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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 18-Jul-2023

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e9153 

Artigos

Fundamentos epistemológicos do Movimento Santa Catarina pela Educação: desvelando os pressupostos da formação para o século XXI

Fundamentos epistemológicos del Movimiento Santa Catarina por la Educación: develando los presupuestos de la formación para el siglo XXI

Fabrício Spricigoi  , Conceituação, metodologia, primeira redação, validação, análise formal, investigação, revisão/edição, administração do projeto
http://orcid.org/0000-0002-3888-2243; lattes: 5943039787100000

Lourival José Martins Filhoii  , Conceituação, validação, análise formal, revisão/edição, supervisão
http://orcid.org/0000-0002-8464-7236; lattes: 2491699071811572

iInstituto Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: fabriciospri@hotmail.com

iiUniversidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: lourivalfaed@gmail.com


Resumo

O estudo, de natureza documental e bibliográfica, vincula-se à discussão entre Políticas Educacionais e Formação Docente. Busca conhecer os fundamentos epistemológicos do Movimento Santa Catarina pela Educação, que congrega um conjunto de ações sob a liderança das principais associações empresariais catarinenses. Aborda o alicerce filosófico-científico que dá sustentação ao movimento. Para captar sua base epistemológica, utiliza como metodologia a seleção e análise (ancorada no método dialético) dos principais materiais disponibilizados no site do movimento até o ano de 2021. As categorias que emergem da pesquisa são: Sociedade da Informação e do Conhecimento, Teoria do Capital Humano, Competência e Neurociência. Conclui-se que a formação educativa no âmbito do movimento é emblemática para adequar a sociedade aos novos parâmetros civilizatórios. Nesse contexto, a educação submetida ao mercado adquire centralidade no que se refere à escolarização no século XXI, especialmente para a adaptação de indivíduos ajustados ao mundo do trabalho flexível.

Palavras-chave: Santa Catarina pela Educação; mercado; competência; neurociência

Resumen

El estudio, de carácter documental y bibliográfico, se vincula a la discusión entre Políticas Educativas y Formación Docente. Busca conocer los fundamentos epistemológicos del Movimiento Catarinense por la Educación, que reúne un conjunto de acciones bajo el liderazgo de las principales asociaciones empresariales catarinenses. Aborda el fundamento científico-filosófico que sustenta el movimiento. Para plasmar su base epistemológica, utiliza como metodología la selección y análisis (anclado en el método dialéctico) de los principales materiales disponibles en el sitio web del movimiento hasta el año 2021. Las categorías que emergen de la investigación son: Sociedad de la Información y el Conocimiento, Teoría del Capital Humano, Competencia y Neurociencia. Se concluye que la formación educacional dentro del movimiento es emblemática para adaptar la sociedad a los nuevos parámetros civilizatorios. En este contexto, la Educación sometida al mercado adquiere centralidad con respecto a la escolarización en el siglo XXI, especialmente para la adaptación de los individuos ajustados al mundo del trabajo flexible.

Palabras clave: Santa Catarina por la Educación; mercado; competencia; neurociencia

Abstract

The study, of a documentary and bibliographic nature, it is linked to the discussion between Educational Policies and Teacher Training. Seeks to know the epistemological foundations of the Santa Catarina Movement for Education, which brings together a set of actions under the leadership of the main business associations in Santa Catarina. It addresses the philosophical-scientific foundation that sustains the movement. To capture its epistemological basis, it uses as a methodology the selection and analysis (anchored in the dialectical method) of the main materials available on the movement's website until the year 2021. The categories that emerge from the research are: Information and Knowledge Society, Theory of Human Capital, Competence and Neuroscience. It is concluded that Education within the movement is emblematic to adapt society to the new civilization parameters. In this context, training submitted to the market acquires centrality with regard to 21st century schooling, especially for the adaptation of individuals adjusted to the world of flexible work.

Keywords: Santa Catarina for Education; marketplace; competence; neuroscience

1 Introdução

O presente estudo vincula-se à discussão entre Políticas Educacionais e Formação Docente e resulta de pesquisa realizada no âmbito do doutorado em Educação. O recorte analítico de investigação busca conhecer os fundamentos epistemológicos do Movimento Santa Catarina pela Educação (MSCE), liderado pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Nesse sentido, o artigo aborda o alicerce filosófico-científico (a dimensão teórica do conhecimento) que sustenta o MSCE. O objetivo é identificar as principais raízes epistemológicas que o ancoram.

Criado em 2012, o MSCE atua como estratégia articulada para defender os interesses do segmento empresarial catarinense. Por meio dele, são estabelecidas parcerias com o estado para disseminar valores e reforçar modos de pensar/agir a formação educativa alinhados à expansão econômica. Tal processo liga seus fundamentos às exigências de reestruturação do setor produtivo e de disponibilização crescente de trabalhadores flexíveis para o mercado.

A fim de captarmos sua base epistemológica, como procedimento metodológico, selecionamos e analisamos os principais materiais produzidos no âmbito do MSCE presentes no site do movimento até o ano de 2021, envolvendo livros digitais, apresentações de eventos, cartilhas, entrevistas concedidas às principais mídias, reportagens e notícias veiculadas na imprensa catarinense. Convém destacar que a pesquisa se caracteriza como sendo do tipo documental e bibliográfica, de abordagem qualitativa. A leitura e análise dos materiais selecionados, ancorada no método histórico-dialético, é norteada pela identificação das categorias empíricas presentes em seu interior, pelo que proclamam, bem como pela compreensão de mundo subjacente, suas contradições e projetos em disputa.

O software NVivo foi utilizado para auxiliar a organização e classificação das fontes selecionadas durante a fase de coleta dos dados empíricos. À medida que procedíamos com a leitura atenta dos materiais, concomitantemente foi possível selecionar trechos dos documentos e classificá-los - de acordo com sua categoria mais representativa - para posterior análise. A partir da caminhada metodológica do estudo, as categorias que emergiram foram agrupadas da seguinte forma: Sociedade da Informação e do Conhecimento; Teoria do Capital Humano; Competência; e Neurociência. As particularidades e discussões de cada uma serão desenvolvidas nas próximas seções. Espera-se que outras produções e pesquisas sejam realizadas no diálogo que se propõe neste trabalho.

2 A Sociedade da Informação e do Conhecimento

As ações e propostas defendidas no contexto do MSCE propagam a ideia de que “[...] o conhecimento é a base da produtividade e da competitividade no mercado” (FIESC, 2013, p. 5). A Fiesc (2018), ao longo de suas inserções públicas, reforça o lema de que a economia do terceiro milênio está ancorada no conhecimento. Cada vez mais recorrentes, esses apelos ganham força e se naturalizam, sugerindo o ápice de um novo marco civilizatório, agora marcado pelo slogan “sociedade do conhecimento”.

Segundo Côrte (2018), na era do conhecimento, não seria mais útil falar sobre mão de obra, uma vez que os trabalhadores estariam ganhando cada vez mais importância. Dado o cenário de concorrência acirrada, o empresário argumenta que o fator mais determinante no nível de competitividade da indústria não seria mais o maquinário, mas os colaboradores. Em nossa visão, tal retórica parece contraditória, pois ao mesmo tempo que atribui menor valor à “mão de obra” do trabalhador, registra também que essa classe estaria adquirindo maior importância no mundo produtivo. Quando aborda o contexto das transformações tecnológicas, via indústria 4.0, a Fiesc repetidamente aponta para os perigos em termos de produtividade e competitividade caso as empresas não adéquem seu parque industrial (maquinários) à nova ordem do digital. Como, nesse contexto, a grande massa de colaboradores ganhará mais importância diante de uma provável diminuição nos postos de trabalho no ambiente da manufatura avançada?

Acreditamos que uma das teses explicativas desenvolvidas para pulverizar os problemas oriundos da questão anterior está na chamada “Sociedade da Informação e do Conhecimento”. Isso porque a ideia embutida na expressão pode naturalizar e justificar o desemprego. Nessa perspectiva, conseguirão “se dar bem” os indivíduos que se ajustem, adaptem ou invistam em seu “poder maior”, a informação e o conhecimento. A categoria denominada “Sociedade da Informação e/ou Sociedade do Conhecimento” pode guardar em si essa armadilha.

Tal construção teórica é usada como um dos alicerces do MSCE. A esse respeito, a Fiesc (2018) registra que não se pode desconsiderar que a economia do século 21 é baseada no conhecimento. A educação, nessa perspectiva, seria a origem e a solução dos problemas sociais e econômicos do país. Desse modo, a superação dos problemas vivenciados na “era do conhecimento” estaria no aumento da escolaridade, bem como na mudança dos índices de desempenho e formação educacional (FIESC, 2018).

Sobre o tema, consideramos importantes as ponderações de Gonçalves Souza (2011) ao declarar que a construção teórica atrelada à “Sociedade de Informação” e “Sociedade do Conhecimento” guarda consigo proposições temáticas inerentes ao emprego, produtividade e competição. Para a autora, essa aproximação “[...] esvazia o debate em torno da democratização do acesso à informação e à produção de conhecimentos, reduzindo a questão à lógica econômica estritamente privada e guiada pela ênfase nas habilidades e ‘competências’ para a empregabilidade” (GONÇALVES SOUZA, 2011, p. 220).

A tese difundida pela “Sociedade da Informação/do Conhecimento” possui historicidade. Desenvolve-se, portanto, em meio a movimentos, por vezes conflituosos, que podem ser entendidos a partir das configurações sociais que os criaram. Na atualidade, os movimentos que se pautam pelo uso predominante das redes de disseminação da informação nas plataformas digitais podem dar à luz a um ambiente tanto de desejos libertários quanto de aprisionamento (MARTINI, 2017).

Lemos (2016) explica que, desde meados do século XX, vêm sendo trabalhadas as nuances da intitulada “Sociedade do Conhecimento”. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a configuração da Guerra Fria e o aparente fim da era industrial, abriu-se espaço para o surgimento da era do conhecimento e a suposta derrota do modelo social baseado no trabalho explorado. Sob esse viés, o conhecimento passaria a substituir o trabalho como categoria fundante do ser social. Como consequência desse efeito ilusório, a educação passa a ser entendida como o laboratório capaz de fabricar os principais remédios para solucionar os problemas da sociedade, tais como desemprego, pobreza e fome. Com essa dinâmica, aparece na área educacional uma série de teorias e modelos que buscam se adequar a essas expectativas, rapidamente incorporadas e difundidas por organismos internacionais, ganhando selo de concepções pedagógicas inovadoras em contraposição à educação dita tradicional.

Gonçalves Souza (2011) argumenta que a Sociedade da Informação e do Conhecimento, sob o amparo neoliberal, não é vivenciada da mesma forma por todos. Para os indivíduos que possuem acesso consistente à informação e ao conhecimento, há maior possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento. Para aqueles que são aproximados desse universo de forma frágil, a exclusão parece ser a marca indelével. Para a pesquisadora, é possível afirmar que o reducionismo tecnológico e o determinismo evolucionista (onde a Sociedade da Informação assume seu viés capitalista) dificultam a análise de todas as nuances e processos de mudança social que compreendem a temática. No neoliberalismo, conhecimento e informação são encarados como elementos de reestruturação produtiva, tendo implicação nas relações sociais e profissionais.

Porém, a disseminação do acesso à informação pelo uso de novas tecnologias não está traduzindo-se em mudanças significativas nas condições materiais da classe trabalhadora. A quantidade de informação ampliou, mas sua qualidade não, o que “[...] tem gerado conhecimentos esvaziados de suas bases teóricas, reduzidos à sua dimensão utilitária, o que vem causando uma alienação de novo tipo: a alienação informacional, que gera a desinformação” (GONÇALVES SOUZA, 2011, p. 224).

Nesse cenário de crise, o conhecimento assume características de mercadoria pragmática, fragmentada e instrumental que pode ser comprada e vendida, agindo de modo enviesado para a responsabilização dos indivíduos em relação às respectivas posições sociais usufruídas (FRERES, 2013). Desse modo, a informação e o conhecimento são tratados como produto com potencial valorativo no mercado.

Conforme reitera Mattosinho (2017), a tese da “Sociedade da Informação e/ou do Conhecimento” tenta explicar as grandes mudanças ocorridas no mundo a partir do argumento de que estaríamos em um novo patamar societário, não mais pautado pelo trabalho. A informação e o conhecimento seriam os novos alicerces da vida material e simbólica. Essa tese propõe respostas não estruturais (paliativas) para as mazelas sociais. Ademais, ganha o apoio acadêmico e de entidades supranacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Sua retórica é muito sedutora, uma vez que dificilmente alguém não aceitaria viver em uma sociedade onde a informação e o conhecimento fossem plenamente socializados. Na realidade, porém, essa ideia, embora pareça o suprassumo do mundo progressista, não revela sua tese oculta: “[...] se o fundamento dessa nova sociabilidade é a informação ou o conhecimento”, a falta deles seria a causa da desigualdade social e econômica; não seu efeito (MATTOSINHO, 2017, p. 52).

Cabe registrar que a “nova” Sociedade do Conhecimento traz consigo a promessa de superar os maiores problemas da humanidade. Nessa esteira, a “[...] economia do conhecimento” é encarada como um novo estágio civilizatório. Nela, a luta de classes não existiria mais. Tais artifícios explicativos funcionam como “[...] mecanismos ideológicos que cegam nossos olhos perante a realidade objetiva” (FRERES, 2013, p. 190).

3 A formação do “capital humano” pela educação

No âmbito do MSCE, as empresas consideram o investimento em “capital humano” como sendo a mola propulsora para a elevação das “competências” no trabalho e a consequente participação competitiva das organizações no mercado. Essa conquista viria por meio da elevação da qualificação e escolaridade dos trabalhadores (EDUCAÇÃO..., 2015). O objetivo das ações do empresariado catarinense na educação está na crença que adquire cada vez mais peso no setor: aplicar recursos na formação do “capital humano” garantiria resultados na eficiência e produtividade, melhorando o empenho dos trabalhadores e sua satisfação com as empresas, sobretudo para reduzir a rotatividade, as faltas e os acidentes de trabalho (FIESC, 2018).

O MSCE existe para potencializar um processo de mudança e direcionar uma agenda comum para a educação catarinense adequada aos anseios das empresas (FIESC, 2018). Na perspectiva do movimento, o problema do desenvolvimento brasileiro se daria pela ausência de “capital humano” adaptado às exigências da produtividade e competitividade das empresas.

Nesse contexto, as mobilizações e ações empreendidas pelas entidades participantes do MSCE levantam a bandeira de que a preparação dos professores deveria acompanhar as alterações do mercado e das demais profissões, havendo necessidade de dar nova forma aos programas de formação docente (FIESC, 2018). Com base nesse raciocínio, argumenta-se que “[...] os professores precisam estar comprometidos com a preparação de nossos futuros cidadãos-trabalhadores. Devem ter paixão pelo que fazem e despertar nos alunos a curiosidade do saber” (CÔRTE, 2018, p. 86).

De acordo com Oliveira (2001), a teoria do capital humano remonta a um discurso da década de 1960, período no qual ganha destaque a crença de que o caminho para o enriquecimento de um país estaria na profissionalização e escolarização dos indivíduos. Contudo, o tempo demonstrou sua fragilidade quando se constata que a desigualdade social do Brasil não se origina somente da distribuição desigual do conhecimento, mas nasce das características inerentes ao modo de produção capitalista.

A teoria do capital humano, conforme explicitada, não leva em conta as relações contraditórias (marcadas pela desigualdade e concentração da riqueza) sobre as quais se assenta a vida social. Nesse contexto:

[...] a fragilidade da Teoria do Capital Humano [...] há de ser contestada epistemologicamente, uma vez que a sua construção se desenvolve dentro de um referencial analítico que não apreende o ser humano e sua história na complexidade de tramas e das relações nas quais ele está inserido. (OLIVEIRA, 2001, p. 27).

A partir da década de 1990, segundo Aguiar (2012), a teoria do capital humano aparece ressignificada nas reformas educacionais. Ganha destaque a dobradinha entre empregabilidade e educação, enfatizando-se que a escolaridade aumentaria consideravelmente as chances de se obter um emprego. Com esse viés, as mudanças propostas para a educação apregoam que, na atualidade, os indivíduos deverão ser formados para serem polivalentes na profissão e possuírem flexibilidade a fim de que se tornem sujeitos “[...] dinâmicos e adaptáveis às demandas e às mudanças no mundo do trabalho” (AGUIAR, 2012, p. 127). A educação, nessa perspectiva redentorista, seria o melhor caminho para os países pobres alcançarem o desenvolvimento, uma vez que o capital humano gerado pela educação seria o responsável por equilibrar a distribuição de renda e tornar a sociedade igualitária.

A tese do capital humano insinua também que as pessoas mais pobres estão nessa condição por falta de conhecimento e qualificação, pois, caso possuíssem maior instrução, seriam mais produtivas e habilidosas e teriam melhores salários. A educação, nesse contexto, seria a responsável por tirar as pessoas de seu estágio inicial de pouca qualificação e pobreza, determinando a distribuição igualitária de renda. Tal crença apregoa que “[...] aqueles que melhorassem de nível seriam mais bem pagos e os que permanecessem na condição primeira também teriam seus salários aumentados devido à diminuição da oferta de mão de obra barata” (AGUIAR, 2012, p. 128).

Por fim, cabe registrar que a ideia de capital humano, conforme alerta Frigotto (2015), reduz o ser humano a uma mercadoria e confunde trabalho (atividade fundante e central do ser social) com emprego (venda da força de trabalho). Ademais, ignora a base desigual e contraditória das classes sociais na formação da sociedade, além de rebaixar a educação (como direto social e subjetivo) a uma noção de formação mercantil.

4 A competência como base norteadora

Para a Fiesc (2013), a educação a serviço do desenvolvimento de “competências” traz bons resultados para o mundo empresarial, agregando valor tanto para os negócios quanto para os indivíduos que detêm status educacional diferenciado. Sob esse viés analítico, “[...] sem investimento adequado em competências, as pessoas definham à margem da sociedade” (RAMOS, 2015, p. 71). Nessa esteira, para Côrte (2018), a questão que se coloca na atualidade seria entender quais as competências necessárias para o futuro dos negócios a fim de que sejam superadas práticas ultrapassadas. Para ele, seria preciso construir um projeto viável para a sobrevivência do mercado. A esse respeito, o autor registra:

Hoje, as mudanças estruturais na sociedade e os avanços da tecnologia exigem novos currículos e novas metodologias. Tais mudanças e recursos, antes de distanciar, devem aproximar professores, alunos, famílias e sociedade. Por isso, investir na formação continuada dos professores, em termos de competências e habilidades, é uma prioridade urgente.

Como se percebe, a tendência apresentada para a formação docente no âmbito do MSCE está focada no desenvolvimento de competências e habilidades diante das mudanças e incertezas atuais e futuras exigidas pelo meio externo, remontando a uma concepção de desenvolvimento ambientalista de adaptação aos estímulos oferecidos pela realidade externa.

Nessa esteira, Kyllönen (2017), durante o Seminário Internacional de Educação realizado no âmbito do MSCE, registra ser importante a criação de novos ambientes de aprendizagem para desenvolver as competências do século XXI. Para tanto, seria necessário pensar no futuro da aprendizagem escolar em sua relação com dimensões da aprendizagem baseada em evidências (fenômenos). Nessa acepção, vislumbra-se uma nova narrativa para a escola do futuro, agora com foco na aprendizagem de competências gerais ancoradas em evidências científicas. Na mesma linha, Ryymin (2015), pesquisadora na Universidade finlandesa HAMK (voltada às ciências aplicadas), defende a abordagem baseada em competências na educação. Tal retórica também se constitui um dos pontos de ancoragem do MSCE.

Maria Helena Guimarães de Castro, secretária-executiva do Ministério da Educação do governo Michel Temer (2016-2018) e uma das principais mentoras da Reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), afirma, durante palestra para o MSCE, que o professor é uma das principais variáveis que devem ser contidas pela política educacional, pois o seu desempenho exerce alto impacto na performance e aprendizagem dos estudantes. Segundo a autora, em 2017, o Brasil possuía cerca de 1,5 milhão de estudantes cursando licenciaturas, quase 20% das matrículas da graduação (GUIMARÃES DE CASTRO, 2017).

Sob o viés analítico neoliberal defendido por Guimarães de Castro (2017), a criação de uma nova política nacional de formação docente precisaria estar subordinada ao domínio dos conhecimentos previstos na BNCC e também fazer uso do regime de colaboração entre os entes federativos e as instituições formadoras para sua operacionalização.

No âmbito da formação de professores, ao encontro do ideário trabalhado por Guimarães de Castro (2017) e pelo MSCE, o Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) publica a Resolução nº 2/2019 (em substituição à Resolução CNE/CP nº 2/2015), que versa sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial (BNC-Formação Inicial) dos docentes da Educação Básica. A nova regra traz em seu bojo o modelo de competências gerais e específicas a ser cumprido pelo docente, em estreito alinhamento à BNCC da Educação Básica.

Em nota, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) demonstrou sua preocupação com o conteúdo da nova resolução, especialmente em função da inclinação do CNE e do Ministério da Educação (MEC) em formatar o currículo e a política nacional de formação docente em sentido oposto ao almejado pelo movimento dos trabalhadores da educação e das comunidades científicas da área. Nessa perspectiva:

[...] quando o documento adota como eixo estruturante da formação de professores a aprendizagem das competências previstas na BNCC como garantia de sua implementação na escola básica, passível de avaliações em larga escala para verificar a sua efetivação, torna-se certo que o perfil de professor que se espera se aproxima mais daquele que executa do que aquele que toma decisões como um profissional da educação sobre o currículo da escola em que leciona. (ANPED, 2019, p. 13).

Como se observa, está presente nos últimos anos a recorrência da abordagem das competências nas propostas curriculares oficiais de grande parte das nações, no currículo das licenciaturas e na formação continuada dos educadores, bem como nas discussões sobre os conteúdos e a forma/estratégia de ensino a ser adotada pelas escolas (ZABALA; ARNAU, 2020).

Segundo Zabala e Arnau (2020, p. 5), a tese da competência “[...] surge na década de 1970 para definir aquilo que aumentava o rendimento no trabalho e começa a ser usada na área da educação no final do século XX”. Nessa perspectiva, o desenvolvimento de competências para a vida retrataria uma transformação assertiva no percurso formativo dos estudantes, pois lhes proveria do arcabouço teórico-prático demandado pela sociedade do século XXI.

A abordagem das competências se mostra contrária à noção de escola como transmissora de conhecimento, estando amplamente vinculada às finalidades educativas defendidas por muitos organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Unesco. Tais instituições apregoam os quatro pilares da educação (saber, saber fazer, saber ser e saber conviver) explicitados no Relatório Delors de 1996. O modelo das competências recupera diretrizes postuladas nos séculos XIX e XX em propostas educativas de origens diversas, como, por exemplo, o pragmatismo de John Dewey. É clara a tentativa de frear a supremacia da teoria sobre a prática, vista como um obstáculo para o desenvolvimento do estudante nas dimensões pessoal, profissional, interpessoal e social (ZABALA; ARNAU, 2020).

Contudo, Chauí (2008) considera a epistemologia da competência uma ideologia persuasiva que trabalha para ocultar a divisão social das classes, distinguindo os competentes dos incompetentes. Conforme a autora, a ideologia da competência realiza a dominação fazendo uso também do prestígio e poder conferidos ao conhecimento científico e tecnológico. Segundo Chauí (2008), é fácil identificar a ideia embutida na tese das competências quando juntamos os discursos defendidos pela organização empresarial e por especialistas, revelando-se dois pontos basilares do modo de produção capitalista: o de que só existe razão nas leis do mercado e o de que a felicidade e o sucesso estão destinados a quem vence essa competição.

Nessa perspectiva, uma das consequências da ideologia da competência está presente na busca desenfreada pelo “diploma”. Estuda-se porque o diploma seria demandado pela empresa e também utilizado como ferramenta para a seleção profissional. As juventudes acreditam ainda que a função de uma instituição de ensino é encaixar-se nas exigências colocadas pelas organizações empresariais, popularmente chamadas de “o mercado”. Nessa lógica, para quem procura emprego, o diploma acabaria conferindo a posição de “apto” e “competente”, além de um status superior na escala de funções e cargos. Dessa maneira, a escola e a universidade, ao alimentarem a ideologia da competência, acabam deixando de fazer suas principais atividades de formação crítica e pesquisa (CHAUÍ, 2008).

Sacristán et al. (2011) explicam que, na teoria das competências, estão contidas formulações que se apresentam como narrativas salvacionistas que resgatariam as escolas de sua “inadequação” e “insuficiência” diante das demandas do mercado, freando a suposta ineficiência dos sistemas de ensino de seu fracasso histórico. De acordo com os autores, tal abordagem:

[...] pretende que as competências atuem como guias para a elaboração e desenvolvimento dos currículos e das políticas educacionais; que sirvam de instrumento para a comparação dos sistemas educacionais, se [sic] constituindo em uma visão geral da educação. (SACRISTÁN et al., 2011, p.15).

É possível observar, nesse sentido, que o significado do qual se alimenta o modelo das competências “[...] representa uma forma de entender o mundo da educação, do conhecimento e do papel de ambos na sociedade” (SACRISTÁN et al., 2011, p. 15). A retórica das competências, de acordo com Pérez Gómez (2011), assemelha-se à imagem de uma serpente sinuosa que o acompanha ao longo de toda sua trajetória acadêmica. Como rastejante sedutora, a noção de competência surgiu já no início das aulas de Didática com sua indumentária científica ancorada em Skinner, Bloom, entre outros. Com efeitos sempre presentes, tal epistemologia ganha ênfase nas propostas atuais para a educação sob liderança da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Logo, o termo não é utilizado inocentemente. Traz consigo uma extensa tradição de interpretações comportamentalistas que reduziram a complexidade dos processos educativos a um viés tecnicista.

Perrenoud (2013), entusiasta das competências, registra que elas adentraram o universo escolar em quase todos os países (como uma forma de contágio), tendo a imensa ajuda de organismos internacionais, especialmente a OCDE, que fizeram delas uma espécie de cavalo de batalha. Contudo, conforme alerta Morato (2005), com a abordagem das competências, os indivíduos ficam reféns dos novos atributos exigidos para a formação competitiva do mercado. Assim, demanda-se um perfil cooperativo e adaptativo frente às novas predileções do capitalismo financeiro. A preferência nítida direcionada para a dimensão comportamental dos indivíduos abre caminho para o mercado utilizar ao máximo as capacidades humanas com potencial de gerar mais-valia. “Ao expropriar todas as suas potencialidades, agora entendidas no saber fazer, saber ser e saber aprender, o capital obtém um controle ainda maior e mais sofisticado sobre esse trabalhador” (MORATO, 2005, p. 64).

Com aporte em Morato (2005), enfatizamos que o modelo das competências tem potencial para limitar o poder de associação coletiva, pois direciona suas forças para comportamentos subjetivos moldados à conveniência empresarial. Desse modo, dispersa e enfraquece os trabalhadores na sua capacidade de resistência, individualizando as práticas de negociação com o mercado.

5 O paradigma das neurociências

Dentro dos pilares de sustentação do MSCE, encontramos nos dados empíricos do estudo uma ênfase epistemológica ligada à abordagem da neurociência cognitiva. A esse respeito, Lim (2016, p. 10), durante o Fórum Internacional de Educação realizado pela Fiesc, registra que “[...] os neurocientistas estão descobrindo os mecanismos cerebrais subjacentes ao aprendizado [...]. Algoritmos de aprendizado estão sendo desenvolvidos em máquinas para permitir que robôs e computadores aprendam”. Além disso, apresenta detalhes das neurociências que, segundo ele, contribuiriam para a construção do que chama de uma ciência global e interdisciplinar da aprendizagem. O autor correlaciona educação e neurociência. Segundo ele, a neurociência procura entender os processos mentais envolvidos na aprendizagem, o que seria um terreno comum para que no futuro se possa mudar o fazer educacional, transformando-o a partir de critérios científicos baseados em evidências. Utiliza como exemplo para justificar sua observação as mudanças que a ciência fez na prática médica no passado. No mesmo evento, Lent (2016), pesquisador da área biomédica, afirma que a ciência precisa ser o fundamento principal para as decisões da educação, a fim de que tenhamos novas janelas de oportunidades econômicas para o Brasil. É importante registar que o autor é coordenador da Rede Nacional Ciência para Educação (CpE), entidade parceira do Instituto Ayrton Senna. Vale alertar para o fato de que o conhecimento científico não é neutro, mas provisório, resultado de um processo social e histórico. Quando oportuno, a própria ciência positivista pode ser utilizada para perpetuar determinada concepção de mundo, especialmente se seu arcabouço teórico tem potencial para justificar decisões de ordem socioeconômica com grande impacto na vida das pessoas. Nessa esteira, quando fortes interesses corporativos entram em cena, corre-se o risco de “cair por terra” a suposta neutralidade científica.

Em entrevista também concedida no ano de 2016, Eduardo Deschamps, ex-secretário de educação de Santa Catarina, comenta que “[...] os resultados da neurociência [...] podem contribuir muito ainda com o desenvolvimento da educação, a melhoria dos indicadores de qualidade” (MOVIMENTO..., 2016). É possível observar, nesse sentido, que a neurociência ganha destaque também na agenda política para a educação, possivelmente porque poderia dar respostas para a questão formulada por Louzada (2016): “O que acontece no cérebro quando aprendemos?”.

Segundo Lent (2016), a neurociência descobriu que o sono é um mecanismo intrínseco do ser humano de consolidar a memória. Gerir o ciclo de sono seria importante para a própria aprendizagem. Sob esse enfoque, Consenza e Guerra (2011, p. 74) explicam que “[...] a consolidação da aprendizagem se faz durante o sono [...]. Nele se constroem conexões entre diferentes áreas do cérebro que armazenam a informação”.

Sobre a temática, Maria Odete Olsen, apresentadora do programa Educação e Cidadania da Record News, registra que em 2016 reuniram-se em Florianópolis especialistas do Brasil, Estados Unidos, Chile e Colômbia para debater neurociências e movimentos educacionais. A iniciativa foi do MSCE. No encontro, foram abordados temas ligados às neurociências e suas experiências na América Latina. O objetivo do evento seria a qualificação do sistema educacional catarinense (MOVIMENTO..., 2016).

Conforme Bartoszeck (2018), a neurociência é uma área de conhecimento relativamente nova que intersecciona a neurologia, a biologia e a psicologia. Com os estudos da neurociência cognitiva, teriam sido descobertas questões importantes sobre o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso humano e sua relação com as emoções, percepção, memória e aprendizagem. Para o autor, a educação e a aprendizagem deveriam constituir um novo campo das ciências naturais, o que demandaria uma alfabetização neurocientífica para que se ultrapassasse o estágio das especulações e crenças e se alcançasse o avanço científico sobre o cérebro.

Sob esse viés, os cursos de formação de professores no Brasil estariam com um currículo empobrecido, com oferta deficiente de conhecimentos sobre biologia educacional e/ou neurociência da aprendizagem. Com essa carência no percurso formativo, os profissionais da educação estariam sujeitos a pedagogias não embasadas em evidências e experimentos (BARTOSZECK, 2018). Com entendimento análogo, a OCDE (2002) afirma que as teorias da aprendizagem estudadas nas licenciaturas ainda estariam “engatinhando” em uma fase pré-científica, pois lhes faltariam fundamentos preditivos ou explicativos. Consoante a entidade, os professores não entendem de modo suficiente como as crianças, jovens e adultos aprendem, o que seria um obstáculo para ofertas educativas e de “treinamento” realmente eficazes.

Nessa esteira, a pedagogia estaria em uma fase rudimentar e superficial, ainda esperando seu “Charles Darwin” para explicar o processo de aprendizagem de modo a atingir os critérios de cientificidade. Assim, a organização declara que “[...] a educação hoje é uma disciplina pré-científica, que depende da psicologia (filosofia, sociologia, etc.) para os seus fundamentos teóricos” (OCDE, 2002, p. 3). A neurociência cognitiva, nessa perspectiva, ofereceria “[...] uma base mais sólida para o conhecimento do aprendizado e a prática do ensino” (OCDE, 2002, p. 3).

A esse respeito, Bear (2017) afirma que, em pouco tempo, as bases biológicas da aprendizagem e da memória serão entendidas. Segundo o autor, há indícios de que tanto o aprendizado quanto a memória possam acontecer nas sinapses (local onde ocorre o contato entre os neurônios). Haveria evidências de que a função do cálcio seria mais que a constituição de dentes e ossos fortes. Tal componente estaria envolvido em quase todas as formas de plasticidade das sinapses cerebrais. Nessa linha, indaga: “Pode a pesquisa básica em neurociências nos levar dos íons para a inteligência? Do cálcio para a cognição? [...] Se a plasticidade sináptica, de fato, for a base para a memória declarativa, a resposta provavelmente é sim” (BEAR, 2017, p. 898).

Sobre o processo de plasticidade cerebral, Consenza e Guerra (2011) exemplificam o caso de um pianista que se tornaria, dia a dia, mais hábil em função da frequência de seu “treinamento”, o que levaria a mudanças em seus circuitos cognitivo e motor, proporcionando-lhe melhor precisão e performance em apresentações musicais. “Por outro lado, o desuso, ou uma doença, podem fazer com que ligações sejam desfeitas, empobrecendo a comunicação nos circuitos atingidos” (CONSENZA; GUERRA, 2011, p. 36).

Nesse contexto, a aprendizagem conduziria não apenas ao aumento das interconexões neuronais, mas proporcionaria também a junção de circuitos neurais até então soltos. Exemplificando, seria o que ocorre quando se aprende algo novo tendo por base aquilo que já se conhece. Por outro lado, uma doença ou a inércia do indivíduo poderia ocasionar prejuízos nas conexões entre tais circuitos. Desse modo, “[...] a grande plasticidade no fazer e no desfazer as associações existentes entre as células nervosas é a base da aprendizagem e permanece [...] ao longo de toda a vida” (CONSENZA; GUERRA, 2011, p. 36), porém diminuindo ao longo dos anos, o que demandaria mais tempo e esforço para a aprendizagem se consolidar em idades mais avançadas.

O processo de atenção, nesse cenário, seria uma espécie de “[...] janela aberta para o mundo, na qual dispomos de uma lanterna que utilizamos para iluminar os aspectos que mais nos interessam” (CONSENZA; GUERRA, 2011, p. 42). Assim, o cérebro humano, mesmo aberto ao aprendizado, somente estaria disposto a internalizar aquilo que identifica como funcional. Logo, a estratégia fundamental para conseguir atenção nas aulas deveria envolver a explicação da importância do conteúdo para a vida dos discentes. Os educadores, então, precisariam sempre se perguntar sobre: “Por que é necessário aprender determinado conteúdo?”; e “Qual a melhor forma de apresentá-lo aos estudantes a fim de que reconheçam sua importância?”.

Com aporte em Ferreres e Abusamra (2014), compreendemos que a busca por conexões entre a educação e a neurociência não está livre de riscos. A natureza das áreas apresenta diferenças. Enquanto a pesquisa em educação (ciências humanas) é direcionada para a melhoria e reflexão do processo ensino-aprendizagem, o interesse da neurociência está voltado, em primeiro lugar, para o entendimento do funcionamento cerebral e do sistema nervoso. É relevante mencionar a inegável importância do conhecimento relacionado ao cérebro humano, porém sua transposição para o universo educacional não deve ser automática e operar como modismo. Tal processo deve vir acompanhado de reflexão sistematizada ancorada no conhecimento produzido historicamente pela área da educação.

Nessa linha, com as altas expectativas em relação às descobertas sobre o cérebro e sua transposição acrítica para o cotidiano pedagógico, é grande o risco de serem criados mitos com informações incorretas sobre o desempenho cerebral. De maneira geral, essa prática vem sendo rapidamente perpetuada e tem início com uma interpretação equivocada do conhecimento científico. Portanto, é importante que a ênfase médico-biologista não seja o único instrumento para a solução das questões de ordem pedagógica.

6 Considerações finais

Problematizamos no presente estudo, no que se refere à base epistemológica do MSCE, as seguintes categorias: “Sociedade do Conhecimento”, neurociência, “capital humano” e teoria das “competências”. Sobre a “Sociedade do Conhecimento”, alertamos que o slogan pode agir de modo enviesado para reforçar o individualismo em relação ao sucesso e fracasso ao longo da vida. Sobre a ideologia das “competências”, problematizamos suas armadilhas para ocultar a divisão antagônica de classes, distinguindo competentes e incompetentes pela via da meritocracia. Nesse processo, precisamos estar atentos aos desafios e questões atuais que afetam a formação de professores, sendo crucial refletir sobre a profissão, tendo em vista os vários fatores que a influenciam, especialmente em um cenário repleto de paradoxos, como é o caso do Brasil (SILVA; SOUZA, 2002).

Sobre a neurociência, enfatizamos que a própria ciência positivista pode ser utilizada para reforçar a visão de mundo hegemônica, especialmente se sua base conceitual serve de pretexto para decisões que beneficiem o mercado empresarial. Nesse sentido, o sofisma da neutralidade científica “cai por terra”. Sobre a temática do “capital humano”, afirmamos que tal retórica reduz o ser social a uma mercadoria, além de reduzir a educação a uma noção de formação mercantil.

Nesse sentido, a Educação 4.0 (em analogia à quarta revolução tecnológica) aparece como expressão emblemática para adequar a educação aos novos parâmetros civilizatórios. Com esse viés, entende-se que a participação do jovem é pensada estrategicamente para disseminar as mudanças educacionais pretendidas pelas organizações empresariais de Santa Catarina, especialmente a partir dos parâmetros de inovação tecnológica demandados pelos setores econômicos. A inspiração para as transformações, nesse caso, vem importada de países como Singapura, por exemplo, em função do bom desempenho nas avaliações da OCDE.

A partir das evidências levantadas, entendemos que as propostas enaltecidas no MSCE se estruturam a partir de alguns pontos em comum, costurando uma espécie de neoescolanovismo para o século XXI, mesclando elementos de uma pedagogia ativa/colaborativa, apresentando uma visão redentora de educação com ancoragem contemporânea na ideia de “competência”. Nesse contexto, a educação para o mercado adquire centralidade no que se refere à escolarização no século XXI, especialmente para a formação de indivíduos aptos para o mercado de trabalho flexível. Na esteira dessa discussão, parece-nos fundamental que a formação inicial e continuada de professores e gestores educacionais, em todos os níveis e modalidades de ensino, aproxime-se das reflexões aqui apresentadas, tendo em vista suas interfaces na definição das políticas educacionais, em vigor ou a serem construídas.

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Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 23 de Fevereiro de 2023; Publicado: 28 de Março de 2023

Fabrício Spricigo, Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão (DEPE)

https://orcid.org/0000-0002-3888-2243

Doutor em Educação (Políticas Educacionais, Ensino e Formação) pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Pedagogo no IFSC. Licenciado em Letras-Português. É membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPEd). Integrante do Laboratório e Grupo de Pesquisa Nape/Udesc/CNPq.

Contribuição de autoria: Conceituação, metodologia e primeira redação, validação, análise formal, investigação, revisão/edição e administração do projeto.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5943039787100000

E-mail: fabriciospri@hotmail.com

Lourival José Martins Filho, Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Departamento de Pedagogia, Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAED)

https://orcid.org/0000-0002-8464-7236

Professor titular na Udesc. Estágio Pós-Doutoral em Educação e Humanidades na Pontifícia Unidade Católica do Paraná (PUC/PR) e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPQ - Nível 2. Doutor em Teologia: Educação e Religião. Editor-Chefe da Revista Linhas, vinculada à Udesc. Presidente da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf).

Contribuição de autoria: Conceituação, validação, análise formal, revisão/edição e supervisão.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2491699071811572

E-mail: lourivalfaed@gmail.com

Editora responsável:

Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc:

Angélica de Fátima Piovesan e Paulo Sérgio de Almeida Corrêa

Tradutor:

Thiago Moreira

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