INTRODUÇÃO
O planejamento estratégico, na forma da declaração da missão institucional, passou a ser uma dimensão obrigatória da avaliação da educação superior desde o advento das políticas que conduziram ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Com a exigência presente na lei nº 10.861/2004, que instituiu o SINAES, a identificação do perfil e do significado da atuação das universidades se constituiu como um dos objetivos da avaliação das instituições de educação superior brasileiras. Assim, a formalização dessa dimensão estratégica se fez presente em todas estas organizações, notadamente por meio de sua inserção no plano de desenvolvimento institucional (PDI).
Ainda que os efeitos práticos desse instrumento de gestão sejam questionados pela literatura; e ainda que a concepção inicial do SINAES, que destacava os aspectos formativos, orientando-se para a missão institucional, tenha sido negligenciada em prol do uso de indicadores; o tema da declaração de missão (DM) tem emergido sob a perspectiva de uma narrativa identitária, como forma de autodescrição capaz de refletir aspectos da identidade organizacional. Com isso, evidencia-se o interesse de se investigar o conteúdo das DM das universidades.
Considerando apenas o grupo das universidades federais, esta pesquisa se propôs a investigar a existência e a natureza de padrões lexicais nas DM destas instituições. Assim, empregou técnicas da Linguística de Corpus , a fim de conhecer o que estas instituições consideram como sua razão de ser e quais são os seus propósitos declarados. Quais palavras aparecem com maior frequência nas declarações de missões destas universidades? Quais os contextos em que elas se inserem? Quais as principais coocorrências entre essas palavras? São estas as perguntas que orientam a presente investigação, em um primeiro momento.
Em um segundo momento, a partir dos resultados e apoiando-se na revisão de literatura, faz-se uma análise crítica das declarações. Com isso, espera-se contribuir para as discussões sobre a identidade e os objetivos das universidades federais brasileiras, assim como sobre pontos recorrentes da temática: a pertinência dos objetivos declarados; a utilização da missão como instrumento estratégico; os seus efeitos sobre o desempenho institucional; e a escolha de elementos considerados adequados para uma declaração de missão eficaz.
REVISÃO DE LITERATURA
A revisão realizada a seguir abrangeu a literatura na área da gestão estratégica, estudos sobre a declaração da missão em universidades e as políticas públicas que tratam do assunto, representadas pelo SINAES.
A DECLARAÇÃO DE MISSÃO E A ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
A declaração de missão, cuja literatura remonta à década de 1970, é considerada uma expressão dos propósitos das organizações, assim como um símbolo da cultura organizacional, capaz de evocar emoções para motivar pessoas (sejam colaboradores ou clientes) e, assim, guiar comportamentos, como destaca Campbell (1997). Segundo Pearce e David (1987), a missão é frequentemente citada por profissionais e pesquisadores como um importante primeiro passo no processo de planejamento estratégico. A DM tem, assim, duas perspectivas: a que abrange uma função comunicativa voltada para fins motivacionais; e a que possui uma função mais diretamente relacionada aos objetivos organizacionais, como instrumento de planejamento.
Alegre et al. (2018), em revisão sistemática da literatura por meio de análise bibliométrica, constataram que nas décadas de 1980 e 1990 a maioria dos artigos sobre o tema eram voltados para a prática profissional e careciam de embasamento teórico mais aprofundado. Só depois desse período, os estudos passaram a ser conduzidos sob uma perspectiva exclusivamente acadêmica.
Neste contexto, há autores que têm se debruçado sobre o tema a fim de propor os requisitos necessários a uma DM considerada satisfatória, enquanto outros buscam investigar a relação entre a DM e os resultados institucionais. De acordo com Bartkus, Glassman e Mcafee (2006), a literatura sobre o tema é rica em argumentos sobre os propósitos da DM e sobre os elementos que devem ser incluídos para que ela seja tida como eficaz. Contudo, ressalte-se que é comum encontrar na literatura o reconhecimento de que não é recomendável se ater a modelos mecanicistas e rígidos.
A busca por evidências da relação entre DM e resultados corporativos é também um tema constantemente explorado. É o caso da investigação de Pearce e David (1987), que verificou a hipótese de que as companhias de alta performance listadas Fortune 500 possuem mais componentes desejáveis na DM do que as companhias de baixa performance, confirmando-a. Por outro lado, os resultados da investigação de Bartkus, Glassman e Mcafee (2006) indicaram que os elementos das DM, em sua maioria, possuem pouco ou nenhum impacto sobre a performance de empresas listadas no ranking de 2001, da Fortune Global 500. Neste estudo, os autores relacionam outras pesquisas que obtiveram conclusões similares, no sentido de haver pouca evidência de que a DM esteja associada a resultados, assim como também o faz Bart Baetz (1998).
Deve-se ressaltar que o fato de uma DM ser considerada satisfatória não garante que ela seja eficaz. É possível encontrar na literatura a ideia de que as limitações da DM decorrem de falha humana e não da ferramenta em si (embora a DM seja uma construção humana). Assim, pesquisadores como Bartkus, Glassman e Mcafee (2006) têm alertado que a eficácia de uma DM depende de sua comunicação com as partes interessadas e de sua implementação como instrumento do planejamento estratégico. Ademais, há vários fatores que impactam os resultados organizacionais, o que tornam muito delicadas tais análises. Campbell (1997) levanta um ponto interessante sobre o fato de a DM não necessariamente agregar valor: ela pode ser causa de problemas de resistência em colaboradores, caso os valores por ela exaltados estiverem em conflito com os deles.
Para evitar este tipo de conflito, mostra-se estratégico garantir o envolvimento de partes interessadas durante o processo de criação e de implementação da DM. Como pontuam Alegre et al. (2018), no início, a abordagem comum envolvia a delegação da redação inicial aos subordinados, por parte da alta da administração. Depois, havia a revisão das versões subsequentes até a aprovação do CEO. O método mostrava-se demorado, pouco participativo e incapaz de contribuir efetivamente para motivar, melhorar o clima organizacional e promover o alinhamento organizacional, benefícios prometidos por uma boa DM. Assim, pesquisadores têm estudado métodos mais participativos e efetivos. É o caso do estudo de Ferget et al. (2021) que apresenta um procedimento para incorporar abordagens de e-participação a fim de dar lugar a processos mais colaborativos e transparentes.
DECLARAÇÃO DA MISSÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Cortés, Rivera e Carbonell (2022) destacam que as universidades começaram a implementar a DM na década de 1980 e que o efeito destas iniciativas, no que se refere à relação do conteúdo e da legibilidade das DMs com o desempenho organizacional não foi explorado com a mesma intensidade verificada no meio corporativo. Em vista disso, sua pesquisa se propôs a verificar o efeito da legibilidade das DMs sobre o desempenho das universidades. A conclusão foi que não houve diferença significativa de legibilidade entre universidades com diferentes características, como região de atuação, tamanho, foco, status, dentre outras. Os resultados evidenciaram que variáveis como idade, foco e tamanho das instituições têm maior poder explicativo sobre o desempenho do que a legibilidade das DMs.
Em outro estudo, que realizou uma análise de conteúdo nas DM de 248 universidades em vários países, Cortés-Sanchez (2018) identificou uma ênfase geral na sociedade e nos alunos, como partes interessadas. O estudo também sugere que as DM das universidades públicas são moldadas por políticas governamentais.
Kosmützky (2016) investigou a DM em um contexto de transformação das universidades alemãs, iniciado na década de 1990. Constatou-se que as identidades e as imagens das universidades foram redefinidas em direção à construção de imagens corporativas que refletiram maior autonomia perante o governo e um posicionamento mais definido em termos de nichos e grupos competitivos. Assim, afirma a autora que, embora as DM tenham sido introduzidas por meras razões simbólicas, o estabelecimento de identidades únicas e viáveis trouxe consequências (em parte intencionais), significativas e concretas: abriu-se espaço para técnicas de governança como a gestão estratégica, a avaliação da qualidade e o marketing. Kosmützky (2016) destaca as transformações: dos processos administrativos em processos de gestão estratégica; do controle governamental em direção à autogestão, adotando processos de avaliação para garantia de qualidade; e das relações públicas rumo à gestão de uma marca, uma vez que o marketing requer identidades com as quais imagens sejam trabalhadas. Segundo a autora, todo este processo teve como fundamento ideológico a competição, considerada dentro do discurso da Nova Administração Pública como uma inevitabilidade e um mecanismo que distribui recursos de forma mais eficiente, dentro e entre as universidades.
Ao explorar a perspectiva das DM como narrativas de identidade, Seeber et al (2017) argumentam que é um desafio crucial para as universidades identificar as expectativas que devem atender, uma vez que estas possuem diferentes origens (gestores, alunos, professores). Outra questão discutida é a necessidade de as universidades se distinguirem ao mesmo tempo em que devem se assemelhar a outras. Encontrar o equilíbrio entre singularidade e semelhança seria, assim, outro desafio para essas organizações. Em busca de respostas para essas questões, os autores investigaram as DM presentes no sistema de ensino superior do Reino Unido e concluíram que ao tentar atender expectativas que concorrem entre si, as universidades escolhem reivindicações plausíveis para os atores externos e consistentes com os valores dos atores internos. Além disso, concluiu-se que as universidades adotam reivindicações semelhantes àquelas pertencentes à mesma forma organizacional e se diferenciam das mais próximas geograficamente, no intuito de reduzir a sobreposição competitiva.
Quanto à DM em universidades brasileiras, os estudos são escassos. Destaca-se uma investigação conduzida por dois pesquisadores, abrangendo 17 instituições no Estado do Ceará, cujos resultados revelaram que, embora as instituições estivessem tentando utilizar ferramentas de planejamento estratégico,
a missão, tida por muitos autores como ponto de partida do planejamento corporativo, não vem sendo utilizada com a função de base auxiliadora nas decisões estratégicas. O resultado das entrevistas e conversas informais ocorridas demonstrou a pouca intimidade da alta administração com a missão corporativa e seu significado para a instituição como orientação às decisões estratégicas (FORTE E PEREIRA, 2003, p. 13).
E quanto à divulgação da missão entre a comunidade acadêmica e o nível de conhecimento desta sobre a missão, a pesquisa revelou
baixo nível de conhecimento da missão por parte dos professores, e, principalmente, alunos e funcionários das IES. Muitas instituições não têm divulgação estruturada, e em 90% dos casos nem a chamada missão decorativa de paredes, apenas 2 instituições das 17 pesquisadas tinham sua missão explícita e de forma visível nas suas instalações físicas. Se for comum se criticar que “missão enfeitando parede não serve para nada”, que se pode dizer das Instituições que ainda não conseguiram nem enfeitar as paredes? (FORTE E PEREIRA, 2003, p. 13-14).
Por fim, os autores concluem que muitas instituições definiram sua missão apenas como resposta às exigências do MEC para compor o PDI e, assim, se adequar às normas legalmente instituídas.
Outra pesquisa analisou a presença de elementos propostos por Pearce II, em 1982, nas missões de 70 universidades públicas brasileiras e trouxe constatação idêntica ao estudo anterior: “as universidades públicas realizam sua missão por adequação ao planejamento estratégico como cultura da organização ou apenas para cumprir com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), ambos exigidos pelo MEC” (ARAÚJO, MICHELON E LUNKES, 2018, p. 125). Os autores concluíram que a maioria das universidades possui somente 2 dos 8 elementos propostos pelo autor e que “nenhuma das setenta definições de missão apresentou aspectos relacionados aos oito elementos estabelecidos por Pearce II. Apenas uma universidade apresentou seis dos oito elementos propostos” (ARAÚJO, MICHELON E LUNKES, 2018, p. 126).
Um outro estudo investigou os princípios orientadores das universidades públicas, a partir dos Estatutos e dos PDIs. Seus resultados indicam uma prevalência da pesquisa entre as missões da educação superior: “A categoria “produção e distribuição do conhecimento” aparece como a principal missão, numa frequência de 100% dos documentos.” (RIBEIRO, 2017, p. 373).
SINAES: UMA ABORDAGEM AVALIATIVA ORIENTADA PARA OS OBJETIVOS, COMO PARÂMETRO PARA A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
A missão institucional figura não apenas como a primeira dimensão a ser avaliada, de acordo com a lei do SINAES, mas ocupa um lugar central na avaliação da educação superior instituída pela legislação brasileira. Esta constatação encontra- se expressa no documento “SINAES: bases para uma nova proposta de avaliação da educação superior brasileira”, nos seguintes termos: “A avaliação, foco central da proposta ora apresentada, orienta-se para a missão institucional da educação superior” (BRASIL, 2004a, p. 123-124).
Em consonância com este posicionamento, encontra-se a orientação, contida no documento “Orientações Gerais para o Roteiro da Auto-Avaliação das Instituições”, elaborado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), para que em todas as dimensões sejam levantados tópicos em que se descreva a sua relação com a missão da instituição. A título de exemplo, na dimensão “Comunicação com a Sociedade”, orienta-se que seja abordado o seguinte tópico: “A comunicação da instituição é efetiva e comprometida com a missão da IES? Como se manifesta?” (BRASIL, 2004b, p. 23). Percebe-se, portanto, uma convergência das demais dimensões da avaliação do SINAES para a dimensão da missão institucional, que assume uma posição estratégica de centralidade dentro do sistema.
Nesse contexto, compete à CONAES apoiar as instituições para que “avaliem, periodicamente, o cumprimento de sua missão institucional, a fim de favorecer as ações de melhoramento, considerando os diversos formatos institucionais existentes” (BRASIL, 2004a, p. 98) 1 . Com isso, foi proposto um roteiro do processo avaliativo, que traz as seguintes orientações:
1. Missão (vocação, compromissos, finalidades, visão, objetivos da instituição).
Elementos fundamentais do projeto institucional. Identificar e avaliar as marcas que melhor caracterizam a instituição, definem sua identidade e indicam a responsabilidade social. Principais programas e processos que conferem identidade à instituição e melhor realizam suas finalidades e objetivos essenciais. Principais contribuições para o desenvolvimento da ciência e da sociedade. Características principais do clima acadêmico e psicossocial da IES.
Descrever a função central que a instituição se propõe a cumprir, segundo o projeto institucional.
Analisar as práticas institucionais que concretizam a função central da instituição, identificando principais resultados, dificuldades, carências, possibilidades e potencialidades.
Analisar a participação dos professores, estudantes e servidores na realização desse projeto institucional, identificando e avaliando as estratégias de motivação.
Avaliar a pertinência do projeto institucional, tendo em vista as características do entorno social e as demandas objetivas da comunidade regional e da sociedade brasileira; de que maneira o contexto social, econômico e político interfere nas políticas e nas práticas informais da instituição.
Avaliar em que medida os propósitos e fins formais e oficiais da instituição coincidem com os objetivos realmente perseguidos pelos professores e administradores. (BRASIL, 2004a, p. 116-117)
Conforme idealizado pela CONAES, a proposta do SINAES possui caráter formativo e visa ao aperfeiçoamento institucional, especialmente quando ocorre com a participação efetiva da comunidade interna e a contribuição de atores externos. Desta forma, vislumbra-se a construção de “uma cultura de avaliação que possibilita uma permanente atitude de tomada de consciência sobre sua missão e finalidades acadêmica e social.” (BRASIL, 2004b, p. 5).
Ressalte-se que esta dimensão formativa situa-se, sobretudo, no âmbito da autoavaliação e que, na prática, conforme Verhine (2015)2 , deixou de ser valorizada adequadamente, devido à centralidade que o uso de indicadores assumiu no processo de implementação do SINAES. Para Barreyro e Rothen (2014), a emergência de tais índices comprometeu o processo de melhoria de qualidade e a busca pelo aperfeiçoamento institucional e, assim, “perdeu-se o caráter formativo da avaliação” (BARREYRO e ROTHEN, 2014, p. 70).
A respeito das matrizes teóricas em que se baseia a concepção inicial do SINAES, entende-se que, quando se concebe a avaliação educacional como uma descrição, dentro de uma abordagem voltada para o alcance de objetivos, estamos diante de uma perspectiva avaliativa clássica, difundida por Ralph Tyler (1902-1994).
Ressalte-se que esta orientação abrange crenças e valores refletidos no currículo e que busca proporcionar subsídios para uma análise crítica dos programas educacionais, possibilitando seu aprimoramento:
Tyler (1942), há vários decênios, estabeleceu uma linha de abordagem, hoje clássica, que merece ser analisada e debatida amplamente, numa perspectiva crítica. Assim, a avaliação objetivaria, em primeiro lugar, verificar, periodicamente, a eficiência de uma instituição como agente promotora da educação. A avaliação, portanto, propicia elementos para uma crítica institucional, uma discussão sobre a sua atuação, um debate sobre os seus próprios fundamentos teóricos, que orientam o processo educativo. A coleta de elementos através da avaliação permitiria, pois, aprimorar o programa institucional, reformulando-o naquilo em que fosse deficiente ou inoperante (VIANNA, 2013, p. 64).
Para Tyler (1989), a formulação de objetivos envolve dois problemas centrais: uma lista de objetivos razoavelmente completa, o que inclui todos os objetivos importantes e alcançáveis; e que os objetivos sejam estabelecidos em termos claros. Segundo o autor, o estabelecimento de objetivos vagos (“generalidades brilhantes”) tem pouco valor prático para servir de guia. Embora Tyler esteja se referindo aos objetivos de um curso, suas observações são pertinentes e mostram-se passíveis de aplicação na definição de objetivos em nível institucional.
Tyler (1989) também faz importantes considerações ao comparar os objetivos do meio educacional e do meio empresarial, no sentido de que estes seriam mais fáceis de identificar e mensurar. Para o autor, a avaliação na educação, além do problema de ter objetivos frequentemente vagos, é mais complexa por outros motivos: maiores discordâncias quanto aos objetivos fundamentais; necessidade de esclarecimentos para que os objetivos sejam compreendidos; e métodos de obtenção de evidências sobre o alcance de objetivos educacionais, que são mais complexos do que aqueles utilizados na avaliação de um negócio. Conforme o autor, encontrar maneiras de medir as mudanças educacionais não é tão fácil quanto identificar se lucros foram baixos e quais produtos não venderam bem. Como destaca Vianna, em relação à mensuração de resultados educacionais:
Alguns atributos podem ser facilmente medidos e, portanto, quantificados; outros, ao contrário, especialmente os de interesse na área educacional – rendimento escolar, habilidades, aptidões, atitudes etc. –, por não possuírem uma definição operacional precisa, são de difícil mensuração. Além disso, a construção dos instrumentos de medida reveste-se de grande complexidade e nem sempre é realizada de forma inteiramente adequada (Jones, 1971). (VIANNA, 2014, p. 119)
A primeira das quatro perguntas básicas de Tyler, “Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?”, assume enorme importância estratégica, pois orienta todo o trabalho avaliativo e dela dependem as demais perguntas. Destaque-se que as críticas direcionadas às avaliações baseadas em objetivos, no sentido de não possibilitarem o julgamento do valor e do mérito dos próprios objetivos estabelecidos, já haviam sido um tanto antecipadas e discutidas por Tyler. Uma vez que a resposta à pergunta seja construída com efetiva participação da comunidade, como indica o CONAES, acredita-se que o valor e o mérito dos objetivos, consubstanciados na missão institucional, tenham sido previamente julgados e considerados aceitáveis.
MÉTODO
A pesquisa se propôs a identificar e analisar a frequência e a distribuição das palavras presentes nas DM das universidades federais brasileiras. Após os resultados, realiza uma análise, interpretando-os de acordo com as contribuições constantes na revisão de literatura.
Utiliza-se de técnicas centrais para a Linguística de Corpus , segundo Pollach (2012): pesquisa de frequência de palavras; de palavras-chave no contexto (KWIC, de keyword-in-context ), técnica que exibe todas as instâncias de uma determinada palavra em seu entorno textual imediato, auxiliando o pesquisador a encontrar palavras de potencial interesse para seu contexto investigativo; além da pesquisa por “colocações”, que examina expressões multipalavras, e não apenas palavras individuais. Estas duas últimas técnicas evidenciam coocorrências e correlações entre palavras.
Assim, a pesquisa utiliza técnicas quanti-qualitativas de interpretação dos dados linguísticos. Como destaca Pollach (2012), embora exista um forte foco em técnicas quantitativas de análise de linguagem em corpora , o aspecto qualitativo é parte essencial de qualquer estudo que utilize uma abordagem baseada em corpus . É o caso da análise da frequência de palavras, que fornece evidências quantitativas que indicam padrões, mas que devem ser interpretadas pelo pesquisador, com a ajuda de buscas por KWIC. A autora ressalta, ainda, que a subjetividade é inevitável em qualquer análise, pois há de se tomar decisões sobre a construção do objeto e a seleção das etapas analíticas. Além disso, a interpretação dos resultados tem sempre um caráter subjetivo, pois não há padrões para definição de pontos de corte para palavras-chave ou para as medidas de dispersão. Por fim, a pesquisadora recomenda a verificação e a reflexão constantes, como parte de qualquer estudo de corpus, a fim de minimizar a subjetividade. Só assim, a linguística de corpus pode fornecer recursos poderosos.
Por meio de consulta ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), identificou-se 63 órgãos cuja denominação continha o termo “universidade”. Em seguida, a partir das páginas eletrônicas das universidades na internet, extraiu-se o texto das DM presente no PDI, em sua versão mais recente (a coleta foi realizada entre os dias 17 e 21 de janeiro de 2022). Os textos foram, então, compilados em um único arquivo, e este foi transferido para o Voyant Tools, no qual foram processadas as análises quantitativas. O Voyant Tools é um ambiente de leitura e análise de textos on-line em código aberto, que conforme Cortés (2018), vem sendo utilizado em publicações recentes, revisadas por pares. Não foi possível consultar o PDI da Universidade Federal de Roraima, pois a página da instituição na internet estava indisponível durante o período da coleta.
Antes do processamento, foi necessário realizar uma adaptação dos textos pois algumas DM se iniciam com expressões do tipo: “A Universidade Federal… tem como missão”, o que constitui um léxico com potencial de distorcer as análises.
Nas buscas de KWIC e coocorrências aplicou-se, sempre, um contexto de proximidade com 5 palavras.
RESULTADOS
O processamento das DM das 62 universidades resultou em um total de 2.215 palavras (ou tokens). As DM menos e mais extensas possuem 9 e 101 palavras, respectivamente. No quadro 1 , estão as 60 palavras mais frequentes e o número de suas ocorrências no corpus . A lista leva em conta a exclusão de artigos, preposições e conjunções, processada automaticamente.
Termo | Contagem | Termo | Contagem | Termo | Contagem | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | desenvolvimento | 35 | 21 | cultural | 11 | 41 | crítica | 7 |
2 | sociedade | 34 | 22 | difundir | 11 | 42 | desenvolver | 7 |
3 | formação | 28 | 23 | humano | 11 | 43 | éticos | 7 |
4 | conhecimento | 27 | 24 | qualidade | 11 | 44 | sistematizar | 7 |
5 | ensino | 25 | 25 | justa | 10 | 45 | atividades | Ε |
6 | extensão | 25 | 26 | profissional | 10 | 46 | avanço | 6 |
7 | pesquisa | 25 | 27 | socializar | 10 | 47 | críticos | 6 |
8 | produzir | 20 | 28 | capazes | 9 | 48 | exercício | 6 |
9 | promover | 20 | 29 | comprometidos | 9 | 49 | gerar | 6 |
10 | social | 20 | 30 | contribuir | 9 | 50 | inclusão | e |
11 | conhecimentos | 16 | 31 | democrática | 9 | 61 | superior | 6 |
12 | cidadãos | 15 | 32 | saber | 9 | 52 | amazonia | 5 |
13 | excelência | 15 | 33 | disseminar | 8 | 53 | campos | S |
14 | tecnológico | 15 | 34 | educação | 8 | 54 | construir | 5 |
16 | científico | 14 | 35 | ética | 8 | 55 | culturais | ε |
16 | profissionais | 14 | 36 | Inovação | 8 | 56 | culturas | 5 |
17 | sustentável | 13 | 37 | nacional | 8 | 57 | democracia | 5 |
18 | construção | 12 | 38 | regional | 8 | E8 | filosófico | s |
19 | formar | 12 | 39 | vida | 8 | 59 | formando | 5 |
20 | contribuindo | 11 | 40 | artístico | 7 | 60 | internacional | 5 |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Embora “desenvolvimento” e “sociedade” estejam no topo da lista, “formação” e suas correlatas (“formar”, com 12 ocorrências, e “formando”, com 5), juntas, perfazem 45 ocorrências. Já “conhecimento” e “conhecimentos” totalizam 43 ocorrências. Ou seja, essas palavras perfazem 157 ocorrências.
Isso revela uma grande identificação das universidades com o conhecimento, com a formação de pessoas e com o desenvolvimento da sociedade e indica que estes são os elementos fundamentais de suas missões. Assim, decidiu-se organizar as análises com foco nestes três temas.
CONHECIMENTO
Com 43 ocorrências no total, o conhecimento constitui um tema de grande destaque nas DM. Além dessas ocorrências, observou-se a presença de sinônimos substituindo “conhecimento” e “conhecimentos”. É o caso de “saber”, que possui 9 ocorrências no total, 4 das quais atuando como sinônimo de conhecimento, e “ciência” ou “ciências”, que têm 3 casos desses.
A pesquisa de KWIC permitiu identificar que, para os termos iniciados com “conhecim*”, há uma frequente associação a um contexto que envolve a sua produção e difusão, vistas de forma conjunta. O quadro 2 ilustra esta constatação.
Esquerda | Termo | Direita ↓ |
---|---|---|
construir sistematizar inovar e socializar | conhecimentos | |
alta qualificação, gerar e difundir | conhecimentos | |
inovação em diversas áreas do | conhecimento | |
sustentável. Desenvolver e socializar o | conhecimento | |
de idéias Produzir e socializar | conhecimentos | |
Fomentar construir e disseminar o | conhecimento | |
da construção de práticas e | conhecimentos | |
e Internacional Produzir e difundi; | conhecimento | |
e ambientais. Construir e difundir | conhecimento | |
social Produzir sistematizar e difundir | conhecimentos |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Nesse sentido, a busca de coocorrências para “conhecimento” e “conhecimentos” revelou que, embora a principal colocação seja com “produzir” (com 14 coocorrências, em um contexto com 5 palavras próximas), há coocorrências com “difundir” (9); “socializar” (7), “disseminar” (5), “geração” (4) e “sistematizar” (4), entre as mais frequentes. De modo que se constata um equilíbrio entre as ações de produção e divulgação do conhecimento.
Nesse sentido, e conforme o quadro 3 , verificou-se que “produzir”, que possui 20 instâncias no total, tem muitas coocorrências com outros verbos, tais como “socializar” (7), “difundir”, “disseminar” e “sistematizar” (5 cada), o que deriva de construções em que esses verbos aparecem em sequência, como pode ser visto no quadro 2 .
Termo | Co-ocorrência | Contagem (contexto) |
---|---|---|
produzir | conhecimento | 8 |
produzir | socializar | 7 |
produzir | conhecimentos | 7 |
produzii | desenvolvimento | 6 |
produzir | sistematizar | 5 |
produzir | disseminar | 5 |
produzir | difundir | 5 |
produzir | saber | 3 |
produzir | vanguarda | 2 |
produzir | inclusão | 2 |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Essas constatações sugerem que as universidades federais veem, como inerente à sua razão de ser, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, ensino e extensão (uma vez que as atividades de extensão também estão associadas à ideia de divulgação do conhecimento) de forma conjunta. Isto indica que a indissociabilidade entre as três atividades é frequentemente vista como um dos fundamentos da atuação dessas universidades.
Um dado que corrobora este entendimento é que a principal colocação do corpus está na expressão “ensino, pesquisa e extensão”, como demonstra o quadro 4 . Individualmente, as três palavras ocupam o quinto lugar na lista de frequência, com 25 instâncias cada e só há uma ocasião em que foram redigidas separadamente. Contudo, nesta DM em questão, a relação de indissociabilidade entre esses conceitos é ressaltada no texto. Ou seja, as palavras, nele, apenas não estão em sequência.
Termo | Co-ocorrência | Contagem (contexto) |
---|---|---|
ensino | pesquisa | 24 |
ensino | extensão | 24 |
pesquisa | extensão | 23 |
extensão | pesquisa | 23 |
extensão | ensino | 23 |
pesquisa | ensino | 12 |
sociedade | justa | 10 |
desenvolvimento | sustentável | 9 |
sociedade | construção | 9 |
sociedade | democrática | 8 |
conhecimento | produzir | 8 |
ensino | excelência | 8 |
produzir | conhecimento | 8 |
desenvolvimento | sociedade | 7 |
desenvolvimento | regional | 7 |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
FORMAÇÃO
Abrangendo os termos “formação”, “formar” e “formando”, a pesquisa de KWIC, que resultou no quadro 5 , evidencia que há um constante relacionamento destes termos com um contexto que qualifica os formados.
Termo | Direita ↑ | Termo | Direita ↑ |
---|---|---|---|
formação | de uma sociedade justa, democrática | formação | humana, ética e solidaria, e |
formação | cidadã e profissional, baseada em | formação | humanista, critica e reflexiva, preparando |
formação | de cidadãos capazes de promover | formação | humanística, critica o reflexiva, preparando |
formação | de cidadãos e para o | formação | integral e permanenle do profissional |
formação | de cidadãos capazes de atuar | formação | plena do ser humano, gerando |
formação | de cidadãos com visão técnica | formar | acadêmica e profissionalmente sujeilos capazes |
formação | de cidadãos críticos, éticos e | formar | cidadãos comprometidos com o desenvolvimento |
formação | de cidadãos e para o | formar | cidadãos criativos empreendedores e inovadores |
formação | de cidadãs, e cidadãos, éticos | formar | cidadãos críticos e atuantes no |
formação | de indivíduos críticos e éticos | formar | cidadãos críticos e comprometidos com |
formação | de pessoas capazes de inovar | formar | e qualificar profissionais nas diferentes |
formação | de profissionais conscientes e comprometidos | formando | indivíduos, gerando conhecimento filosófico, científico |
formação | de profissionais empreendedores e inovadores | formando | profissionais capazes de contribuir para |
formação | de sujeitos comprometidos com a | formando | profissionais, e cidadãos comprometidos com |
formação | de sujeitos comprometidos e capacitados | formar | profissionais da mais alta qualificação |
formação | de um cidadão imbuído de | formar | profissionais da área das ciências |
formação | do ser humano e profissional | formando | profissionais e cidadãos capazes de |
formação | do ser humano para o | formar | profissionais e cidadãos conscientes e críticos |
formação | do ser humano para o | formando | profissionais qualificados para a transformação |
formação | do ser humano para o | formar | profissionais qualificados, compartilhar conhecimentos com |
formação | do sujeito como profissional ético | formar | recursos humanos aptos a contribuir |
formação | e as competências do ser | formar | recursos humanos para contribuir com |
formação | humana, acadêmica e profissional com |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Observa-se que, em sua maioria, as pessoas formadas são qualificadas como “cidadãos” (14 coocorrências) e “profissionais” (12). Considerando que há 3 coocorrências entre estes (“formar profissionais e cidadãos”), constata-se que, das 45 DM que citam o tema explicitamente, há 23 delas qualificando o formando como “cidadão” ou “profissional”. As outras ocorrências mais frequentes o qualificam como “ser” humano (6 ocorrências), “sujeitos” (3), “recursos humanos (2)” e “indivíduos” (2).
A fim de examinar mais a fundo as principais qualificações, realizou-se uma pesquisa de KWIC, que resultou no quadro 6 .
Termo | Direita | Termo | Direita |
---|---|---|---|
cidadãos | críticos e atuantes no desenvolvimento | profissionais | capazes de contribuir para o |
cidadãos | e para o desenvolvimento da | profissionais | qualificados para o mundo do |
cidadãos | capazes de atuar na construção | profissionais | da mais alta qualificação, gerar |
cidadãos | graduados na Mesorregião Grande Fronteira | profissionais | da área das ciências da |
cidadãos | comprometidos com o desenvolvimento da | profissionais | capazes de atender demandas da |
cidadãos | capazes de transformar a sociedade | profissionais | e cidadãos comprometidos com o |
cidadãos | capazes de promover a construção | profissionais | e cidadãos capazes de transformar |
cidadãos | criativos, empreendedores e inovadores, contribuindo | profissionais | qualificados para a transformação da |
cidadãos | críticos, éticos e comprometidos com | profissionais | nas diferentes áreas, produzir conhecimentos |
cidadãos | comprometidos com o desenvolvimento sustentável | profissionais | qualificados, compartilhar conhecimentos com a |
cidadãos | críticos e comprometidos com a | profissionais | conscientes e comprometidos com o |
cidadãos | com visão técnica, científica e | profissionais | empreendedores e inovadores. Formar profissionais |
cidadãos | éticos e qualificados para o | profissionais | e cidadãos conscientes críticos e |
cidadãos | e para o desenvolvimento social | profissionais | competentes e atualizados para o |
cidadãos | conscientes, críticos e tecnicamente habilitados |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Observa-se que as principais coocorrências são com: “capazes” (5 coocorrências no total, 2 para cada termo e 1 compartilhada entre os dois); “comprometidos” (5 no total, 3 para “cidadãos”, 1 para “profissionais” e 1 compartilhada); “críticos” (4, com 3 para “cidadãos” e 1 compartilhada); e “qualificados” (4, com 1 para “cidadãos” e 3 para “profissionais”). Uma pesquisa de KWIC para estes termos denota que a formação dessas pessoas (cidadãos, profissionais, sujeitos e indivíduos) direciona-se para o tema seguinte: o desenvolvimento da sociedade. Com efeito, percebe-se que há uma constante identificação das universidades com esta associação, pois entende-se que é por meio dos que são formados que as universidades cumprem a sua missão.
DESENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE
O tema do desenvolvimento da sociedade compreende as duas palavras mais frequentes do corpus , com 35 e 34 instâncias. Entretanto, a busca por coocorrências entre os dois termos resultou em apenas 7 casos (conforme o quadro 8 ), número baixo, considerando o seu total de frequências no corpus (69). A razão disso é que há muitos sinônimos que as substituem. Como mostra a pesquisa de KWIC para “sociedade” ( quadro 7 ), é comum o emprego dos termos “transformação” e “construção” junto à “sociedade” e associados à ideia de desenvolvimento. Verifica-se o mesmo para termos que substituem “sociedade”, usados em conjunto com “desenvolvimento”. Assim, quando não há menção explícita ao “desenvolvimento da sociedade”, há, geralmente, menção:
à “construção de uma sociedade” (que possui 8 ocorrências);
ao “desenvolvimento regional” (7);
à “transformação social (ou da sociedade)” (5);
ao “desenvolvimento (sustentável) da Amazônia” (4); ao “desenvolvimento social” (3); e
ao “progresso da sociedade” (2), dentre outras.
Esquerda | Termo | Esquerda | Termo |
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e atuantes no desenvolvimento da | sociedade | capazes de promover transformações na | sociedade |
ética, inclusiva e democrática na | sociedade | tecnológico, artístico e cultural da | sociedade |
capazes de atender demandas da | sociedade | promovendo a formação de uma | sociedade |
comprometidos com o desenvolvimento da | sociedade | extensão, atenta aos anseios da | sociedade |
cidadãos capazes de transformar a | sociedade | perspectiva da construção de uma | sociedade |
perspectiva da construção de uma | sociedade | Contribuir para o progresso da | sociedade |
tecnológico de alta qualidade na | sociedade | empresas organizações e movimentos da | sociedade |
com a ética para uma | sociedade | perspectiva da construção de uma | sociedade |
comprometidos com intervenções transformadoras na | sociedade | avanços na direção de uma | sociedade |
qualificados para a transformação da | sociedade | contribuir com o desenvolvimento da | sociedade |
mudança na construção de uma | sociedade | avanço do conhecimento e da | sociedade |
promover a construção de uma | sociedade | e atender ás demandas da | sociedade |
de modo a construir uma | sociedade | desenvolvimento cientifico e tecnológico da | sociedade |
excelência voltados ã transformação da | sociedade | pais, na construção de uma | sociedade |
construção e o progresso da | sociedade | perspectiva da construção de uma | sociedade |
para a construção de uma | sociedade | amazônicas, visando ao desenvolvimento da | sociedade |
qualificados, compartilhar conhecimentos com a | sociedade | das condições de vida da | sociedade |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
Portanto, constata-se que o tema está presente de forma explícita na maioria das DM das universidades federais.
A exploração lexical das principais coocorrências ( quadro 8 ) relativas ao tema revela que as principais categorizações envolvem as ideias de sustentabilidade e regionalização, para “desenvolvimento”, e de justiça e democracia, para “sociedade”. Tais assuntos foram, então, investigados com maior detalhe.
Termo | Co-ocorrência | Contagem (contexto) |
---|---|---|
sociedade | justa | 10 |
desenvolvimento | sustentável | 9 |
sociedade | construção | 9 |
sociedade | democrática | 8 |
desenvolvimento | sociedade | 7 |
desenvolvimento | regional | 7 |
desenvolvimento | cidadãos | 7 |
sociedade | desenvolvimento | 7 |
desenvolvimento | produzir | 6 |
sociedade | promover | 6 |
Fonte: Dados gerados pelo Voyant Tools (2022).
A ideia de sustentabilidade possui ao todo 16 instâncias no corpus : “sustentável” (13), “sustentabilidade” (2) e “autosustentado” (1). O termo é utilizado por três universidades da região Norte e por quatro universidades recém-criadas, isto é, daquelas que foram fundadas após o ano 2000, que totalizam 14 instituições. A regionalização revelou-se um elemento recorrente para caracterização de “desenvolvimento”. Além de 7 coocorrências exclusivas para o termo, por meio de “regional”, há um total de 13 instâncias no corpus , quando se considera as palavras que iniciam com “regi*”. Cinco destas instâncias estão nas DM de universidades recém-criadas, o que representa mais que o dobro da proporção verificada nas instituições mais antigas, em número de 48 universidades (destas, uma a cada seis emprega palavras que iniciam com regi*, enquanto que esta proporção para as recém-criadas é de uma para cada 2,8 instituições). Isto reflete o caráter local das instituições mais jovens, que se veem como referência de educação superior para a sua região. Por fim, destaque-se que com duas menções a estados específicos e uma identificação recorrente das universidades da Amazônia com a sua região (são em número de 7 as palavras do corpus que iniciam com “amaz*”) a regionalização faz-se presente em cerca de um terço das DM.
As palavras que iniciam com “just*” retornaram um número de 15 ocorrências, (10 para “justa” e 5 para “justiça”, das quais 3 estão na expressão “justiça social”), a mesma quantidade observada para as que iniciam com “democr*”, que possui 9 para “democrática”, 5 para “democracia” e 1 para “democráticas” (ressalte- se que 8 das 9 instâncias para “democrática” coocorrem com “justa”). Todas essas palavras estão relacionadas a um contexto que especifica os princípios de atuação das universidades ou que caracteriza o tipo de desenvolvimento que se pretende alcançar com sua atuação. Observa-se que há, ainda, outros adjetivos aplicados a esses contextos, tais como “inclusão” e “inclusiva”, que possuem 6 e 4 ocorrências, respectivamente.
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos a partir dos dados de frequência de palavras e das análises de KWIC revelaram que há três temas principais nas DM das universidades federais: o conhecimento, a formação e o desenvolvimento da sociedade. Assim, observou-se que 53 DM (ou 85,48% do total) fazem referência explícita a dois desses temas, por meio das palavras-chave e seus sinônimos e que 32 DM (mais da metade do total) fazem referência aos três temas conjuntamente.
Assim, tal como no estudo de Cortés-Sanchez (2018), observou-se que há uma ênfase na sociedade e nos alunos, como partes interessadas (tais palavras estão contempladas nos temas do desenvolvimento e da formação). Contudo, observou- se algumas diferenças: há uma ênfase ligeiramente maior quanto à sociedade por parte das universidades brasileiras, pois enquanto aqui o termo é o segundo mais frequente, lá “ Society ” está na oitava posição; não há menção direta, nas DM brasileiras, para o termo “ Students ” (que ocupa a terceira posição naquele estudo). Aqui, emprega-se majoritariamente “cidadãos” e “profissionais”, que, se somados, estariam na quarta posição. Tais comparações, contudo, são imprecisas pois, em suas conclusões, o autor estrangeiro não levou em conta a polissemia, fenômeno que levou a presente pesquisa a considerar os sinônimos em suas análises. Ressalte- se, contudo, que a pesquisa de 2018 envolveu um número muito maior de DM (248), o que confere solidez aos seus resultados.
Os resultados também revelaram poucas menções a especificidades individuais, exceto quanto à regionalidade, que se mostrou um aspecto mais comum de distinção, sobretudo para as universidades localizadas na Amazônia. De modo que, em sua maioria, as DM compartilham elementos tradicionais de instituições universitárias, refletidos nos temas do conhecimento e da formação. Ou seja, contrariamente às conclusões de Kosmützky (2016) e Seeber et al (2017) não se verificou, em geral, necessidade das universidades se distinguirem em suas DM, tampouco quanto às universidades mais próximas geograficamente, que, muitas vezes, apresentam semelhanças entre si. Isto se deve, decerto, por duas razões: a predominância de formatos organizacionais semelhantes (equilíbrio entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão; e raros casos de especialização quanto à área de atuação no campo do conhecimento, como a UFCSPA) e a ausência de competição.
Nesse sentido, também não foi possível constatar a predominância de uma das atividades da tríade ensino-pesquisa-extensão sobre as outras, mas, sim, um equilíbrio. O que contraria os resultados encontrados por Ribeiro (2017) a partir dos estatutos das universidades, onde, segundo a autora, há uma prevalência da pesquisa.
Quanto à utilização das DM como instrumento de planejamento, observa- se indícios de que, tal como nas conclusões de estudos anteriores (Forte e Pereira (2003), Araújo, Michelon e Lunkes (2018) e Cortés, Rivera e Carbonell (2022)), há casos em que as DM são expressas apenas para cumprir exigências externas da política de avaliação. Nesse contexto, observou-se pouca autenticidade em algumas DM, que apresentaram variações pontuais entre si, como se pode observar no quadro 9 . Isto sugere que o processo de construção dessas DM foi realizado à maneira descrita por Alegre et al. (2018): de forma pouco participativa 3 , envolvendo apenas o núcleo gestor (que, nestes casos, buscou um modelo existente).
Promover a educação superior de qualidade, com vista à formação de sujeitos comprometidos e capacitados para atuar em prol do desenvolvimento regional, nacional e internacional. |
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Promover a educação superior de qualidade, com vista à formação de sujeitos comprometidos com a ética e capacitados para atuarem em prol do desenvolvimento regional, nacional e internacional. |
Formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-americana, com o desenvolvimento regional e com o intercâmbio cultural, científico e educacional da América Latina, especialmente no Mercado Comum do Sul - Mercosul. |
Formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Lingua Portuguesa - CPLP. especialmente os países africanos. bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional. |
Produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, cientifico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano pura o exercício profissional, a reflexão crítica, a solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade de vida. |
Gerar, sistematizar, socializar e aplicar o saber cientifico, tecnológico, filosófico e artístico, através do ensino, da pesquisa e da extensão, indissociavelmenre articulados, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão critica, a solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na valorização da paz e da qualidade de vida. |
Produzir e difundir conhecimentos no campo da educação superior, com ênfase para a região semiárida brasileira, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e o exercício pleno da cidadania, mediante formação humanística, critica e reflexiva, preparando profissionais capazes de atender demandas da sociedade. |
Produzir e disseminar o conhecimento nos diversos campos do saber, contribuindo para o exercício pleno da cidadania, mediante formação humanista, crítica e reflexiva, preparando profissionais competentes e atualizados para o inundo do trabalho e para a melhoria das condições de vida da sociedade. |
Fonte: PDI das universidades federais (2022).
Em vista disso, pode-se afirmar que a política de avaliação concebida pelo SINAES, embora defenda expressamente a participação da comunidade e o aspecto formativo, em prol do aperfeiçoamento institucional, não tem garantido que o processo de elaboração da DM seja sempre autêntico e colaborativo.
Assim, questiona-se se as DM das universidades públicas têm efetivamente representado um papel central e estratégico nas avaliações, tal como preconizado originalmente e até que ponto tais instrumentos de planejamento são moldados por políticas governamentais, como sugere Cortez-Sanchez (2018). Isto porque não se pode deixar de notar a semelhança da definição da missão da educação superior feita pela Comissão Especial de Avaliação do MEC com o padrão lexical verificado nas DM, objeto deste artigo: “Partindo do princípio de que a educação é um direito e um bem público, entende que a missão pública da Educação Superior é formar cidadãos, profissional e cientificamente competentes e, ao mesmo tempo, comprometidos com o projeto social do País.” (BRASIL, 2004a, p. 8).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise realizada nesta pesquisa empregou técnicas oriundas da Linguística de Corpus que possibilitaram identificar, quantificar e comparar o léxico presente nas DM das universidades federais. Entende-se que os objetivos propostos foram alcançados, uma vez que foram identificados padrões lexicais recorrentes nos textos das DM, assim como evidenciou-se as principais coocorrências entre as palavras mais frequentes e o contexto em que se inserem.
Assim, revelou-se que as universidades federais veem como sua finalidade o desenvolvimento em direção a uma sociedade justa e democrática. Nesse sentido, o seu papel é o de, por meio da produção e difusão do conhecimento, com atividades de ensino, pesquisa e extensão, formar profissionais e cidadãos comprometidos e capazes de construir essa sociedade. Em suma, as DM analisadas expressam que as universidades têm o conhecimento como objeto de atuação e o direcionam para a formação de pessoas que irão contribuir para o desenvolvimento social.
Embora algumas DM possam estar dissociadas do processo de planejamento, seria bastante controverso questionar sua legitimidade quanto à manifestação da identidade organizacional, pois, dificilmente, estes textos contêm uma autodescrição contrária a ela. Isto porque a declaração da missão institucional representa uma importante afirmação de identidade, de como as instituições enxergam a si mesmas (e de como querem que os outros as enxerguem), do que consideram como sendo seu propósito e suas responsabilidades. Assim, e considerando que as DM são continuamente construídas por meio de revisões, em novos ciclos de planejamento, espera-se que sejam aprimoradas ao longo do tempo em direção a autodescrições cada vez mais fiéis à identidade organizacional.
Este tipo de análise, sobre as modificações nos textos das DM ao longo do tempo, pode ser objeto de futuras investigações. Além disso, como o presente estudo deteve-se à realidade das universidades federais, estudos futuros podem extrapolar o universo de análise para as demais universidades (estaduais e particulares) a fim de verificar possíveis variações nos textos, em razão dos diferentes formatos institucionais.