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Educação & Formação

versión On-line ISSN 2448-3583

Educ. Form. vol.8  Fortaleza  2023  Epub 23-Feb-2024

https://doi.org/10.25053/redufor.v8.e11503 

Artigos

A formação das normalistas na Escola Estadual de Campina Grande (1960-1971)

La formación de normalistas en la Escuela Pública Campina Grande (1960 a 1971)

Pâmella Tamires Avelino de Sousa1  i
http://orcid.org/0000-0003-4389-1336; lattes: 1084948038994764

Fabiana Sena2  ii
http://orcid.org/0000-0002-3340-7769; lattes: 2144689228615196

1Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB, Brasil

2Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil


Resumo

Este estudo tem como objetivo identificar o currículo formulado para a Escola Normal Estadual de Campina Grande, na Paraíba, criada em 1960, sendo a primeira instituição pública dessa cidade para a formação de professoras normalistas, dentro de um contexto histórico de consolidação das Escolas Normais ainda no século XX. A pesquisa de cunho documental tem como suporte metodológico o Paradigma Indiciário, por meio do qual se selecionaram as fontes - fichas individuais de matrícula - e se identificou uma quantidade significativa de vestígios que nos aproximam da história do currículo de formação das normalistas. A pesquisa se limitou ao período de criação da escola, em 1960, estendendo-se até 1971, quando o ensino normal foi desconfigurado a partir da Lei nº 5.692/71. Ao examinar o corpo de fichas desse período, constatou-se que a educação feminina na Escola Normal Estadual de Campina Grande teve como foco a naturalização da mulher e o seu aperfeiçoamento com alguns traços de uma cientificidade para a educação com crianças.

Palavras-chave formação; normalista; currículo; formação profissional; século XX.

Resumen

El objetivo de este estudio es identificar el currículo formulado para la Escuela Normal Estatal de Campina Grande, Paraíba, creada en 1960 y primera institución pública de la ciudad en formar profesoras normalistas, en el contexto histórico de la consolidación de las escuelas normales en el siglo XX. El soporte metodológico de esta investigación documental es el Paradigma Indicativo, a través del cual se seleccionaron las fuentes - fichas individuales de matrícula - y se identificó un número significativo de trazos que nos aproximan a la historia del currículo de formación de maestras normalistas. La investigación se limitó al período que va desde la creación de la escuela, en 1960, hasta 1971, cuando la enseñanza normal fue desconfigurada por la Ley nº 5.692/71. El examen de los registros de este período reveló que la educación femenina en la Escuela Normal Estatal de Campina Grande se centraba en la naturalización de la mujer y en su perfeccionamiento, con algunos rasgos de un enfoque científico de la educación de los niños.

Palabras clave educación; normalización; plan de estudios; formación profesional; siglo XX.

Resumo

The aim of this study is to identify the curriculum formulated for the Campina Grande State Normal School, in Paraíba, which was created in 1960 and was the first public institution in this city to train normalist teachers, within a historical context of consolidation of normal schools in the 20th century. The methodological support for this documentary research is the Indicative Paradigm, through which we selected the sources - Individual Enrollment Sheets - and identified a significant number of traces that bring us closer to the history of the curriculum for training female teachers. The research was limited to the period from the creation of the school in 1960 until 1971, when normal education was dismantled under Law 5.692/71. An examination of the records from this period revealed that female education at the Campina Grande State Normal School focused on the naturalization of women and their improvement with some traces of a scientific approach to educating children.

Keywords training; normalista; curriculum; professional training; 20th century.

1 Introdução

No Brasil, a formação de professoras é um campo consolidado em pesquisas na História da Educação. As investigações empreendidas com o objeto circundado nas Escolas Normais tomaram as primeiras instituições especializadas para o preparo de professores. Conforme Tanuri (2000), as primeiras Escolas Normais formavam professores, mestres para o ensino. Com o passar do tempo e desprestígio da profissão, as mulheres passaram, então, a assumir esse espaço. Por isso, aqui, nesse momento, referimo-nos à formação de professores. A primeira delas surgiu ainda no período imperial, na cidade de Niterói, na província do Rio de Janeiro (RJ), em 1835. A consolidação das demais escolas para este fim se deu na transição do século XIX para o século XX, passando por inúmeras mudanças, sendo a mais tangente a feminização do magistério. Seguindo o curso de expansão do ensino normal, a primeira dessas escolas a ser instaurada no Nordeste foi a de Salvador, Bahia (BA), em 1836, Teresina, Piauí (PI), no ano de 1864, sendo a segunda criada na região Nordeste. Também se ergueram as de Aracaju, Sergipe (SE), em 1870; Natal, Rio Grande do Norte (RN), em 1873; Fortaleza, Ceará (CE), em 1878; João Pessoa, Paraíba (PB), em 1884; e São Luís, Maranhã (MA), em 1890 (Araujo et al., 2008).

O compromisso educacional dessas escolas foi marcado por direcionamentos dos estados e da Igreja Católica, gerando, muitas vezes, distinções entre as instituições. Desse modo, o currículo normativo em âmbito nacional que organizava o ensino normal passou por diferentes interferências e interesses. A ausência de um currículo nacional para as Escolas Normais se explica devido à descentralização ocorrida ainda no Império, com a promulgação da Lei de Primeiras Letras, de 15 de outubro de 1827, que delegava às províncias a responsabilidade de criação e regulação de suas instituições escolares. Embora não houvesse um currículo nacional que guiasse essas instituições, estas promoveram o acesso e permanência das mulheres em suas instalações, transformando-se também em ambientes marcados por um discurso de ideal de professora e de mulher que circulou ali e na sociedade em geral, reproduzindo e mantendo a imagem da normalista.

É entendido no campo de estudos que as Escolas Normais passaram a se constituir como espaços essencialmente femininos, no Brasil, na transição do Império para a República. Essas instituições que já alcançavam número significativo de mulheres, em detrimento das matrículas de homens, emergem e desencadeiam o processo de feminização do magistério (Kulesza, 1998). Na província paraibana, a formação da Escola Normal ocorreu em 7 de abril de 1885 (Kulesza, 2008). Desde a sua criação, essa escola já apresentava quantitativamente uma presença acentuada de alunas. Conforme o autor, a ausência de uma uniformidade no ensino primário e normal acentuava as debilidades da educação. Nesse sentido, a Escola Normal na Paraíba ficou conhecida como local de distinção de algumas moças da sociedade. Como em outras províncias e estados, a instituição paraibana foi modelo para outros cursos normais da localidade, a exemplo dos que funcionavam em Campina Grande-PB, precedendo a criação da Escola Normal Estadual de Campina Grande (ENECG) - no Instituto Pedagógico -, onde funcionou o primeiro curso normal da cidade equiparado à Escola Normal da Paraíba.

Ao tomar como foco a ENECG, o recorte temporal se dá de 1960 a 1971, atendendo à primeira década de seu funcionamento, desde a sua criação, em 1960, por meio da Lei Estadual nº 2.229/1960, passando pela instalação em seu prédio próprio, quando foi denominada A Milésima, em decorrência de ser esta sua posição na ordem de obras entregues à sociedade, em 1970, pelo Governo Estadual de João Agripino, até 1971, com a promulgação da Lei nº 5.692, que caracteriza o ensino profissionalizante e altera a concepção da formação no magistério. Essa informação pode ser encontrada no jornal Diário da Borborema, na notícia de 10 de maio de 1970, na segunda página, ano XIII, nº 4.067, bem como na placa de entrega afixada no prédio da Escola Normal Estadual Padre Emídio Viana Correia. Nesse recorte, muitas questões instigam o fazer historiográfico da formação das normalistas; nesse momento, iremos nos ater ao currículo, por meio das disciplinas cursadas pelas alunas que estão registradas em suas fichas individuais de matrícula.

A criação da ENECG foi motivada pelas políticas de desenvolvimento nacional, que repercutiam nos governos locais, além de ser apontada como uma das exigências sociais e culturais da população (Agra do Ó, 2006). Como apresentado no Anteprojeto (Paraíba, 1959), a criação da Escola atendia às diretrizes da política educacional adotada pelo governo, que se encontrava comprometido com a expansão do ensino normal, assim se aumentaria o número de professoras diplomadas.

Diante desses dados iniciais e do conteúdo presente nas fichas individuais das normalistas, indagamos: como se desenvolveu o currículo escolar da formação de professoras nessa Escola Normal? Como eram organizadas as disciplinas escolares? Para tanto, objetivando identificar o currículo formulado para a ENECG, que desencadeou as práticas e culturas escolares desenvolvidas nessa escola na primeira década de funcionamento (1960-1971), analisamos a Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952, que define a organização do ensino normal do estado da Paraíba; e as fichas individuais de matrícula, como já mencionado.

Entendemos que discorrer sobre aspectos particulares, singulares e históricos da formação docente é condição sine qua non para o entendimento de práticas vivenciadas na educação e na sociedade, em particular a paraibana, algumas já ultrapassadas, ineficazes, porém ainda vistas como naturais ou legítimas pelos que fazem os currículos.

2 O Ensino Normal na Paraíba

A Escola Normal da Paraíba teve sua inauguração no período imperial, a partir da promulgação da Lei nº 761, em 7 de dezembro de 1883, regulamentada em 30 de junho de 1884 (Kulesza, 2008). As características sociais, culturais e econômicas do contexto paraibano distinguiram essa Escola Normal das suas congêneres, fosse pela criação autônoma que defendia a escola enquanto espaço específico para a formação de professores, fosse pela diferença didática, pedagógica e administrativa.

Constituída a partir de dois níveis: de 1º e de 2º graus, e dividida para os sexos masculino e feminino, sua finalidade educativa estava em garantir novos rumos para o ensino primário na província da Paraíba. As matrículas na escola feminina foram exitosas, enquanto na escola masculina não houve procura (Araújo, 2010), marcando, de forma acentuada, a presença das normalistas no contexto paraibano, desde a instauração da primeira Escola Normal.

Apesar de essa instituição ser o local por excelência para a formação de professoras, sua atuação ficou restrita ao preparo das boas moças e futuras donas de casa. A Escola Normal passou a ser concebida como “[...] uma escola do sexo feminino destinada às elites, [...] servindo muito mais para preparar a mãe e a esposa, necessárias para uma sociedade em mudança, do que para formar uma futura professora” (Kulesza, 2008, p. 270).

Outras instituições para normalistas ligadas à Igreja Católica também marcaram a formação docente paraibana. As pesquisas acerca dessas instituições evidenciam exemplos das normas, condutas e projetos pedagógicos que envolviam essas escolas. Um exemplo dessa natureza é o Colégio Nossa Senhora de Lourdes (CNSL), que foi criado na cidade de Cajazeiras, localizada no sertão paraibano, em 1928, pelas religiosas da Congregação das Irmãs do Instituto de Santa Doroteia (Sousa, 2018). Conforme a autora, a instituição atendia ao ensino primário e ao curso normal, em regime de internato, semi-internato e externato. “[...] Tanto o Primário, como o Normal atendia, exclusivamente, às meninas, na maioria das vezes, filhas das famílias mais abastadas de Cajazeiras e região, que buscavam em um colégio religioso a formação pertinente para suas garotas” (Sousa, 2018, p. 18).

O Colégio Normal Francisca Mendes, na cidade de Catolé do Rocha, no sertão da Paraíba, conforme investigação empreendida por Sousa (2012), foi criado no ano de 1939, atendendo às perspectivas sociais de caráter político e econômico. Além disso, contribuía com a educação de cidades circunvizinhas, sob a tutela de reparar o atraso educacional do interior paraibano.

A ausência de outras instituições educacionais nos espaços mais remotos do estado viabilizava o grande acesso de alunas à Escola Normal, porém isso não garantia que as escolas primárias tivessem um quadro significativo de professoras normalistas. Outro estudo envolve o curso normal regional de Mamanguape, criado em 1949, investigado por Soares (2016). A autora destaca que a criação dessa instituição envolveu características sociais relacionadas ao projeto econômico, que defendia a educação como redentora, assim o acesso à escola proporcionaria a ascensão e o controle social.

Acerca da constituição de Escolas Normais durante as décadas de 1940 e 1950, Saviani (2008) afirma ter sido o marco constitutivo dessas instituições. Durante esse período, os cursos atendiam majoritariamente ao público feminino. Sobre os processos de instauração e reestruturação, Soares (2016) conclui que existiam, no interior norte-paraibano, estratégias que estavam relacionadas à proposta do governo federal de diminuir os altos índices de analfabetismo; para isso, restauravam-se e criavam-se os cursos normais. Na cidade de Mamanguape e em Catolé do Rocha, a Escola Normal Regional formou professoras, inclusive para as cidades circunvizinhas: Rio Tinto, Bahia da Traição, Jacaraú, Itapororoca e Marcação.

Ao considerar o pacto de desenvolvimento e os altos índices de analfabetismo da década de 1950, o governo estadual paraibano intensificou o Plano Educacional de Reestruturação do Ensino Normal. Entre 1951 e 1956, a Paraíba, sob o governo de José Américo de Almeida, contava com 19 Escolas Normais (Sousa, 2012).

Após a Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal), entre os anos de 1949 e 1955, o Ensino Normal paraibano teve a criação e aprovação de seis leis que estavam diretamente relacionadas a escolas que ofertavam essa formação, são elas: Lei nº 608, de 13 de novembro de 1951, que reestruturou a carreira de inspetor técnico de ensino; Lei nº 722, de 4 de janeiro de 1952, que criou a Superintendência do Ensino Normal; Lei nº 850, de 2 de dezembro, que corresponde à Lei Orgânica do Ensino Normal da Paraíba; Lei nº 867, de 30 de dezembro de 1952, que organizou o quadro docente do Instituto de Educação; Lei nº 1.172, de 28 de março de 1955, que criou 55 cargos de inspetores educacionais; e Lei nº 1376, de 12 de dezembro de 1955, que efetivou os professores fundadores das cadeiras existentes na Escola de Formação de Professores (Soares, 2016).

A Lei nº 1.635, de 14 de dezembro de 1956, que “Cria a Divisão do Ensino Normal e dá outras providências”, o Departamento de Educação do Estado, a Divisão do Ensino Normal, com o objetivo de administrar, orientar, planejar e fiscalizar o ensino normal, extinguiu o cargo de superintendente do ensino normal. Também criou, no quadro permanente do estado, os cargos de diretor da divisão do ensino normal, diretor do Instituto de Educação, inspetor-geral do ensino normal, secretário e bibliotecário arquivista. Ainda conforme a Lei, em seu artigo 4º, o Regimento da Divisão do Ensino Normal seria elaborado pelo Poder Executivo.

Essas leis demonstram uma estruturação do Ensino Normal, uma organização que atendia a um projeto de organização e reestruturação da formação de professoras. De acordo com o documento GG/484 - Ofício de 26 de outubro de 1959,

[...] as diretrizes da política educacional do meu Govêrno [sic], empenhado na expansão do ensino normal com o intuito de no Estado aumentar o número de professôras [sic] diplomadas. Nesse sentido é que se vem estimulando os estabelecimentos de ensino particular disseminados pelo interior do Estado a que instalem, restaurem ou revigoram os seus cursos normais, o que não se tem traduzido em mera sugestão/ou apelo [sic], mas também assistência técnica ao professorado, como se fez com o curso de aperfeiçoamento para professores das escolas normais particulares (Paraíba, 1959, p. 1).

O “Govêrno” mencionado na citação acima diz respeito ao período administrativo de Pedro Gondim, que encaminha o ofício a José Fernandes de Lima, deputado que atuava como presidente da Assembleia Legislativa da Paraíba, informando acerca da criação da ENECG. Cabe destacar que esse movimento de reestruturação se estendia a todas as instituições de formação de professoras, particulares ou públicas. Podemos supor, mediante a informação do curso de aperfeiçoamento, que, possivelmente, o número de escolas/cursos normais particulares destacava-se em relação às escolas públicas. Ademais, as diretrizes se apresentavam como algo para além de mera orientação, pois a mudança era necessária e imposta.

Com ênfase no projeto expansionista de estruturação e reestruturação do ensino normal na Paraíba, foram publicados os seguintes documentos oficiais: o Projeto de Lei nº 543/1959, que “Cria a Escola Normal Estadual de Campina Grande de 1959”, e a Lei nº 2.229, de 31 de março de 1960, inaugurando a primeira Escola Normal Pública de Campina Grande-PB, objeto de nosso estudo. Nas bases da criação dessa Escola, coexistem as prerrogativas do momento político nacional desenvolvimentista durante a década de 1950, que via a educação como etapa necessária ao desenvolvimento da sociedade/estado.

Sobre a instalação da escola, constatamos, no documento GG/484 - Ofício de 26 de outubro de 1959, a presença de especificidades quanto à organização curricular da ENECG, conforme a transcrição adiante:

Confrontando a organização administrativa e o currículo do seu curso pedagógico, constata-se que o ante-projeto [sic] da Escola Normal Estadual de Campina Grande apresenta estrutura idêntica a [sic] do Instituto de Educação, denominação que, entretanto, em tôdas [sic] as unidades da Federação, é reservada à escola normal padrão, que não se restringe ao curso normal, por isso que ele cumpre promover cursos permanentes ou periódicos de aperfeiçoamento e especialização do professorado de grau médio e elementar e promover outras necessidades extracurriculares atinentes ao aprimoramento do ensino normal e primário, servindo de modêlo [sic] às instituições que se lhe equiparam. É o que se depreende da Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952 (Paraíba, 1959, p. 2).

De acordo com a leitura do artigo 4º da Lei nº 1.635, de 14 de dezembro de 1956, que prevê a criação do Regimento da Divisão do Ensino Normal pelo Poder Executivo, podemos interpretar essa atitude na organização do currículo da ENECG como uma ação estatal, a partir da qual se entende que os mecanismos de poder apropriados pelo Estado determinam quem domina o discurso (Foucault, 2014).

Esse discurso confere legitimidade às ações pedagógicas e formativas a serem desenvolvidas pela Escola, garante-lhe um local de produção da cultura formativa e de representação da profissão docente e da construção da identidade desse profissional. Com base em Chartier (1991, p. 183), compreendemos essa construção como um resultado da relação de forças “[...] entre as representações impostas pelos que detêm o poder de classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou de resistência, que cada comunidade produz de si mesma”. Vê-se a Escola com identidade, logo com privilégio e poder sobre os conteúdos extracurriculares, e, no aprimoramento do ensino normal, vista como exemplo a ser seguido e orientador de outras instituições, conferindo-lhe uma posição de evidência no interior paraibano.

Nessa perspectiva, desde a criação da primeira Escola Normal paraibana, ainda no período imperial, até a implantação da ENECG no século XX, em 1960, percebemos o Estado como estrutura que organiza os conteúdos curriculares e socioculturais da formação de professoras, a qual se adapta ao modelo político e à transição dos governos do século XIX para o XX, sempre se reinventando. Os estudos aqui apresentados demonstram alguns modelos de representação estabelecidos em decorrência do perfil docente, como também características semelhantes no processo de criação das escolas em favor do desenvolvimento econômico. A pertinência dessas análises aponta para o significativo campo de estudo que se desdobra com o objeto das Escolas Normais.

3 O tempo de formação e os conteúdos socioculturais da Escola Normal na Paraíba

O tempo e a organização são instrumentos facilitadores do agir pedagógico, de modo que as atividades escolares, os regimentos, as normas e as leis objetivam garantir a organização por meio de dispositivos que regulam, instrumentalizam, identificam e fiscalizam as particularidades do ensino. Ao legitimar-se como instituição formadora de professoras entre o século XIX e XX, as Escolas Normais consolidam a idealização da formação docente.

A partir da década de 1950, na Paraíba, novos dispositivos legais foram criados, a fim de regimentar e orientar esse nível de ensino. Os conteúdos ministrados na Escola Normal seguiram a organização definida na Lei nº 850, de 2 de dezembro de 1952 - Da organização ao Ensino Normal do Estado da Paraíba. Essa lei decorreu, possivelmente, das orientações estabelecidas, em nível nacional, pelo Decreto-Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946, orientações que não foram acatadas rigidamente por todos os estados. Em concordância com Moraes (2014), os estados que optaram por elaborar suas próprias normas acabaram não diferindo do Decreto-Lei.

Com o projeto de reestruturação do ensino normal a partir de 1950, supomos que a Paraíba organizou um sistema de ensino pautado em normas, regulamentos e diretrizes que delineavam a execução da formação de professoras, gerindo o tempo das atividades, a forma de organização interna das instituições e demais formas de enquadramento que definiriam o fazer docente. Esse padrão regulador, ainda que pautado em interesses mais econômicos do que intelectuais, tem valor, conforme se lê em Foucault (2014, p. 165): “[...] Técnicas sempre minuciosas, muitas vezes íntimas, mas que têm sua importância: porque definem um certo modo de investimento político e detalhado do corpo”. A política educacional desse contexto investia em técnicas forjadas por um simbolismo social, aceito como algo natural do universo feminino, o qual justificava a normatização que controlava a formação de professoras.

A Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952, é um documento que regulamenta todo o ensino normal paraibano, sendo definido como Lei Orgânica Paraibana. Essa Lei estava estruturada conforme as bases e organização do Ensino Normal, atuando sobre os estabelecimentos de ensino, instituições próprias e equiparadas, controlando o ingresso e permanência dos professores formadores, regulando, também, as finalidades do ensino normal, a estruturação das disciplinas, compondo a vida escolar, isto é, os trabalhos e atividades escolares, o tempo de formação e as disciplinas escolares a serem desenvolvidas para os cursos de formação de professoras e regentes do ensino, ou seja, é uma lei que contempla toda a organização do Ensino Normal paraibano, complementando as diretrizes nacionais.

Dividida em cinco títulos que são constituídos de capítulos complementares: a) das finalidades do ensino normal; b) do ensino normal e do ensino livre; c) dos estabelecimentos de ensino normal; d) do instituto de educação; e) dos estabelecimentos equiparados, essa Lei previa uma vigilância sobre diferentes aspectos formativos: a instrução das normalistas, a conservação da moralidade e a definição do salário dos professores que realizariam a educação das normalistas. Segundo Moraes (2014, p. 88), “[...] até a década de 1940, a criação e o funcionamento das Escolas Normais não atendiam ainda a [sic] demanda de formar professores para os anos iniciais da escolarização”.

Os projetos de desenvolvimentismos em curso na Paraíba, ligados à mudança socioeconômica da sociedade, impulsionaram também uma alteração nos currículos educativos das escolas primárias. E a formação das professoras, que não contava com uma sistematização mais organizada acerca do fazer docente, mas correlacionava a escolarização da mulher apenas como um momento de aperfeiçoamento das atividades domésticas e da representação de esposas e mães, passou, com a instauração das Leis, a conferir ao magistério o caráter de uma profissão viável para as mulheres, que acumulariam facilmente suas funções domésticas, com vantagens de conquistar um diploma e, talvez, adentrar no ensino superior (Moraes, 2014).

Entre as determinações da Lei Orgânica (Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952), especifica-se, na segunda seção, mais precisamente as orientações para o Ensino Oficial e o Ensino Livre; o primeiro pode ser ministrado tanto pelas unidades dos poderes públicos quanto pelas da livre iniciativa particular (rede privada de ensino), desde que as unidades desta última obedeçam às normas constantes nas leis e regulamentos estaduais. O Ensino Livre era ofertado nos cursos normais em escolas anexas a instituições particulares, equiparadas à Escola Normal da Paraíba, situação na qual Campina Grande-PB se encontrava até a criação da ENECG, em 1960.

As instituições equiparadas deveriam cumprir exigências mínimas, definidas na Lei: dispor de prédios e instalações apropriadas, laboratórios, museus, biblioteca, auditório e aparelhamento necessário para a educação física; dispor de material didático suficiente e adequado, além de capacidade financeira para a manutenção do funcionamento integral da escola; manter a organização do ensino e observação do regime dos programas escolares no acordo das instruções específicas na lei em vigor; constituir corpo docente com indispensável idoneidade moral e técnica; promover ensino de Português, Geografia e História do Brasil por professores brasileiros natos; conceder remuneração conforme as bases expedidas para o ensino secundário pelo Ministério da Educação e Saúde; assegurar funcionamento de escolas primárias anexas, onde deveriam ser desenvolvidas as práticas de ensino; garantir a manutenção do Ginásio, reconhecido pelo Governo Federal e por seu regimento interno.

Embora não seja nosso objetivo discorrer sobre as especificidades das instituições que ofereciam o ensino normal, destacamos a preocupação organizacional, definida na Lei nº 850, de 6 de dezembro de 1952, para as instituições particulares/ equiparadas. Quase na mesma medida, as escolas públicas funcionariam também sob a vigilância da Lei, mas poderiam ser instauradas em espaços por empréstimos, até a construção do seu prédio. Assim aconteceu com a Escola Normal paraibana, no período imperial, e com a Escola Normal campinense, em 1960.

O Instituto de Educação, com funcionamento que previa o regime de externato, seria limitado ao sexo feminino e atenderia ao curso secundário de dois ciclos, com formação de professoras primárias, especialização do ensino normal e cursos de administração escolar do grau primário. Anexa ao Instituto, deveria funcionar também uma Escola de Aplicação, destinada aos cursos primários e pré-primários, além de fomentar a prática do ensino realizada pelas normalistas em formação.

Dessa forma, entendemos que o ensino normal na Paraíba era organizado a partir de um corpo de instruções e recomendações que norteavam as representações do próprio curso normal, dos professores formadores e dos conteúdos a serem aplicados e atentavam para a necessidade de se cumprirem as práticas de ensino que materializavam essas representações.

Essas considerações iniciais discorrem sutilmente sobre as idealizações do ensino normal. Alicerçado numa proposta de formação pedagógica direcionada exclusivamente para mulheres, o curso seguia a determinação de preceitos que se distinguiam conforme a instituição que o ofertava, isto é, havia distinções entre aquele da instituição pública e o da organização particular. A Igreja fazia parte dessas ofertas, pois identificamos a presença dessas Escolas Normais, na Paraíba, na maior parte das vezes, sob o domínio da Igreja Católica, o que conferia entendimento de que o ensino era confessional e/ou particular. Os preceitos estabelecidos definem também as intenções ideológicas vinculadas a esse tipo de formação nesses estabelecimentos de ensino.

Os programas de orientação geral do ensino são definidos como normas simples para os programas das disciplinas, devendo sempre estar em concordância com as orientações metodológicas do Ministério da Educação e Saúde. Sobre as aulas de Educação Moral e Cívica, a orientação não é definida em qualquer programa específico. As aulas de metodologia, isto é, que envolviam as práticas do fazer docente, segundo a Lei nº 850/1952, deveriam seguir, de maneira sistemática, os programas do ensino primário, os quais, quando necessário, devem ser revisados. A prática de ter o currículo da Escola Normal associado ao ensino primário era recorrente. Essa prática reduzia a qualidade da formação docente e limitava os planos educativos das Escolas Normais (Tanuri, 2000).

Ao analisar as disciplinas cursadas pelas normalistas da ENECG, evidenciamos que esses três primeiros anos são equivalentes à estruturação proposta pela Lei Orgânica do Ensino Normal (Decreto-Lei 8.530/1946) e pela Lei nº 850/1952 - Da Organização ao Ensino Normal do Estado da Paraíba.

A formação das normalistas, no currículo da Instituição bem como nas leis, aponta para a natureza do curso com uma perspectiva maternal, isto é, uma preparação para aperfeiçoar a vocação feminina, nesse caso, educar as crianças pequenas, contribuindo, de uma forma geral, com a construção do cidadão, fosse em casa ou na escola.

Quadro 1 Disciplinas cursadas na ENECG (1960-1962) 

1ª série 2ª série 3ª série
1960 1961 1962
Português Português e Literatura Portuguesa Psicologia Educacional
Matemática Biologia Educacional História da Educação
Física Filosofia da Educação Sociologia Educacional
Química Psicologia Geral Higiene e Puericultura
Biologia Geral Higiene e Educação Sanitária Metodologia
Anatomia e Fisiologia Metodologia Prática do Ensino
Música e Canto Orfeônico Música e Canto Orfeônico Música e Canto Orfeônico
Educação Física Desenho Desenho
Desenho Artes Aplicadas Artes Aplicadas
Artes Aplicadas História da América Educação Física
Geografia da América Educação Física
Geografia e História da Paraíba

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Tal perspectiva fica evidenciada na identificação de algumas disciplinas, a saber: Música e Canto Orfeônico, Desenho, Artes Aplicadas e Higiene e Puericultura. Conforme Kulesza (2014), essas disciplinas compunham um conjunto próprio para o exercício da profissão. Acentuava a missão feminina para com o lar, para ser mãe ou para ser professora de crianças, uma vez que se coadunava com suas afeições naturais. As demais disciplinas, ainda segundo Kulesza (2014), eram de Formação Geral.

Identificamos também disciplinas voltadas para a cientificidade e/ou prática do ensino, tais como: Psicologia Educacional, Biologia Educacional, Metodologia e Prática de Ensino. Conforme Moraes e Santos (2015), o contexto histórico brasileiro interferiu no currículo das Escolas Normais. Assim, entendemos a profusão dessas disciplinas como ênfase também do período tecnicista - na instauração do magistério como profissão notadamente feminina, o discurso médico-científico também fez parte do currículo educacional da formação de professoras (a infância e a educação são temas pertinentes ao científico) (Louro, 1997).

Ademais, aulas de Desenho, Artes Aplicadas, Música e Canto Orfeônico e Educação Física Recreação e Jogos também estavam presentes no currículo formativo das normalistas. A orientação desse documento pauta-se, portanto, no cumprimento dessas atividades já presentes no ensino primário. De acordo com Tanuri (2000), essa é uma das primeiras técnicas empregadas para a formação docente: repetir o que se deve ensinar nas escolas primárias. Acreditamos que a formação das normalistas estava submetida à adoção de técnicas, cunhadas na reprodução do que já era desenvolvido na educação primária.

Durante todo o currículo formativo das normalistas campinenses, constatamos as atividades de Desenho, Artes Aplicadas e Música. A referência a essas atividades se fazia presente nas fichas individuais das alunas, como nas matérias divulgadas no jornal Diário da Borborema, que anunciava as práticas e culturas escolares desenvolvidas pelas alunas. Esse jornal era de circulação diária, pertencente à Rede de Diários Associados. Seu funcionamento de forma impressa se deu de 1957 a 2012. Atualmente as edições do jornal se encontram disponíveis na Biblioteca de Obras Raras Átila Almeida, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Assim como a propagação das práticas religiosas, que embora não se constituíssem em disciplinas, normalmente eram associadas às normalistas pelas solenidades religiosas e pela divulgação das atividades no jornal.

A Lei nacional (Decreto-Lei nº 8.530/1946) e a estatal (Lei nº 850/1952) não definem o ensino religioso como obrigatório, mas consideram que este pode ser incluído como disciplina nos cursos de ensino normal, sem constituir obrigação para os professores ou frequência forçosa das alunas. Mesmo após as definições do Decreto-Lei nº 8.530/1946, algumas instituições mantiveram em seus currículos a Educação Religiosa, principalmente as escolas dirigidas pela Igreja Católica, pois, ainda no século XX, a educação das mulheres estava intensamente marcada pela noção imagética de sua preservação moral (Moraes, 2014).

Ao analisarmos a Lei nº 850/1952, identificamos em seu teor um argumento para denominar e sobre como constituir as Escolas Normais. Entendia-se sua constituição e denominação como centros de cultura escolar e extraescolar, onde se deveriam desenvolver ações moralizadoras em prol da dignidade da carreira da professora primária. Analisando tal perspectiva, compreendemos que a “[...] constituição da identidade de um grupo compreendida [...] uma dimensão multifacetada, deve ser analisada no quadro de construção dos processos de representações” (Villanova, 2008, p. 73).

Dentro de um conjunto de atividades desenvolvidas dentro e fora da escola, cumpre-se, então, a representação do fazer-se professora. Essa construção passa a ser visível para a sociedade, que, no senso comum, estimula, a partir do passado, na projeção do futuro, a percepção das permanências nas representações do magistério (Villanova, 2008). A reprodução na Escola Normal das atividades do ensino primário, bem como o ensino da moral por meio da religião, garante, por longo período, que a função de ensinar as crianças é atividade simples de se realizar e está associada à maternidade, ação e condição impreterível da mulher.

Considerando a prerrogativa de que os cursos normais deveriam adotar em seu currículo disciplinas que fizessem menção ao programa da escola primária, compreendemos que havia uma ênfase no ensino de Português bem como no de Desenho, Canto Orfeônico e Educação Física, Higiene e Educação Sanitária, sobressaindo questões já evidenciadas por Louro (1997), no que diz respeito a naturalização de algumas atividades com as afeições femininas.

A modernização, a ordem e o progresso da sociedade dependiam da higienização da família e dos jovens cidadãos, sendo a professora - mãe - responsável por esse desenvolvimento físico e emocional das crianças. Na perspectiva de Moraes e Santos (2015, p. 17), ao tratarem sobre as disciplinas de Educação Física e Puericultura nos cursos de ensino normal, enfatizam:

[...] hábitos de higiene capazes de criar no povo brasileiro a consciência de saúde ideal tão necessária a [sic] melhoria física, mental e racial das futuras gerações. A educação escolar foi a melhor via para o alcance desses objetivos, além de zelar pela saúde das crianças [sic] corrigindo possíveis desvios, a escola contribui para a formação de desenvolvimento de padrões adequados de comportamento, cultivando na criança hábitos de moralidade, honestidade e higiene.

O currículo para a formação de professoras assume, então, dupla finalidade, à medida que as mulheres eram educadas para agir com um importante papel na sociedade, isto é, tinham delineada sua conduta profissional, essa culminaria não só em suas ações familiares como também na educação escolar - ela se educava e, consequentemente, educava os demais. Para isso, “[...] a boa professora deveria apreender a possibilidade de transformação social por meio da educação e a importância da atividade e do interesse para garantir um processo educativo eficiente” (Viviani, 2005, p. 210).

A composição das disciplinas da ENECG foi sendo configurada em conformidade com a normativa legal. No Quadro 2, analisamos as matérias que compunham o currículo para a formação das normalistas.

Quadro 2 Disciplinas cursadas na ENECG (1964-1966) 

1ª série 2ª série 3ª série
1964 1965 1966
Português Português Português
Matemática Estatística Fundamentos
Psicologia C.F. Biológicas Didática das Ciências
Metodologia Psicologia Prática de Ensino
C.F. Biol. Puericultura Desenho
Sociologia Metodologia Didática da Linguagem
Atividade Artística Metodologia da Linguagem Psicologia
Educação Física Desenho
Desenho Fundamentos
Higiene Geografia e História

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A disciplina de Português está presente em grande parte do currículo escolar, acrescida da Literatura de Língua Portuguesa, mas a predominância se mantém nas aulas de Desenho, Artes Aplicadas, Música e Canto Orfeônico, Educação Física, Recreação e Jogos. Tais disciplinas, instrumentais, existem no currículo das Escolas Normais desde o início do período republicano. A inclusão dessas disciplinas não dizia respeito apenas à inclusão das artes no contexto da cultura brasileira, mas desenvolver os aspectos de modernização e dos novos rumos da sociedade. Esse discurso perdurou até o século XX, e as disciplinas passaram a ser defendidas no currículo das normalistas pelo fato de este “[...] oferecer métodos de ensino que resultariam no bem-estar dos alunos; música, nesse sentido, assumia uma função de equilíbrio, acalmando-os e descansando o espírito para enfrentar atividades exaustivas de raciocínio” (Moraes; Santos, 2015, p. 15).

Em sequência, as turmas dos anos de 1968 a 1970 cursam disciplinas com mesmo teor instrumental e formativo. Em acréscimo, identificamos as disciplinas de Moral e Cívica e Administração Escolar, no ano de 1970. Ainda assim, a ênfase na Didática e Prática de Ensino se faz presente em toda a formação, constituindo o fazer docente.

Quadro 3 Disciplinas cursadas na ENECG (1968-1970) 

1ª série 2ª série 3ª série
1968 1969 1970
Português Português Português
Matemática Matemática Fund. Hist. e Fil. da Educação
Psicologia Ciências Moral e Cívica
Metodologia Psicologia Prática do Ensino
Ciências Prática do Ensino Administração Escolar
Sociologia Geografia Psicologia Educacional
Prática de Ensino Didática da Linguagem Didática Geral
Geografia Didática da Matemática Didática da Linguagem
Educação Física Fund. Hist. e Fil. da Educação Didática da Matemática
História História Didática dos Estudos Sociais
Educação Física Educação Física
Didática das Ciências
Canto e Música

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A recreação e o lúdico se constituem parte de atividades para o desenvolvimento das crianças; as disciplinas relacionadas ao Desenho, Artes, Música e Canto também nos parecem bastante valorizadas - assim como as disciplinas já citadas acima, presentes no currículo das três séries -, por definirem um ideal cultural que podia ser visualizado externamente por meio de apresentações culturais e exposições das atividades escolares. Assim, tanto as disciplinas instrumentais como as disciplinas de formação geral exercem uma padronização na forma de estabelecer a profissão da professora primária.

Quadro 4 Disciplinas cursadas na ENECG (1969-1971) 

1ª série 2ª série 3ª série
1969 1970 1971
Português Português Português
Matemática Matemática Fundamentos da Educação
Psicologia C.F. Biol. Educação Moral e Cívica
Didática Geral Psicologia Prática do Ensino
Ciências Físicas e Biológicas Prática do Ensino Administração Escolar
Sociologia Higiene Artes e Plásticas Visuais
Prática Educação Musical Psicologia Educacional
Geografia da Paraíba e Brasil Didática da Linguagem Didática das Ciências
Educação Física Fundamentos da Educação Didática da Linguagem
História da Paraíba e Brasil Didática das Ciências Didática da Matemática
Educação Moral e Cívica Didática das Práticas de Ensino
Educação Física Educação Física
Didática dos Estudos Sociais Recreação no Ensino Primário
Sociologia da Educação Canto e Música

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A Lei nº 850/1952 propõe a organização de um conjunto de disciplinas que não estavam apresentadas no Decreto-Lei 8.530/1946, Decreto Nacional, primeira Lei que define as normas de organização e finalidade do ensino normal no Brasil. São elas: na 1ª série, Geografia e História da Paraíba, Biologia Geral, Música e Canto Orfeônico e Geografia da América; na 2ª série, Português e Literatura Portuguesa, Filosofia da Educação, Higiene e Educação Sanitária e História da América. Ao analisar as fichas individuais de matrícula da ENECG, observamos a uniformidade com a organização da Lei. Nos quadros apresentados anteriormente sobre as disciplinas, há alternância das disciplinas conforme a série em que eram ofertadas, porém se seguia a recomendação das leis no período de 1960 a 1971, contexto desta pesquisa.

Disciplinas como Higiene e Puericultura, Biologia Geral/Educacional, Anatomia e Fisiologia e Psicologia compõem um corpus de condições e funcionamento do discurso (Foucault, 2014) acerca da profissão de professora. A escola brasileira decorre também de uma matriz médica, definindo que os hábitos de higiene e disciplinamento do corpo deveriam ser incorporados ao ambiente escolar. Ao prescreverem as medidas de organização do espaço, controle do tempo das atividades, normas de postura e moral, as práticas escolares absorvem o discurso médico, configurando, assim, a escola como um lugar de saúde (Gondra, 2004). Nesse sentido, as professoras deveriam intervir em sua prática pedagógica, que se configuravam como ações sanitárias.

Aos educadores não deveria parecer estranha a intervenção da higiene, mesmo em relação a questões hoje consideradas de natureza eminentemente pedagógica, cabendo antes repensar o seu trabalho em função dos preceitos higiênicos, na medida em que da articulação entre higiene e educação resultaria o equilíbrio entre o desenvolvimento físico e intelectual dos alunos (Rocha; Gondra, 2002, p. 503).

No que concerne ao modelo proposto pelo Decreto-Lei nº 8.530/1946, o artigo 8º, compreende que as disciplinas são recomendações, isto é, o mínimo proposto para compor o Ensino Normal, de modo que a Lei paraibana (nº 850/1952), ao inserir outras disciplinas, não estava infringindo a norma nacional. Tais disciplinas fomentavam o currículo mínimo disposto nas necessidades pedagógicas que podem ser entendidas a partir de duas dimensões: a) o currículo necessário para a intervenção da higiene e b) o currículo feminino para as normalistas, considerando-se a necessidade de inserção da disciplina Higiene e Puericultura, uma vez que a formação de professoras com base no currículo do ensino primário não estaria contemplada pelos conteúdos referentes aos primeiros anos de formação da criança, isto é, os recém-nascidos e as crianças bem pequenas. Como descrito na Lei 4.024/1961, artigo 27, “O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na língua nacional”. Dessa forma, os estudos de Higiene e Puericultura estavam voltados, notadamente, para práticas educativas para além do ambiente escolar, ou seja, para a educação familiar e social.

Mesmo assim, ao tomar como referência as disciplinas excedentes no projeto paraibano, identificamos sinais da proposta educacional paraibana para a formação de professoras. Nas três séries do curso normal, as disciplinas de Música e Canto Orfeônico, Desenho e Artes Aplicadas e Educação Física, Recreação e Jogos - estas duas últimas disciplinas também aparecem nas três séries da Lei Orgânica - fazem parte da proposta para a formação das normalistas. As disciplinas escolares seguem regras preestabelecidas - nesse caso, as disciplinas visavam orientar e regular as formas de agir e se comportar.

Com a análise dessa Lei, identificamo-la, na Paraíba, como um corpus de circulação e difusão da organização do Ensino Normal. A Lei, em sua extensão, define parâmetros que devem ser seguidos, assumindo-se como doutrina, estabelecendo-se uma hierarquização do funcionamento social (Foucault, 2014). As disciplinas pensadas como instrumentais compõem a construção da representação de professora; a Escola Normal forma moças que sabem desenhar, produzir objetos artísticos, que cantam e tocam instrumentos, ou seja, que possuem a formação exigida para professoras - mulheres. A valorização do comportamento social define também as exigências de atestados de boa conduta, a fim de evidenciar o moralismo que está presente nesse currículo educacional.

A partir da Lei de Diretrizes e Bases - 4.024/1961 -, o currículo da Escola Normal tem pequenas alterações. A mais significativa delas é ser composto pelas disciplinas obrigatórias do curso secundário ginasial mais as disciplinas de preparação pedagógica, além de ratificar o ensino religioso como facultativo.

Nas análises realizadas nas Fichas Individuais de Matrícula das alunas da ENECG, não localizamos o ensino religioso como disciplina escolar; no entanto, esse componente aparece nas atividades desenvolvidas pela escola, como: Páscoa, Missa em ação de graças, Bênção dos anéis, entre outros. Possivelmente, essas atividades busquem também preservar a moral e a instrução da mulher por meio da religião.

4 Considerações finais

As leis e decretos citados no decorrer deste texto se constituem como uma das fontes possíveis para nos aproximar do currículo proposto para o curso normal, especificamente em Campina Grande-PB. O delineamento e a organização de detalhes denunciam uma espécie de vigilância na formação das professoras. Em simetria com o período nacional desenvolvimentista, o estado da Paraíba construiu sua própria diretriz, que não se diferenciava substancialmente da Lei nacional, mas demonstrava, possivelmente, seu controle interno, ao normatizar regras para a construção do ensino normal.

Sobre o conjunto de fontes consultadas para esta pesquisa sob o olhar do referencial teórico, permitiu-nos identificar que o currículo, bem como as práticas pedagógicas e a cultura escolar desenvolvida na Escola Normal Estadual de Campina Grande, no período de 1960 a 1971, esteve pautado nas ideias de responsabilidade moral e cívica das normalistas para desempenharem o papel de mãe, esposa e filha para a educação campinense.

Essa afirmativa nos aproxima das construções em torno da formação das normalistas e das professoras em nossa história. Cabe rememorar que a ENECG foi criada em 1960, no transcurso de uma política nacional desenvolvimentista e sob a prática de políticas paraibanas que impulsionavam a alfabetização em consequência do desenvolvimento. Apesar de a preocupação econômica aparecer como tangente ao desenvolvimento, a educação ocupa lugar de discurso e, embora a formação de professoras fosse entendida como necessária, no exemplo da ENECG, acabou sendo relegada à morosidade. A escola foi criada, mas funcionava em dependências de outras instituições, fragilizando o desenvolvimento das práticas educativas.

Sobre o currículo do ensino normal campinense, concluímos que este era composto pelas disciplinas de formação instrumental - Higiene e Puericultura, Desenho - próprias para o exercício da profissão, e formação geral - Português e Matemática -, fundamentando a formação das normalistas (Kulesza, 2004), definindo-se, assim, que a formação feminina acentuaria sua prática para o lar, para a maternidade e, em alguns casos, para a docência de crianças pequenas, uma vez que combinava com as afeições naturais das moças.

Ser e fazer-se professora constitui, então, um entrelaçado de situações. Não se trata de uma missão para a qual as mulheres, especificamente, nascem prontas, caso contrário não seria necessário um currículo para moldá-las ou aperfeiçoá-las em tais circunstâncias. Nesse caso, ao currículo cumpre o papel de impor à escola, com seus agentes administrativos, o de agir, por meio das relações de poder, e de conferir legitimidade ao currículo pensado externamente para a formação das normalistas. Cabe destacar que, embora ainda externo, o currículo sofre influências do interno, do cultural e do social, logo deixa marcas, molda corpos e comportamentos.

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Recebido: 26 de Julho de 2023; Aceito: 17 de Outubro de 2023; Publicado: 28 de Novembro de 2023

Pâmella Tamires Avelino de Sousa, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)

ihttps://orcid.org/0000-0003-4389-1336

Professora substituta no Centro de Formação de Professores (CFP).

Contribuição de autoria: Concepção, primeira redação, investigação, metodologia, obtenção de financiamento (pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq).

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1084948038994764

E-mail: pamellatasousa@gmail.com

Fabiana Sena, Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

iihttps://orcid.org/0000-0002-3340-7769

Professora associada IV no Departamento de Metodologia da Educação e professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPB. Líder do Grupo de Pesquisa História, Memória e Educação.

Contribuição de autoria: Administração do projeto e escrita - revisão e edição.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2144689228615196

E-mail: fabianasena@yahoo.com.br

Editora responsável: Lia Machado Fiuza Fialho

Pareceristas ad hoc: Edilson Fernandes de Souza, Kátia Sebastiana Carvalho dos Santos Farias e Simone Amorim

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