O Brasil vive uma complexa conjuntura!
Do ponto de vista econômico, temos uma crise capitalista mundial, uma crise orgânica e geral do capitalismo, cujo marco foi o ano de 2008. Os impactos dessa crise manifestam-se de forma diferenciada em termos geográficos e temporais, mas é inegável que, no último período, impactou com força não só o centro do sistema, mas também sua periferia. Nosso país ingressou nesta nova crise capitalista, pelo menos desde 2015, produzindo estruturais e perversas desigualdades.
Do ponto de vista político, os abalos também não foram de pouca monta. Pode-se afirmar que foram abaladas as bases sociais da própria reprodução política, cujos destaques foram, primeiramente, o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, em 2016, por decisão do Congresso Nacional. Em seguimento, em 2018, em conturbado processo eleitoral, assume a presidência um novo governo que, além das pautas ultraneoliberais, tem assumido posturas claramente autoritárias e neofascistas.
Assim, desde 2016, o Brasil amarga um golpe, uma ruptura democrática, acompanhada por uma grave crise política, econômica e social, com todos os requintes de uma plataforma programática do neoliberalismo extremado.
As medidas adotadas a partir do golpe [de 2016] desmontaram o Estado no seu “braço social” e, com o auxílio do Congresso – que tem se caracterizado por ter grande número de seus membros comprometidos por denúncias de corrupção e por ter um largo número de representantes de setores empresariais, eleitos com fortes contribuições financeiras de grandes empresas –, foram votadas, de forma apressada, praticamente sem debate público, toda uma nova legislação [...]. (MANCEBO, 2021, p. 231).
A primeira e principal legislação aprovada foi a Emenda Constitucional (EC) n.º 95, de 15 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016), que instituiu o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, cabendo destacar que todas as suas restrições se referem tão somente às “despesas primárias” e que, portanto, as despesas financeiras, em especial o pagamento da dívida pública, seguem livres para crescerem o quanto quiserem os governantes, beneficiando o capital financeiro.
O processo regressivo prosseguiu com a aprovação da terceirização ilimitada, conforme a Lei n.º 13.429, de 31 de março de 2017 (BRASIL, 2017a), que garantiu, após conturbado processo legislativo, a permissão para as empresas terceirizarem quaisquer atividades, não apenas atividades acessórias, como ocorria até então.
O movimento de espoliação de direitos aprofunda-se com a aprovação da Lei n.º 13.467, em 13 de julho de 2017 (BRASIL, 2017b), a (Contra) Reforma Trabalhista que alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, além de retirar ou rebaixar muitos dos direitos dos trabalhadores da iniciativa privada, também afetou o trabalho nos serviços públicos, com a previsão, por exemplo, da ampliação do uso da terceirização e a introdução do trabalho intermitente na seara pública.
Em 2019, o ataque foi sobre a Previdência, com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 103, de 12 de novembro de 2019 (BRASIL, 2019), que dificultou o acesso a esse direito e diminuiu o valor das aposentadorias.
Esse conjunto de medidas representou uma profunda reversão de direitos duramente conquistados pelos trabalhadores brasileiros, e longe de resolver os graves problemas que afligem a população, como a redução dos índices alarmantes de desemprego, em verdade, representou o aprofundamento do processo de precarização da vida, visando tão somente à recomposição das taxas de lucratividade do capital no contexto de sua crise estrutural. (MANCEBO, 2021). Adicionalmente,
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O desmonte das proteções sociais, a desregulamentação irrestrita nas formas de contratações, a compressão do ganho real da renda do trabalho, a ampliação do desemprego, informalidade e ampliação do proletariado dos serviços sedimentam o chão histórico da ascensão do neoconservadorismo no Brasil (CHAVES; ARAÚJO, 2022, p.4).
Por fim, a tudo isto, deve-se acrescer a chegada da pandemia do novo Coronavírus no país, de modo que ao quadro de crise econômica, política e social que já se apresentava, somou-se a crise sanitária, conduzindo o país a um dos piores momentos da sua história.
No Brasil, a combinação da instabilidade político-institucional, com a crise econômico-social e a crise sanitária foi cunhada, desde o início, por uma falsa polêmica entre instituir o isolamento social ou manter as atividades econômicas, que acabou se configurando como a situação hegemônica, à revelia das recomendações de médicos e da ciência. Numa oposição superficial e simplista entre economia e vida, ganhou a economia, submetendo a população (especialmente a mais pobre) à contaminação e à morte pelo vírus. (MANCEBO, 2020).
O que se assistiu no país por parte do governo federal foi o curso de uma política cega, negacionista e obscurantista que recusava a ciência e que sequer defendeu medidas sanitárias mínimas, indispensáveis para tentar limitar as dramáticas consequências da crise (confinamento e vacinação, principalmente).
No “tratamento” aqui adotado, [pôde-se] detectar, inclusive, traços de social- darwinismo (típico do fascismo) com governos, especialmente o federal, apostando na sobrevivência dos mais fortes. Se as pessoas mais vulneráveis – idosos, pessoas portadoras de comorbidades, por exemplo – [viessem] a falecer, [era] o preço a pagar para que o país não [parasse]! (MANCEBO, 2021, p. 230).
Obviamente, essa conjuntura tem afetado todas as instituições republicanas e, sobremodo, as instituições de educação superior (IES), assim como as políticas e ações que estavam em curso no tocante a este nível de ensino, a exemplo das metas e estratégias previstas no Plano Nacional de Educação (2014-2024).
O presente dossiê visa acompanhar essa conjuntura no que ela afeta a educação superior no país, os novos modos de regulação e tendências em construção, bem como as mudanças que vêm ocorrendo, considerando: as políticas e ações projetadas para esse campo, a partir dos preceitos ultraneoliberais largamente praticados, marcados, por seu turno, por uma ideologia neoconservadora [e neofascista] que ganhou lastro na sociedade brasileira nesta última conjuntura.
Para tal, o dossiê contempla uma diversidade de enfoques,de abordagens teóricas e metodológicas, materializada nos dez artigos que o compõem – dois dos quais em língua inglesa.
Por fim, e talvez o mais importante, o dossiê representa um árduo trabalho de investigações, desenvolvidas no âmbito da Rede Universitas/Br (http://www. redeuniversitas.com.br/), com aproximadamente trinta anos de experiência coletiva, da qual muito nos orgulhamos.
Desejamos a todos uma leitura instigante!