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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 23-Feb-2024

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e11937 

Artigos

Trajetória de vida e formação profissional da professora Fátima Sampaio da Silva (1972-1994)

Trayectoria de vida y formación profesional de la profesora Fátima Sampaio da Silva (1972-1994)

Aurinete Alves Nogueira1  i
http://orcid.org/0000-0003-0457-2674; lattes: 6809915242569664

Fernanda Ielpo Cunha2  ii
http://orcid.org/0000-0002-4429-5555; lattes: 6809915242569664

Lia Machado Fiuza Fialho3  iii
http://orcid.org/0000-0003-0393-9892; lattes: 4614894191113114

1Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

2Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

3Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil


Resumo

Inserida no campo da história da educação, a pesquisa trata da educação e profissionalização de uma professora de destaque na Universidade Federal do Ceará, fundadora da Unidade Universitária de Educação Infantil Núcleo de Desenvolvimento da Criança. O objetivo é biografar a educadora Fátima Sampaio da Silva, com ênfase na sua formação educativa e atuação profissional para a criação da referida unidade universitária. Com amparo teórico na história cultural, desenvolveu-se um estudo do gênero biográfico, desde a metodologia da história oral, a partir de entrevistas livres, gravadas e transcritas com a biografada. Os resultados mostram que a educadora realizou um trabalho pioneiro ao implantar o núcleo de educação infantil na Universidade Federal do Ceará, que tem como tripé o ensino, a pesquisa e a extensão.

Palavras-chave biografia; educação de mulheres; educação feminina; educação infantil.

Resumen

Insertada en el campo de la historia de la educación, la investigación aborda la formación y profesionalización de una destacada profesora de la Universidad Federal de Ceará, fundadora de la Unidad Universitaria de Educación Infantil Núcleo de Desenvolvimento da Criança. El objetivo es biografiar a la educadora Fátima Sampaio da Silva, con énfasis en su formación educativa y labor profesional para la creación de la referida unidad universitaria. Con sustento teórico en la historia cultural, se desarrolló un estudio del género biográfico, utilizando la metodología de la historia oral, a partir de entrevistas libres, grabadas y transcritas con la biografiada. Los resultados muestran que la educadora realizó una labor pionera al implementar el centro de educación infantil de la Universidad Federal de Ceará, que tiene como trípode la enseñanza, la investigación y la extensión.

Palabras clave biografía; educación de las mujeres; educación de la mujer; educación infantil.

Abstract

Within the field of education history, the research herein deals with the education and professional empowerment of a prominent professor at the Federal University of Ceará, the founder of the University Unit of Early Childhood Education Child Development Center. The aim is to describe the biography of educator Fátima Sampaio da Silva, with emphasis on her educational background, and professional performance towards the creation of the aforementioned university unit. With the theoretical support from the cultural history, a study of the biographical genre was developed, based on the oral history methodology, as well as free recorded and transcribed interviews with the aforementioned professor. The results show that the educator carried out a pioneering work that started when she implemented the childhood education center at UFC, which is structured on the teaching, research, and outreaching academic pillars.

Keywords biography; women's education; female education; childhood education.

1 Introdução

Os caminhos trilhados nesta pesquisa seguem por meio da história cultural, com destaque para a história do Brasil, no cenário que envolve o século XX, situando sua aproximação com a biografia da professora cearense Fátima Sampaio da Silva, tomando como recorte seu processo de formação e atuação na coordenação da Unidade Universitária de Educação Infantil do Núcleo de Desenvolvimento da Criança (UUNDC) na Universidade Federal do Ceará (UFC), com dedicação durante 22 anos (1972-1994). Essa instituição é inovadora no modelo proposto para a educação infantil da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, cujo legado histórico da biografada evidencia sua intervenção como fundadora do núcleo na década de 1990.

Desse modo, entender quem é a professora Fátima Sampaio da Silva no cenário nacional brasileiro e cearense nos inquieta a querer compreender os aspectos históricos, sociais, econômicos e familiares presentes na sua trajetória profissional, o que faz ainda deste estudo algo desafiador, dados os registros históricos que tanto postergaram o papel das mulheres na historiografia oficial, especialmente na história da educação. A esse respeito, Stascxak aponta (2021, p. 21):

É notório que a historiografia cearense que data dos séculos XIX e XX carece de registros que tratem tanto da formação quanto da atuação feminina, haja vista que as formas de divulgação dessas práticas limitavam-se a revistas temáticas ou a jornais que disponibilizavam espaço para tal, priorizando, sobretudo, as experiências realizadas por homens, deixando as professoras à margem desse contexto.

Desse modo, exteriorizar para o campo da ciência e da pesquisa a história de biografias de mulheres educadoras, sobretudo, da professora Fátima Sampaio da Silva, soma-se aos esforços do debate da micro-história, quando se torna possível visibilizar mulheres educadoras até então inexploradas academicamente, considerando a não expressividade, o não dito sobre elas e suas atuações profissionais (Xavier, A.; Vasconcelos; Xavier, L., 2018). Biografar a professora Fátima Sampaio da Silva é tomar posse dessa nova maneira de fazer história, que resultou numa história que, após registrada, pode colaborar para a memória da educação no Ceará, na UFC, no Brasil.

O desabrochar da terceira geração dos Annales coloca em cena, portanto, a visibilidade às mulheres como produtoras de história, valendo-se ainda da cultura popular, dos movimentos sociais coletivos (Burke, 2010). Sendo o gênero biográfico um lugar capaz de desmistificar os grandes feitos heroicos, “[...] a biografia de um indivíduo ainda é um tema popular para os livros e filmes, mas muitas dessas biografias são anti-heroicas no sentido de que desmistificam em vez de glorificar, enfatizando fraquezas tanto ou mais do que poderes” (Burke, 2010, p. 34).

A biografia da professora Fátima Sampaio da Silva é apresentada num emaranhado de situações reveladoras de inúmeras experiências de ordem individual, social, coletiva, educacional, formando, assim, as interconexões de sua vida, as quais serão analisadas hermeticamente, com discussões do ponto de vista teórico- -metodológico e epistemológico, das múltiplas leituras e releituras - da vida da biografada -, na tentativa de descobrir e compreender os conhecimentos que vão construir os aspectos e interpretações singulares e coletivas presentes em sua rede de relações (Fialho; Freire, 2018).

Como descreve Dosse (2020, p. 80), “[...] a identidade biográfica não é mais considerada como congelada do jeito de uma estátua, mas sempre sujeita a mutações. Ela não pode ser reduzida à simples transcrição das impressões digitais [...]”. Traz, portanto, à baila mulheres educadoras reais, de carne e osso, cheias de imperfeições, mas também possuidoras de significado de potência, dotadas de conhecimento, que têm todo o direito de ocupar seu espaço de pesquisa.

Não se trata aqui de exaltar a trajetória de vida profissional da professora Fátima Sampaio da Silva, todavia é preciso perceber que historicamente existe uma dívida no campo da produção de conhecimento com a história das mulheres, se comparada ao lugar dos homens. “[...] Os autores canônicos da historiografia e da biografia são todos homens, dedicados a pesquisar sobre homens ilustres, aqueles considerados, por muito tempo, como os verdadeiros agentes da história” (Pereira; Zalla; Karawejczyk, 2019, p. 6).

Dito dessa forma, trazer à baila a referida professora faz-se pertinente, afinal foram tantos anos dedicado à docência, a qual, mesmo após a sua aposentadoria, continua ativa como voluntária, colocando-se à disposição dessa instituição. Suas práticas carregam um longo percurso de formação, ocupando hoje um lugar de destaque como pioneira na UUNDC, com publicações científicas da referida iniciativa, articuladas com o tripé entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

Partindo dessa premissa, ir ao encontro das lembranças da nossa biografada é perceber, como enfatizam Carvalho e Fialho (2021), o valor sensível da memória, o qual remete à compreensão de aspectos subjetivos entrelaçados com a dimensão psicológica de cada um. “As memórias são constituídas pela reconstrução do passado por meio do presente, e a Biografia, todavia, seria o resultado desse momento de trazer à tona lembranças e/ou esquecimentos” (Carvalho; Fialho, 2021, p. 32).

Importa mencionar que é na problematização da realidade sócio-histórica, educacional, de uma determinada época que é possível perceber e extrair a trajetória de vida dessas educadoras, dos espaços institucionais onde estão inseridas, da relação com seus pares nesse lugar, das mais variadas vivências, das metodologias utilizadas no cotidiano escolar, etc. (Carvalho; Fialho, 2021). Sem perder ainda de vista que, a partir das narrativas elaboradas, é possível também problematizar a própria história da educação, seu modelo pedagógico adotado na segunda metade do século XX (Fialho; Braga Júnior, 2015). Acrescentam ainda Carvalho e Fialho (2021, p. 11):

A biografia de uma mulher, educadora, lança liames que podem nos conduzir a outras mulheres, também educadoras, cujas vivências e práticas ordinárias nos auxiliam compreender a profissão docente, as instituições escolares, a tessitura de relações diversas (políticas, sociais, religiosas, familiares) sempre presentes na organização do ensino no Brasil.

Diante do exposto, surgiram nossas inquietações em querer compreender as trilhas percorridas por nossa biografada, levando-nos a responder à seguinte problemática: como uma educadora de classe média alta, com pais que tinham uma visão integralista de educação, tornou-se professora da educação infantil na Universidade Estadual do Ceará (UECE), com considerável reconhecimento e destaque na sua atuação no UUNDC? Para responder à problemática suscitada, elaboramos o objetivo de biografar a educadora Fátima Sampaio da Silva, com ênfase na sua trajetória de vida, formação educativa e atuação profissional na UUNDC. Tomamos, então, como parâmetro seu processo familiar e educacional, atrelado à sua formação nos Estados Unidos, Arizona, cujo interesse se propôs a construir metodologicamente conhecimentos e aplicá-los para melhorar a qualidade de vida das famílias e funcionários da UFC.

2 Trilhas metodológicas: um caminho cheio de possibilidades

Os caminhos trilhados neste estudo são de cunho qualitativo, que, segundo Minayo (2002, p. 21), “[...] trabalha com dados que não podem ou não têm como serem medidos, como, por exemplo: crenças, valores, atitudes, situações”. Desse modo, a autora evidencia que o uso desse tipo de abordagem está relacionado à compreensão de um determinado fenômeno na perspectiva dos indivíduos que o vivenciam. O estudo ocorreu por meio de narrativas biográficas tomando como aparato metodológico a história oral, por considerar que “[...] ela é individual, particular àquele depoente, mas constitui também elemento indispensável para compreensão da história do seu grupo social, sua geração, seu país e da humanidade como um todo [...]” (Alberti, 2004, p. 24).

Trazer à tona a reminiscência de tais memórias da vida da professora Fátima Sampaio da Silva, doravante apenas Fátima Sampaio, exigirá, por meio da história oral, a compreensão das suas experiências, das lembranças de sua infância, da relação com os pais no processo de sua aprendizagem, dos saberes repassados em sala de aula, das suas práticas pedagógicas, da relação com a UUNDC. Implica, portanto, segundo Alberti (2004), a organização dos instrumentais usados através de entrevistas livres, sem um questionário, ou perguntas diretas indutivas e/ou preocupadas com uma verdade absoluta. Ao mesmo tempo, exigirá um trabalho orientado pela aproximação e fidelização aos dados encontrados, o questionamento das fontes, o respeito e compromisso com o método científico empregado com rigor metodológico (Vasconcelos; Araújo, 2016).

Assim, com base na perspectiva de Bourdieu (1989), o objeto a ser investigado nesta pesquisa toma como premissa a busca pelo conhecimento científico pensado não como verdade absoluta, de um saber definitivo, fundamentando-se na construção ou reconstrução de caminhos e métodos científicos capazes de nos direcionar, de nos possibilitar traduzir nossas inquietações e questionamentos quanto ao que não foi dito, revelador de análises socialmente relevantes e científicas.

O ato de biografar ou a biografia não é uma ação isolada; tem forte relação com a história; não se inscreve apenas à vida daquela pessoa que está sendo biografada, mas ao movimento de vidas, de relações que se intercruzam na sociedade. Avelar e Schmidt (2018, p. 28) assim se posicionam a esse respeito:

Pela biografia não se escreve apenas a vida de uma pessoa, mas o relato de um povo, os caminhos de uma sociedade. Se o pensar, investigar, produzir e divulgar a história de uma ou várias pessoas é livre, como poderia fazer conformar-se à constituição o que lhe atinge a essência, qual seja, o direito de liberdade de pensar e de divulgar o pensamento, máxime em se cuidando de produção intelectual decorrente de investigação sobre a vida que impõe como referência a uma sociedade?

Partindo desse entendimento, o estudo em questão primou pela busca sistemática de narrativas capazes de reconstruir a vida da biografada, com sua autorização prévia, em que, para a concretização dessas coletas, tivemos o cuidado de registrar todas as informações em áudio com gravações, as quais foram devidamente esclarecidas através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, apreciado pela entrevistada, assinado e autorizado conforme o Parecer nº 2.5885.705/2018 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, inserido como parte de um projeto maior sobre “Educação e educadores(as) no Ceará do século XX: práticas, leituras e representações”, coordenado pela professora doutora Lia Machado Fiuza Fialho.

É oportuno enfatizar que o contato estabelecido com a biografada para a realização das entrevistas aconteceu no mês de novembro de 2022, em local escolhido por ela, sendo reservado seu apartamento, com uma entrevista de 93 minutos, no dia 22 de novembro de 2022, mediada pela pesquisadora Aurinete Alves Nogueira. Detalhes cuidadosos foram sendo apresentados nesse momento pela entrevistadora para ajudar a trazer luz à memória, especialmente ao se reportar à UUNDC.

As entrevistas biográficas são construções nesse movimento que vai do dado coletado ao dado a ser interpretado, pois “[...] cada entrevista biográfica é uma interação social complexa, um sistema de papéis de esperas, injunções, de normas e valores implícitos” (Ferrarotti, 2014, p. 73).

Nesse sentido, a oralidade aqui proposta se integra às fontes imagéticas, autorizadas no momento das entrevistas pela biografada e/ou localizadas em outras fontes documentais, como veremos adiante.

Quadro 1 Fontes imagéticas 

Fonte Local de guarda
Fotografia do uniforme das mulheres no Integralismo. Google: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2015/03/a-vanguarda-feminina-a-direita.html.
Fotografia da professora numa sala de aula na UUNDC com crianças e duas professoras. A imagem retrata também o mobiliário de madeira e as estantes repletas de livros, além de cartazes na parede, o que denota um ambiente lúdico e alfabetizador. Acervo pessoal da biografada.
Fotografia da professora biografada numa sala de aulas com os/as alunos/as em comemoração ao Carnaval. O local mostra cartazes com letras, números e palavras onde podem ser explorados a alfabetização e o letramento das crianças, mesmo estando ainda na educação infantil. Acervo pessoal da biografada.

Fonte: Elaborado pelos/as autores/as (2022).

A análise da fonte oral, entrecruzada com as fontes imagéticas, permitiu-nos tecer a trama da história de vida e formação de Fátima Sampaio, explicitada na seção que segue. Descrever como foi desenvolvido o estudo, de modo a permitir sua replicação, pode conter informações referentes: à abordagem da pesquisa, ao tipo de estudo, ao local em que foi desenvolvida a pesquisa, aos sujeitos que colaboraram, ao instrumento de coleta de dados, a técnica de análise dos dados e aos aspectos éticos.

3 A relação familiar e as primeiras socializações escolares

A professora Fátima Sampaio é natural de Barbalha, no Ceará, um município cearense que fica na Região Metropolitana do Cariri, a 504 quilômetros de Fortaleza. Na década de 1950, ele passou por um período marcado pelo desenvolvimento, com a chegada da ferrovia e da eletricidade. Acreditamos que o fato da nossa biografada ter vivenciado esse período de desenvolvimento econômico e cultural tenha contribuído para promover novas experiências sociais e educacionais na sua infância e juventude, trazendo oportunidades de descobertas e amplitude ao visualizar um futuro com possibilidades de crescimento.

Filha do médico Pio de Sá Barreto Sampaio e da professora Maria Letícia Ferreira Lima Sampaio, pertencentes à classe média alta. Seus pais lhe proporcionaram uma infância tranquila e segura, com estímulo a diferentes aprendizados e incentivo às leituras e estudos diversos. Sua mãe deu à luz a oito filhos; infelizmente uma das crianças faleceu, ficando apenas sete descendentes, sendo Fátima Sampaio a quarta filha na ordem cronológica entre os irmãos, que se chamavam: Eudes Lima Sampaio, Lúcia Lima Sampaio, Roberto Lima Sampaio, Maria Teresa Lima Sampaio, Everardo Lima Sampaio e Marciano Lima Sampaio.

Sua mãe fazia questão de acompanhar a educação dos filhos, cuidando com carinho das atividades escolares, contando histórias e incentivando-os a valorizar a educação, como relembra a professora Fátima Sampaio em entrevista (2022):

[...] tinha muita contação de história, apesar do pouco tempo que a minha mãe tinha; o meu pai não tinha nenhum, [pois] trabalhava o dia inteiro, mas a minha mãe tinha; uma pessoa de muita leitura também. Então, a gente teve esse incentivo bem forte mesmo para as letras desde cedo, né?

O senhor Pio de Sá e a dona Maria Letícia eram ligados ao movimento integralista1, um movimento de extrema direita que tinha como missão a construção do Estado integral. A biografada recorda que a sua mãe era diretora do movimento feminino em Fortaleza e que, na oportunidade de uma reunião desse movimento, despertou a admiração do doutor Pio de Sampaio, o que algum tempo depois os levou ao namoro e ao casamento. A esse respeito, a biografada, em entrevista (2022), ao se reportar a memória dos seus pais, elucida: “[...] ela era muito envolvida em movimentos sociais e políticos [...]. Toda a história do Integralismo se refere ao nome dela, viu? [...]. O meu pai também era integralista”.

Foi esse ideal em comum que uniu os dois, quando, numa visita a Fortaleza, seu pai assistiu a uma palestra proferida pela mãe da biografada sobre o Integralismo feminino e o movimento das chamadas blusas verdes, que tinha como principal idealizador Plínio Salgado2. Relembra Ferreira (2016, p. 88): “As mulheres integralistas eram chamadas também de blusas verdes em alusão aos seus uniformes, que usavam nas reuniões e solenidades que aconteciam dentro do movimento integralista”. A Imagem 1 retrata a realidade explicitada.

Fonte: Diário de Pernambuco (9/3/2015).

Figura 1 Uniforme das mulheres no Integralismo 

Dona Maria Letícia, mãe de Fátima Sampaio, tinha boa formação intelectual, mas optou por dedicar-se, durante quase dez anos, prioritariamente à criação dos filhos e aos cuidados domésticos. E, mais tarde, ao assumir um trabalho fora do lar, foi necessário incorporar, além da função de dona de casa e mãe, a função de professora. Isso faz lembrar que as mulheres integralistas em geral exerciam profissões que reforçassem as funções do cuidar, como: enfermeiras, secretárias e professoras. Sobre tais aspectos, é oportuno enfatizar que, no Integralismo, apesar de as mulheres participarem ativamente do movimento, deveriam saber conciliar a militância na mesma perspectiva de cuidados e afazeres domésticos, por considerar essa atividade uma extensão do lar, cujo exercício principal das mulheres como dona de casa exigiria também a responsabilidade de educar os filhos para os futuros cidadãos da pátria dentro dos preceitos propagados pelo movimento (O que [...], 2023).

Ademais, o movimento se caracterizou como o marcador do lugar da mulher na esfera do lar, reafirmando esse lugar na sociedade e nos espaços em que elas transitam. Sobre tais aspectos, afirma Ferreira (2016, p. 89): “[...] ao sexo feminino cabe a missão de ser mãe, esposa, dona de casa e, ao sexo masculino, o de suprir o sustento, evitando, assim, que a mulher seja obrigada a ocupar os espaços públicos”.

Da mesma forma que a mulher era convocada a militar em prol dos princípios integralistas, deveriam ser atuantes nos papéis de mães e donas de casa, o que acentua o machismo e o patriarcalismo. Anos depois, em consequência do envolvimento político dos seus pais, o senhor Pio de Sá foi eleito como deputado estadual pelo Partido de Representação Popular (PRP). Por esse motivo, quando a biografada tinha por volta dos 18 anos, mudou-se com a família para Fortaleza, para que ele assumisse o mandato, onde acabaram estabelecendo residência e não retornaram mais para Barbalha, onde moravam.

Segundo Fátima Sampaio, seu processo de escolaridade se iniciou por volta dos 4 ou 5 anos de idade, junto com a sua irmã Lúcia. Mesmo Lúcia sendo um ano e meio mais velha do que nossa biografada, as irmãs estudaram juntas na mesma classe até concluir o curso pedagógico no ginasial, hoje ensino médio. Fizeram o jardim da infância numa escola domiciliar na residência da professora Iolanda Luna, que havia trazido do Rio de Janeiro materiais pedagógicos inovadores: “Eu me lembro que tinha até aqueles alinhados para a gente fazer, vinha algum tipo de pintura” (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Vale salientar que esse nível de ensino era oferecido em poucas instituições particulares por volta de 1948, visto que o direito à educação infantil só foi efetivado no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, havendo poucas iniciativas nesse segmento (Saviani, 2000). Mesmo havendo a oferta do jardim de infância em algumas escolas públicas, as vagas eram reduzidas, porque não era considerado ainda como responsabilidade dos poderes públicos, por não fazer parte dos anos iniciais da educação básica.

Sobre o início do curso primário numa escola pública, a biografada relata: “Então terminado o jardim de infância, eu fiz o chamado curso primário. Eu comecei na escola pública; na época, chamavam as escolas do estado de grupo escolar” (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022). A biografada foi uma aluna que se destacava com boas notas. Ela traz em sua memória a lembrança de uma escola conteudista e segregadora, onde existiam classes separadas para meninos e meninas. A esse respeito, destacamos:

A legislação educacional e as tradições da sociedade senhorial e conservadora, com a influência marcante da Igreja Católica e da moral religiosa, determinavam a permanência das relações sociais de gênero e uma educação diferenciada para meninos e meninas. [...] Durante quase todo o século XIX e nas décadas iniciais do século XX, a maior parte das escolas e colégios brasileiros permaneceu separada por sexo [...] (Gondra; Schueler, 2008, p. 204).

A biografada concluiu seu curso primário ainda em Barbalha, numa escola fundada pelo seu tio, Antônio Costa Sampaio, pessoa atuante na política e na sociedade, que integrava o Centro de Melhoramentos de Barbalha - entidade beneficente que tinha como ideal servir a sociedade. Seus participantes eram conhecidos como centristas. Também considerado idealista, ele fundou a instituição educacional destinada à juventude feminina barbalhense, Colégio Mater Salvatoris, em 1948, sob a direção da mãe da nossa biografada, dona Maria Letícia. Só em 1954, as irmãs beneditinas assumiram a coordenação da instituição e a escola passou a se chamar Colégio Nossa Senhora de Fátima (CNSF), instituição ainda atuante na educação da cidade, que permanece no mesmo prédio construído anos antes.

Nesse ambiente familiar elitista, de prestígio político e privilegiado, a professora Fátima Sampaio estudou do 3º ao 5º ano. Em 1950, fez um exame de admissão para cursar do 1º ao 4º ginasial em Barbalha. Ela relembra que desejava ser médica, por se inspirar em seu pai, mas, para isso, precisava fazer o científico3 em internatos. A esse respeito, seu pai, que pregava os ideais integralistas, acreditava que a medicina não era uma profissão adequada para mulheres, como elucida a biografada:

Então, o meu pai ele disse que [...] ele não me incentivou muito, achou que a medicina não era uma carreira muito adequada para mulheres. Havia muito poucas mulheres, e, se eu viesse para cá, eu teria que vir para o internato, lá no Colégio da Imaculada Conceição (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Consideramos que, por falta do apoio familiar para cursar Medicina, Fátima Sampaio resolveu dedicar-se ao magistério, profissão escolhida pela maioria das mulheres na década de 1950. Ao iniciar o ginasial, conhecido como curso pedagógico ou curso normal, rememora que não havia a preocupação com a formação de professores para ensinar nas escolas ginasiais, como enfatiza a biografada ao se reportar a essa época:

Me lembro que, na época, não havia pedagogos formados. O professor de Biologia era um dentista [...], de História era um advogado [...], então era assim: pessoas da comunidade foram formadas, mas não tinham a especificidade [...]. Tinha um padre que ministrava Psicologia [...] (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

De acordo com a fala da professora Fátima Sampaio, observamos que essa preocupação com a profissionalidade docente não era realidade na cidade de Barbalha naquela época. A esse respeito, Vicentini e Lugli (2009, p. 24) evidenciam que, além da dificuldade da formação docente para trazer um ensino de qualidade às escolas, havia uma contínua desigualdade de acordo com as regiões do nosso país, especialmente porque não existia um currículo ou curso específico “[...] para capacitar para o trabalho de ensinar”. Sobre a profissionalidade docente, Vicentini e Lugli (2009, p. 24) afirmam:

[...] a história da profissão docente, ao menos no Brasil, não corresponde a uma história contínua, de progressiva e crescente profissionalização [...] como se trata de um grupo social tão diverso em seu interior e submetido a condições tão distintas por todo o país, o que se pode dizer é que essa história contém ao mesmo tempo processos profissionais e não profissionais, dependendo do lugar e do grupo para o qual se atente, ou seja, no mesmo período parte dos docentes pode estar mais profissionalizada do que outros.

Seguindo rumo à sua formação, após fixar residência em Fortaleza, concluiu o curso pedagógico junto com a sua irmã Lúcia no Colégio São João e, logo depois, começou a lecionar numa escola dos padres jesuítas chamada Externato do Cristo Rei, cujo diretor e fundador foi o padre Antônio Monteiro da Cruz. Anos depois, a escola passou a se chamar Colégio Santo Inácio, que atualmente é situado no bairro de Fátima, em Fortaleza, e atende a crianças e adolescentes.

Alguns anos depois, quando a professora Fátima Sampaio estava concluindo o curso de Letras Anglo-Germânicas na Faculdade Marista na cidade de Fortaleza, surgiu a oportunidade, através da Universidade do Arizona, mediante convênio com a UFC, de cursar uma formação para professores com o objetivo de implantar o curso de Economia Doméstica na UFC. Iremos nos debruçarmos sobre essa questão na seção a seguir.

4 Do Arizona ao Ceará: uma proposta inovadora de economia doméstica

A professora Fátima Sampaio foi selecionada junto com outras três jovens, em 1964, para estudar na Universidade do Arizona, em Tucson, nos Estados Unidos. Relembra que havia uma educadora amiga da família que trabalhava no serviço de extensão rural do Ceará, chamada Maria Gonçalves da Costa Leal, que lhe indicou:

[...] ela sabia que eu era uma pessoa muito estudiosa, sabia muito inglês, veio e perguntou se eu me interessava em ir para os Estados Unidos fazer esse curso de Economia Doméstica. [...]. Quando eu vi a grade curricular e vi que uma das grades era desenvolvimento da criança e família, eu apontei o dedo e disse: ‘Eu quero fazer isso’ (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Inserida numa família com uma condição socioeconômica considerável e boas relações de amizade, foi possível para a professora Fátima Sampaio trilhar uma educação diferenciada, fruto da consciência dos seus pais sobre o papel da educação para o bom desenvolvimento, aceitando o desafio de estudar fora do Brasil e longe da sua família.

Entusiasmada com as possibilidades de novas aprendizagens, iniciou o curso de Economia Doméstica no segundo semestre do ano de 1964. Vale salientar que o primeiro curso de graduação em Economia Doméstica no Brasil surgiu em 1952, na Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, hoje Universidade Federal de Viçosa. Quando chegou ao Ceará na década de 1970, mais precisamente em Fortaleza, o curso já existia em outros estados, como Rio Grande Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.

Após o advento da Revolução Industrial e com a vinda de muitas famílias do ambiente rural para a cidade, mudanças expressivas ocorreram no desenho das famílias. A mulher não tinha mais apenas o papel de dona de casa junto com o cuidado com os filhos, agora ocupava o espaço fabril para buscar o sustento. Foi nesse contexto que, em 1909, surgiu o curso de Economia Doméstica. A criação do curso, na época conhecido como Ciência para Mulheres, era voltado para a organização das tarefas domésticas e se constituía como uma das poucas oportunidades de inserção da mulher no ensino superior.

Com o movimento feminista na década de 1970, o currículo do curso procurou romper com a ideia de formação de administradoras do lar e trazer um caráter realmente científico do economista doméstico no mercado de trabalho. Oliveira (2008, p. 105) se refere ao curso como ciência e arte e ressalta a importância de seus estudos para o cuidado com a família:

A Economia Doméstica pode ser entendida como uma Ciência e uma Arte cujo domínio envolve o cuidado da casa e da família. O Economista Doméstico é o profissional cuja formação está voltada para o cotidiano familiar no que diz respeito às necessidades de alimentação, habitação, higiene e saúde, consumo e vestuário. [...] pode ainda dedicar-se ao magistério, tanto no ensino secundário como no universitário. E é aqui que a maioria dos formados se dedica, pois é no ensino que encontra maior campo de trabalho.

A biografada defende a importância de conhecer o curso e ressalta a amplitude de áreas que ele abrange:

Então, eu acho que é uma coisa que muita gente não conhece o curso de Economia Doméstica. É um curso que se propõe a construir conhecimentos e depois aplicá-los para melhorar a qualidade de vida da família. Então, ele tem muito as chamadas áreas curriculares, de nutrição, porque a família se alimenta; de saúde, porque a família tem que ter saúde; de vestuário, porque ela veste; de administração de recursos, parte de orçamento de família e de criação de filhos, daí por que tem a parte de desenvolvimento da criança e família (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Na fala acima, a biografada defende a relevância do curso para a família como um todo e como pode ser útil para a administração e organização das demandas econômicas, alimentares e de saúde de um lar. De tal modo, na década de 1970, um período marcado por mudanças no currículo do curso, a professora Fátima Sampaio voltou ao Brasil com o firme objetivo de trazer o curso de Economia Doméstica, de modo que pudesse colocar em prática tudo que havia aprendido. Sobre esse trabalho inicial de implantação, ela relata o seguinte:

A gente fez um trabalho de divulgação da importância do curso através de cursos de extensão. Fazia curso de extensão na parte de nutrição, na parte de administração de recursos, desenvolvimento da criança em várias escolas e até em outras cidades do interior, fazendo todo esse processo (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Ela reconhece que houve resistência por conta do conselho universitário por não conhecer o curso. Segundo ela, alguns professores que faziam parte do conselho e haviam estudado nos Estados Unidos e comprovado como o curso de Economia Doméstica foi importante para a educação daquele país ajudaram nessa luta. Ela cita como exemplo o professor Otávio Braga. Em 1972, o curso foi oficialmente criado pelo conselho universitário e passou a funcionar no Centro de Ciências Agrárias da UFC. A partir daí, surgiu a necessidade de um espaço onde os graduandos pudessem colocar em prática os seus aprendizados, então foram criados laboratórios:

Máquinas para a parte de costura. Fizemos o laboratório de planejamento de refeições com os fogões, com as bancadas, o laboratório de planejamento do espaço familiar, de saúde. Então, todas essas áreas já tinham o seu laboratório, e nós, da área de desenvolvimento da criança e da família? Não tinha por quê. Seria um laboratório bem mais complexo, né? (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Enquanto não existia a escola para amparar os graduandos do curso, estes faziam estágio na educação infantil de escolas públicas e particulares. Só em 1986, o curso de Economia Doméstica vinha ganhando muitos alunos, quando recebeu finalmente um novo prédio e, com ele, um núcleo para a educação infantil.

Antes de construir, eu me encontrei com a arquiteta, eu e as outras professoras, e dissemos como a gente queria: [...] as salas com tais dimensões [...], que tenha uma varanda [...], janelas baixas para as crianças verem lá fora [...]. Então, em 1987 [...], já estava construído esse espaço. [...] Fui pessoalmente falar com o reitor. [...] eu disse: ‘Eu não quero esses móveis feitos [...]. Eu tinha os catálogos [...] dos Estados Unidos com os modelos de todas as mesas e todos os armários, de tudo como deveria ser, [...] e eu contratei uma carpintaria e tudo foi feito nesta carpintaria (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

Fonte: Arquivo pessoal da biografada.

Figura 2 Biografada numa sala de aula na UUNDC com crianças e duas professoras 

A Figura 2 retrata o mobiliário de madeira e as estantes repletas de livros, além de cartazes na parede, o que denota um ambiente lúdico e alfabetizador. Na foto também podemos observar a professora Fátima Sampaio numa sala da UUNDC junto com as crianças e duas professoras, que parecem estar observando a fala de alguma criança. Podemos observar a ludicidade e a preocupação em ter um ambiente que apresente as produções das crianças, além de cartazes com letras, números e palavras em que podem ser explorados: a alfabetização e o letramento das crianças, mesmo estando ainda na educação infantil.

Após a construção, foi o momento de selecionar os professores e funcionários em geral para começar as aulas com as crianças. Finalmente em 1991, iniciou suas atividades, constituindo-se como uma instituição-modelo no segmento da educação infantil que atende a filhos de professores, servidores, técnicos administrativos, alunos da graduação e pós-graduação e da comunidade em geral. A UUNDC está localizada dentro do campus do Pici da UFC, instalada no Centro de Ciências Agrárias da referida universidade. Entre os seus objetivos, oferece um programa educacional para crianças de 3 a 5 anos de idade, propicia oportunidade de estágio para os alunos da UFC, realiza pesquisas sobre a Educação Infantil, dentre outros.

A referida instituição é um núcleo de educação infantil com função acadêmica da UFC, com um projeto pioneiro voltado para uma educação na perspectiva sociointeracionista. Vale salientar que no Brasil atualmente existem 17 unidades universitárias de educação infantil, que fazem parte da Associação Nacional das Unidades Universitárias de Educação Infantil, que foi criada para defender as unidades universitárias contra as tentativas por parte dos governos federais de extingui-las alegando ser a educação infantil responsabilidade dos municípios. A associação explica que essas unidades educativas cumprem o tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão, e não apenas o ensino formal das crianças.

Aliado ao seu trabalho na UUNDC contando com a experiência e vivência numa escola diferenciada, a biografada colaborou e orientou teses e dissertações, foi bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenadora do convênio com o Canadá e do curso de Economia Doméstica.

Coordenei um convênio com o Canadá e tive a oportunidade também de visitar escolas maternais e pré-escolas junto à Economia Doméstica do Canadá. Eu visitei creches em Toronto, visitei creches em Alberta, no Canadá, e em Vancouver, em três regiões diferentes do Canadá, todas nesse mesmo estilo (Fátima Sampaio em entrevista concedida em 22 de novembro de 2022).

O trabalho desenvolvido pela professora Fátima Sampaio foi inspirado na oportunidade que teve de conhecer outras abordagens quanto ao desenvolvimento infantil nas unidades escolares dos Estados Unidos da América. Seu trabalho pioneiro em Fortaleza foi um contributo para a atuação ímpar à frente da UUNDC, cuja existência faz 31 anos em 2023, dos quais se destacam 22 anos de dedicação da biografada na criação e implementação de uma educação infantil diferenciada. Uma experiência inovadora no início da década de 1990, cujas raízes continuam educando inúmeras gerações de professoras na UUNDC.

5 Considerações finais

A escrita biográfica de Fátima Sampaio nos convida a conhecer como se deu a sua inserção no curso de Economia Doméstica da UFC na década de 1970 e a importância dele no contexto histórico desse tempo para a educação. Conhecemos ainda a implantação da UUNDC ao retomar historicamente a vida pessoal e profissional da biografada. Para tanto, percorremos aspectos familiares que proporcionaram a sua formação educacional diferenciada, exploramos contextos históricos, políticos e pessoais e, por fim, arrematamos com a reconstituição contextualizada da sua experiência profissional junto à UUNDC.

Com base no recorte temporal de 1972 a 1994, trilhamos a história pessoal e profissional da nossa biografada. Ressaltamos que, para compreender a sua atuação profissional como educadora, pesquisamos desde a sua infância, por compreendermos que, conhecendo o seu contexto familiar, passando pela sua educação familiar e primária, podemos entender as ações e posturas da biografada diante dos vários aspectos delineados nesta pesquisa, que teve como objetivo biografar a educadora Fátima Sampaio da Silva, com ênfase na sua trajetória de vida, formação educativa e atuação profissional.

Amparamo-nos metodologicamente na história oral para, por meio dos seus relatos, colhidos mediante uma entrevista aberta realizada em seu apartamento, e das fontes escritas e imagéticas que compuseram este estudo, perseguir a intenção de alcançar o objetivo proposto de biografar cientificamente a vida dessa educadora, que contribuiu para a educação do Ceará, principalmente a educação infantil, ciclo de trabalho da UUNDC, como também com a formação de inúmeros profissionais, entre eles os pedagogos que são acolhidos pela instituição em seus estágios previstos nas grades curriculares dos cursos da UFC, cumprindo o tripé a que se propõe de favorecer o ensino, a pesquisa e a extensão.

A vida da professora Fátima Sampaio, sua educação escolar privilegiada em bons colégios e a oportunidade de estudar fora do Brasil resultaram na implantação do curso de Economia Doméstica na UFC e, por consequência, na criação da UUNDC. Esse contexto aqui apresentado nos permitiu, ao longo do artigo, realizar reflexões relevantes sobre a educação como um todo no recorte temporal pesquisado.

Atestamos, assim, a trajetória profissional da biografada e sua importante contribuição para a educação do Ceará, principalmente para os graduandos do curso de Economia Doméstica e dos demais cursos que inserem seus estudantes na instituição no período de estágios supervisionados. Ademais, pela quantidade de pesquisas científicas realizadas sobre a instituição, podemos reconhecer a importância do segmento que desperta interesse em muitos pesquisadores.

A partir dos resultados encontrados na pesquisa, julgamos ter atingido nosso objetivo de trazer à tona a vida dessa mulher, mãe e educadora que fez um caminho de doação e pioneirismo na educação. Ressaltamos ainda que este trabalho pode ter outras possibilidades de pesquisa ao desviar o olhar para áreas ainda não pesquisadas. Esperamos, com este estudo, colaborar com a história da UFC no que se refere ao já extinto curso de Economia Doméstica, especialmente ressaltando a contribuição da professora Fátima Sampaio e suas vivências na UUNDC.

1 A ideologia integralista nasceu dentro de um contexto de mudanças no país e no mundo a partir da década de 1930. “O Integralismo defendia a criação um Estado Integral de partido único, governado por intelectuais em uma estrutura hierárquica baseada na concepção doutrinária ultranacionalista liderada por Plínio Salgado” (O que [...], 2023).

2 O principal idealizador e líder do Integralismo brasileiro.

3 De acordo com Nunes (1979, p. 89): “A Lei de Equivalência, nº 1076, surgiu em 1950. Dava direito à matrícula no segundo ciclo secundário (clássico ou científico) de alunos concluintes do primeiro ciclo comercial, industrial e agrícola, tendo como exigência a prestação de exames das disciplinas de cultura geral não estudadas nos ciclos técnicos”.

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Recebido: 03 de Agosto de 2023; Aceito: 18 de Novembro de 2023; Publicado: 04 de Dezembro de 2023

Aurinete Alves Nogueira, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF)

ihttps://orcid.org/0000-0003-0457-2674

Professora da rede municipal de Fortaleza. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Gestão Educacional pela Universidade 7 de Setembro (UNI7) e mestranda em Educação pela UECE.

Contribuição de autoria: Elaboração do resumo, introdução, resultados e discussões.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6809915242569664

E-mail: aurineteanogueira@gmail.com

Fernanda Ielpo Cunha, Universidade Estadual do Ceará (UECE)

iihttps://orcid.org/0000-0002-4429-5555

Graduada em Serviço Social pela UECE, mestra em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e doutoranda em Educação pela UECE.

Contribuição de autoria: Elaboração da metodologia, resultados, discussões e considerações finais.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6809915242569664

E-mail: ferielpo@gmail.com

Lia Machado Fiuza Fialho, Universidade Estadual do Ceará (UECE), Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)

iiihttp://orcid.org/0000-0003-0393-9892

Professora permanente do PPGE da UECE. Pós-Doutoranda em História da Educação pela Universidade de Cádiz (UCA). Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Contribuição de autoria: Elaboração dos resultados, discussões, revisão e normalização.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4614894191113114

E-mail: liamatosbrito@yahoo.com.br

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc: Vitória Chérida Costa Freire e Maria José Barbosa

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