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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 23-Feb-2024

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e11926 

Artigos

A formação continuada de professores/as em uma escola do campo em Parintins/AM

La formación continua de docentes en una escuela rural de Parintins/AM

Érica de Souza e Souza1  i
http://orcid.org/0000-0002-2470-2483; lattes: 6562533933082081

Heloisa da Silva Borges2  ii
http://orcid.org/0000-0001-7629-7056; lattes: 9429409939324333

Gabriel Rodrigues do Nascimento3  iii
http://orcid.org/0000-0003-2150-9984; lattes: 1645498571626158

1Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil

2Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil

3Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil


Resumo

Este artigo é um recorte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Amazonas. Visa apresentar a formação continuada de professores/as que atuam em escola do campo em Parintins, Amazonas. Encontra-se fundamentado nos estudos de Arroyo, Caldart e Molina (2011), Borges (2015), Borges e Souza (2021), Caldart (2012), Coelho (2017), Molina e Antunes-Rocha (2014), Pimenta (2015), Souza (2017) e outros autores. Os resultados apontam que as formações continuadas promovidas pela Secretaria Municipal de Educação de Parintins nem sempre atendem às necessidades, particularidades e singularidades dos docentes que trabalham em escolas do campo desse município. Conclui-se ser emergente uma formação de professores/as alinhada aos princípios da Educação do Campo, que possa contribuir para a práxis do/a professor/a do campo, pautada numa perspectiva crítica de emancipação humana, nas suas intermediações com a realidade da classe trabalhadora camponesa.

Palavras-chave Educação do Campo; escola do campo; formação continuada de professores/as.

Resumen

Este artículo es un extracto de una investigación de maestría desarrollada en el ámbito del Programa de Posgrado en Educación de la Universidad Federal de Amazonas. Tiene como objetivo presentar la formación continua de los docentes que trabajan en una escuela rural en Parintins, Amazonas. Se basa en los estudios de Arroyo, Caldart y Molina (2011), Borges (2015), Borges y Souza (2021), Caldart (2012), Coelho (2017), Molina y Antunes-Rocha (2014), Pimenta (2015), Souza (2017) y outros autores. Los resultados indican que la formación continua promovida por la Secretaría Municipal de Educación de Parintins no siempre responde a las necesidades, particularidades y singularidades de los docentes que trabajan en las escuelas en el ámbito de este condado. Se concluye que está surgiendo una formación docente alienada a los principios de la Educación Rural, que pueden contribuir a la praxis docente rural, desde una perspectiva crítica de la emancipación humana, en sus intermediaciones con la realidad de la clase trabajadora campesina.

Palabras clave educación rural; escuela de campo; formación continuada de los profesores.

Abstract

This article is an excerpt from a master´s degree research developed within the scope of the Postgraduate Program in Education at the Federal University of Amazon. It aims to present the continued training of teachers who work at a rural school in Parintins, Amazonas. The same is based on the studies by Arroyo, Caldart and Molina (2011), Borges (2015), Borges and Souza (2021), Caldart (2012), Coelho (2017), Molina and Antunes-Rocha (2014), Pimenta (2015), Souza (2017) and other authors. The results inidicate that the continuing training promoted by the Municipal Secretary of Education of Parintins does not always meet the needs, particularities and singularities of teachers who work in schools in the field of this county. We conclude that aligned teacher´s training is emerging to the principles of Rural Education, which can contribute to the praxis of rural teacher, based on a critical perspective of emancipation humanity, in these intermediations with the reality of the working class peasant.

Keywords rural education; field school; continuing training of teachers.

1 Introdução

A formação de professores/as do campo no Brasil vem sendo discutida em âmbito nacional, regional e local, presente em debates acadêmicos e pautas das reivindicações dos movimentos sociais camponeses, pela necessidade do enfrentamento dos problemas educacionais e construção de reflexões sobre os caminhos de transformação das escolas do campo.

Quando focalizamos a formação de professores/as para a atuação em escolas do campo, identificamos historicamente que a educação escolar no campo se constituiu sob a precarização física, administrativa e pedagógica, evidenciada na presença do professor na condição de leigo, indicando a ausência e/ou escassez de formação adequada para o exercício da profissão (Molina; Antunes-Rocha, 2014). Essa realidade se modifica na atuação dos movimentos sociais do campo e classe trabalhadora camponesa organizada na luta pela Educação do Campo, a partir da década de 1990 do século XX.

Os movimentos sociais do campo, mediante lutas históricas, vêm projetando políticas públicas de formação de professores/as, ajudando na construção de um modelo de desenvolvimento de campo, de educação e escola no país, voltado à formação humana da classe trabalhadora camponesa e seus filhos (Borges; Souza, 2021). Isso porque “[...] a discussão acerca da formação de educadores na perspectiva da Educação do Campo exige que seja explicitado o projeto de sociedade, de campo e escola que se quer construir” (Molina; Antunes-Rocha, 2014, p. 225).

Por esse propósito, é possível enfatizar conquistas efetivas de políticas públicas e programas como: o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera, Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010), Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (Procampo) e Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo, Portaria nº 86, de 1º de fevereiro de 2013). Eles possibilitaram a materialidade de práticas e experiências concretas de formação inicial e continuada de professores/as do campo.

É preciso registrar que a formação de professores/as do campo compreende a necessidade de viabilizar processos formativos sólidos, qualificados e permanentes, cuja organização curricular e metodológica se relacione com as matrizes formativas da luta coletiva, cultura, terra, saberes, trabalho camponês, relações sociais, culturais, políticas e econômicas que organizam os projetos de homem, escola, campo e sociedade, sob uma sociabilidade que não seja a lógica do capital.

Para os desafios do sistema público de educação encontrado no campo brasileiro, compreendemos que a formação docente inicial e continuada deve promover processos formativos em consonância com a concepção de Educação do Campo, permitindo uma visão de totalidade da realidade das pessoas que vivem e trabalham no campo.

Este artigo consiste num recorte da pesquisa de mestrado em Educação disponível na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (TEDE) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAM e vinculada ao grupo de estudos e pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/UFAM) “Educação do Campo, Currículo e Formação de Professores/as na Amazônia”, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (Capes) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), cujo objetivo é apresentar a formação continuada de professores/as de uma escola do campo em Parintins.

Na organização deste texto, dividimos o artigo em seções, além da introdução. Na primeira seção, trazemos o caminho metodológico empregado no estudo. Na segunda, abordamos o que dizem os/as professores/as acerca da Educação do Campo no município de Parintins, sua relação com as escolas do campo e formação de professores/as promovidas na Secretaria Municipal de Educação (Semed/PIN), no sentido de compreendermos se a formação tem atendido ou não aos interesses e necessidades dos/as docentes que trabalham na escola do campo investigada.

2 Metodologia

No campo metodológico, foi desenvolvida uma pesquisa empírica/de campo, onde o método de análise utilizado foi o materialismo histórico-dialético, pretendendo sair da aparência do fenômeno para chegar à sua essência concreta (Netto, 2011), não mais como a representação caótica de um todo, mas como uma rica totalidade de muitas determinações e relações (Marx, 2011), entendendo as contradições postas na realidade estudada.

Adotamos ainda procedimentos diversos, como revisão de literatura, análise documental e aplicação de questionários por meio do WhatsApp, junto a uma técnica da Semed/PIN e cinco professoras que atuam na escola municipal Luiz Gonzaga, localizada na comunidade Santo Antônio do Tracajá, área de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no município de Parintins, estado do Amazonas, Brasil.

As cinco docentes são mulheres parintinenses, característica sócio-histórica na profissão da docência, mães, entre 29 e 54 anos, todas residentes na comunidade do Santo Antônio do Tracajá. Sobre o tempo de serviço das professoras e organização da sala de aula, a maioria dos sujeitos atua um período superior a nove anos na docência, com mais de sete anos de experiências em escolas do campo. Toda a identificação das participantes da pesquisa é fictícia, sendo guardadas em sigilo suas identidades.

Observamos que as professoras, historicamente, são as referências na profissão do magistério da educação básica. Todas as professoras estão em pleno exercício profissional e são moradoras da comunidade. Para a Educação do Campo, torna-se fundamental que o profissional da educação seja da comunidade, pois, para Borges (2015), Molina e Freitas (2011) e Souza (2017), fazer parte da comunidade significa a sintonia com a realidade objetiva dos estudantes e comunidade.

O município de Parintins possui 146 escolas que atendem à educação infantil e ao ensino fundamental I e II, distribuídas entre a zona urbana e rural, sendo 118 campesinas, distribuídas em áreas de várzea (26), terra firme/assentamento (85) e indígena (7) (Semed/PIN, 2021). Enfatizamos que este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição, nos termos das Resoluções nº 196/1996 e 251/1997, do Conselho Nacional de Saúde, e realizado em tempos de pandemia de Covid-19, causada pelo vírus SARS-CoV-2, obedecendo aos protocolos de biossegurança determinados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Fundação de Vigilância Sanitária (FVS).

Nessa óptica, dialogamos com os estudos de Arroyo, Caldart e Molina (2011), Borges (2015), Borges e Souza (2021), Caldart (2012), Coelho (2017), Molina e Antunes--Rocha (2014), Pimenta (2015), Souza (2017) e outros teóricos que discutem sobre formação de professores/as do campo como proposta contra-hegemônica vinculada à realidade camponesa, contribuindo na construção de uma territorialidade para a classe trabalhadora.

No tratamento das informações advindo dos questionários analisados, buscamos a compreensão do objeto de estudo nas categorias de Educação do Campo, Escola do Campo e Formação de professores/as, procurando responder às questões de pesquisa.

3 Resultados e discussão

A construção de um projeto democrático de país, em que os sujeitos do campo tenham protagonismo nas decisões sobre a construção da educação, de campo e da sociedade que necessitam, pressupõe pensar a Educação do Campo, o modelo de escola e a formação de educadores/as que se deseja como base elementar desse projeto.

Neste tópico, reunimos as falas dos/as professores/as e da técnica da Semed para compreender o tratamento dado à Educação do Campo, à escola do campo e à formação continuada de professores/as por parte da rede municipal de ensino do município de Parintins, em diálogo com as principais referências teóricas nacionais. Assim, partimos do entendimento desses sujeitos sobre Educação do Campo.

Entendo a Educação do Campo como uma modalidade de ensino que nasceu dos movimentos sociais, mais especificamente do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra]. Simboliza a luta de diferentes povos das áreas rurais, os quais lutam por um ensino articulado às suas práticas de trabalho (Flor do Maracujá, maio de 2021, técnica da Semed).

A compreensão de Educação do Campo evidencia aproximações com o que os teóricos discutem a respeito da Educação do Campo no âmbito nacional, convergindo com o que assegura a legislação por meio da Constituição Federal de 1988, no Título VIII - Da Ordem Social, em seu artigo 205, que estabelece que “[...] a Educação é direito de todos e dever do Estado e da Família [...]”, portanto coloca a educação como direito fundamentalmente social a todos os indivíduos, incluindo a população campesina. E o que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394/1996, acentua esse debate ao sancionar e garantir a Educação do Campo como direito dos povos camponeses, no destaque do Capítulo II, que trata de Educação Básica - Seção I, das Disposições Gerais, em seu artigo 26:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (Brasil, 1996).

O artigo 28 estabelece que os sistemas de ensino devem adaptar-se para atender às necessidades e peculiaridades regionais e do campo.

Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (Brasil, 1996).

Essas legislações foram fundamentais como subsídios na construção da concepção de educação diferenciada do paradigma da Educação Rural, sinônimo de atrasada, arcaica e com pouca qualidade, em que as poucas políticas e programas foram pensados e elaborados sem a participação da classe trabalhadora camponesa. A historiografia da educação destinada aos diversos grupos sociais do campo no Brasil revela que esta foi historicamente negligenciada pelo Estado, relegada a espaços marginais, constituindo-se em Educação Rural pensada a partir da realidade urbana, cujos currículos não valorizavam a história, memória, trabalho, cultura, identidade e direito à cidadania aos sujeitos do campo (Arroyo; Caldart; Molina, 2011; Borges, 2007; Hage, 2006).

Caldart (2009) afirma que a Educação do Campo nasce como crítica à realidade da educação brasileira, particularmente à situação educacional dos trabalhadores do campo. A Educação do Campo, portanto, nasce da luta social camponesa, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), a partir da necessidade dos acampados/ assentados que carecem de educação, diferenciada da lógica de sua própria destruição como classe ou grupo social e cultural, como humanidade. Esse projeto educativo centra sua luta na escola para orientar suas práticas, fazendo crítica ao modo de conhecimento dominante e à hierarquização epistemológica própria desta sociedade, deslegitimando os protagonistas originários da Educação do Campo como produtores de conhecimento que resiste a construir referências próprias para a solução de problemas de outra lógica de produção e de trabalho, diferente do trabalho produtivo para o capital (Caldart, 2009).

Na construção da materialidade epistemológica da Educação do Campo, Caldart (2004) elucida que esta se sustenta em três referências teóricas prioritárias: a primeira é a tradição do pensamento pedagógico socialista; a segunda é a referência na Pedagogia do Oprimido e em toda a tradição pedagógica decorrente das experiências da Educação Popular; e a terceira vem de uma reflexão teórica mais recente, chamada de Pedagogia do Movimento.

A tradição do pensamento pedagógico socialista [...] pode nos ajudar a pensar a relação entre educação e produção desde a realidade particular dos sujeitos do campo; também nos traz a dimensão pedagógica do trabalho e da organização coletiva, e a reflexão sobre a dimensão da cultura no processo histórico, que podemos hoje combinar com algumas questões específicas dos processos de aprendizagem e ensino que nos vêm de estudos mais recentes da psicologia sociocultural e de outras ciências que buscam compreender mais a fundo a arte de educar, desde uma perspectiva humanista e crítica. Pedagogia do Oprimido e toda a tradição pedagógica decorrente das experiências da Educação Popular [...] incluem o diálogo com as matrizes pedagógicas da opressão (a dimensão educativa da própria condição de oprimido) e da cultura (a cultura como formadora do ser humano), especialmente em Paulo Freire. A Educação do Campo talvez possa ser considerada uma das realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que afirma os pobres do campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório e, por isso mesmo, educativo. Pedagogia do Movimento [...] vem de uma reflexão teórica mais recente, que estamos chamando de Pedagogia do Movimento, que também dialoga com as tradições anteriores, mas se produz desde as experiências educativas dos próprios movimentos sociais, em especial dos movimentos sociais do Campo. Trata-se de uma matriz pedagógica cuja constituição teórica se dá no mesmo tempo histórico da Educação do Campo. Podemos dizer então que se trata de um diálogo que ao mesmo tempo será formulação de suas concepções e de seus desdobramentos práticos (Caldart, 2004, p. 14).

A partir da análise das matrizes prioritárias da Educação do Campo, nesta concepção de educação diferenciada, a classe trabalhadora assume uma conotação de Educação Popular amplamente divulgada pelo pensamento de Freire (2021) com a Pedagogia do oprimido, incorporando a dimensão de pressão coletiva que objetiva a emancipação dos sujeitos do campo, portanto:

Compreender a matriz epistemológica que sustenta a concepção de Educação do Campo perpassa não só no formativo e educativo dos sujeitos do campo, mas também a partir do entendimento da construção teórica, produzida pelos Movimentos Sociais Camponeses, que fundamentam a discussão filosófica e pedagógica do trabalho da escola do campo (Borges, 2015, p. 57).

A compreensão da materialidade da Educação do Campo se construiu a partir do diálogo das questões universais da pedagogia e da educação; diálogo este que gira em torno de uma concepção de ser humano, cuja formação é necessária para a implementação do projeto de campo e sociedade que integra este projeto da Educação do Campo, numa determinada tradição crítica vinculada a objetivos políticos de emancipação e luta por justiça e igualdade social (Caldart, 2004).

Caldart (2012) enfatiza que a Educação do Campo consiste numa prática social em processo de constituição histórica que não se compreende em si nem apenas a partir das questões da educação e que expõe e confronta as contradições sociais que a produzem. Em síntese, a autora apresenta características destacadas para identificar sua novidade ou a “consciência de mudança” que seu nome expressa:

● Constitui-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação (e não a qualquer educação) feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A Educação do Campo não é para nem apenas com, mas sim, dos camponeses, expressão legítima de uma pedagogia do oprimido. ● Assume a dimensão de pressão coletiva por políticas públicas mais abrangentes ou mesmo de embate entre diferentes lógicas de formulação e de implementação da política educacional brasileira. Faz isso sem deixar de ser luta pelo acesso à educação em cada local ou situação particular dos grupos sociais que a compõem, materialidade que permite a consciência coletiva do direito e a compreensão das razões sociais que o impedem. ● Combina luta pela educação com luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao território. Por isso, sua relação de origem com os movimentos sociais de trabalhadores. Na lógica de seus sujeitos e suas relações, uma política de Educação do Campo nunca será somente de educação em si mesma e nem de educação escolar, embora se organize em torno dela. ● Defende a especificidade dessa luta e das práticas que ela gera, mas não em caráter particularista, porque as questões que coloca à sociedade a propósito das necessidades particulares de seus sujeitos não se resolvem fora do terreno das contradições sociais mais amplas que as produzem, contradições que, por sua vez, a análise e a atuação específicas ajudam a melhor compreender e enfrentar. E isso se refere tanto ao debate da educação quanto ao contraponto de lógicas de produção da vida, de modo de vida. ● Suas práticas reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza social e humana da diversidade de seus sujeitos: formas de trabalho, raízes e produções culturais, formas de luta, de resistência, de organização, de compreensão política, de modo de vida. Mas seu percurso assume a tensão de reafirmar, no diverso que é patrimônio da humanidade que se almeja a unidade no confronto principal e na identidade de classe que objetiva superar, no campo e na cidade, as relações sociais capitalistas. ● A Educação do Campo não nasceu como teoria educacional. Suas primeiras questões foram práticas. Seus desafios atuais continuam sendo práticos, não se resolvendo no plano apenas da disputa teórica. Contudo, exatamente porque trata de práticas e de lutas contra-hegemônicas, ela exige teoria, e exige cada vez maior rigor de análise da realidade concreta, perspectiva de práxis. Nos combates que lhe têm constituído, a Educação do Campo reafirma e revigora uma concepção de educação de perspectiva emancipatória, vinculada a um projeto histórico, às lutas e à construção social e humana de longo prazo. Faz isso ao se mover pelas necessidades formativas de uma classe portadora de futuro de pensar a pedagogia desde a sua realidade específica, mas não visando somente a si mesmos: a totalidade lhes importa, e é mais ampla do que a pedagogia. ● A escola tem sido objeto central das lutas e reflexões pedagógicas da Educação do Campo pelo que representa no desafio de formação dos trabalhadores, como mediação fundamental, hoje, na apropriação e produção do conhecimento que lhes é necessário, mas também pelas relações sociais perversas que sua ausência no campo reflete e sua conquista confronta. ● A Educação do Campo, principalmente como prática dos movimentos sociais camponeses, busca conjugar a luta pelo acesso à educação pública com a luta contra a tutela política e pedagógica do Estado (reafirma em nosso tempo que não deve ser o Estado o educador do povo). ● Os educadores são considerados sujeitos fundamentais da formulação pedagógica e das transformações da escola. Lutas e práticas da Educação do Campo têm defendido a valorização do seu trabalho e uma formação específica nessa perspectiva (Caldart, 2012, p. 263-264).

Os traços expostos revelam que a Educação do Campo é um projeto que contrapõe a lógica produtiva do capital, expondo as contradições e desigualdades sociais ocorridas no campo, permitindo pensar a educação a partir da riqueza social e humana de sua diversidade, valorizando as formas de trabalho, relações sociais, políticas e culturais como matrizes importantes nesse projeto.

Alguns desses traços estão presentes na compreensão dos/as professores/as da escola Luiz Gonzaga sobre Educação do Campo. Suas concepções apontam que a Educação do Campo é uma prática diferenciada, implicada à realidade das populações camponesas, envolvendo conhecimentos, currículos e saberes que contemplem o contexto dos estudantes do campo e seus modos de vida.

É a educação dada às pessoas do campo (Beija-Flor, maio de 2021).

Educação do Campo é aquela onde todos os saberes adquiridos são voltados para o homem do campo, transformando os conhecimentos em práticas inovadoras, onde ao mesmo tempo em que se ensina também se aprende (Vitória Régia, maio de 2021).

É uma prática diferenciada, onde ali se trabalha a realidade das crianças, levando-as a conhecer melhor o ambiente que as cerca e em que vivem. Educação no Campo é levar conhecimentos e trabalhar com discentes através de seus conhecimentos vividos e trazidos de seu cotidiano, enriquecendo cada vez mais seu aprendizado e transformando aquilo que eles têm de riqueza, que está oculto, levando para a sua realidade. A Educação do Campo deveria ter formações destinadas à formação dos alunos, prepará-los para viver de acordo com seus conhecimentos, levá-los à compreensão de seu meio vivido (Angelim, maio de 2021).

Educação do Campo são atividades voltadas às práticas educativas relacionadas à atividade rural, às atividades agrícolas vivenciadas no dia a dia dos alunos. Percebe-se que a Educação do Campo no município de Parintins ainda precisa de várias adequações relacionadas à vida do homem do campo, pois percebe-se que, na maioria das vezes, as atividades propostas ainda não são convenientes a esses aspectos (Seringueira, maio de 2021, grifo nosso).

É uma educação voltada para a realidade do campo dentro do seu contexto de atividades realizadas pelo mesmo. A Educação do Campo é ou deveria ser voltada ao homem do campo para transformar o conhecimento diário em práticas inovadoras e diversificar o conhecimento não vivenciado como forma de inseri-lo em diferentes áreas de atuação dentro do seu meio. A Educação do Campo no município de Parintins é muito falada, porém não aplicada, pois o que se ensina e aprende é para levá-lo para fora do seu habitat, e não para prepará-lo para trabalhar a melhoria do lugar (Sinos da Mata, maio de 2021, grifo nosso).

As concepções dos/as professores/as Seringueira e Sinos da Mata sinalizaram para o entendimento da Educação do Campo no município, que ainda precisa avançar a fim de atender às necessidades e especificidades da realidade das populações camponesas. A Educação do Campo em Parintins é um paradigma em construção que tem ganhado força e avançado com o apoio dos movimentos sociais, nas conquistas de novas e melhores infraestruturas das escolas, porém o contexto pandêmico da Covid-19 revelou uma intensa crise na saúde pública, tornando-a desafiadora no ensino híbrido, numa região com desafios à conexão de internet e telefonia móvel. Nas comunidades, esses desafios são ainda maiores, pois nem todas têm acesso a esses sistemas de telecomunicação nem possuem energia elétrica constante.

Nesse cenário, os dizeres de Flor do Maracujá (maio de 2021) trazem a visão desta sobre a atual situação da Educação do Campo em Parintins:

No termo informal, percebo um avanço no engajamento dos professores no movimento das rodas de conversas sobre a Educação do Campo. Em termo institucional, houve um avanço em relação à estrutura física das escolas, pois as novas instituições que foram inauguradas possuem poço artesiano e são climatizadas; na questão dos transportes escolar, também ocorreram melhorias. Outro ponto de avanço foi a implantação da escola conectada na zona rural, que facilita o contato dos docentes por meio remoto, isso quando não há falta de energia. No contexto pedagógico, devido à pandemia, estamos trabalhando dentro das possibilidades permitidas pelo isolamento social. Os estudantes e professores estão sendo atendidos pelo programa ‘Aprendendo em casa pelas ondas do rádio’. Além disso, estudantes recebem as apostilas que foram elaboradas pela equipe pedagógica da Semed e o acompanhamento é realizado por agendamento de atendimento e por meio remoto. Em vista das adversidades oriundas dessa pandemia, relacionadas à escolaridade, a Semed vem disponibilizando o acompanhamento de assistentes sociais para os docentes e discentes.

Essa fala revela que a Educação do Campo em Parintins se constrói com muitos desafios e adversidades, por diferentes sujeitos coletivos que compõem os territórios camponeses, apresentando-se como possibilidade concreta de transformação social, agrícola, econômica, educacional do campo. Enfatiza também como a rede municipal de ensino vem trabalhando no atual contexto.

O ensino remoto foi a alternativa de escolarização ofertada pela Semed/PIN durante a pandemia, acontecendo pelas ondas do rádio e por meio de materiais impressos entregues às escolas e posteriormente aos estudantes. Esse momento evidenciou os limites e contradições numa conjuntura onde o ensino remoto exclui “[...] os trabalhadores e seus filhos, os pobres e os povos do campo, das águas e da floresta pelas dificuldades de acesso às tecnologias com o uso de internet, o que tem ampliado a exclusão social e as desigualdades dos contingentes mais vulneráveis da sociedade” (Hage; Silva; Freitas, 2021, p. 302).

Quando abordamos sobre a formação continuada de professores/as das escolas do campo promovidas somente pela Semed/PIN, a professora Flor do Maracujá (maio de 2021) comentou o local onde aconteciam: “Como foi mencionado, as últimas formações ocorreram nos polos nas próprias comunidades, e é nossa rotina fazer o relatório das atividades realizadas”.

Sobre os encontros promovidos pela Semed/PIN para a formação continuada para os/as professores/as das escolas do campo, a docente Flor do Maracujá (maio de 2021) destacou como aconteciam:

Antes da pandemia, a equipe técnico-pedagógica disponibilizava a Formação Continuada nos polos para os professores da educação infantil, ensino fundamental I e II e educação inclusiva. Esse foi um novo formato de Formação Continuada articulada às orientações da BNCC [Base Nacional Comum Curricular]; nessas formações, passaram a participar do plano de ação anual, em vista de tentarmos inserir as especificidades das diferentes localidades rurais. Eu estava participando das formações com os professores de 1º a 3º alfabetização e educação física séries iniciais.

Quando questionada se a formação continuada destinada aos/às professores/as atendia aos interesses e necessidades deles/as nas escolas do campo, a profissional assim se posicionou:

As Formações Continuadas realizadas nos polos foram pensadas para tentarmos contemplar as necessidades da Educação do Campo, ou seja, em vez de os professores participarem junto com os professores da cidade, pensamos ser melhor ir trabalhar no chão da escola do campo, para buscar vivenciar e ouvir as necessidades dos docentes, porém veio a pandemia e não conseguimos fechar o nosso plano de formações, muito menos fazer uma avaliação sobre isso (Flor do Maracujá, maio de 2021).

Ao indagarmos às docentes se a proposta de formação continuada de professores/as vai de encontro aos desafios e necessidades da escola do campo do contexto amazônico de Parintins, obtivemos as seguintes respostas:

Sim, com certeza (Beija-flor, maio de 2021).

Às vezes nas quais eu participei, não tinha quase nada embasado mais para o ensino urbano e quase nada era voltada para o ensino do campo, portanto tampouco era proveitoso, era mais para alfabetizar (Angelim, maio de 2021).

Algumas vezes, sim. Nem todas as vezes, as oficinas deverão ser voltadas à realidade do homem do campo como forma de estímulo a esse processo. Essas formações acontecem na maioria das vezes na cidade e outras em algumas comunidades-polo (Seringueira, maio de 2021).

Quando havia essas formações, só atendia em parte. Há muito tempo esses encontros não acontecem, mas, quando aconteciam, eram feitos de forma geral, não específica para a área do campo, e era voltada para a alfabetização nas séries iniciais. Na maioria das vezes, esses encontros aconteceram na sede do município e poucas vezes na zona rural em diferentes escolas (Sinos da Mata, maio de 2021).

Já faz muito tempo que não acontece essa formação continuada para professores, porém, quando aconteciam, essas formações eram mais voltadas para a Alfabetização, e não com metodologias voltadas para o homem do campo (Vitória Régia, maio de 2021).

Apenas a docente Beija-Flor afirmou que a formação continuada vai de encontro aos desafios e necessidades da escola do campo de Parintins. O posicionamento das demais reflete anseios de formações mais voltadas para a realidade do campo. No mesmo sentido, questionamos às docentes se os cursos de formação continuada oferecidos ampliam seus conhecimentos em relação à Educação do Campo, atendem aos seus interesses e necessidades, dando os subsídios necessários para atuar na escola do campo.

Sim (Beija-Flor, maio de 2021).

Para nós, que trabalhamos na zona rural, esses cursos poderiam ser de acordo com a realidade dos alunos, pois muitos ficam por ali mesmo. [...] algumas formações aconteceram na sede, outras no campo. Como não era pedido relatório, apenas participávamos (Angelim, maio de 2021).

Em algumas condições, sim; em outras não, até porque já tem um bom tempo que não aconteceram mais essas formações. Na maioria das vezes, é realizada de forma geral, onde todos os professores participam sem discriminação de campo e cidade, sendo apresentadas mais na teoria (Seringueira, maio de 2021).

Em algumas situações, sim; outras não, tendo em vista que não temos uma formação voltada diretamente à Escola do Campo. Essas formações, como dito anteriormente, eram voltadas à alfabetização dos educandos, e não às metodologias a serem trabalhadas dentro da escola do campo (Sinos da Mata, maio de 2021).

Como eu disse, do pouco que eu fiz e aprendi, me ajudou bastante. É sempre bom aprender algo novo, sugestões novas. Isso enriquece muito o aprendizado (Vitória-Régia, maio de 2021).

Consoante as docentes, as formações da Semed/PIN nem sempre consideram a particularidade do campo e a singularidade da realidade dos estudantes camponeses, mesmo em um município em que a maioria das escolas está em territórios rurais/ camponeses.

Apresentadas essas contradições, entendemos que, para pensar em uma escola do campo socialmente de qualidade para os sujeitos do campo, é preciso repensar a formação continuada de professores/as do campo, não aceitando qualquer proposta, porque não serão alcançados resultados satisfatórios (Zuin; Dias, 2017). Ou seja, a formação do/a professor/a do campo não pode ser um modelo urbanocêntrico, por isso é prioritária a presença de profissionais que melhor possam atender às especificidades e necessidades dos sujeitos do campo e que, na vivência, compreendam que a formação continuada é necessária para corroborar o processo de ensino de qualidade dos povos do campo (Cajaiba; Santos; Brito, 2022).

Ainda perguntamos qual formato/configuração poderiam ter os cursos de formação continuada para os/as professores/as que trabalham em escolas do campo em Parintins.

A realidade das escolas do campo (Beija-Flor, maio de 2021).

Penso que essas formações deveriam ser voltadas realmente para a Educação do Campo, ou seja, pudesse ter valorização da vida do campo (Seringueira, maio de 2021).

Na minha opinião é que as formações deveriam ser voltadas mais especificamente ao conhecimento teórico do campo para fazer junção com a prática (Sinos da Mata, maio de 2021).

Na minha opinião, a equipe da Semed deveria realizar esses cursos nos polos, uma vez que, para os professores da zona rural, fica difícil ir até a cidade por conta das aulas, ou realizar os cursos nas férias, ou ainda criar um formato on-line, já que algumas escolas possuem acesso à internet (Vitória-Régia, maio de 2021).

As respostas das professoras indicam que a formação promovida pela Semed Parintins não tem chegado a todos/as os/as professores/as do campo e são distantes da realidade camponesa.

Logo, a formação dos professores do campo deve estar ancorada num processo em que se compreenda o contexto, subsidiada por enfoques teóricos e metodológicos para essa perspectiva. Apesar do conhecimento dessas atribuições, muitos cursos de formação não levam em conta a especificidade da Educação Campesina para superar a concepção citadina de antigos modelos de ensino (Cajaiba; Santos; Brito, 2022, p. 4).

Sobre os elementos necessários na proposta de formação continuada para os/as professores/as das escolas do campo do município de Parintins, as colaboradoras assim se manifestaram:

Sempre enfatizar a realidade do aluno da escola do campo (Beija-Flor, maio de 2021).

Atividades da realidade da escola do campo (Angelim, maio de 2021).

Um desses elementos que deveriam ser inseridos eram práticas agrícolas (Seringueira, maio de 2021).

As práticas agrícolas (Sinos da Mata, maio de 2021).

A alfabetização e metodologias diferenciadas para serem trabalhadas nas escolas do campo. Oficinas e jogos (Vitória-Régia, maio de 2021).

Foi unânime entre as docentes que a formação de professores/as das escolas do campo em Parintins deve considerar mais a realidade das escolas do campo e que tenha relação com práticas agrícolas. A formação continuada de professores/as do campo deve, portanto, ligar o processo da produção e a existência social dos sujeitos camponeses (Medeiros; Aguiar; 2015). É indispensável que se trabalhe com conhecimentos do campo, por isso “[...] o educador do campo precisa de uma formação que o habilite a refletir sobre sua experiência, comprometido com a luta, que considera o modo de produção da vida, com o trabalho com a terra, com a água e com as plantas como digno e bom” (Molina, 2010, p. 396). Essa também é uma das preocupações levantadas por Pimenta (2015, p. 99):

[...] é preciso, antes de qualquer tomada de decisão, que o educador do campo conheça as formas específicas de ser e de viver no campo, como as práticas da agricultura familiar, do extrativismo, da pesca, das crenças e dos valores, para proporcionar a estes sujeitos a valorização de sua cultura, enriquecendo e trazendo fatos novos que permitam o desenvolvimento sustentável de suas comunidades e populações, uma vez que esses saberes e culturas variam de acordo com suas formas de produção e de cultivo da terra.

Por fim, pedimos para as docentes avaliarem a formação continuada promovida pela Semed/PIN destinada aos/às professores/as de escolas do campo de Parintins.

As que eu fiz contribuíram muito para a minha formação (Beija-Flor, maio de 2021).

Para mim é bom (Angelim, maio de 2021).

Percebe-se que essas formações ainda não são convenientes para as escolas do campo. O desafio é colocar em prática os programas que já existem, que sejam voltados à Educação do Campo (Seringueira, maio de 2021).

É uma formação que está sendo muito falada, porém está sendo aplicada (Sinos da Mata, maio de 2021).

Na minha opinião, ainda há muito o que fazer. Precisa haver mais cursos de formação que auxiliem o professor, porque esses cursos são muito bons e o que é bom precisa continuar (Vitória-Régia, maio de 2021).

A tarefa da Educação do Campo em Parintins não é fácil, indo além da formação continuada - importante, mas insuficiente, com o processo de descontinuidade, assim o desafio que se coloca é superar a ruptura e comprometer os resultados que se busca.

[...] conceber e desenvolver uma formação contra-hegemônica, ou seja, de formular e executar um projeto de educação integrado a um projeto político de transformação social liderado pela classe trabalhadora, o que exige a formação integral dos trabalhadores do campo, no sentido de promover simultaneamente a transformação do mundo e a autotransformação humana (Molina; Freitas, 2011, p. 24).

Não bastam os/as professores/as interpretarem o mundo, mas é preciso transformá-lo (Marx; Engels, 2014). Daí a necessidade de se trabalhar a formação continuada a partir de um processo contra-hegemônico, alicerçado numa epistemologia da práxis articuladora do trabalho do/a professor/a, sendo proporcionado na concretude da sua práxis, subsidiando novas reflexões e novos “[...] elementos de construção da nova hegemonia na organicidade intelectual dos professores que podem operar na busca da emancipação humana” (Silva, 2019, p. 370).

Apontamos a necessidade de maior debate e diálogo local com outros coletivos em Parintins, para que a Educação do Campo, a escola, a formação e as políticas de professores/as do campo sejam bem pensadas e articuladas com a vida, o trabalho, a cultura, os saberes e a realidade campesina do município.

5 Considerações finais

Neste artigo, objetivamos apresentar a formação continuada de professores/as em uma escola do campo em Parintins. O método de análise permitiu enxergar as contradições na formação continuada ofertada aos/às professores/as do campo, que ainda seguem uma lógica urbana e desconsideram que a maioria das escolas do campo e dos/as docentes estão em territórios rurais/camponeses desse município.

Os resultados, por meio dos posicionamentos das professoras da escola municipal Luiz Gonzaga, revelaram que as formações pela Semed/PIN nem sempre atendem às necessidades, particularidades e singularidades das escolas do campo.

Quanto à dinâmica da formação continuada de professores/as das escolas do campo ofertada pela Semed/PIN, as docentes apontaram a fragilidade dessas formações e elucidaram sobre a necessidade de considerar mais a realidade das escolas do campo, relacionando-se ao trabalho e agricultura camponesa, contrapondo-se ao modelo de educação urbana.

Concluímos ser emergente uma formação de professores/as alinhada aos princípios da Educação do Campo, contribuindo para a práxis do/a professor/a do campo, pautada na perspectiva crítica na relação com a realidade da classe trabalhadora camponesa.

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Recebido: 03 de Setembro de 2023; Aceito: 10 de Dezembro de 2023; Publicado: 19 de Dezembro de 2023

Érica de Souza e Souza, Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

ihttps://orcid.org/0000-0002-2470-2483

Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA, 2014). Mestra em Educação pela UFAM. Pós-Graduada em Educação pela UFAM e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).

Contribuição de autoria: Desenvolveu a pesquisa.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6562533933082081

E-mail: souzaoficial7@gmail.com

Heloisa da Silva Borges, Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Departamento de Administração e Planejamento

iihttps://orcid.org/0000-0001-7629-7056

Graduada em Pedagogia pela UFAM, especialista em Educação de Jovens e Adultos pela UFAM, mestra em Educação, na linha de Políticas Públicas, e doutora em Educação, na linha de Formação de Professores, pela UFAM. Atualmente é professora do Departamento de Administração e Planejamento e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da UFAM. Curso de Aperfeiçoamento e Especialização Educação do Campo com ênfase Projovem Campo Saberes da Terra (2010 a 2013); Programa Escola da Terra.

Contribuição de autoria: Orientou a pesquisa.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9429409939324333

E-mail: heloborges@ufam.edu.br

Gabriel Rodrigues do Nascimento, Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

iiihttps://orcid.org/0000-0003-2150-9984

Bacharel em Engenharia de Pesca pela UFAM (2005) e licenciado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA, 2009). Possui mestrado profissionalizante em Ensino de Ciências na Amazônia na UEA. É professor formador na Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM) na Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Semed), onde trabalha com a formação contínua de professores. Atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAM, sendo bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Contribuição de autoria: Escrita do texto.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1645498571626158

E-mail: gabriel.nascimento@semed.manaus.am.gov.br

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc: Isabel Maria Sabino de Farias e Roberto da Silva Júnior

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