6% |
Influência dos pais | 5 | 12,8% |
Outros | 6 | 15,6% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
Ao realizar um levantamento sobre as inspirações dos professores para o desenvolvimento da prática docente, técnicas utilizadas e forma de ministrar aulas, percebemos que o fator preponderante está relacionado com a atuação de professores em suas formações acadêmicas, como pode ser mais bem visualizado na Tabela 2 a seguir. Como outros fatores inspiradores, foram citados: livros e materiais didáticos, experiências pessoais, participação em congressos, vivência prática e contato com pessoas experientes; alguns citaram, ainda, a união dos diversos fatores.
Inspiração | Número de pessoas que marcaram essa alternativa | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
Antigos professores | 31 | 79,5% |
Livros e materiais didáticos | 28 | 71,8% |
Colegas de trabalho | 24 | 61,5% |
Cursos de curta duração | 19 | 48,07% |
Apresentação de trabalhos | 15 | 38,5% |
Aulas on-line | 13 | 33,3% |
Outros | 8 | 20,8% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
Tomando a oscilação do mercado de trabalho como provável fator que está contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes, os respondentes apontaram que o mercado de trabalho é um fator decisivo para a escolha do caminho profissional, sendo que 59% dos professores envolvidos nesta investigação responderam que sim. A falta de oportunidades em outras áreas e o mercado volátil sujeito às crises aparecem como questões que condicionam a escolha da docência. No excerto de uma resposta, é possível perceber este sentimento: "Eu já tinha intenção de atuar na docência, mas um fator determinante foi que, quando eu me formei, o mercado da construção civil estava em baixa e isso contribuiu para que eu investisse em concursos públicos" (Respondente A).
Em relação aos demais respondentes, os quais não acreditam que o mercado de trabalho seja decisivo, eles trazem como justificativa que trabalhos bem-feitos são independentes do mercado de trabalho, que as escolhas são realizadas com base na vocação ou no gosto pessoal e que a escolha da profissão deve trazer satisfação pessoal além do padrão de vida.
No mesmo contexto de mercado, os professores engenheiros civis foram questionados quanto à sua percepção sobre o mercado de trabalho para o engenheiro civil, e a maioria acha que é bom ou ótimo, 46,2% e 7,7%, respectivamente. Como justificativa, muitos destacaram que é um mercado de ampla atuação, permitindo a inserção em diversas áreas, e também que existe um retorno no crescimento do mercado. Porém, muitos se questionam sobre como ficará esse mercado após a pandemia da covid-19. Algumas justificativas apontadas pelos respondentes trazem contribuições para reflexão a respeito da pergunta realizada:
Me formei em uma época em que tinha que contratar serviços para datas futuras pela quantidade de produção que estávamos gerando. O fato é que a construção civil é a principal fonte de desenvolvimento de infraestrutura de um país. Ou seja, se você está vendo profissionais qualificados fora da área ou sem trabalho. Ou mesmo os novos engenheiros que vão desenvolver o país nos próximos anos estão sem emprego e/ou trabalho, significa que o mercado não está bom (Respondente D).
Estamos passando por um período complicado, mas isso em diversos se-tores. Sempre haverá necessidade de moradia, estradas, reformas, inspe-ções, saneamento, e a Engenharia Civil é um leque bem amplo de atuação (Respondente C).
A outra parte dos respondentes que aponta o mercado como ruim cita que se trata de um mercado muito instável, dependente da economia e de investimento do setor público. Oscila conforme o cenário político, em que é trazida, como justificativa mais de uma vez, a interferência da Operação Lava Jato na construção civil. Além disso, destacam a questão do aumento no número de faculdades de Engenharia Civil no estado do Rio Grande do Sul, a escassez de vagas em relação à quantidade de profissionais se formando e a remuneração e a valorização baixas.
É um mercado com elevado número de profissionais e sem uma demanda contínua (muitas oscilações) por longos períodos, o que causa falta de profissionais em determinados momentos e sobra em outros. No momento em que sobra profissionais, muitos são levados para outras áreas e não voltam mais. O mercado da construção é muito dependente de políticas públicas de financiamento, o que determina estas oscilações constantes no mercado (Respondente H).
Mercado saturado; há um excesso de escolas de Engenharia Civil (só no RS são mais de 30 cursos segundo a análise de resultados do ENADE). Não é sustentável (Respondente E).
Portanto, considerando as respostas dos respondentes, percebemos que o mercado de trabalho e a experiência mantida com professores que atuaram na formação acadêmica se mostraram como fatores decisivos para que a maioria dos professores engenheiros civis seguisse a carreira docente.
3.2 Como ocorre a construção dos conhecimentos da docência da educação superior por parte dos engenheiros civis
A fim de compreender como ocorre a construção dos conhecimentos da docência da educação superior nos cursos de Engenharia Civil, foi aplicado um questionário, buscando-se entender como os professores engenheiros civis constroem o seu conhecimento para atuar em sala de aula. Partiu-se dos apontamentos de Tardif e Gauthier (1996), que considera o saber docente constituído de vários saberes oriundos de fontes diferentes e produzidos em contextos institucionais e profissionais variados. Os autores diferenciam os saberes de experiência e os da experiência: os saberes de experiência referem-se àqueles adquiridos no cotidiano diário de cada um, e os da experiência são aqueles relacionados à prática do professor, à prática docente.
Uma dessas perguntas abordou a relação aos saberes da docência provenientes da graduação ou da instituição de ensino superior, sendo que a maioria dos respondentes (16) cita o conhecimento teórico e técnico como a maior contribuição do curso de graduação para o exercício da docência, os demais dados obtidos são apresentados na Tabela 3, que se encontra na sequência.
Saberes provenientes da graduação que contribuem no exercício da docência | Exemplos | Número de respondentes | Parcela dos respondentes |
---|---|---|---|
Conhecimento teórico e técnico | Disciplinas específicas, bibliografias | 16 | 45,7% |
Metodologia | Postura e forma de ensinar dos professores da graduação | 7 | 20% |
Prática na interação com os alunos | Humildade, respeito, comunicação, incentivo | 5 | 14,3% |
Ressignificar experiências | Fazer diferente, itens que faltaram na formação acadêmica ou impactaram de forma negativa | 4 | 11,4% |
Conhecimento prático | 4 | 11,4% | |
Não utiliza nenhum saber | 4 | 11,4% | |
Aprendizagem | Raciocínio, estudo científico, curiosidade | 2 | 5,7% |
Conjunto de experiências | 1 | 2,8% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
Ainda sobre o processo de construção dos conhecimentos da docência da educação superior, os respondentes foram inquiridos a respeito da importância da formação pedagógica, e os dados revelaram que a maioria não possui nenhum tipo de formação nesta direção, perfazendo uma parcela de 69,2%. Entretanto, dos respondentes que possuem formação pedagógica, as maneiras com que esta foi adquirida estão apresentadas na Tabela 4.
Tipo de formação pedagógica | Número de respondentes | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
Cursos (curta e longa duração) e oficinas | 6 | 54,55% |
Especialização na área de educação | 2 | 18,18% |
Metodologia e prática no ensino superior | 1 | 9,09% |
Mestrado na área de educação | 1 | 9,09% |
Curso de formação pedagógica | 1 | 9,09% |
Total | 11 | 100% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
Prosseguindo na compreensão de como ocorre a construção dos conhecimentos da docência da educação superior por parte dos engenheiros civis, os respondentes foram indagados sobre possíveis fundamentos para ser um bom professor, ou seja, o que consideram importante para ser um bom professor. Foram questionados também sobre como se dá a escolha dos conteúdos e métodos que são utilizados em sala de aula. Os resultados obtidos estão sistematizados nas Tabelas 5 e 6, respectivamente. Constatamos que a didática é destacada como importante condição para a constituição do “bom professor” engenheiro civil, seguida de conhecimento prático e profissional. Já os conteúdos e métodos são organizados, principalmente, de experiências e materiais obtidos em aulas da graduação e pós-graduação que tiveram enquanto estudantes, assim como de livros, materiais que se encontram disponibilizados na Internet e em atividades profissionais realizadas como engenheiro civil.
Aspectos importantes de um bom professor | Número de pessoas que marcaram essa alternativa | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
Didática | 37 | 94,9% |
Conhecimento prático e profissional | 34 | 87,2% |
Interação interpessoal em sala de aula | 33 | 84,6% |
Conhecimento técnico | 32 | 82,1% |
Conhecimento das tecnologias da comunicação e informação | 21 | 53,8% |
Empatia e propiciar em sala de aula um ambiente distensionado e receptivo aos alunos | 1 | 2,6% |
Estar conectado e contemporâneo, ser multifuncional e versátil | 1 | 2,6% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
Forma da escolha dos conteúdos e métodos | Número de pessoas que marcaram essa alternativa | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
Experiências obtidas em aulas da graduação e pós-graduação | 29 | 74,4% |
Livros | 29 | 74,4% |
Internet | 27 | 69,2% |
Materiais de aulas oriundos do curso de graduação e pós-graduação | 26 | 66,7% |
Atividades profissionais realizadas como engenheiro civil | 26 | 66,7% |
Canais de comunicação (revistas, televisão, sites...) | 13 | 33,3% |
Artigos científicos | 1 | 2,6% |
Avaliações de ex-alunos | 1 | 2,6% |
Participação em congressos nacionais e internacionais | 1 | 2,6% |
Pelos objetivos de aprendizagem do aluno | 1 | 2,6% |
Fonte: Produzida pela autora (2021).
Dessa forma, considerando as respostas obtidas no questionário, percebemos que, da graduação, provém principalmente o conhecimento teórico e técnico para o exercício da docência. Demais conhecimentos/saberes adquiridos são provenientes de formação continuada e de outros recursos que o próprio professor é responsável por buscar, para que se mantenha atualizado. Outro fator relevante da análise dos dados obtidos no questionário é que a maioria dos professores engenheiros civis não possui nenhum tipo de formação pedagógica, destacando--se que muitos aprenderam o exercício da docência por meio da experiência no cotidiano da atividade docente.
3.3 As contribuições da formação inicial e continuada na constituição da docência
Dando continuidade à busca de fatores que estão contribuindo para professores formados em Engenharia Civil se constituírem docentes na educação superior, nesta seção, procuramos analisar as contribuições do processo de formação inicial e continuada na constituição da docência.
Por formação inicial entendem-se os processos institucionais de formação de uma profissão que geram a licença para o seu exercício e o seu reconhecimento legal e público. [...] Já a formação continuada refere-se a iniciativas instituídas no período que acompanha o tempo profissional dos professores. Pode ter formatos e duração diferenciados, assumindo a perspectiva da formação como processo (Cunha, 2013, p. 612).
Em relação às contribuições do curso de graduação para a docência, a maioria acredita que a maior contribuição vem da inspiração em professores, seguida por embasamento teórico. Os demais dados obtidos estão apresentados na Tabela 7.
Contribuição da graduação para a docência | Número de pessoas que marcaram essa alternativa | Parcela dos respondentes |
---|---|---|
Inspiração em professor(es) | 28 | 71,8% |
Embasamento teórico | 27 | 69,2% |
Conhecimentos práticos | 13 | 33,3% |
Conhecimento pedagógico | 4 | 10,3% |
Iniciação científica | 2 | 0,05% |
Não houve contribuição | 2 | 0,05% |
Troca de conhecimento com os colegas | 1 | 0,025% |
Fonte: Produzida pelos autores (2021).
A maioria, 59% dos respondentes, não considera que a graduação os capacitou para ser os professores que são. Como justificativa, é citado que eles foram capacitados por meio de conhecimentos adquiridos em atividades desenvolvidas fora do currículo da graduação, como monitorias e iniciação científica, e, após a graduação, por meio do mestrado, doutorado e pós-doutorado. No depoimento que segue, é possível perceber tal constatação:
Para a professora que sou, não... mas, para professores dos moldes antigos, talvez, pois os moldes antigos visavam muito a pesquisa (professor pesquisador), e esse contato a graduação permitiu, abriu portas para o mestrado e, por consequência, a possibilidade de dar aula. Mas, comparando no geral, o curso sempre visou muito em entregar um profissional para o mercado, e não pra universidade. Sigo na linha de formar pro mercado, possibilitando a quem deseja o contato com a pesquisa (Respondente F).
Já os demais acreditam que a graduação contribuiu na capacitação para a docência. Muitos justificam que esta é proveniente das experiências quetiveram com seus professores durante a formação acadêmica e em relação à base teórica, mas nada relacionado à formação pedagógica. Esta constatação pode ser visualizada nas declarações que seguem:
Os conhecimentos construídos durante a graduação somado a outros adquiridos posteriormente em cursos e durante a vida profissional contribuem para os ensinamentos desenvolvidos em sala de aula (Respondente G).
Na verdade, acredito que tudo contribui para eu ser a professora que sou. Na graduação, exemplos bons e ruins (como não fazer) foram lições. Mas nada aplicado à pedagogia em específico (Respondente H).
Ao serem questionados sobre a contribuição de cursos, formações e especializações que realizaram, os professores envolvidos nesta investigação destacam que contribuem principalmente para adquirir conhecimento teórico (94,9% dos respondentes). Além disso, metade dos respondentes (51,3%) acham que também contribui com conhecimento prático, e isso pode ser verificado por meio de análise documental dos currículos, em que se percebem muitos cursos de Engenharia Civil com atividades práticas, o que corrobora o que foi informado pelos respondentes. Alguns, ainda (30,8%), responderam que essa busca extra de conhecimento contribui com a formação da área que se apresenta diversificada.
Majoritariamente, os respondentes concordam que a graduação não provém uma base sólida de capacitação para o exercício da docência, sendo responsável principalmente pelo conhecimento teórico e prático e sem abordar a formação pedagógica. Porém, a própria experiência em sala de aula e o contato com os seus professores de graduação são considerados uma contribuição da graduação para torná-los os professores que são hoje.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O curso de graduação em Engenharia Civil possibilita a formação de profissionais para atuação em vários espaços, sendo a área acadêmica considerada um desses espaços, que possibilita a atuação no desenvolvimento de pesquisas e na docência (ensino). No entanto, neste curso de graduação, não é oferecido nenhum tipo de formação pedagógica para capacitar estes profissionais para a atuação em tal atividade. Nesta direção, neste estudo, buscamos compreender os fatores que estão determinando a constituição da docência de professores engenheiros civis, por meio de um estudo de caso envolvendo os professores engenheiros civis atuantes nos cursos de graduação em Engenharia Civil, no Estado do Rio Grande do Sul.
Por meio da análise das respostas do questionário que foi aplicado aos professores engenheiros civis, percebemos que esses profissionais consideram os professores como sujeitos importantes do processo educativo e manifestam interesse pela pesquisa. A maioria dos professores encontra inspiração para atuar como docente nos professores que tiveram enquanto estudantes. Esses professores incentivam os estudantes a participar em atividades de monitoria e iniciação científica, demonstrando, com isso, a importância do professor na formação acadêmica, incentivando-os a seguir carreira acadêmica.
Noutra direção, considerando os dados obtidos com esta investigação, acreditamos que o mercado de trabalho da Engenharia Civil pode influenciar os engenheiros civis a seguirem a carreira como docente. Apesar de ser um mercado amplo, que oferece diversos campos de atuação dentro da engenharia, constatamos que se mostra muito dependente de questões econômicas e políticas, mobilizando alguns desses profissionais a seguirem a carreira acadêmica e, com ela, o interesse em se tornarem professores. Associado a isso, verificamos um crescimento no número de profissionais formados nos últimos anos, resultando numa saturação do mercado de trabalho tradicional dos engenheiros civis, contribuindo para a procura pela carreira acadêmica.
No contexto daqueles engenheiros civis que estão atuando como professores, percebemos que, na graduação em Engenharia Civil, são abordados conhecimentos teóricos e técnicos voltados para a área específica do curso. Entretanto, os conhecimentos relativos à formação pedagógica considerados importantes na atuação do professor não são tratados durante o curso e são adquiridos por meio de experiências obtidas nas aulas de graduação e pós-graduação, livros ou Internet, uma vez que a maioria dos professores engenheiros civis envolvidos neste estudo não conta com auxílio proveniente de formação continuada voltada para os conhecimentos pedagógicos.
Percebemos que a maior contribuição na formação de professores engenheiros civis é a inspiração em professores que atuaram na graduação, no momento em que foram estudantes. O curso de Engenharia Civil não capacita para a atuação dos estudantes como professores. Esta capacitação é adquirida por meio de atividades desenvolvidas fora do currículo da graduação, como monitorias e iniciação científica. Após a graduação, este processo se intensifica por meio de cursos de mestrado, doutorado e pós-doutorado, e outra parte dos conhecimentos teóricos e práticos voltados para a docência é conquistada em cursos de aperfeiçoamento, formações e especializações.
Por fim, vale ressaltar que os professores são cruciais na transmissão e produção de conhecimentos e responsáveis por inspirar muitos profissionais a seguirem carreira como docente na área da Engenharia Civil. Incentivar estudos sobre a atuação de profissionais dessas áreas e adicionar componentes curriculares que contribuam na formação pedagógica pode colaborar para a melhoria da qualidade do ensino desenvolvido, além de incitar uma parte desses profissionais à educação profissional e formação de pessoas.
Outros desafios e perspectivas pairam nas reflexões sobre os fatores que estão contribuindo para a constituição da docência dos professores engenheiros civis. Por se tratar de uma análise inacabada, sugerimos outras buscas teóricas e empíricas de aspectos que problematizem a profissão de professor desta área do ensino. As considerações aqui situadas são inacabadas e requerem ser aprofundadas e mais bem validadas em outras investigações, na perspectiva da recriação do processo de atuação profissional dos professores que atuam nos cursos de Engenharia Civil.