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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 23-Feb-2024

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e10986 

Artigos

Programa Residência Pedagógica e o Estágio Supervisionado: principais diferenças na inserção profissional de futuros docentes

Programa de Residencia Pedagógica y Práctica Supervisada: principales diferencias en la inserción profesional de futuros docentes

Heitor Perrud Tardin, Curadoria de dados, Análise formal, Obtenção de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Software, Validação, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição1  i
http://orcid.org/0000-0003-3349-4783; lattes: 2403074897283126

Elisangela Venancio Ananias, Conceitualização, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição2  ii
http://orcid.org/0000-0003-3842-9876; lattes: 3396784399756773

1Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP, Brasil

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil


Resumo

O Programa Residência Pedagógica (PRP) estabeleceu-se como dispositivo de inserção profissional, mas, como os Estágios Supervisionados (ES) já desempenham esse papel nos cursos de formação de professores, estabeleceu-se um campo de disputas, com impacto na formação. Este estudo objetivou: levantar-se, analisar e compreender as propostas do PRP em diálogo com os ES, considerando a BNC-Formação. Trata-se de um estudo qualitativo, utilizando análise documental e bibliográfica como técnicas de pesquisa. A legislação e os estudos sobre a formação de professores indicam que ambas propostas contribuem para o campo da docência, com características próprias, por vezes, complementares, mas não concorrentes. Com isso, propõe-se que o PRP aconteça como Residência Médica, no âmbito da pós-graduação, e os ES em sua singularidade, mantendo a formação inicial de forma democrática, acessível e como parte do percurso formativo de professores. Nesta proposição, recursos financeiros e formativos destinados ao PRP seriam redimensionados como proposta de desenvolvimento profissional.

Palavras-chave: Residência Pedagógica; Estágio Supervisionado; Formação Inicial; Formação de Professores; Prática Docente.

Resumen

El Programa de Residencia Pedagógica (PRP) se ha establecido como un dispositivo de inserción profesional. Sin embargo, dado que los Estágios Supervisionados (ES) ya desempeñan este papel en los cursos de formación de profesores, ha surgido un campo de disputas que afecta la formación. Este estudio tuvo como objetivo: identificar, analizar y comprender las propuestas del PRP en diálogo con los ES, teniendo en cuenta la Base Nacional Común de Formación Docente (BNC-Formación). Es un estudio cualitativo que utiliza el análisis documental y bibliográfico como técnicas de investigación. La legislación y los estudios sobre la formación de profesores indican que ambas propuestas contribuyen al campo docente, con características propias, a veces complementarias pero no competitivas. Por lo tanto, se propone que el PRP se lleve a cabo como una Residencia Médica a nivel de posgrado, y los ES en su singularidad, manteniendo la formación inicial de manera democrática, accesible y como parte del recorrido formativo del profesor. En esta propuesta, los recursos financieros y formativos asignados al PRP se redistribuirían como una iniciativa de desarrollo profesional.

Palabras clave: Residencia Pedagógica; Práctica Supervisada; Formación Inicial; Formación de Profesores; Práctica Docente.

Abstract

The Pedagogical Residency Program (PRP) has established itself as a professional insertion device. However, as Supervised Internships (SI) already play this role in teacher training courses, a field of disputes has emerged, impacting education. This study aimed to identify, analyze, and understand the proposals of the PRP in dialogue with SI, considering the National Curricular Base for Teacher Education (BNC-Training). It is a qualitative study, using documentary and bibliographic analysis as research techniques. Legislation and studies on teacher training indicate that both proposals contribute to the teaching field, with their own characteristics, sometimes complementary but not competitive. Thus, it is proposed that the PRP be implemented as Medical Residency at the postgraduate level, and ES in their singularity, maintaining initial training in a democratic, accessible manner as part of the teacher's formative journey. In this proposal, financial and training resources allocated to the PRP would be reallocated as a professional development initiative.

Keywords: pedagogical residence; supervised internship; initial education; teacher training; teaching practice.

1 Introdução

O campo da formação de professores tem sido marcado por recorrentes reformas curriculares projetadas a partir de políticas educacionais que têm como agenda central urgência por mudanças, políticas de responsabilização organizadas e regidas por um discurso hegemônico de transformação e orquestradas pelas tecnologias da informação, com a promessa de soluções simples e rápidas para problemas complexos e herdados historicamente (HARGREAVES, 1999, p. 335; LABAREE, 1998op. cit.SANTOS; BORGES; LOPES, 2019, p. 5).

No Brasil, nos anos noventa do século passado, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96) trouxe respostas a algumas das demandas de décadas anteriores, apresentando, em perspectiva formativa, algumas das incumbências dos docentes para atuar na Educação Básica, considerando o século que se anunciava. O mesmo documento define que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem, em regime colaborativo, promover a formação inicial, continuada e a capacitação dos profissionais do magistério (BRASIL, 2019).

No documento consta que, para a formação de professores, as Instituições de Ensino Superior (IES) devem manter programas de educação continuada para professores nos diversos níveis. Nessa direção, o Plano Nacional de Educação (PNE), em sua Meta 16, define que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem atuar colaborativamente na implementação de políticas de formação para, no prazo de dez anos, formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores que atuam na Educação Básica (BRASIL, 2014).

A partir dessa agenda de políticas de formação de professores para atuar nos diferentes níveis do ensino, o movimento por reformas vem se acentuando no contexto nacional. Além disso, há a necessidade de superar obstáculos históricos apresentados à formação de professores. Com isso, a adoção de políticas no âmbito da formação de professores, que recorre à centralidade da prática e valorização da profissão docente, tem apontado na direção dos Estágios Supervisionados e de Programas de Indução e Inserção Profissional como indicativos de superação destes obstáculos.

Segundo Cruz et al. (2020), o debate conceitual sobre os termos indução e inserção profissional voltadas às práticas educativas tem forte representatividade para o trabalho docente, pois externa a complexidade do exercício profissional dos professores, que têm se deparado com desafios crescentes no campo profissional. Esses elementos são constituintes dos programas de formação de professores que visam um continuum na formação inicial e no desenvolvimento profissional, indicando que há grande preocupação com a aprendizagem da docência.

No que diz respeito aos Estágios Supervisionados:

A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I - a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II - a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III - o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades (BRASIL, 2019, grifo nosso).

Segundo Pimenta e Lima (2010), o ES possibilita aos futuros professores compreenderem a complexidade das práticas institucionais e das ações dos docentes em serviço, atividades estas que corroboram no preparo para sua inserção no campo da docência. Dessa forma, o ES visa cooperar para o trabalho coletivo, como resultado de ações que se dão no coletivo de professores de forma contextualizada e situada. Ainda segundo as autoras, conceitualmente, o ES realiza-se por meio de uma atitude investigativa, que envolve a reflexão e a inserção na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade (PIMENTA; LIMA, 2010, p. 34).

Assim, desde a LDB, as políticas de valorização do trabalho docente têm como foco central a prática docente e suas decorrentes, pensadas primeiramente a partir dos Estágios Supervisionados, com seus desafios e peculiaridades e, posteriormente, com propostas envolvendo proximidades conceituais e organizacionais com os ES, como é o caso do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID)1 (BRASIL, 2007; CAPES 2018), e, de forma mais recente, o Programa Residência Pedagógica (PRP) (CAPES, 2018, 2020a).

Nesse sentido o PRP foi implementado, em sua primeira edição, pelo Edital CAPES n° 06 de 2018. Mesmo com iniciativas anteriores e nomenclaturas diversas - Residência Educacional, Residência Docente e Imersão Docente -, há como característica comum o estímulo às Instituições de Ensino Superior (IES) a conduzirem, em parceria com as redes públicas de educação básica, a efetiva articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura (FARIA; DINIZ-PEREIRA, 2019).

Verifica-se assim que, para a formação de professores, tanto o ES como os programas de inserção profissional, como o PRP, representam iniciativas de valorização da carreira docente. Assim, ambos têm origem na LDBN 9394/96, por meio da qual houve mudanças significativas na formação inicial de professores, sendo um dos principais pontos a relação entre teoria e prática no processo formativo.

Ressalta-se que, de forma antecipada ao PRP, os ES se apresentam como uma das etapas fundamentais à formação, atuação e desenvolvimento profissional dos futuros docentes. Na mesma direção, ambas propostas estão intimamente relacionadas, com destaque ao período a ser estabelecido de contato com o campo de trabalho, no qual a presença de professores experientes, a socialização em turmas e o enfoque na prática estabelecem paralelos e similaridades entre ambos (SILVEIRA; MARINHO, 2020).

Apresentados, em linhas gerais, tanto o PRP como os ES, este estudo se propôs a analisar e discutir, do ponto de vista conceitual, estrutural e da sistematização, ambas as propostas. Para tal, foram levantadas algumas questões de estudo:

  • O PRP representa uma alternativa formativa ao ES?

  • O ES está superado?

  • PRP e ES podem coexistir?

  • Quais são as principais diferenças entre as duas propostas de formação prática?

Assim, este artigo analisa o lugar do Estágio Supervisionado e do Programa Residência Pedagógica na Formação de professores, problematizando essas propostas a partir da Base Nacional para a Formação de Professores, tecendo possíveis aproximações e distanciamentos entre as propostas e o alinhamento da formação aos recentes documentos legais, aos quais subjaz a ideia de uma base comum curricular nos diferentes níveis do ensino.

Como objetivo, o presente estudo busca levantar, analisar e compreender a proposta do Programa Residência Pedagógica em seus dois últimos editais (2018 e 2020) em diálogo com os Estágios Supervisionados, considerando a Base Nacional para a Formação de Professores da Educação Básica. Especificamente, propõe-se: apresentar o conteúdo conceitual, normativo e estrutural do Programa Residência Pedagógica e dos Estágios Supervisionados; analisar as propostas do PRP e dos ES, considerando a estrutura e ação dos sujeitos nas instituições formadoras; compreender a função do PRP e dos ES nos cursos de licenciatura, considerando as condições estruturais e humanas em que ocorrem essas propostas; discutir, de forma propositiva, o alcance do PRP e dos ES para a formação de professores, considerando a Base Nacional para a Formação de Professores.

2 Metodologia

A presente pesquisa se caracteriza como um estudo qualitativo, que, segundo Poupart et al. (2014), se apresenta como um estudo descritivo com poucas ou nenhuma ferramenta estatística para análise dos dados obtidos, portanto, cabe ao(s) autor(es) a interpretação dessas informações com base em premissas estabelecidas pela literatura especializada.

Para Gatti (2010), as características qualitativas se encaixam nas pesquisas relacionadas à educação, pois existem inúmeros fatores que são imensuráveis por meio de números e, portanto, devem ser analisadas sob uma perspectiva humana e social.

Como técnica de pesquisa, foi empregada uma revisão bibliográfica, que pode ser utilizada para demarcar os pressupostos já desenvolvidos pela literatura e para estabelecer as lacunas deixadas na temática de pesquisa, construindo a fundamentação teórica do trabalho, dando embasamento científico e demarcando seu lócus de atuação (MARCONI; LAKATOS, 2021; SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2013). Nesse contexto, foi conduzida também uma análise documental, na qual o pesquisador deve promover inferências e interpretação sobre uma fonte documental, seja esta verbal ou não (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2012). Para Bardin (2016), a análise documental se assemelha à análise de conteúdo, diferenciando-se somente na fonte dos dados, ou seja, a análise documental pode ser entendida como uma análise de conteúdo aplicada a um ou mais documentos selecionados pelo autor.

Nesse sentido, Oliveira (2007) aponta que aquilo que diferencia fundamentalmente uma revisão bibliográfica de uma análise documental é a fonte de seus dados, já que, respectivamente, uma utiliza fontes secundárias que contam com inferências de demais pesquisadores e a outra utiliza fontes primárias, como documentos sem interpretações prévias, deixando que o pesquisador possa interpretar as informações de acordo com suas perspectivas.

A revisão bibliográfica do presente estudo abrange artigos científicos publicados em periódicos relevantes no cenário nacional. Foram selecionados estudos publicados entre 2018 e 2022, esse período foi selecionado devido à sua relação com o PRP e a data de desenvolvimento desta pesquisa. O único idioma explorado foi o português, visto que o PRP é uma realidade específica do cenário brasileiro.

Para a análise documental, foram escolhidos os editais publicados pela CAPES em 2018 e 2020, que estabelecem o PRP como um programa de indução e inserção na profissão de professor, assim como apresentam os requisitos básicos para o desenvolvimento do programa e de seus respectivos participantes.

3 Resultados e Discussão

Para facilitar a compreensão, o presente estudo organizou seus Resultados e Discussão categorizados em três etapas: (1) O Estágio Supervisionado (ES) e a BNC-Formação de Professores; (2) O PRP e BNC-Formação; (3) PRP, ES e BNC-Formação: aproximações e distanciamentos.

O Estágio Supervisionado (ES) e a BNC-Formação de Professores

O ES, nos cursos de formação inicial de professores, tem sido pensado como elemento que organiza, estrutura e operacionaliza, de forma articulada, a relação entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e as escolas, considerando não só as questões legais, mas formativas e de desenvolvimento profissional ao longo da carreira.

Com isso, conceitualmente, o ES é o ato educativo de preparação para o trabalho que deve estar previsto no projeto pedagógico do curso, articulado com o itinerário formativo, e visa também o aprendizado de competências para ensinar de forma contextualizada com objetivos sociais, políticos e que promovam interações com o futuro campo de trabalho. Do ponto de vista jurídico, a carga horária é requisito para a aprovação e obtenção do diploma, dá-se por meio da celebração do termo de compromisso entre o educando, a parte concedente e a instituição de ensino (BRASIL, 2008).

Nessa perspectiva, o ES tem se configurado como incontestável para a formação de futuros professores, no entanto, os desafios em sua implementação o posicionam em situação de difícil equacionamento. Segundo Veloso e Pivovar (2021), o lançamento de políticas e programas governamentais, como o PIBID e o PRP, visam contribuir para a superação dos obstáculos encontrados pelo ES para atingir seus objetivos de forma plena.

No que se refere à concepção de ES, presente na publicação das recentes DCNs- Resolução CNE/CP 02/2019, há ênfase excessiva na dimensão prática, chamada de racionalidade prática, não mais pensada como práxis pedagógica, com conotação simplificada e reduzida. Para Veloso e Pivovar (2021), a Resolução 02/2015 afirmava que o ES tem caráter teórico-prático, atribuindo unidade à teoria e à prática na formação. Com isso, o projeto de formação inicial de professores pode ser elaborado e desenvolvido a partir da articulação entre a IES e a unidade de ensino, no caso as escolas de Educação Básica.

Já o documento de apresentação da Base Nacional para Formação de Professores (BNC-Formação), publicado em dezembro de 2018, trazia dentre alguns dos diagnósticos a necessidade deste documento “cobrir” recorrentes resultados insuficientes de aprendizagem dos estudantes; a baixa qualidade na formação dos professores, que conta com mais teoria do que prática; a falta de aprofundamento na formação inicial, principalmente nas etapas da educação infantil e anos iniciais; além de relatar que os estágios supervisionados ocorrem sem planejamento e sem vinculação com as escolas2.

Cabe ressaltar que tanto o ES como o PRP (CAPES, 2018 e 2020) têm aparatos e normativas legais com relação à finalidade, o enquadramento institucional, o papel dos sujeitos, bem como a organização estrutural e humana, com vistas a qualificar a formação inicial e o desenvolvimento profissional de futuros professores e dos que se encontram em atuação nos diversos níveis.

Sobre a carga horária total dos cursos de formação de professores para atuar na Educação Básica, em nível superior, está definida em 3.200 (três mil e duzentas) horas, e devem considerar o desenvolvimento das competências profissionais explicitadas na BCN-Formação. Essas horas estão distribuídas e organizadas em três grupos:

I - Grupo I: 800 (oitocentas) horas, para a base comum que compreende os conhecimentos científicos, educacionais e pedagógicos e fundamentam a educação e suas articulações com os sistemas, as escolas e as práticas educacionais. II - Grupo II: 1.600 (mil e seiscentas) horas, para a aprendizagem dos conteúdos específicos das áreas, componentes, unidades temáticas e objetos de conhecimento da BNCC, e para o domínio pedagógico desses conteúdos. III - Grupo III: 800 (oitocentas) horas, prática pedagógica, assim distribuídas: a) 400 (quatrocentas) horas para o estágio supervisionado, em situação real de trabalho em escola, segundo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da instituição formadora; e b) 400 (quatrocentas) horas para a prática dos componentes curriculares dos Grupos I e II, distribuídas ao longo do curso, desde o seu início, segundo o PPC da instituição formadora (BRASIL, 2019, grifo nosso).

O destaque para a formação teórico-prática, no formato da lei, reitera a importância de valorizar o trabalho dos professores e a qualificação de sua prática docente para atuar na educação básica desde a sua formação inicial. É fato que, nos últimos anos, os professores têm se deparado com demandas singulares e complexas, dada a heterogeneidade do público e a pluralidade da agenda nas escolas, que extrapola a previsibilidade de uma ação pedagógica (LELIS, 2008).

No caso dos ES, por seu caráter obrigatório, por integrarem o percurso formativo, cuja carga horária é requisito para aprovação e obtenção de diploma, por não contarem com a contrapartida financeira - pois, segundo a Lei 11.788/2008, no ES na relação universidade e escola não cria vínculo empregatício de qualquer natureza -, por celebrarem termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino, dentre outros elementos reguladores, têm suas peculiaridades e especificidades.

Parte-se, portanto, do ES como elemento fundamental, presente nas Diretrizes Curriculares que, como documento regulador, organizam, estruturam e dinamizam a ação dos currículos de formação de professores. Considerando esses elementos que constituem o ES, apresentamos na sequência o PRP, suas aproximações e distanciamentos diante da BNC-Formação.

O PRP e BNC-Formação

De forma recente, as propostas de indução e de inserção na docência, que visam a valorização e qualificação do trabalho dos professores, como é o caso PIBID e PRP, têm se configurado, no cenário nacional, como parte das recentes políticas de formação de professores (CAPES, 2020; CAPES, 2020b). Como tal, buscam promover o equacionamento e a superação dos desafios educacionais por meio de programas de acesso, incentivo e permanência na carreira docente.

O Programa de Residência Pedagógica é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores e tem por objetivo induzir o aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, a partir da segunda metade de seu curso. (CAPES, 2020, p.1)

O PRP tem suas raízes baseadas nos programas de Residência Médica (RM), que são propostos para alunos egressos do curso de Medicina, portanto, configuram-se como programas consolidados, mas que ocorrem na sequência da formação inicial, em nível de pós-graduação. Esse percurso formativo, na área da medicina, representa uma das principais divergências entre os modelos de Residência pensados para o campo educacional, pois o PRP é realizado nos anos finais do período de formação inicial nas licenciaturas, já a RM é estabelecida como uma pós-graduação, ao fim da graduação e na transição para a profissão (BENDRATH; REIS, 2021).

Em certa medida, o PRP apresenta pressupostos semelhantes aos estabelecidos pela RM, como, por exemplo, ser um meio de aprofundamento dos conhecimentos profissionais por meio da prática e vivência real, acompanhada e orientada no âmbito de seu (futuro) local de trabalho (FARIA; DINIZ-PEREIRA, 2019).

Em seu primeiro edital, o PRP propõe uma carga horária mínima de 440 horas, que são destinadas à implementação do programa em conjunto com o ano letivo escolar, distribuídas da seguinte maneira: 60 horas de orientação conjunta, 320 horas em imersão na escola e 40 horas em avaliação e socialização (CAPES, 2018). Nesse sentido, para a CAPES (2018), o PRP tem como objetivos:

I. Aperfeiçoar a formação dos discentes de cursos de licenciatura, por meio do desenvolvimento de projetos que fortaleçam o campo da prática e conduzam o licenciando a exercitar de forma ativa a relação entre teoria e prática profissional docente, utilizando coleta de dados e diagnóstico sobre o ensino e a aprendizagem escolar, entre outras didáticas e metodologias;

II. Induzir a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica;

III. Fortalecer, ampliar e consolidar a relação entre a IES e a escola, promovendo sinergia entre a entidade que forma e a que recebe o egresso da licenciatura e estimulando o protagonismo das redes de ensino na formação de professores.

IV. Promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (CAPES, 2018 p. 01, grifo nosso).

O Edital Capes nº 1/2020, apresenta como objetivos:

I. Incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica, conduzindo o licenciando a exercitar de forma ativa a relação entre teoria e prática profissional docente; II. Promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de licenciaturas às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC); III. Fortalecer e ampliar a relação entre as Instituições de Ensino Superior (IES) e as escolas públicas de educação Básica; e IV. Fortalecer o papel das redes de ensino na formação de futuros professores (CAPES, 2020a, p. 1-2, grifo nosso).

Além dos objetivos citados anteriormente, dentre as principais mudanças está a carga horária, que, no primeiro edital, representava 440 em um módulo único e agora é reduzida para 414 horas disponibilizadas em 18 meses e dividida em 3 módulos individuais de seis meses, que devem aumentar seu grau de complexidade de modo gradual e crescente e, apesar de serem individuais, devem estabelecer uma conexão entre si. Um ponto de destaque é que o residente receberá certificados para cada módulo completo e não mais um ao final das 440 horas como era feito no PRP em 2018, proporcionando ao PRP maior flexibilidade quanto ao tempo de participação (CAPES, 2020).

Para o momento, é possível identificar que a relação entre prática e teoria fica explícita logo no início dos objetivos do PRP, pontuando sua importância para a formação inicial e possibilidades de desenvolvimento profissional, o que vai ao encontro dos debates feitos pela literatura especializada (PIMENTA; LIMA, 2010; TARDIF, 2014; SOUZA NETO; CYRINO; BORGES, 2019).

Os editais definem também os papéis dos sujeitos envolvidos e o que cabe às instituições.

Quadro 1 Sujeitos e Responsabilidades na IES e Escola Campo 

SUJEITOS RESPONSABILIDADES
Residente · Matrícula ativa em Licenciatura
Cursado 50% ou
Cursando o 5º período
Preceptor · Professor da Escola de Educação Básica
Planejar, acompanhar e orientar os residentes na escola-campo
Docente Orientador · Docente da IES
Planejar, orientar as atividades dos residentes de seu núcleo de RP
Estabelecer relação entre teoria e prática
Coordenador Institucional · Docente da IES
Organizar, acompanhar e executar o projeto de RP

Fonte: Construção própria.

Define-se ainda o que cabe a cada instituição. No caso da escola-campo, prefigura-se a instituição pública de educação básica habilitada pela Secretaria de Educação ou órgão equivalente e selecionada pela IES para participar do projeto, nesta, constitui-se o núcleo de residência pedagógica, no qual atuam os sujeitos acima relacionados (quadro 1). É importante salientar que as reuniões, orientações e encontros dos orientadores, preceptores e residentes ocorrem na escola-campo (CAPES, 2020, p.2).

Quadro 2 Sobre as instituições, elaboração e execução do RP 

INSTITUIÇÃO ELABORAR EXECUTAR
INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR · Projeto Institucional; Subprojetos e respectivos núcleos · Apresentar na escola-campo
Desenvolver atividades de Residência nas escola-campo
Definir subprojetos por áreas (Prioritárias e Gerais)
ESCOLA-CAMPO · Habilitação concedida pela Secretaria de Educação ou Órgão Equivalente · Participar, após seleção, do Projeto Institucional de RP
Concentrar Núcleo de Estágios: 1 orientador, 3 preceptores, 24 residentes bolsistas e até 6 residentes voluntários

Fonte: Construção própria

Na escola-campo ocorrem os subprojetos, muitos deles vinculados às peculiaridades dos diferentes níveis do ensino, como educação infantil, turmas de alfabetização (1º e 2º ano do fundamental) e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

No quesito remuneração, como contrapartida financeira, diferentemente do ES, que tem somente a contrapartida formativa, o PRP traz, para cada um dos sujeitos e funções, modalidades de bolsa3: Segue a última atualização.

Quadro 3 Sujeitos envolvidos no PRP, Status e Remuneração 

SUJEITOS STATUS APORTE FINANCEIRO
Residentes da IES · Discentes com matrículas ativas R$ 700,00
Coordenador Institucional da IES · Responsável pela execução do Projeto Institucional de RP R$ 2.100,00
Docente Orientador da IES · Responsável por planejar e orientar as atividades dos Residentes R$ 2.000,00
Preceptor da Escola Campo · Acompanhar e orientar os residentes nas atividades desenvolvidas na Escola-Campo R$ 1.100,00

Fonte: Construção própria

O quadro apresenta o ponto importante do PRP, que é a remuneração de todos os envolvidos por meio de bolsas financiadas pela CAPES, sejam estes graduandos, professores preceptores, docentes orientadores ou coordenadores institucionais (CAPES, 2018). O incentivo financeiro é essencial para auxiliar os graduandos a se manterem no PRP e até mesmo em seus respectivos cursos, devido à frágil situação financeira de boa parte do país (PORTELINHA; NEZ; BORDIGNON, 2020).

PRP, ES e BNC-Formação: aproximações e distanciamentos

O PRP foi considerado uma proposta de sucesso, pois teve sua primeira edição em 2018 (CAPES, 2018) e, na sequência, o edital de 2020 (CAPES, 2020). Essa nova versão implementa algumas mudanças pontuais, como objetivos específicos para cada etapa, e atrela o Programa de forma profunda à BNCC, fato que gera certo desconforto e suscita o debate crítico, como no caso do movimento pela revogação do Novo Ensino Médio. No ensino superior, os movimentos de resistência direcionam-se ao alinhamento da formação docente à BNCC.

Nesse sentido, vemos a inclusão da BNCC logo no início dos objetivos do PRP, constituindo diferença significativa entre o edital anterior, sendo que os demais objetivos parecem mais coerentes e promovem certa continuidade com os objetivos estabelecidos em seu predecessor. Faria e Diniz-Pereira (2019) afirmam que esse processo pode interferir diretamente na autonomia das IES, pois, em muitos casos, a BNCC destoa fortemente das concepções de formação das IES.

Ainda sobre o PRP e sua relação estreita com a BNC-Formação, que tem por referência a BNCC, estudo de Guedes (2019) revela que análises preliminares dessas novas políticas indicam seu caráter impositivo, pois não foram estabelecidos diálogos com as instituições formadoras, com os professores e com as escolas de educação básica, nem com as entidades científicas da educação. Nessa direção, a autora reitera que os documentos legais - Resolução CNE/CP 2/2017 e o Edital CAPES 6/2017 - evidenciam “o caráter retrógrado e centralizador” dos órgãos reguladores que mascaram a ausência de ações concretas de governança federal, na direção de assegurar as condições materiais necessárias à formação de professores, desviando a atenção da sociedade do contingenciamento dos recursos públicos que deveriam ser destinados à educação pública (GUEDES, 2019, p. 91).

O ES e o PRP apresentam aproximações conceituais no que diz respeito à valorização dos docentes, à articulação entre teoria e prática e à diminuição da distância entre as instituições formadoras. O ES, ao eleger a escola como lócus de co-formação, reconhecer o professor da escola como produtor de saberes e estreitar as relações no processo de pesquisa colaborativa, fornece indicativos nessa direção. O PRP, como programa de inserção profissional que permite aos residentes a permanência ao longo de 18 meses nas escolas, proporciona a imersão no trabalho docente, valoriza o professor experiente e promove uma relação dialógica entre o preceptor e o docente orientador da IES, elementos que corroboram o que apresentamos no início deste debate.

As similaridades entre PRP e ES avançam, por vezes se complementam e, em alguns casos, é possível que a carga horária destinada ao PRP equivalha a carga horária que o ES prevê (CAPES, 2018), atuando como um “substituto” para o ES, desde que tal substituição esteja prevista no projeto pedagógico do curso, tanto em relação às exigências quanto aos benefícios.

No quesito “horas destinadas à prática na escola-campo”, o PRP e o ES, praticamente se equivalem, mas, no que se refere ao tempo de permanência, organização e sistematização na escola-campo, há algumas diferenças e peculiaridades a serem consideradas, o que inclui a concepção de prática docente proposta pelo documento supracitado. Mais adiante, neste texto, apresentaremos e discutiremos as peculiaridades de cada proposta no que diz respeito à concepção, organização, estrutura e operacionalização tanto do PRP como do ES.

Nessa perspectiva, não consideramos como algo fortuito que essa discussão se apresenta estreitamente ligada às intensas reformas curriculares que tentam projetar “o que é” ou como “deve ser” a formação docente, como a que ocorre no caso brasileiro nos últimos anos (Base Nacional Comum Curricular, Programa da Residência Pedagógica, Reforma Ensino Médio, dentre outros). Há uma tentativa bastante recorrente visando a determinar um projeto identitário docente a ser alcançado (SANTOS, BORGES, LOPES, 2019, p. 245).

Entende-se, então, a importância de pesquisar o processo de implementação do PRP como proposta que parte das IES em direção à educação básica, pois, apesar de se estabelecer uma parceria com a escola, as IES ainda têm maior influência na formação de professores (PORTELINHA, NEZ, BORDIGNON, 2020).

Nesse contexto, o PRP se assemelha ao ES, principalmente quando observamos a carga horária destinada à prática, como dito anteriormente, o PRP determina 414 horas, já o estágio estabelece 400 horas. Outro ponto em comum é o período de realização de ambos, visto que atuam nos dois últimos anos da formação inicial em licenciaturas.

No entanto, muitas vezes o PRP é visto como um “concorrente” ao ES, e se torna mais atrativo por diversas razões, mesmo com suas divergências e polêmicas (FARIAS; CAVALCANTE; GONÇALVES, 2020). Portanto, questiona-se aqui se o PRP pode atuar em paralelo com o ES sem suscitar concorrências, mas sim buscando a valorização da profissão docente, agregando os valores que as políticas educacionais atribuem por meio dos documentos legais, considerando o alto investimento financeiro e estrutural feito para a implementação do PRP.

Tornou-se consenso na literatura que o PRP busca envolver os licenciandos em seu futuro local de trabalho e, além disso, estabelecer vínculos renovados com as escolas, e, portanto, valorizar a participação desta no processo formativo (FARIA, DINIZ-PEREIRA, 2019; BENDRATH, REIS, 2021; TARDIN, ROMERO, 2022). No entanto, como ressaltado pelas funções atribuídas aos participantes do PRP, essa valorização da escola nem sempre ocorre da maneira planejada, pois, como fica evidente, a maior parte das responsabilidades e do controle do Programa fica restrita às IES (PORTELINHA, NEZ, BORDIGNON, 2020).

Nesse sentido, entende-se que um coordenador de área, um docente orientador e pelo menos 24 residentes se tornam predominantes quando comparados com o número de professores preceptores. Portanto, através do viés relacionado à IES, as tomadas de decisões podem realocar as necessidades da escola para um plano de fundo pouco valorizado. Além de reduzir a participação dos atores escolares no processo formativo, ainda não considera a realidade do contexto escolar, interferindo diretamente em seu funcionamento e na realidade vivida naquele contexto (VELOSO, PIVOVAR, 2021).

Esse cenário vai contra o proposto pela CAPES (2018) de estabelecer vínculos profundos e aumentar a importância das escolas na formação de novos professores, visto que a relação de hierarquia analisada por Pimenta e Lima (2010) continua em vigência, mesmo que encoberta por um discurso novo.

Pode-se então observar um processo de regulamentação conhecido como top and down que tende não se atentar a detalhes importantes da realidade de quem “está por baixo da cadeia alimentar”, deixando lacunas significativas durante o desenvolvimento do trabalho e também na própria formação (TARDIF, 2014).

Essa movimentação vai em oposição ao que Nóvoa (2022) defende como necessário para uma formação inicial de qualidade, demonstrando o carecimento de se estabelecer uma união entre as pontas "triângulo" constituído por escola, IES e comunidade, no qual todos são igualmente responsáveis pelo processo formativo. Essa ideia demonstra como podem ser significativas as melhorias na formação inicial de professores quando a escola participa com maior afinco e profundidade.

Com isso, sugere-se maior participação do preceptor nas dinâmicas propostas pelo PRP, juntamente com os coordenadores pedagógicos e diretores da escola, para contribuir não somente com a parte prática da sala de aula, mas também com os documentos que fazem parte da rotina do trabalho dos professores nas escolas, visto que estes, muitas vezes, não são trabalhados na formação inicial. Dessa forma, durante a formação inicial, os futuros professores têm mais elementos para se constituírem enquanto docentes.

Apesar das divergências citadas anteriormente, ao mesmo tempo em que conta com similaridades com o ES, o PRP busca induzir a reformulação do ES, estabelecendo novos padrões de qualidade (FARIAS, CAVALCANTE, GONÇALVES, 2020), essa afirmação fica explícita no Objetivo II encontrado no Edital CAPES (2018, p.1) “II. Induzir a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica”.

Nesse sentido, o PRP se estabelece no mesmo período que o ES, com incentivos financeiros e maior atenção da legislação, cenário que pode parecer uma competição completamente desbalanceada entre ES e PRP.

Portanto, em seu segundo edital, é exposta a ideia de que o PRP assumiu a função e carga horária do ES, deixando este apenas para aqueles licenciandos que não podem ou não foram aprovados pelo processo seletivo do Programa. Essa seletividade pode promover uma desigualdade nas oportunidades de formação e, por consequência, um desequilíbrio na qualidade dos cursos de formação (VELOSO, PIVOVAR, 2021).

Além disso, o PRP pode se tornar excludente, visto que apenas alguns alunos do curso de graduação que recebem bolsa podem usufruir dos benefícios do Programa, deixando grande parte dos demais licenciandos destinados a cumprir a carga horária dos ES (GIMENES, 2018). Nesse sentido, destaca-se o seguinte ponto: o PRP deve ser ampliado ou as condições de ES devem ser melhoradas em prol de uma formação inicial de qualidade e para que todos tenham acesso às mesmas chances?

Considerando que o objetivo geral do PRP e dos programas de formação de professores é formar docentes qualificados, a democratização e a ampliação da oferta de vagas precisa ser revista. O PRP aponta indicativos de uma possível substituição dos ES na superação de obstáculos que ainda são desafios para os ES. Contudo, o percurso e mudança de estatuto dos ES nos últimos anos e sua perspectiva formativa no interior dos cursos de formação de professores garante o acesso às escolas-campo para todos os futuros professores, sem distinção. Já o PRP restringe o acesso a uma pequena parcela dos licenciandos.

Nessa perspectiva, os investimentos na formação inicial e continuada poderiam levar em consideração as condições nas quais tem ocorrido os ES. Inclui-se nessas condições a realidade material das escolas de educação básica, a precarização do trabalho dos professores e o desinvestimento nos recursos humanos nas escolas. Com isso, coloca-se em debate a substituição dos ES pelo PRP.

Veloso e Pivovar (2021) apresentam e discutem que o Edital 06/2018 do PRP visa: “induzir à reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência do PRP” (CAPES, 2018). Infere-se que tal meta do PRP traz como diagnóstico certa insatisfação com o ES, e que o PRP, nos moldes das recentes reformas curriculares, resolveria um problema complexo e herdado historicamente, que se arrasta através das propostas de ES; ou seja, as IES que se comprometerem em reconhecer o PRP como solução para o cumprimento do ES como “ele deveria ser” poderão participar do Edital, decretando a “morte do estágio curricular” (VELOSO, PIVOVAR, 2021, p. 189).

As autoras reforçam ainda que o Estado assume uma posição de negligenciar e ignorar os problemas que compõe a trajetória dos ES na formação de professores, numa postura antidemocrática perpetuada pelos programas de indução e inserção, pois competem de forma equivocada com os ES, estes previstos como parte do currículo obrigatório para a formação de professores, considerado requisito jurídico para a obtenção da licença para a docência.

Nesse cenário, uma alternativa plausível e significativa para a formação de professores se apresenta em uma alteração no período no qual o PRP é realizado. Como mostrado por Faria e Diniz-Pereira (2019), o PRP é baseado na RM, porém, foi implementado nos anos finais da formação inicial e não nos anos iniciais da profissão. Huberman (2006) defende que o professor iniciante é aquele que se encontra entre os 5 primeiros anos depois do final de sua formação inicial, tentando se estabelecer no mercado de trabalho, no entanto, é um período de significativa dificuldade e falta de orientação, quando muitos professores desistem da sua profissão.

Mais recentemente, Nóvoa (2019) promove o conceito de tempo entre-dois, no qual se encontram os professores em final de formação e início da profissão. No entanto, nessa mesma obra, o autor afirma que esse período está sendo esquecido e negligenciado por parte das políticas educacionais e pelo campo científico, deixando os docentes em início de carreira expostos aos desafios sem uma orientação para superá-los.

As RMs são entendidas como uma espécie de pós-graduação ou um curso de especialização, a residência é realizada quando o médico pode atuar, mas quer se aprofundar em uma especialidade (CARVALHO FILHO et al., 2022). O PRP pode obter resultados mais positivos ao se estabelecer na formação de professores como o RM se estabelece na formação médica, orientando e colaborando positivamente na construção e desenvolvimento dos saberes profissionais e da carreira docente.

O ES ficaria responsável pela formação inicial, sendo um dos principais momentos de inserção do licenciando na escola, tornando-se inclusivo e acessível para todos os graduandos, sendo um lócus privilegiado para a formação (SOUZA NETO; CYRINO; BORGES, 2019). Com essa proposta, ambos poderiam se estabelecer em momentos diferentes, cumprindo funções complementares, podendo evitar, assim, uma concorrência injusta e infrutífera.

Atua-se complementarmente, com políticas de formação que investem na formação inicial de forma equânime e democrática, e perspectivam o acompanhamento e permanência dos professores iniciantes ao propor o PRP nos moldes da RM. Essa proposição pode gerar maior atratividade na carreira docente, inserção profissional e evitar o abandono da carreira de forma precoce.

Em parceria, universidades, IES, escolas e Secretarias de Educação têm a possibilidade de elevar a qualidade na formação inicial, com olhar para os ES, implementar políticas de inserção e permanência mediante o desenvolvimento profissional de docentes em início de carreira com incentivos à formação continuada de docentes experientes.

4 Considerações finais

A título de conclusão, ressalta-se aqui a importância de se estabelecer a prática como um dos pilares centrais da formação inicial de professores, seja por meio dos percursos curriculares na formação inicial, na qual incluem-se os ES, os programas de indução e inserção profissional. Nesse sentido, estudos que consideram a centralidade dessa prática e os formatos que ela tem assumido na contemporaneidade são de grande importância para a elevação da qualidade da formação inicial, do direcionamento dos recursos públicos de forma efetiva em programas que visam melhorar os processos e as condições que envolvem o trabalho docente, bem como o desenvolvimento profissional.

Dado esse cenário, apresentamos neste artigo os editais do PRP e os ES, que apresentam similaridades com relação aos objetivos, público-alvo, metodologias e carga horária. Em alguns contextos, tem-se, inclusive, equiparado os ES com o PRP, ou até mesmo substituído o primeiro pelo segundo. Um ponto importante é que o acesso às pesquisas e estudos sobre as duas propostas também elucidaram que a substituição parece não ser a alternativa mais coerente, no entanto, em ambas as propostas há indicativos de valorização e reconhecimento do trabalho dos professores.

Portanto, busca-se aqui sugerir uma realocação do PRP com o intuito de aproximá-lo de uma de suas inspirações encontradas na Residência Médica, com isso, transformar o PRP em uma pós-graduação, mantendo sua metodologia de acompanhamento e auxílio financeiro para os participantes, mas entendendo o Programa como um aprofundamento na profissão e nos saberes específicos da docência.

Nessa conjunção, o ES fica sendo o principal elo entre a universidade e a escola, entre a prática e a teoria na formação inicial, podendo então receber a devida atenção e suporte financeiro para desenvolver-se com maior efetividade e abrangendo o maior número de graduandos possível, isso pensando no acesso democrático no processo formativo, evitando assim uma segregação na formação inicial, proporcionando vivências de qualidade para todos os licenciandos e não somente para uma quantidade limitada pelas bolsas concedidas pelo PRP.

Apesar das críticas tecidas na presente pesquisa, destaca-se que o PRP compreende pontos fundamentais que visam equacionar, ainda na formação inicial, fissuras relacionadas à prática docente nos moldes requeridos pela contemporaneidade. Assim, reforçamos que as pesquisas sobre o PRP e seus participantes precisam prosseguir, na perspectiva de pensar a formação continuada de professores iniciantes. Propõe-se aqui, de forma intencional, uma possibilidade de oferta do PRP num formato de Residência Médica, a exemplo de instituições como a UFMG, que já vem disponibilizando, via Colégio de Aplicação, essa modalidade de formação.

Nessa direção, o PRP, no formato do RM, que inspirou a versão atual, poderia alcançar um número maior de docentes, inclusive com acompanhamento nos anos iniciais no campo profissional, já que é um momento em que há muitos declínios da carreira docente.

Acredita-se que novos estudos baseados em ações empíricas e consultando o maior número de pessoas envolvidas tanto no PRP quanto no ES seja necessário para aprofundamento da perspectiva aqui sugerida.

1O programa oferece bolsas de iniciação à docência aos alunos de cursos presenciais que se dediquem ao estágio. O objetivo é antecipar o vínculo entre os futuros mestres e as salas de aula da rede pública. Com essa iniciativa, o PIBID faz uma articulação entre a educação superior (por meio das licenciaturas) e as escolas.

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Recebido: 06 de Julho de 2023; Aceito: 17 de Novembro de 2023; Publicado: 28 de Dezembro de 2023

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Heitor Perrud Tardin, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3349-4783

Universidade Estadual Paulista Licenciatura e bacharelado em Educação Física na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) - campus de Presidente Prudente, mestrando no PPG Ciência do Movimento pela mesma instituição. Mesmo do grupo de pesquisa Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação Física (NEPEF).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2403074897283126.

E-mail: heitor21perrud@gmail.com

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Elisangela Venancio Ananias, ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3842-9876

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professora do Magistério Superior na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID-UFRGS). Coordenadora Adjunta do Projeto de Extensão Senegra-Esefid (UFRGS.ESEFID). Doutora em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista - Rio Claro; Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista - Rio Claro.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3396784399756773.

E-mail: elisangelavenancio@hotmail.com

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc: Vitória Chérida Costa Freire e Cleusa Teixeira de Sousa

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