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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 18-Jul-2023

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e9799 

Artigos

A formação inicial e a inserção profissional dos egressos do curso de Pedagogia

La formación inicial e inserción profesional de los egresados de la carrera de Pedagogía

Tamara Vanessa Zulcowskii  , Conceituação, curadoria dos dados e escrita - primeira redação
http://orcid.org/0000-0001-7583-0760; lattes: 6246117335752015

Ângela Maria Silveira Portelinhaii  , Análise formal, escrita - revisão e edição - e supervisão
http://orcid.org/0000-0002-0432-4809; lattes: 0205582838717075

iUniversidade Estadual do Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, PR, Brasil. E-mail: tamarazulkowski1@gmail.com

iiUniversidade Estadual do Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, PR, Brasil. E-mail: amportelinha@yahoo.com.br


Resumo

Este artigo vincula-se à pesquisa intitulada A inserção profissional das egressas do curso de Pedagogia frente às demandas do mundo do trabalho, a qual buscou desvelar como vem ocorrendo a inserção profissional de egressas do curso de Pedagogia de uma Universidade Pública diante da lógica instituída no mercado de trabalho. Adota a pesquisa bibliográfica e de campo com abordagem qualitativa e quantitativa e utiliza a análise documental das regulamentações do curso e da legislação da carreira docente. Os dados empíricos foram coletados via questionários direcionados aos egressos do curso de Pedagogia e as análises foram sustentadas por referenciais crítico-dialéticos. Participaram da pesquisa 275 pessoas que concluíram o curso no período de 2011 a 2019, das quais 77,5% trabalham nos espaços educacionais. Esse dado indica que, apesar dos desafios impostos pelo mundo do trabalho, os egressos do curso de Pedagogia insistem na profissão docente.

Palavras-chave: egressos; curso de Pedagogia; formação; inserção profissional; trabalho docente

Resumen

Este artículo se vincula a la investigación titulada La inserción profesional de los egresados de la carrera de Pedagogía frente a las exigencias del mundo del trabajo, que buscó desvelar cómo la inserción profesional de los egresados de la carrera de Pedagogía de una Universidad Púbica ha venido teniendo lugar en vista de la lógica establecida en el mercado de trabajo. Adopta una investigación bibliográfica y de campo con enfoque cualitativo y cuantitativo, utilizando también el análisis documental de los reglamentos de carrera y de la legislación de la carrera docente. Los datos empíricos fueron recolectados a través de cuestionarios dirigidos a egresados de Pedagogía y los análisis fueron sustentados teóricamente por referentes crítico-dialécticos. En el estudio participaron 275 egresados que terminaron el curso de 2011 a 2019, de los cuales el 77,5% trabajan en espacios educativos. Esta fecha indica que, a pesar de los desafíos que impone el mundo del trabajo, los egresados de la carrera de Pedagogía insisten en la profesión docente.

Palabras clave: graduados; curso de Pedagogía; formación; inserción profesional; trabajo docente

Abstract

This article is links to the research entitled The professional insertion of graduates of the Pedagogy course facing the demands of the world of work, which sought to uncover how the professional insertion of graduates of the Pedagogy course of a Public University has been taking place in view the logic established in the labor market. It adopts bibliographic and field research with a qualitative and quantitative approach and also uses documental analysis of course regulations and teaching career legislation. Empirical data were collected through questionnaires directed to graduates of the Pedagogy and the analyzes were supported by critical-dialectical references. The study participated in 275 people who completed the course from 2011 to 2019, of which 77.5% work in educational spaces. This date indicates that despite the challenges imposed by the world of work, graduates of the Pedagogy course insist on the teaching profession.

Keywords: graduates; Pedagogy course; training; professional insertion; teaching work

1 Introdução

O curso de Pedagogia foi instituído no Brasil em 1939, por meio do Decreto-Lei nº 1.190, de 4 de abril. Desde a sua constituição, a formação esteve submersa em constantes debates e questionamentos, especialmente no que diz respeito ao profissional requerido pelo curso e seus campos de trabalho. Passados 83 anos da sua implantação, esses pontos ainda são motivos de discussões no meio educacional.

Ao longo dos anos, alguns marcos legais formataram a configuração do curso de Pedagogia. Três deles foram implantados especialmente para modificar o perfil do profissional a ser formado pelo curso. O primeiro marco, instituído em 1939, determinou que o curso formaria técnicos em educação. Já o segundo marco, datado de 1969, determinou a formação de especialistas. Por fim, o terceiro foi definido pela Resolução CNE/CP nº 1/2006, a qual postulou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNCP) e buscou a formação de docentes, gestores e pesquisadores.

Assim sendo, as DCNCP de 2006 definiram a docência, a gestão e a pesquisa como a base estruturante do curso. De certo modo, isso propiciou uma expansão nos espaços de trabalho dispostos aos profissionais formados no curso de Pedagogia:

Art. 4º O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 2).

Desde então, o curso passou a formar, sobretudo, docentes (para o magistério na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio na modalidade Normal e na Formação de Docentes), gestores (para os cargos de direção, coordenação do trabalho pedagógico ou outras designações) e pesquisadores (produtores de conhecimento científico para a área da Educação).

Essa expansão dos espaços de trabalho conferidos aos licenciados no curso ao qual nos referimos também propiciou um significativo aumento no número de matrículas nos cursos de Pedagogia. Os dados divulgados pelo Censo da Educação Superior (BRASIL, 2021) indicam que, no ano de 2021, o curso registrou 789.254 matrículas, com isso passou a ocupar a primeira colocação no ranking de cursos brasileiros com o maior número de matrículas.

Diante disso, evidenciamos que a formação polivalente conferida pelas DCNCP de 2006 contribuiu para o aumento da procura pelo curso, porém, no período subsequente às diretrizes, especificamente de 2010 a 2019, também ocorreu um aumento significativo na quantidade de cursos de Pedagogia ofertados no Brasil, sobretudo na modalidade de Ensino a Distância (EaD).

Segundo os dados divulgados pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica (CRUZ; MONTEIRO, 2021), com o aumento dos cursos a distância, o número de matrículas nos cursos de Pedagogia praticamente dobrou nos últimos dez anos, tanto é que chegou a totalizar 66,4% do total de matrículas nos cursos de licenciatura do Ensino Superior. Com relação aos cursos de Pedagogia da rede privada, por exemplo, os da modalidade presencial registraram 171.289 inserções (25%) em 2021, enquanto os da modalidade EaD registraram 515.057 (75%).

Constatamos, portanto, que tanto a expansão dos campos de trabalho conferida pelas DCNCP de 2006 quanto o crescimento do número de cursos ofertados em território nacional contribuíram para o aumento da procura pela formação em Pedagogia. Diante dessa constatação, levantamos a necessidade de investigar como vem ocorrendo a inserção profissional desses sujeitos, considerando os desafios impostos pelo mundo do trabalho. Isso porque, diante da atual forma de gestão dos processos produtivos mercadológicos, muitos nem chegam a se inserir no âmbito educacional. Ademais, os trabalhadores docentes enfrentam precárias condições de trabalho, tanto no que diz respeito à remuneração e às formas de contratação quanto no que diz respeito aos aspectos físicos e materiais de trabalho.

2 Metodologia

Pela concepção de homem, de história, de educação e de realidade, adotamos como fundamento epistemológico a pesquisa crítico-dialética. Nessa perspectiva, “[...] o homem é concebido como ser social e histórico determinado por contextos econômicos, políticos e culturais e ao mesmo tempo como um ser transformador desses contextos” (SÁNCHEZ GAMBOA, 2014, p. 99). Por esse motivo, o texto se estrutura num movimento dialético, no qual há uma relação constante entre educação e sociedade, trabalho e educação. Esse embasamento é fundamental para que possamos compreender de que modo o contexto universal do trabalho interfere na particularidade do trabalho docente e, de forma mais específica, na singularidade do trabalho docente dos egressos do curso de Pedagogia.

Considerando o objetivo da pesquisa, que é desvelar como os egressos do curso de Pedagogia vêm se inserindo no mercado de trabalho, realizamos uma pesquisa exploratória. Para isso, utilizamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica e a análise documental cotejada à análise dos dados, os quais foram produzidos a partir da aplicação de questionários.

Para a pesquisa bibliográfica, respaldamo-nos na discussão de autores crítico-dialéticos, como Antunes (2009), Enguita (1991), Gatti et al. (2019), Hypólito (2020) e Oliveira (2004, 2013), os quais discutem sobre a organização do mundo do trabalho e suas implicações na organização do trabalho docente. Para a pesquisa documental, respaldamo-nos nas resoluções instituídas para o curso e na legislação atribuída à carreira docente. Também realizamos uma produção de dados por meio da aplicação de questionários virtuais semiestruturados, em função do momento de pandemia de Covid-19 vivido no desenvolver da pesquisa. Participaram como sujeitos do estudo 275 egressos do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Francisco Beltrão, Paraná (PR), formados entre 2011 e 2019.

Diante do embasamento teórico supracitado e dos dados que foram produzidos, apresentamos algumas questões relativas ao mundo do trabalho, tomando como referência alguns princípios que implicam as condições de trabalho docente. Para isso, discorremos sobre o profissional requerido e sobre a configuração do curso de Pedagogia da Unioeste. Por fim, a partir dos dados empíricos, analisamos os espaços de trabalho nos quais esses profissionais estão inseridos, trazendo também alguns dados a respeito das condições de trabalho desses sujeitos.

3 Resultados e discussão

Para se humanizar, o ser humano, político e social precisa estabelecer relações com outros indivíduos. E, dentre todas as relações, as estabelecidas pelo trabalho são fundamentais para produzir as condições necessárias à sua existência. Sendo assim, faremos algumas ponderações a respeito do mundo do trabalho, na tentativa de demonstrar como se configura a dinâmica das relações sociais da gestão do trabalho e como essa dinâmica traz implicações tanto para a organização como para as condições de trabalho dos docentes.

Como as necessidades humanas se alteram com o passar dos anos, os meios utilizados para organizar os processos de trabalho também se modificam. Portanto, o mundo do trabalho é marcado por constantes modificações, oriundas dos novos meios utilizados pelo ser humano para organizar a produção da sua própria existência.

Embora as reconfigurações trabalhistas tenham um cunho singularmente econômico, essas alterações se refletem nas práticas dos demais âmbitos sociais, impactando diretamente todos os setores da vida. A propósito, a própria cultura social vem se pautando nas demandas do trabalho, pois, à medida que se reconfiguram as formas de gestão do trabalho, as determinações para a formação humana e profissional também se alteram. Na medida em que o mercado estabelece um perfil de trabalhador ideal, ele também postula um modelo ideal de formação para capacitar o perfil de trabalhador requerido, portanto os processos formativos estão intimamente relacionados com as reconfigurações do mundo do trabalho. Logo, o trabalho docente não se determina por si só, dado que as relações entre estrutura e superestrutura interferem na organização de todas as formas de trabalho.

De modo geral, o mundo do trabalho se configura em três grandes vertentes, difundidas após a consolidação do modo de produção capitalista. Essas vertentes se intitulam: taylorismo, fordismo e toyotismo, essa última também conhecida como regime de acumulação flexível. Cada uma dessas estratégias elaborou formas de gestão que impactaram as diversas esferas da sociedade (ANTUNES, 2009).

Importa-nos destacar que, a partir da década de 1990, se intensificou a forma toyotista de organizar os processos produtivos do mercado de trabalho. Essa forma de gestão se fundamenta na flexibilização, na fragmentação, na intensificação, na polivalência, na precarização e na terceirização do trabalho. Esses princípios adentram o setor educacional por intermédio de políticas públicas, condicionando não só as políticas educativas como também a gestão do trabalho docente.

Por conta dessa organização, a carreira docente tem enfrentado um processo de desprofissionalização, que resulta em condições de trabalho e de remuneração cada vez mais precarizadas (ENGUITA, 1991). Essa dinâmica adentra o setor educacional por meio de um conjunto de reformas pautadas no controle do trabalho, na flexibilização dos processos e dos contratos, na descentralização, na redução de custos, etc.

A respeito das implicações diretas que essas reformas provocaram no trabalho docente, podemos citar:

[…] o aumento dos contratos temporários nas redes públicas de ensino, chegando, em alguns estados, a número correspondente ao de trabalhadores efetivos, o arrocho salarial, o desrespeito a um piso salarial nacional, a inadequação ou mesmo ausência, em alguns casos, de planos de cargos e salários, a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda dos processos de reforma do Aparelho de Estado têm tornado cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego no magistério público. (OLIVEIRA, 2004, p. 1140).

Essas estratégias são reflexos das reformas educacionais implantadas no Brasil por volta da década de 1990 e trouxeram retrocessos para a profissão, ao passo que a flexibilização reestruturou a organização do trabalho educativo, corroborando a precarização das relações de trabalho.

Oliveira (2004) enfatiza que na atualidade uma das principais lutas empreendidas pelos profissionais da educação ocorre em prol da valorização salarial, tendo em vista a precariedade dos rendimentos dos docentes. Segundo dados divulgados pelo Anuário Brasileiro da Educação Básica (CRUZ; MONTEIRO, 2021), o rendimento médio de um professor da Educação Básica chega a ser 30% menor do que o de qualquer outro profissional com Ensino Superior.

Todavia, conforme a meta 17 do Plano Nacional da Educação (PNE), instituída pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, até o ano de 2020 o rendimento dos profissionais do magistério deveria ser equiparado ao de outros profissionais com Ensino Superior (BRASIL, 2014), o que não aconteceu. Outra regulamentação não consolidada na prática é a meta 18 do PNE de 2014, que assegura o ingresso na carreia docente exclusivamente por concurso público. Esta define ainda que, até o início de 2016, pelo menos 90% dos profissionais da Educação Básica e do Ensino Superior da rede pública deveriam estar empregados por concurso público, mas essa projeção ainda não é uma realidade passados oito anos da implantação da lei.

Essas circunstâncias demonstram o quanto a profissão docente está precarizada no Brasil, inclusive por conta da desvalorização da carreira. As pesquisas de Gatti et al. (2019) revelam que os estudantes das camadas mais jovens não se sentem atraídos pelos cursos de Pedagogia. Mesmo com o crescente aumento no número de matrículas, a precarização da profissão tem desinteressado os jovens brasileiros a optarem pela licenciatura em Pedagogia.

De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), o número de jovens matriculados nos cursos de Pedagogia tem decrescido nos últimos anos. Desse modo, mesmo que o número de matrículas venha crescendo, a Semesp fez uma projeção de que o Brasil corre o risco de sofrer um déficit de professores em todas as etapas da Educação Básica. A pesquisa destacou três motivos para essa ocorrência:

Desinteresse do jovem em seguir a carreira de professor, anunciado pela baixa procura pelos cursos de licenciatura e evidenciado pelo processo de precarização dessa profissão, como a baixa remuneração e a falta de reconhecimento de sua importância perante a sociedade. Envelhecimento do corpo docente nos últimos anos, com destaque para o número crescente de profissionais prestes a deixar o cargo. Abandono da profissão devido às condições de trabalho precárias, como infraestrutura ruim de algumas escolas, falta de equipamentos e material de apoio, violência na sala de aula e problemas de saúde, todos agravados com a pandemia de Covid-19. (SEMESP, 2022, p. 4, grifos do original).

Segundo os dados que foram divulgados, o número de professores com menos de 24 anos em início de carreira caiu pela metade de 2009 a 2021. Por outro lado, nesse mesmo período houve um crescimento de 109% no número de professores com 50 anos ou mais, o que demonstra o envelhecimento do quadro docente. Diante desse contexto, estima-se que a defasagem seja de aproximadamente 235 mil docentes até 2040 (SEMESP, 2022). Além disso, a maioria dos poucos jovens que têm se interessado pelo curso de Pedagogia pertence às camadas populares da sociedade. Gatti et al. (2019, p. 167) apresentam em suas análises que o número de licenciados em Pedagogia provenientes das camadas com maiores recursos econômicos da sociedade tem decrescido a cada ano:

[...] se, em 2005, metade dos licenciandos provinha dos estratos médios da população, em 2014 eles passam a representar apenas 1/3 dessa camada [...] em 2005, ainda perto de 10% dos estudantes provinham de famílias com maiores recursos econômicos, enquanto em 2014 esse percentual não chega a 3%.

Portanto, o percentual de jovens estudantes de Pedagogia oriundos das famílias com melhores condições econômicas caiu 7% num intervalo de nove anos, ou seja, a maior parte dos interessados no curso de Pedagogia provém dos estratos mais baixos da sociedade. A desvalorização profissional da carreira docente explica o fato de o curso de Pedagogia não ser tão procurado pelos jovens brasileiros e pelas classes com maior poder aquisitivo.

Diante de todos esses aspectos, não há como discutir sobre a inserção profissional dos egressos do curso de Pedagogia sem falar dos desafios impostos à profissão. Neste texto, apresentamos alguns dados extraídos do questionário respondido por 275 sujeitos que concluíram o curso de Pedagogia na Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR, entre os anos de 2011 a 2019.

O curso de Pedagogia da Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR, alterou seu Projeto Político-Pedagógico (PPP) no ano de 2008, por meio da Resolução nº 374/2007 do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE). Essa regulamentação instituiu o curso de Pedagogia do Centro de Ciências Humanas do campus de Francisco Beltrão/PR como um curso de licenciatura.

Como a carga horária mínima para a formação inicial nos cursos de Pedagogia foi fixada num período de quatro anos, a primeira turma da instituição formada pelo PPP de 2008 concluiu os estudos em 2011, ano que marca o início do recorte temporal utilizado na pesquisa. Esse PPP foi implantado para adequar a configuração do curso às DCNCP de 2006. Sendo assim, a instituição reestruturou o curso para formar, basicamente, professores para o magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e pedagogos, profissionais responsáveis pela articulação do trabalho pedagógico.

Nesse formato, entre 2011 e 2019 a Unioeste formou 537 sujeitos no curso de Pedagogia, dos quais, por intermédio de um questionário virtual elaborado no Google Forms, conseguimos consultar 275. Diante dos dados obtidos, identificamos que o curso formou uma grande quantidade de mulheres. São 255 mulheres (92,7%) para 20 homens (7,3%).

Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) emitidos no Censo da Educação Superior de 2021 também comprovam a predominância das mulheres no curso. Em 2020, o percentual de mulheres matriculadas nos cursos de graduação em licenciatura era de 72,8%, enquanto o dos homens era de 27,2% (BRASIL, 2021). Esses índices demonstram que ainda hoje o processo de feminização caracteriza os cursos de licenciatura.

A propósito, Hypólito (2020) entende que a predominância das mulheres na carreira docente é um dos fatores responsáveis pelo processo de desprofissionalização que a profissão tem enfrentado. Segundo o autor, esse processo é crucial para analisar a proletarização do trabalho docente, tendo em vista que, apesar de todas as conquistas obtidas pelas mulheres ao longo dos anos, elas ainda estão mais sujeitas à precarização do que os homens. Essa condição é histórica e é um dos motivos pelos quais ainda hoje o trabalho docente enfrenta condições precárias, como baixa remuneração e altos índices de contratações temporárias.

Em contrapartida, mesmo que as pesquisas a nível nacional apontem um desinteresse por parte dos jovens brasileiros pelo curso de Pedagogia, a idade dos egressos do curso da Unioeste de Francisco Beltrão/PR variou de 22 a 55 anos, sendo que a maior parte dos participantes tem entre 26 e 30 anos de idade. Esse dado indica que os jovens da região têm procurado o curso da instituição.

Por não termos dados empíricos que evidenciem a inserção desses sujeitos no mercado de trabalho, questionamos os 275 sujeitos que participaram da pesquisa sobre os cargos e/ou funções que ocupam. Além disso, verificamos as formas pelas quais esses sujeitos foram contratados.

Quanto à inserção profissional no mercado de trabalho, constatamos que, apesar das dificuldades impostas pelo mundo do trabalho, as quais foram relatadas pelos próprios participantes, há uma grande quantidade de egressos trabalhando em setores educacionais. O Gráfico 1 demonstra o percentual de egressos inseridos no setor.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Gráfico 1 Egressos do curso de Pedagogia da Unioeste inseridos no setor educacional - 2011-2019 

Os dados expressos no Gráfico 1 revelam que 77,5%, ou seja, 213 egressos, estão trabalhando em pelo menos um dos espaços educacionais para os quais o curso de Pedagogia da Unioeste de Francisco Beltrão/PR forma, enquanto 22,5% não estão inseridos na carreira docente.

Ao questioná-los sobre os cargos e/ou funções que ocupam, averiguamos que a maior parte dos que trabalham como profissionais da educação é de docentes na Educação Infantil. O Gráfico 2 traz a distribuição dos profissionais dentro dos três campos de trabalho para os quais o curso de Pedagogia da instituição pesquisada tem a intencionalidade de formar.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Gráfico 2 Espaços de inserção profissional dos egressos de Pedagogia da Unioeste - 2011-2019 

Segundo os dados produzidos, 86 egressos trabalham exclusivamente como docentes na Educação Infantil (40,3%). Entretanto, outros 14 são docentes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Se somarmos essas porcentagens, concluímos que a primeira etapa da Educação Básica concentra mais de 46% dos sujeitos. O segundo campo com o maior número de trabalhadores compreende os anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse campo concentra 53 trabalhadores exclusivos, isto é, 24,8%, além dos 14 já mencionados e dos seis que conciliam essa função à gestão ou coordenação pedagógica. Em terceiro está o campo da gestão ou coordenação pedagógica, com 12 trabalhadores ocupando exclusivamente um desses cargos (5,6%).

No Gráfico 2, revelamos o espaço de trabalho de 171 egressos que participaram da pesquisa. Os outros 42 trabalham em pelo menos um dos espaços possibilitados pelas DCNCP de 2006, seja como docentes nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio, na Formação de Docentes, dentre outros espaços. Todavia, nenhum desses concentra um número maior do que três egressos.

A Educação Infantil é o campo que concentra o maior número de profissionais. Esse crescimento no número de trabalhadores da Educação Infantil já era esperado, uma vez que essa foi incorporada como a primeira etapa da Educação Básica pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996 e, com sua obrigatoriedade decretada, as vagas para esse campo precisaram ser supridas com urgência. Com isso, foram realizados vários concursos e testes seletivos para suprir as vagas desse espaço; enquanto o número de docentes nesse nível de ensino cresceu 10,1% de 2016 a 2021, nos demais níveis os números decresceram (SEMESP, 2022).

Como já relatado anteriormente, a organização do mercado de trabalho se desenvolve com base na dinâmica do regime de acumulação flexível, que tem sua máxima na fragmentação, na flexibilização, na intensificação, na precarização e na terceirização do trabalho. Por intermédio de políticas públicas, essa dinâmica adentra o setor educacional e interfere na organização do trabalho docente.

Essas circunstâncias indicam a incidência para a flexibilização dos contratos e consequentemente para a terceirização. Podemos constatar essa afirmação com o Gráfico 3, elaborado com base nas respostas obtidas no questionário enviado aos egressos do curso de Pedagogia da Unioeste. Nele, os 213 sujeitos que trabalham no setor educacional categorizam a espécie de contrato de trabalho ao qual estão vinculados.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022).

Gráfico 3 Formas de contratação dos egressos do curso de Pedagogia da Unioeste, 2011-2019 

Os dados do Gráfico 3 expressam que, dos 213 trabalhadores da educação formados na Unioeste, 135 são contratados exclusivamente por concurso público, pouco mais de 63,3%. Outros 20 têm um contrato parcial via concurso público, possivelmente de 20 horas semanais, enquanto a complementação da carga horária ocorre por contrato temporário. Por fim, 27,1% são contratados apenas por contratos temporários, ou seja, não possuem a garantia do emprego. Não obstante, o rendimento médio dos profissionais da Educação Básica está aquém do rendimento médio de qualquer outro profissional com Ensino Superior completo. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 o provimento dos profissionais da educação correspondia a R$ 4.131,00, enquanto o dos profissionais da área de exatas mantinha a média de R$ 6.613,00, da área de humanas R$ 5.990,00 e da área da saúde R$ 6.622,00 (CRUZ; MONTEIRO, 2021).

A esse respeito, investigamos o salário-base dos professores egressos da Unioeste distribuídos em 30 municípios dos três estados da região Sul do Brasil. Com os resultados obtidos, constatamos que nove municípios têm uma remuneração inferior ao piso salarial nacional instituído pela Lei nº 11.738/2008. Outros dez municípios proveem remuneração no valor do piso e dois remuneram os professores com um valor muito aproximado ao piso, menos de 5% a mais. Portanto, remunerações similares a outras carreiras de profissionais com educação superior são observadas em apenas nove municípios.

Essas são apenas duas situações que indicam a precarização do trabalho docente. Inclusive, ambas foram indicadas como as principais causas pelas quais 62 egressos do curso de Pedagogia da Unioeste não estão trabalhando no setor educacional. A falta de vagas ou chamadas em concursos públicos foi mencionada como a principal causa por 29 egressos, e outros dez a associaram a outros motivos. Com relação à falta de condições salariais, oito egressos disseram não estar inseridos no setor por esse motivo; outros 12 associaram esse motivo a algum outro, como infraestrutura e condições materiais de trabalho preconizadas.

Com isso, revelamos que de fato as políticas públicas implantadas no Brasil não têm assegurado garantias à profissão docente. Esses direitos não assegurados implicam diretamente nas condições de trabalho dos profissionais da educação, desde a entrada destes no mercado de trabalho até a sua permanência na profissão.

Por essa razão, Enguita (1991) compreende que a profissão está numa posição contraditória entre a proletarização e a profissionalização. Conforme o autor, profissionais são aqueles que ocupam um cargo que lhes garante boas condições salariais, poder e reconhecimento social, além de certa autonomia no ofício que desempenha. Em contrapartida, proletários são aqueles que trabalham em profissões desvalorizadas, com baixos rendimentos, que não dispõem de autonomia profissional, por terem de lidar com a fragmentação dos processos de trabalho.

Portanto, diante de um processo de desprofissionalização da carreira docente, legitimado pela contratação de mão de obra barata, através de contratos flexíveis e temporários, ainda não alcançamos a profissionalização da carreira. Esse processo reverso que incide sobre a profissão “[...] exige que medidas efetivas de reforço à carreira no sentido tanto das formas de ingresso quanto de permanência devem pressupor melhores condições de trabalho e de remuneração” (OLIVEIRA, 2013, p. 69).

4 Considerações finais

Com base na análise dos dados produzidos, concluímos que os egressos do curso de Pedagogia da Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR, são jovens que têm de 26 a 30 anos de idade, o que configura uma exceção dos dados que dispomos a nível nacional. Todavia, o fenômeno da feminização que caracteriza a licenciatura também se faz presente na instituição, tendo em vista que 92,7% dos concluintes são mulheres.

Quanto à inserção profissional desses sujeitos no mercado de trabalho, desvelamos que, apesar das determinações do mundo do trabalho, 77,5% trabalham na área da Educação em pelo menos um dos campos para os quais o curso licencia. Ademais, constatamos que a Educação Infantil concentra o maior número de profissionais, pois são mais de 46% trabalhadores inseridos nesse espaço.

Os trabalhadores docentes, no entanto, ainda enfrentam condições precárias de trabalho e de remuneração, como evidenciamos nas discussões relatadas anteriormente. Nem todos têm a garantia de trabalho, pois muitos possuem vínculo de trabalho temporário. Além disso, a remuneração dos docentes está aquém do que é regulamentado em lei para a profissão.

Por fim, concluímos que as contradições do mundo do trabalho são desafiadoras, mas, ainda assim, há muitos sujeitos que escolhem a docência como profissão. Como vimos nos resultados obtidos, uma grande quantidade de ex-alunos da Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR, ingressou na carreira docente. Isso demonstra que, mesmo diante de um cenário de desmonte da educação, as áreas de trabalho que o curso de Pedagogia proporciona ainda se constituem, diferentemente das outras licenciaturas, como maiores possibilidades de ingresso no mercado de trabalho para os estudantes das classes populares, os quais precisam trabalhar para garantir sua sobrevivência e suprir suas necessidades materiais. Diante disso, necessitamos requerer políticas públicas que implementem ações de acesso e permanência das novas gerações à carreira docente, com valorização e reconhecimento social em prol da melhoria da qualidade da educação.

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Recebido: 28 de Dezembro de 2022; Aceito: 01 de Março de 2023; Publicado: de 0503

Tamara Vanessa Zulcowski, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)

https://orcid.org/0000-0001-7583-0760

Possui graduação em Pedagogia pela Unioeste, campus de Francisco Beltrão, Paraná (PR). Especialização em Alfabetização e Letramento e em Gestão Escolar: Administração, Orientação e Supervisão pelo Instituto Pedagógico de Minas Gerais (Ipemig). Atualmente é mestranda em Educação na Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR.

Contribuição de autoria: Conceituação, curadoria dos dados e escrita - primeira redação.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6246117335752015

E-mail: tamarazulkowski1@gmail.com

Ângela Maria Silveira Portelinha, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), curso de Pedagogia

https://orcid.org/0000-0002-0432-4809

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora do curso de Pedagogia e do PPGE da Unioeste, campus de Francisco Beltrão, Paraná (PR). Líder do grupo de pesquisa Educação Superior, Formação e Trabalho Docente (Gesfort).

Contribuição de autoria: Análise formal, escrita - revisão e edição - e supervisão.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0205582838717075

E-mail: amportelinha@yahoo.com.br

Editora responsável:

Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc:

Cristiane Carvalho Silva Cardoso e Márcia Souza Hobold

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