1 Introdução
O construto da aprendizagem autorregulada tornou-se, nas últimas décadas, objeto de interesse de profissionais nas mais diversas áreas, dentre elas, a educação (ARCOVERDE et al., 2020; GANDA; BORUCHOVITCH, 2018; FRISON, 2016; SCHUNK; GREENE, 2018). Compreendido como processo que, mediante a regulação de fatores motivacionais, comportamentais, cognitivos e metacognitivos, possibilita o controle da própria aprendizagem (ZIMMERMAN, 2013), a autorregulação da aprendizagem é crucial para formação de indivíduos autônomos, motivados e estratégicos (AVILA; FRISON; VEIGA SIMÃO, 2016; GÓES; BORUCHOVITCH, 2020; WEINSTEIN et al., 2011; ZIMMERMAN, 2013). Estudantes autorregulados, dentre outras competências, utilizam-se, com expertise, de diferentes estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas, variáveis consideradas chave no processo de autorregulação (WEINSTEIN; ACEE, 2018; ZIMMERMAN, 2000, 2013).
As estratégias de aprendizagem são ferramentas que contribuem para a aquisição, armazenamento e recuperação da informação (MCCOMBS, 2017; OLIVEIRA; BORUCHOVITCH; SANTOS, 2009; SELI; DEMBO, 2020). São consideradas indispensáveis para manutenção do contexto psicológico e ambiental adequados para o bom processamento da informação, já que possibilitam o planejamento, o monitoramento e a regulação do comportamento, da motivação e das emoções dos estudantes (GÓES; BORUCHOVITCH, 2020; MCCOMBS, 2017; PELLISSON; BORUCHOVITCH, 2022; WEINSTEIN; HUSMAN; DIERKING, 2000). Autores destacam que habilidades autorregulatórias, como o emprego das estratégias de aprendizagem, podem e devem ser ensinadas, sobretudo na formação inicial de professores. Dessa forma, espera-se que os futuros docentes não só superem as dificuldades intrínsecas à formação e à profissão, mas também promovam ambientes favoráveis ao aprendizado estratégico e autorregulado em suas aulas (BANDURA, 2006; BORUCHOVITCH, 2014; CALLAN; SHIM, 2019; CEREZO et al., 2019; GÓES; BORUCHOVITCH, 2020; LAWSON et al., 2018).
Acontecimentos contemporâneos, como o regime de ensino remoto emergencial causado pela pandemia de Covid-19, só reforçaram a necessidade de que os alunos, especialmente futuros professores, apropriem-se e façam largo uso das estratégias de aprendizagem (ANTHONYSAMY; AH CHOO; SOON HIN, 2021; ESTRADA ARAOZ; GALLEGOS RAMOS, 2022; HONG; LEE; YE, 2021; KLEIN et al., 2021; PEREIRA NETO; FARIA; ALMEIDA, 2022). Contudo, lamentavelmente a produção nacional da área indica que estudantes de cursos de formação de professores fazem uso majoritariamente de estratégias de aprendizagem superficiais (MARINI; BORUCHOVITCH, 2014), apresentam dificuldades em gerenciar o tempo, manter a concentração e motivação, reportam baixo uso de estratégias autoavaliativas e tendem a se utilizar das autoprejudiciais, como a procrastinação (ARCOVERDE et al., 2020; GANDA; BORUCHOVITCH, 2016; VERSUTI; ANDRADE; ZERBINI, 2020).
Semelhantemente pesquisas internacionais revelam que, mesmo entre os docentes em exercício, é comum a presença de lacunas, conceituais e práticas, relativas ao tema. Essas podem eventualmente gerar baixas crenças de autoeficácia para o ensino da autorregulação, dificuldades para ensinar estratégias de aprendizagem, avaliar a própria prática pedagógica e consequentemente promover ambientes de aprendizagem adequados à aprendizagem autorregulada (CALLAN; SHIM, 2019; DE SMUL et al., 2018; DIGNATH; BÜTTNER, 2018; HALAMISH, 2018).
Frente à relevância das estratégias de aprendizagem para a formação inicial e para o dia a dia docente, é essencial aprofundar os conhecimentos acerca delas entre os futuros professores. Assim, o presente trabalho pretende mapear artigos nacionais e internacionais, de caráter descritivo-correlacional, acerca das estratégias de aprendizagem utilizadas por professores em formação inicial. Mais especificamente, tem-se como meta investigar se eles fazem uso dessas estratégias e com que frequência, bem como quais variáveis psicológicas, acadêmicas e demográficas podem estar relacionadas ao uso.
2 Metodologia
A presente pesquisa orientou-se nas mais recentes diretrizes para revisões sistemáticas estabelecidas pelo modelo PRISMA (PAGE et al., 2021). As buscas foram realizadas entre janeiro e março de 2022 e envolveram as bases de dados e periódicos virtuais Science Direct, Scopus, Education Resources Information Center (ERIC), Rede de Revistas Científicas da América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc), Scientific Library OnLine (SciELO) e Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Foram considerados os trabalhos publicados nos últimos seis anos, ou seja, entre 2017 e 2022.
Os descritores escolhidos para a busca de artigos internacionais acerca do uso de estratégias de aprendizagem em estudantes de cursos de formação de professores foram: “learning strategies”, “self-regulated learning”, “self-regulated students”, “self-regulated learning strategies”, “study strategies”, “study habits”, “pre-service teachers”, “student teachers” e “teacher education”. Para a busca de artigos nacionais na mesma temática, utilizaram-se os mesmos descritores, mas em português. Durante as buscas, foram utilizados operadores boolianos (and, or, and not) para combinar os descritores, sendo que estes poderiam estar localizados em qualquer parte dos artigos.
Artigos revisados por pares, indexados em periódicos, de caráter descritivo-correlacional e que tivessem como público-alvo graduandos matriculados em cursos de formação de professores foram os critérios de inclusão estabelecidos na presente pesquisa. Artigos de revisão, teóricos, de intervenção ou com público-alvo distinto do citado foram excluídos. Um total de 770 trabalhos foram identificados nas seis bases de dados consultadas. Após as etapas de identificação, triagem e inclusão, 14 trabalhos que atenderam a todos os critérios de inclusão foram examinados detalhadamente e incluídos nesta revisão.
3 Resultados e discussão
As características gerais dos trabalhos incluídos na presente revisão se encontram no Quadro 1. Observam-se, no que tange à origem dos artigos, oito nacionalidades distintas. Destaca-se o baixo número de artigos nacionais, apenas três, em comparação aos internacionais, 11. Evidencia-se também que as publicações se concentraram entre os anos de 2019 e 2022. Não foram identificadas produções nos anos de 2017 e 2018. Em relação aos autores, observa-se pronunciada colaboração entre os pesquisadores, uma vez que apenas dois trabalhos foram publicados por um único autor.
A coleta das informações referentes ao uso de estratégias de aprendizagem nas pesquisas localizadas foi realizada em sua totalidade por meio de instrumentos de autorrelato. Dentre eles, destacam-se o Questionário de Estratégias de Motivação para Aprendizagem (MSLQ) (PINTRICH et al., 1993) e o Inventário de Estratégias de Estudo e Aprendizagem (Lassi) (WEINSTEIN; PALMER; ACEE, 2016), utilizados em três e dois artigos, respectivamente. Os demais dez instrumentos apareceram uma única vez. No que concerne aos cursos de formação inicial, destaca-se que os trabalhos envolveram majoritariamente a investigação de amostras que incluíram mais de um curso, com realce aos cursos da área de Ciências Naturais, presentes em quatro dos artigos.
Autoria/Ano | Local | Tipo de instrumento | Curso | Periódico |
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Liu et al. (2019) | Estados Unidos da América | Escala de estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas (LIU et al., 2018) | Licenciatura em Educação Física | European Physical Education Review |
Häkkinen et al. (2019) | Finlândia | Questionário de Estratégias de Motivação para Aprendizagem (PINTRICH et al., 1993) | Diversos cursos de formação de professores | Journal of Education for Teaching |
Jerónimo-Arango, Yaniz-Álvarez-de-Eulate e Carcamo-Vergara (2020) | Colômbia | Questionário de avaliação das estratégias de aprendizagem de estudantes universitários (GARGALLO; SUÁREZ-RODRÍGUEZ; PÉREZ-PÉREZ, 2014) | Diversos cursos de formação de professores | Revista Internacional de Investigación en Educación |
Autoria/Ano | Local | Tipo de instrumento | Curso | Periódico |
Körükcü (2020) | Turquia | Escala de Determinação de Estratégias de Aprendizagem Metacognitivas (GÜVEN; ÇÖGENLİ, 2014) | Licenciatura em Ciências Sociais | Metacognition and Learning |
Reindl, Tulis e Dresel (2020) | Alemanha | Instrumento de avaliação de estratégias de aprendizagem acadêmicas (WILD; SCHIEFELE, 1992) | Diversos cursos de formação de professores | Learning and Individual Differences |
Muwonge et al. (2020) | Uganda | Questionário de estratégias de motivação para aprendizagem (PINTRICH et al., 1993) | Licenciatura em Ciências | Social Science and Humanities Open |
Boon (2020) | Turquia | Escala de habilidades de autorregulação da aprendizagem (TURAN, 2009) | Licenciatura em Música | International Journal of Music Education |
Kingir, Gok e Bozkir (2020) | Turquia | Questionário de Estratégias de Motivação para Aprendizagem (PINTRICH et al., 1993) | Licenciatura em Ciências | Journal of Baltic Science Education |
Boruchovitch et al. (2020) | Brasil | Inventário de estratégias de estudo e aprendizagem (WEINSTEIN; PALMER; ACEE, 2016) | Diversos cursos de formação de professores | Educação: Teoria e Prática |
Vosniadou et al. (2021) | Austrália | Questões abertas acerca do uso de estratégias de aprendizagem | Diversos cursos de formação de professores | Metacognition and Learning |
Özdemir e Önal (2021) | Turquia | Escala de autorregulação da aprendizagem online (JANSEN et al., 2016) | Diversos cursos de formação de professores | International Journal of Contemporary Educational Research |
Juriševič et al. (2021) | Eslovênia | Questionário de Autorregulação da Aprendizagem Online (BARNARD et al., 2009) | Diversos cursos de formação de professores | Center for Educational Policy Studies Journal |
Dias et al. (2021) | Brasil | Escala de Estratégias de Aprendizagem Universitária (BORUCHOVITCH et al., 2006) | Licenciatura em Química e Biologia | Research, Society and Development |
Arcoverde et al. (2022) | Brasil | Inventário de Estratégias de Estudo e Aprendizagem (WEINSTEIN; PALMER; ACEE, 2016) | Licenciatura em Matemática, Física, Ciências Biológicas e Química | Psicologia: Reflexão e Crítica |
Fonte: Elaboração própria (2023).
Dentre os artigos internacionais, evidenciam-se duas abordagens de análise do uso de estratégias de aprendizagem pelos futuros professores: a caracterização do uso geral e identificação de perfis de uso. Do total destes trabalhos, sete se encaixam no primeiro tipo de análise. O primeiro deles, de Liu et al. (2019), examinou as estratégias de aprendizagem e a motivação de 419 futuros professores, utilizando um questionário do tipo Likert. Os resultados demonstraram uso moderado das estratégias de aprendizagem. As mais frequentes foram elaboração e pensamento crítico. No que tange à motivação, identificou-se que aqueles estudantes orientados pela meta de aprender utilizavam mais frequentemente as estratégias de aprendizagem, quando comparados àqueles que tinham como meta tirar boas notas ou evitar julgamentos negativos acerca de sua capacidade.
Com o objetivo de explorar as estratégias de aprendizagem utilizadas por estudantes de graduação e pós-graduação na carreira docente, Jerónimo-Arango, Yaniz-Álvarez-de-Eulate e Carcamo-Vergara (2020) investigaram 431 estudantes de graduação. Os dados foram coletados por um questionário em escala Likert. Os resultados indicaram que, de maneira geral, o uso de estratégias de aprendizagem entre os estudantes de licenciatura foi moderado. As estratégias mais reportadas foram as de Controle do Contexto e de Processamento e Uso da Informação, enquanto as menos frequentes foram as de Estratégias Metacognitivas e de Busca e Seleção da Informação. O estudo ainda apontou que, entre graduandos ingressantes e de último semestre, não houve diferenças significativas no uso da maioria das estratégias, exceção feita às de Busca e Seleção da Informação, que foram mais frequentes entre os concluintes.
O trabalho de Boon (2020) analisou as habilidades autorregulatórias de 222 estudantes de Música, empregando um questionário do tipo Likert. Os resultados obtidos indicaram frequência moderada no uso de estratégias de aprendizagem. Contudo, diferenças foram encontradas conforme variáveis demográficas e acadêmicas. Nesse sentido, constatou-se que homens e mulheres apresentaram diferentes características quanto ao uso das estratégias: estudantes do gênero feminino manifestaram maior frequência no uso de estratégias de estabelecimento de metas e planejamento, enquanto os do gênero masculino relataram maior dependência nos estudos, indicando uso mais frequente de estratégias que envolviam a busca de ajuda e estudo em grupo. Boom (2020) pôde ainda identificar que estudantes do terceiro ano, se comparados aos do segundo ano, também faziam maior uso das estratégias de busca de ajuda e estudo em grupo. Diferenças estatisticamente significativas apontaram que a prática do instrumento musical por três ou mais horas do dia relacionou-se ao uso de estratégias para planejar, monitorar e avaliar experiências acadêmicas. Por fim, a aprendizagem autorregulada foi, no geral, influenciada pelas notas mais recentes dos estudantes. Nesse sentido, maiores notas eram acompanhadas de maior proficiência em comportamentos que envolviam a motivação, a atitude, o planejamento, o uso de estratégias de processamento da informação e a autoavaliação.
Um extenso estudo sobre flexibilidade cognitiva e o uso de estratégias metacognitivas utilizadas por 150 futuros professores foi realizado por Körükcü (2020). Os dados, coletados por uma escala Likert, indicaram elevado uso de estratégias metacognitivas pelos estudantes. Mais especificamente, a estratégia de maior frequência se referia à capacidade de identificar preferências ambientais para o estudo, enquanto a de menor frequência indicava a capacidade de gerenciar emoções e ansiedade frente aos estudos. No que concerne à variável gênero, o uso de estratégias metacognitivas gerais, de planejamento e observação foi mais frequente entre as mulheres. Em relação ao momento da formação, alunos que estavam no terceiro ano obtiveram melhor desempenho do que os demais no uso geral de estratégias metacognitivas, bem como no emprego das estratégias de avaliação e das de controle emocional.
Com o objetivo de investigar a autorregulação da aprendizagem em cursos de formação de professores durante o regime de aulas remotas ocasionado pela pandemia de Covid-19, bem como analisar diferenças segundo variáveis demográficas e acadêmicas, Özdemir e Önal (2021) coletaram dados de 353 estudantes, utilizando uma escala Likert. Os resultados apontaram uso moderado das estratégias de aprendizagem. As estratégias relacionadas à estruturação ambiental e à persistência foram as mais frequentes. A busca de ajuda e as habilidades metacognitivas e de gerenciamento de tempo foram as escalas que apresentaram menor uso, ainda que moderado. Diferenças significativas foram observadas em relação às variáveis demográficas e acadêmicas: indivíduos do gênero feminino apresentaram melhores escores do que os do gênero masculino; aqueles que relataram competências digitais boas ou ótimas obtiveram maiores escores do que aqueles que relataram competências básicas; já os que dedicavam de cinco a seis horas do seu dia para estudo on-line obtiveram melhores escores do que os que dedicavam de uma a duas horas.
Outro grupo de pesquisadores teve como foco as experiências de estudantes matriculados em cursos de formação de professores durante o ensino remoto emergencial, resultado da pandemia de Covid-19 (JURIŠEVIČ et al., 2021). Mais precisamente, eles objetivaram identificar as estratégias de aprendizagem e de regulação das emoções de 337 estudantes e relacioná-las às experiências positivas vividas na pandemia. Um questionário de estratégias de aprendizagem e outro de estratégias de regulação das emoções, ambos em escala Likert, foram usados na coleta dos dados. No que concerne às estratégias cognitivas e metacognitivas, as com maior relato de uso foram as de Estruturação Ambiental e Estabelecimento de Metas. As com menor indicação de uso foram as Estratégias de Tarefas, que envolvem anotações, questões de estudo e realização de tarefas extras. Os resultados também indicaram que estratégias como gerenciamento de tempo, estabelecimento de metas, estruturação ambiental e busca de ajuda estiveram positivamente associadas às estratégias de regulação emocional adaptativas, tais como a reavaliação positiva, a aceitação e a reorientação do planejamento, e às experiências positivas vividas na pandemia.
Por fim, utilizando um questionário aberto, pesquisadores australianos buscaram identificar e classificar as estratégias de aprendizagem utilizadas por 366 ingressantes em cursos de formação de professores e relacioná-las com suas crenças acerca da autorregulação da aprendizagem e sua performance acadêmica (VOSNIADOU et al., 2021). Os alunos responderam a duas questões, uma que visava identificar as estratégias de aprendizagem utilizadas por eles e outra que buscava identificar quais tipos de estratégias os estudantes consideravam mais importantes. Os resultados indicaram que a maioria dos estudantes reportou estratégias cognitivas de baixa complexidade, como anotar, repetir e praticar. O segundo grupo mais frequente de estratégias foi o de gerenciamento de recursos, seguido por estratégias cognitivas e metacognitivas profundas, como a seleção de ideias principais, a elaboração, o monitoramento da compreensão e a autotestagem. O grupo de estratégias menos frequente nas respostas dos estudantes foi o das metacognitivas de planejamento. Na segunda questão aberta, os autores identificaram que os estudantes acreditavam que as estratégias mais importantes eram as relacionadas ao gerenciamento do ambiente de estudo e as que envolviam a manipulação direta da informação.
Dentre as pesquisas que avaliaram o uso de estratégias de aprendizagem por abordagens focadas nos indivíduos (“person-centered”), a realizada por Häkkinen et al. (2019), com base em análises de clusters, identificou os perfis de 872 estudantes inscritos em cursos de formação de professores, segundo sua aprendizagem estratégica e disposição para colaboração. Um questionário, adaptado e do tipo Likert, de estratégias de aprendizagem foi utilizado na coleta dos dados. O uso de estratégias cognitivas, metacognitivas e de gerenciamento de recursos dos estudantes foi moderado. Os perfis obtidos indicaram, contudo, que o aprendizado estratégico e a disposição em colaborar dos estudantes não foram homogêneos. A maior parte da amostra apresentou uso moderado de estratégias e de disposição para colaborar. Uma parcela um pouco menor apresentou uso moderado de estratégias e baixa disposição para colaborar. Houve também um grupo em que os estudantes apresentaram baixo uso de estratégias e moderada disposição para colaborar.
O perfil que compreendeu aqueles discentes com altos níveis no uso de estratégias e na disposição para colaborar foi o quarto mais frequente, enquanto aquele no qual os estudantes apresentaram baixos escores no uso de estratégias e na disposição para colaborar foi o menos frequente. Os autores identificaram que os perfis puderam ser explicados por algumas variáveis demográficas e acadêmicas, como: gênero, média escolar no ensino médio, nota de entrada na universidade, oportunidade de estudo prévio na universidade, experiência docente e satisfação de vida antecipada para os próximos cinco anos.
Utilizando também a análise de clusters, Kingir, Gok e Bozkir (2020) investigaram, dentre outros fatores, os perfis de 480 professores em formação segundo suas estratégias de aprendizagem, crenças motivacionais e percepções construtivistas sobre o ambiente de aprendizagem. Os dados foram coletados por três questionários, todos do tipo Likert, um para as estratégias de aprendizagem, outro para crenças motivacionais e o último para as percepções construtivistas. Dois grupos de estudantes, comparados em relação às variáveis demográficas e acadêmicas, foram identificados. Os perfis foram significativamente discriminados pelo fator gênero. Mais precisamente, o perfil composto pelas mulheres demonstrou uso mais frequente de estratégias de organização, elaboração, ensaio, regulação do esforço, regulação metacognitiva e de gerenciamento de tempo e do ambiente quando comparado ao completamente masculino. Ademais, indivíduos do gênero feminino apresentaram maior uso de metas orientadas ao domínio e à performance. As percepções construtivistas sobre o ambiente de aprendizagem foram estatisticamente iguais para os dois grupos.
Muwonge et al. (2020) investigaram perfis de uso de estratégias de autorregulação de futuros professores. Contando com uma amostra de 527 estudantes que responderam a um questionário de autorregulação, os autores puderam identificar três perfis distintos: o mais frequente apresentou altos escores para o uso de estratégias, seguido pelo que reuniu alunos que relataram uso moderado e pelo que apresentou baixo emprego de estratégias em todas as escalas do instrumento. Os autores também constataram serem melhores as crenças motivacionais, como a orientação extrínseca, o valor da tarefa, as crenças de controle de aprendizagem, a autoeficácia e a ansiedade, quanto maior o uso de estratégias apresentado pelos perfis obtidos.
O artigo de Reindl, Tulis e Dresel (2020) envolveu a exploração de estratégias de regulação emocional, motivacional, cognitiva e metacognitiva de 469 alunos de formação de professores frente aos erros acadêmicos. Foram utilizados para coleta de dados um questionário de estratégias de regulação emocional e um questionário de estratégias de aprendizagem, ambos do tipo Likert. Dessa maneira, foram obtidos três perfis distintos: um que agrupou a maioria dos estudantes, caracterizados por altos escores no uso de estratégias de regulação emocional adaptativas e ambíguas (capazes de produzir impactos positivos e negativos na aprendizagem), e baixos escores para as desadaptativas; um segundo grupo mais frequente e caracterizado por baixos escores de estratégias adaptativas e uma combinação de altos escores em estratégias ambíguas e desadaptativas; e um último que se caracterizou pelo uso frequente das desadaptativas. Os resultados também indicaram que alunos capazes de regular adaptativamente as emoções após uma situação adversa se utilizavam com mais frequência de estratégias de aprendizagem profundas e possuíam melhor crença em sua capacidade de superar dificuldades. Adicionalmente gerenciavam com mais efetividade o esforço se comparados àqueles que se utilizavam de estratégias de regulação emocional adaptativas.
Dentre os artigos nacionais, o trabalho de Boruchovitch et al. (2020) teve como objetivo identificar as estratégias de estudo e aprendizagem utilizadas por 163 universitários matriculados em diferentes cursos de formação de professores e analisá-las em relação a algumas variáveis demográficas e acadêmicas. Foram respondidos um questionário de variáveis acadêmicas e demográficas e um inventário de estratégias de estudo e aprendizagem, em escala Likert. De maneira geral, pôde-se observar que os estudantes apresentaram uso moderado das estratégias exploradas. Os estudantes obtiveram melhor desempenho na escala que se referia às atitudes, enquanto o pior desempenho foi relativo às estratégias de autotestagem. Foram observadas diferenças significativas nas estratégias de estudo e aprendizagem em relação a seis das oito variáveis demográficas e acadêmicas exploradas, a saber: idade, gênero, semestre, etnia, intenção de permanecer no curso e autopercepção de desempenho.
Dias et al. (2021) investigaram as estratégias de aprendizagem utilizadas por alunos de licenciatura em situação de ensino remoto emergencial, com emprego de um questionário do tipo Likert. Os resultados demonstraram que os alunos usufruíam menos de estratégias cognitivas, se comparadas às metacognitivas. O anotar, tanto de maneira passiva como de maneira ativa, e o identificar pontos principais durante as aulas foram as estratégias cognitivas mais frequentes. Por outro lado, evidenciou-se a baixa frequência no uso de estratégias de elaboração que envolvem a criação de questões sobre o tema estudado. Dentre as estratégias metacognitivas, predominaram as de monitoramento e regulação da leitura, do gerenciamento de tempo e do planejamento, enquanto as de autoavaliação foram pouco assinaladas.
Já o trabalho de Arcoverde et al. (2022) visou investigar as estratégias de aprendizagem de estudantes de licenciatura matriculados das Ciências Naturais e examinar a existência de diferenças no uso dessas estratégias em relação às variáveis demográficas. Participaram do estudo 220 discentes. Os resultados, obtidos por meio de um inventário de estratégias de estudo e aprendizagem, em escala Likert, indicaram que, de maneira geral, os alunos utilizavam as estratégias de aprendizagem de forma moderada. Os estudantes reportaram boas competências no processamento da informação, bem como motivação e atitudes positivas diante da aprendizagem. Por outro lado, apresentaram dificuldades no controle da ansiedade, no emprego de estratégias de autotestagem, na busca de auxílio em recursos acadêmicos e no gerenciamento do tempo. Indivíduos do gênero masculino mencionaram lidar significativamente melhor com a ansiedade em relação aos do gênero feminino. Estudantes de Física foram os que melhor controlaram a ansiedade quando comparados aos discentes dos demais cursos. Os alunos de Matemática e Química exibiram atitudes e gestão do tempo significativamente mais adequadas quando comparados aos de Ciências Biológicas. Ademais, alunos de primeiro e segundo semestre apresentaram melhores competências que os de sexto a oitavo semestre no que se refere à atitude, autotestagem, estratégias de estudo para testes e uso de recursos acadêmicos, além da aprendizagem estratégica e autorregulada como um todo. Relataram também controlar melhor a concentração quando comparados tanto aos discentes no meio do curso (terceiro a quinto semestre) quanto aos estudantes no fim do curso (sexto a oitavo semestre).
A análise das pesquisas incluídas na presente revisão permite identificar que, de maneira geral, o uso de estratégias de aprendizagem por estudantes de cursos de licenciatura, nos últimos seis anos, tem sido moderado tanto em situações de ensino presencial como de ensino remoto emergencial, causado pela pandemia de Covid-19 (ARCOVERDE et al., 2022; BOOM, 2020; LIU et al., 2019; JURIŠEVIČ et al., 2021; ÖZDEMIR; ÖNAL, 2021). Não obstante, observa-se que o uso de estratégias não é homogêneo entre esses estudantes, podendo-se identificar grupos distintos quanto ao seu uso (HÄKKINEN et al., 2020; REINDL; TULIS; DRESEL, 2020; MUWONGE et al., 2020).
É possível identificar que o emprego de algumas estratégias, como as cognitivas de ensaio e as metacognitivas de gerenciamento do ambiente de estudo e de estabelecimento de metas, é mais frequente do que o de outras, como as cognitivas de elaboração e as metacognitivas de autoavaliação, planejamento, preparação para testes e provas e de gerenciamento da motivação e emoções (ARCOVERDE et al., 2022; BORUCHOVITCH et al., 2020; DIAS et al., 2021; JURIŠEVIČ et al., 2021; KÖRÜKCÜ, 2020; LIU et al., 2019; VOSNIADOU et al., 2021). Apesar de todas as estratégias terem sua importância e momentos indicados para seu uso, é fundamental que os estudantes, sobretudo aqueles que aspiram a ser professores, tenham maior conhecimento declarativo e condicional sobre o uso das estratégias cognitivas profundas e das estratégias metacognitivas (GÓES; BORUCHOVITCH, 2020; WEINSTEIN; ACEE, 2018).
Os trabalhos incluídos na revisão também estabelecem importantes relações entre a aprendizagem estratégica e autorregulada e as variáveis acadêmicas (área de conhecimento, ano do curso, tempo de estudo diário, semestre, autopercepção de desempenho e intenção de prosseguir no curso), demográficas (gênero e idade) e motivacionais e afetivas (ARCOVERDE et al., 2020; BOOM, 2020; BORUCHOVITCH et al., 2020; HÄKKINEN et al., 2020; KINGIR; GOK; BOZKIR, 2020; KÖRÜKCÜ, 2020; ÖZDEMIR; ÖNAL, 2021). Todos esses dados são valiosos, pois podem nortear ações formativas e projetos de intervenção para melhorar o uso das estratégias de estudo e aprendizagem na formação de professores, direcionando esforços para aqueles grupos mais fragilizados no que tange ao uso das estratégias (SPURK et al., 2020).
6 Considerações finais
O presente estudo teve como objetivo identificar o estado da produção científica, nacional e internacional acerca das estratégias de aprendizagem utilizadas por professores em formação, em um recorte temporal de seis anos. A busca resultou em 14 artigos, sendo três nacionais. De maneira geral, os participantes reportaram uso moderado de diferentes estratégias para a regulação da cognição e dos estados motivacionais e afetivos, sendo possível classificá-las em variados perfis de uso. A maioria dos estudos encontrou relações importantes entre a aprendizagem estratégica e autorregulada e outras variáveis, sejam elas psicológicas, acadêmicas ou sociodemográficas. Tal fato reforça a necessidade de levar em consideração diversas variáveis, quando se almeja a promoção do uso das estratégias de aprendizagem e, por conseguinte, de melhores condições internas e externas para a aprendizagem.
Embora o presente artigo traga contribuições valiosas ao avanço do conhecimento da temática, com implicações que podem nortear novas pesquisas e projetos de intervenção entre futuros professores, sobretudo em âmbito nacional - após o fim do regime emergencial de aulas causado pela pandemia de Covid-19 -, é importante mencionar as suas limitações. O número de bases de dados exploradas, o recorte temporal, o caráter descritivo-correlacional e as variáveis exploradas são limitações importantes que merecem ser superadas pelos próximos trabalhos de revisão.
Pela relevância das estratégias de aprendizagem para futuros professores, tanto no que diz respeito à superação de obstáculos na própria formação inicial como no que diz respeito a ensiná-las para futuros alunos, esforços devem ser direcionados para que as estratégias de aprendizagem sejam amplamente conhecidas e utilizadas pelos estudantes de licenciatura (BANDURA, 2006; BORUCHOVITCH, 2006, 2014; FRISON; VEIGA SIMÃO; CIGALES, 2017; RANDI, 2014). Como os teóricos e as evidências sugerem ser possível ensinar a autorregulação da aprendizagem e o uso de estratégias de aprendizagem (ARCOVERDE et al., 2022; DEMBO, 2001; ZIMMERMAN, 2000, 2013), reforça-se a importância de que trabalhos futuros explorem essa temática não só na formação inicial, mas também na formação continuada de docentes.