INTRODUÇÃO
O contexto político e econômico que o Brasil vivenciou ao longo da segunda metade da década de 1990 foi marcado por reformas nos mais diversos setores, dentre eles, o educacional. Para Hypólito (2011), a adoção de medidas reformistas na educação faz parte de um novo tipo de Estado de natureza gerencialista, também denominado Nova Gestão Pública (NGP). No campo educacional, especificamente, as políticas neoliberais consideram a educação como uma mercadoria a ser negociada no âmbito do capitalismo. Para Ball (2005, p. 544), autor que discute as reformas educacionais neoliberais em diferentes partes do mundo, “o gerencialismo desempenha o importante papel de destruir os sistemas ético-profissionais que prevaleciam nas escolas, provocando sua substituição por sistemas empresariais competitivos”. Nesse cenário, a escola articulou-se à economia e aos padrões empresariais de organização, relativizando a ação transmissora do conhecimento frente à capacitação para o mercado. As mudanças nas concepções e práticas provocaram alterações significativas no trabalho docente.
No caso específico do estado de São Paulo, as reformas educacionais de natureza neoliberal tomaram corpo a partir da chegada do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ao poder, em 1995, iniciando-se as primeiras e significativas medidas educacionais no ano de 1996. Desse momento primevo até os dias atuais, foram implantadas intensas e sucessivas medidas na rede estadual. O conjunto de medidas, mesmo com diferentes governadores e em representativo intervalo de tempo, foi coerente com os princípios da NGP, indicando articulação, aprofundamento e complexificação das ações que, direta e indiretamente, impactaram o trabalho docente.
O trabalho docente, conceito e objeto central de análise deste artigo, é compreendido como complexo e “[...] parte da totalidade constituída pelo trabalho no capitalismo, estando submetido, portanto, à sua lógica e às suas contradições” (DUARTE, 2011, p.163). Assim, é uma categoria analítica central nas investigações que tratam as reformas realizadas no âmbito da educação, especialmente escolar, que afetam profundamente as escolas e os trabalhadores. Dessa maneira, estabelecemos como recorte de análise as pesquisas acadêmicas realizadas sobre o trabalho docente no estado de São Paulo, unidade da federação que tem no governo um mesmo partido político há seis mandatos e que concentra o maior número de escolas e de docentes do País, assim como programas de Pós-Graduação em Educação. Um questionamento central conduziu à seguinte investigação: o que as teses e dissertações produzidas nos Programas de Pós-Graduação no estado de São Paulo apresentam sobre o trabalho docente no contexto das reformas educacionais neoliberais ocorridas nas duas últimas décadas? Tal questão se desdobrou em outras indagações: quais as etapas e modalidades de ensino que as teses e dissertações abrangem? Onde são produzidas as pesquisas sobre trabalho docente no estado de São Paulo? Quais são as principais abordagens metodológicas utilizadas? Quais as concepções de trabalho docente predominantes? Quais os principais resultados apontados sobre o trabalho docente?
Na tentativa de responder os questionamentos supramencionados, foram selecionadas pesquisas realizadas no período delimitado pelas recentes reformas educacionais, 1996 a 2018, sendo o primeiro ano coincidente com a implantação da primeira reforma educacional de base gerencialista, e o segundo, com o término do levantamento bibliográfico que caracterizou a pesquisa.
Neste artigo, há a síntese dos resultados relativos ao processo de pesquisa pautado pela revisão bibliográfica realizada de forma quanti-qualitativa, buscando atender aos seguintes objetivos: a) analisar a produção acadêmica - teses e dissertações - sobre o trabalho docente no período de 1996-2018; b) identificar as etapas e as modalidades de ensino abordadas nas teses e dissertações; c) mapear os principais Programas de Pós-Graduação nos quais são produzidas as pesquisas; d) reconhecer as principais abordagens metodológicas presentes nas teses e dissertações; e) identificar as concepções de trabalho docente presentes nas produções acadêmicas; f) apresentar os principais eixos de análise das pesquisas produzidas no período.
SITUANDO O OBJETO DE ESTUDO: O TRABALHO DOCENTE EM SÃO PAULO
Com as transformações socioeconômicas ocorridas a partir da segunda metade do século XX e início do século XXI, o mundo do trabalho sofreu profundas alterações. De acordo com Souza (1999), em decorrência da crise estrutural capitalista, nos anos finais da década de 1960 e início da década 1970, provocada pelo aumento do preço do petróleo, o mundo presenciou a queda econômica dos maiores grupos ocidentais industrializados e a notável ampliação das desigualdades econômicas. A partir das transformações no mundo do trabalho assalariado, o capital criou novas estratégias visando superar a situação econômica que estava sendo vivida, dentre as quais, recorreu-se ao neoliberalismo e seus princípios básicos de promoção do Estado Mínimo, com pouca intervenção estatal, defesa da privatização dos serviços públicos e incentivo ao consumismo exacerbado (SOUZA, 1999).
Os pressupostos do neoliberalismo tiveram grande penetração em diferentes países do mundo em decorrência da atuação dos organismos internacionais que contribuíram para que estes se tornassem tendência hegemônica na economia e na organização da sociedade. A partir das experiências iniciais nos países desenvolvidos, o neoliberalismo avançou na América Latina, tendo suas primeiras investidas no Chile, na década de 1970. A partir dos anos 90, o neoliberalismo, sob o rótulo de Nova Gestão Pública, ganhou força e presença no Brasil com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) e a implantação da Reforma do Estado (BRASIL, 1995).
No caso da educação, os organismos internacionais, com destaque para o Banco Mundial, foram importantes veículos de disseminação dos pressupostos do neoliberalismo, já que, com frequência, emitiam notas técnicas e promoviam grandes eventos voltados aos representantes dos diferentes países, a exemplo da Conferência Mundial de Educação para Todos. Tais organismos tiveram grande influência nas decisões governamentais, como foi o caso do governo brasileiro, que incorporou muitas das prescrições em disposições legais que sustentaram as reformas no ensino. Com a justificativa de promover a equidade social, a transparência pública e a qualidade da educação, foram incorporados, às medidas implantadas, argumentos e práticas de cunho político e ideológico relativos ao neoliberalismo.
As políticas neoliberais tornaram-se tendência hegemônica no Brasil, num momento em que ainda era muito forte a luta pela garantia do acesso e permanência na escola e pela ampliação dos direitos sociais, marcas do Estado de bem-estar social que o Brasil nunca chegou a vivenciar. O neoliberalismo, dessa forma, contribuiu para o retrocesso nas políticas sociais, prezando pela estabilidade monetária em detrimento do gasto social (HYPOLITO, 2011). No âmbito das medidas que passaram a ser tomadas, ganharam força aquelas que introjetaram no serviço público a organização advinda do setor privado. Sendo assim, avançaram as práticas de natureza gerencial e performática que alteraram a organização escolar e a relação dos profissionais com o trabalho, mas que, por outro lado, não garantiram, em igual medida, as condições satisfatórias aos trabalhadores docentes.
A respeito do trabalho docente, partimos da premissa defendida por Duarte (2011) de que se trata de categoria analítica que possui especificidades e natureza próprias diante do processo marcado por contradições que a sociedade capitalista impõe. Desse modo, o contexto sociopolítico que permeia o trabalho docente desencadeia transformações para atender à lógica do capital. A essa premissa, incorporamos a definição de Oliveira (2004, p. 1132), que considera o trabalho docente não apenas “como atividade em sala de aula, ele agora compreende a gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação”. A referida autora, em outra publicação, afirma que, embora os professores sejam os primeiros a serem lembrados quando se utiliza o termo trabalho docente, este é mais amplo e envolve todo ato de realização no processo educativo:
Trata-se de uma categoria que abarca tanto os sujeitos que atuam no processo educativo nas escolas e em outras instituições de ensino, nas suas diversas caracterizações de cargos, funções, tarefas, especialidades e responsabilidades, determinando suas experiências e identidades, quanto às atividades laborais realizadas. Compreende, portanto, as atividades e relações presentes nas instituições educativas, extrapolando a regência de classe (OLIVEIRA, 2010, P. 1).
Nesse sentido, o trabalho docente pode englobar ações educativas realizadas no âmbito do processo pedagógico em sala de aula, na relação direta com os estudantes, ou em outras tarefas vinculadas à docência, tais como participação em colegiados, realização de atividades burocráticas, atendimento à comunidade etc. Para além das atividades realizadas em sala de aula, há, também, aquelas que mantêm relação com a atividade educativa e que são desenvolvidas pelo professor no espaço educativo mais amplo, materializando-se nas ações do professor coordenador, coordenador pedagógico, diretor escolar, supervisor pedagógico, supervisor de ensino, entre outros. Para Marin e Bueno (2017), o termo trabalho docente - que “foi considerado por alguns como substitutivo para o ‘não’ uso da palavra didática - na verdade é mais amplo e abrangente, pois considera outros aspectos da função e muitas vezes nem o próprio ato de ensino” (p. 21).
O trabalho docente é complexo e “não consiste apenas em cumprir ou executar uma tarefa, mas é também a atividade de pessoas que não podem trabalhar sem dar um sentido ao que fazem [...]”, é uma prática permeada pelo contexto no qual o trabalhador está inserido (TARDIF, 2005, p. 38). Dessa forma, o trabalho docente, especialmente a partir da década de 90, vivenciou um contexto de trabalho marcado pela intensificação das atividades, pela precarização, pela redução de custos expressa no arrocho salarial e pelas diversas modificações nos direitos dos trabalhadores e suas jornadas de trabalho (MARIN, 2010; BARBOSA et al., 2020). Além dessas condições objetivas que foram profundamente alteradas a partir das reformas, houve, conforme Barbosa e Fernandes (2016, p. 120), um forte processo de controle do trabalho e redução da autonomia, ampliando-se a regulação institucional por meio das avaliações externas, implantação de currículo centralizado e pagamento de bonificação.
Nos últimos anos, em função dos princípios da NGP e de suas implicações na organização do trabalho docente, essa categoria tornou-se objeto de amplos e variados estudos voltados à sua compreensão e contextualização, conforme apontados por Oliveira e Vieira (2012), Duarte (2011) e Mancebo (2007). Em consonância com tais estudos e perante a ausência de dados que sistematizassem a produção acadêmica sobre o trabalho docente no estado de São Paulo, buscamos organizar um quadro referência com um balanço das teses e dissertações publicadas ao longo de mais de duas décadas de reformas educacionais.
Em São Paulo, as reformas tomaram corpo a partir da eleição do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), em 1995. Concomitantemente, Fernando Henrique Cardoso ocupou no mesmo ano o poder executivo do País, desenhando-se, então, uma oportunidade concreta para colocar em prática o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, sob o mandato de Luiz Carlos Bresser Pereira, no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Em São Paulo, as palavras de ordem para a reforma do Estado foram “qualidade e produtividade” do serviço público, marcas da NGP. O PSDB, de acordo com Stocco e Jacomini (2020), passou a ser “o maior representante de uma elite paulista vinculada a uma visão de gestão modernizadora (técnico-racional) e, curiosamente, contrariando a denominação expressa no seu nome, o grupo mais organizado e articulado no projeto de um Estado Neoliberal”.
De acordo com Venco (2016), o estado de São Paulo foi, nesse sentido, um laboratório social na aplicação e disseminação dos princípios da NGP, influenciando outros estados do País a adotarem medidas que aproximavam o serviço público do mercado, baseando-se em um estilo gerencial pautado pelo mérito e pela produtividade. Dessa forma, o PSDB - que segue no poder há mais de duas décadas ininterruptamente - levou a cabo uma série de medidas articuladas em todos os campos da administração pública. As medidas postas em prática tinham certo toque “inovador”, aspecto logrado tanto pela repercussão positiva junto à população graças à retórica dos reformadores, como pela apropriação (indevida pela característica assumida) de bandeiras políticas dos movimentos em defesa da escola pública, tais como gestão democrática, valorização da escola como centro de formação docente, importância do trabalho coletivo e da autonomia (FERNANDES, 2010).
A partir desse momento, no qual medidas chegaram às escolas nos primeiros meses de 1996 até o programa “São Paulo faz Escola”, iniciado em 2007 e vigente até 2018, ocorreram alterações consideráveis na organização e gestão pedagógica das escolas, na estrutura curricular e na composição da carreira e salários docentes. E, embora as reformas do período tenham sido anunciadas em nome de uma suposta “qualidade” da educação, expressas em preocupações oficiais com os resultados quantitativos coletados no desempenho das escolas nas avaliações externas, persistiram e se acumularam os problemas estruturais da educação pública voltada à ampla maioria da população (FERNANDES, 2018).
Tendo em tela esse contexto, buscamos identificar como as pesquisas - teses e dissertações - analisaram o trabalho docente no estado de São Paulo, no âmbito da série de reformas difundidas pelo governo entre 1996 a 2018.
PERCURSO METODOLÓGICO
Tomando-se como ponto de partida as questões e objetivos mencionados na introdução deste artigo, realizamos uma investigação de natureza quali-quantitativa para a qual adotamos a abordagem metodológica da pesquisa bibliográfica, a fim de buscar elementos necessários para mapear e analisar o objeto central de análise - trabalho docente - nas teses e dissertações produzidas nos principais programas de Pós-Graduação em Educação do estado de São Paulo, no período de 1996 a 2018. A revisão bibliográfica foi a abordagem mais adequada por ser aquela que, segundo Mazzotti (1998), permite conhecer a produção num determinado campo, propiciando avanços frente a novos estudos.
Assim, durante o processo de levantamento das pesquisas já produzidas sobre o objeto de análise, ficou evidente a necessidade de um estudo que agrupasse e analisasse o conjunto das produções acadêmicas sobre o trabalho docente no estado de São Paulo, proporcionado pela revisão bibliográfica. Morosini e Fernandes (2014) apontam que a revisão permite o mapeamento de concepções existentes, promovendo ao pesquisador uma segurança com relação às fontes utilizadas e indicando um aprofundamento sobre o tema de estudo. Marin e Bueno (2017) também ressaltam a importância das revisões de pesquisas:
Espera-se que revisões de pesquisas, nas diversas áreas do conhecimento, apresentem visão ampla tanto dos temas quanto das formas de abordagem teórica e metodológica atribuindo, portanto, relevância a tal tipo de estudo. No campo educacional, os estudos dessa natureza podem fornecer conjuntos integrados e interpretações amplas das pesquisas em diferentes focos. (MARIN E BUENO, 2017, P. 18)
Dessa maneira, a pesquisa, apesar de apresentar um recorte específico de espaço e tempo, pretendeu contribuir com novas produções acadêmicas e nortear outros estudos, seja nesta ou nas demais regiões do País.
Para o levantamento dos dados bibliográficos, foram utilizados os seguintes descritores combinados: Política Educacional, Reforma Educacional; Trabalho Docente e estado de São Paulo. Os dados foram obtidos nos repositórios digitais dos principais Programas de Pós-Graduação em Educação do estado de São Paulo: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Universidade Federal de São Carlos (Ufscar); Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp); Universidade de São Paulo (USP); Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep); Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Foram abrangidas no levantamento nove instituições, nas quais foram contabilizados 14 Programas de Pós-Graduação, em função de algumas IES terem mais de um Programa em Educação, caso da USP, Unesp, Ufscar e PUCSP.
O levantamento em sua fase inicial considerou três critérios principais de seleção da produção acadêmica: a) recorte temporal delimitado pelo início das reformas educacionais do estado em São Paulo (1996); b) estudos realizados sobre o sistema regular de ensino da rede estadual paulista de ensino, já que as reformas educacionais em tela definiram normas, regras e ritos para este grupo específico de escolas; c) pesquisas sobre trabalho docente nas etapas de ensino sob a responsabilidade do governo estadual - Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) e Ensino Médio. Por conseguinte, outros níveis, modalidades de ensino e formas de educação não foram contemplados, dentre eles: educação infantil, educação superior, educação no campo, educação no sistema prisional, educação informal. Sendo assim, o montante de trabalhos (2.930) foi reduzido, após leitura dos resumos e em atendimento aos critérios estabelecidos, a 134 trabalhos, os quais foram lidos e analisados na íntegra.
Para a leitura, numa primeira fase, foi utilizado o software Alceste, que nos permitiu analisar a frequência das palavras e conceitos presentes nas pesquisas. O uso deste recurso tecnológico na pesquisa foi importante pelas possibilidades oferecidas para a captação de dados quantitativos; mas, também, como parte do processo do levantamento, foi necessário reconhecer as limitações que apresentava para a pesquisa qualitativa. Diante deste fato, quando o software não se mostrou mais viável para a obtenção de dados analíticos, recorremos à leitura integral dos textos, registrando os dados obtidos em tabelas Excel.
A partir do conjunto de dados obtidos nas duas fases supracitadas, iniciamos o processo de análise e categorização de dados que se deu em função de teorizações progressivas com os principais autores de referência da pesquisa - Ball (2005), Oliveira e Vieira (2012), Oliveira (2004; 2010), Mancebo (2007), Duarte (2008 ; 2011), Marin (2010), Fernandes (2009; 2016; 2018). O conjunto foi organizado a partir de unidades temáticas, que serão apresentadas na próxima seção.
AS PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE TRABALHO DOCENTE NO ESTADO DE SÃO PAULO: ANÁLISE DOS DADOS
A partir do levantamento de informações das 134 pesquisas selecionadas, foi possível apresentar alguns dados objetivos relativos à etapa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado). No conjunto, foram selecionadas 111 dissertações de mestrado, representando aproximadamente 83%, e 23 teses de doutorado, que equivalem a 17% do total. É importante também destacar a quantidade total de trabalhos produzidos de acordo com a Instituição de Ensino Superior em que os Programas estão inseridos:
A IES com maior número de teses e dissertações sobre Trabalho Docente foi a Universidade Estadual Paulista (Unesp), totalizando 53 trabalhos (aproximadamente 40%), produzidos em quatro diferentes Programas de Pós-Graduação, situados nos campus universitários de Araraquara (17 pesquisas), Rio Claro (13 pesquisas), Presidente Prudente (12 pesquisas) e Marília (11 pesquisas). A referida instituição tem uma característica multicampi, e, na unidade universitária onde identificamos a maior produção, Araraquara, foi localizado um dos primeiros Grupos de Estudos sobre Trabalho Docente no Brasil. Na sequência, destacou-se a Unicamp com 14% da produção, seguida pela USP e PUCSP, com respectivamente 10% das teses e dissertações. As demais IES - Unifesp, Puccamp, Unimep, Ufscar e Umesp - corresponderam conjuntamente a aproximadamente 27% da produção acadêmica.
Ao fazer a correspondência entre os Programas de Pós-Graduação e as linhas de pesquisas nas quais as teses e dissertações se encontravam distribuídas (Quadro 2), verificamos concentração em algumas linhas específicas que se voltam à análise do trabalho docente; inclusive, em algumas, o conceito aparece na própria denominação, caso da Unesp, Unicamp e Unimep. Em outros casos, o trabalho docente foi objeto de análise em linhas voltadas à discussão das políticas educacionais e gestão; formação de professores; análise da instituição escolar e relações entre estado, sociedade e educação. Tais linhas são representativas e coerentes com o conceito de trabalho docente, como atividade humana imersa numa sociedade contraditória.
Ao enfatizar o ano de publicação das pesquisas, observamos uma recorrência em determinados intervalos dentro do recorte temporal estabelecido - 1996 a 2018 -, como sintetizado no gráfico a seguir:
O conjunto de pesquisas tem seu primeiro registro a partir de 1999, quatro anos após a ocorrência das primeiras medidas educacionais - reorganização física das escolas, implantação da progressão continuada, criação do sistema de avaliação - baseadas na Nova Gestão Pública. É provável que a ausência de pesquisas sobre trabalho docente no período de 1996 a 1998 esteja relacionada ao intervalo de tempo entre a implantação e a implementação da política educacional, já que é necessário um tempo entre a elaboração e efetivação da reforma e a apropriação desta pelo espaço escolar, de forma positiva ou negativa, para depois se transformar em objeto de análise pelas pesquisas. A partir de 2004, observou-se um crescimento contínuo das pesquisas, sendo que os anos de 2007, 2010, 2015 e 2017 apresentaram número de publicações superior a dez, com crescimento que se destacou em relação a períodos anteriores. O ponto alto da produção ficou por conta do ano de 2016, vinte anos após a reforma inicial intitulada “Escola de Cara Nova”, com 21 pesquisas (teses e dissertações). Em 2020, completou-se também uma década do Programa São Paulo faz escola, o qual, diante das reformas anteriores, aprofundou as medidas de caráter gerencial na rede de ensino (FERNANDES, 2018; STOCCO e JACOMINI, 2020).
Os trabalhos defendidos neste período3 abordaram as medidas e as mudanças decorrentes das mesmas no trabalho docente, seja por meio da análise: a) da implantação de projetos e programas (LEME, 2007; OLIVEIRA, 2007; FERREIRA, 2009; BRENDANT, 2010; RODRIGUES, 2010; ALMEIDA, 2014; IGNÁCIO, 2014; MIGUEL, 2015; TORRES, 2016); b) da implantação e implementação do currículo padronizado (LEITE, 2011; GIAVARA, 2012; OLIVEIRA, 2012; MARQUES, 2014; NUNES, 2014; FERIN, 2015); c) das avaliações externas (CHIRINEA, 2010; NALLO, 2010; OLIVEIRA JR, 2013; JESUS, 2014; POLATO, 2014; COLOMBO, 2015; MARTINS, 2015; PARRO, 2016; PERBONI, 2016; RUBINI, 2016; FILIPE, 2017; GREVE, 2017); d) da redução da autonomia docente (NOTARIO, 2007; VIÇOTI, 2010; FREITAS, 2014; FILGUEIRA, 2017); e) da política de bonificação por resultados (VASCONCELOS, 2006; ALCANTARA, 2010; BERGO, 2016); f) da implantação de mecanismos de privatização na rede estadual (CARVALHO, 2016; PARENTE, 2016; OLIVEIRA, 2017).
Encontramos, ainda, pesquisas que se dispuseram a analisar os ciclos de reformas promovidas no estado pelo PSDB (SOUZA, 1999; VILELA, 2002; NUNES, 2005; MOREIRA, 2007; MATTOS, 2012; LIMA, 2015; JARDIM, 2016), as alterações na função da escola (RAAB, 2016) ou os desafios impostos pelas reformas (PIOLLI, 2006). A produção de pesquisas voltadas à análise das condições de trabalho docente no estado de São Paulo também foram identificadas, dentre as quais se destacaram as realizadas por Aquino (2009), Aranha (2007), Oliveira (2010), Barbosa (2011), Merguedicthian (2012), Basílio, (2016), Cassetari (2010), Catini (2008), Santos (2016a,) e Santos (2016b). Entretanto, apenas duas dissertações se propuseram a analisar o movimento sindical no contexto de reformas (LANZA, 2010; HIDAKA, 2012; SILVA, 2013). Ao organizarmos a produção acadêmica em função dos anos e focos de pesquisa, inferimos que a produção acadêmica sobre trabalho docente ganhou fôlego e ampliou seus focos de investigação à medida que se ampliaram as reformas gerenciais na educação paulista, dado que se aproximou do citado por Mancebo (2007) sobre o crescimento das pesquisas no País.
Quanto à abordagem metodológica, identificamos um predomínio, dentre as teses e dissertações, da pesquisa qualitativa, presente em 128 trabalhos, correspondendo a mais de 95% da produção acadêmica. Foram identificados seis trabalhos de abordagem quali-quantitativa. Contudo, nenhuma pesquisa se configurou exclusivamente na abordagem quantitativa. Este é um dado importante e que carece ser discutido nas redes de estudos sobre trabalho docente, pois reflete, de maneira geral, a forma como olhamos e analisamos as questões relativas ao trabalho, partindo de aspectos micros que vão sendo interpretados baseados na relação com o contexto macrossocial. Normalmente, analisamos o trabalho docente, e os dados são uma mostra disso, a partir de uma escola ou um grupo reduzido de instituições, um docente ou um conjunto de professores. O denominado paradigma qualitativo, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznadjer (2002), avançou no Brasil desde a década de 1980, seguindo a tradição interpretativa, que valoriza o sentido e o significado que fatos ou comportamentos podem ter e que não podem ser desvelados de imediato, necessitando de um trabalho de investigação marcado por um contato mais direto e prolongado entre o pesquisador e o objeto de análise.
Não pretendemos fazer aqui nenhuma oposição entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa, estabelecendo juízos de valor, mas, apenas, trazer elementos para refletirmos, a partir dos “achados” da revisão bibliográfica, a necessidade de discutirmos a realização de investigações temáticas com universos maiores, de natureza interinstitucional e de abordagem quanti-qualitativa, que possam se contrapor aos surveys que são realizados, muitas vezes, por institutos ligados à área econômica e administrativo-empresarial e que servem de argumentos para a tomada de decisões acerca da educação escolar.
A análise da produção acadêmica selecionada também indicou uma frequência maior das pesquisas empíricas (95 trabalhos, correspondentes a 71%), seguidas pelas bibliográfico-documentais, documentais e/ou bibliográficas (39 trabalhos, 29%). As entrevistas foram predominantes entre as possibilidades de coleta de dados, aparecendo em 75 pesquisas (79% dentre as pesquisas empíricas), seguidas pelos estudos de caso (15 investigações), pelo uso de questionários abertos e/ou fechados (22 pesquisas), depoimentos e realização de grupos focais (que somaram 5 pesquisas). Importante registrar que diversas pesquisas utilizaram diferentes procedimentos e instrumentos de coleta, não se limitando a uma única fonte, daí a somatória ser superior ao número obtido no conjunto das pesquisas empíricas. No entanto, a grande maioria ainda faz uso de apenas um instrumento de coleta de dados.
Dentre os participantes das pesquisas empíricas destacaram-se os professores que foram sujeitos únicos em 47 trabalhos, número que se aproxima de 50% das investigações. Entretanto, quando contabilizadas as teses e dissertações cujo foco foi o trabalho do professor junto com outros profissionais que se dedicam ao trabalho pedagógico (professor coordenador, diretor, dirigente etc.), o número obtido foi de 86 pesquisas, sendo o professor, nesta situação, o maior destaque dentre os participantes das pesquisas (90%). Dessa forma, observamos que o trabalho desenvolvido em sala de aula pelos trabalhadores docentes se constitui, no estado de São Paulo, na base principal de participação e estudo nas pesquisas realizadas, indicando que o trabalho docente, enquanto categoria analítica, ainda fica muito restrito ao “trabalho do professor”.
Observando mais detalhadamente os participantes nos processos de coleta de dados, identificamos a presença de: professor e professor coordenador (10 pesquisas); professor e gestor (13 pesquisas); professor, professor coordenador e gestor (16 pesquisas). Os professores coordenadores (PC), denominação atribuída pela Secretaria de Educação de São Paulo (SEDUC) aos coordenadores pedagógicos, foram participantes exclusivos em apenas uma pesquisa empírica. Porém, ao combinar os participantes pesquisados, o resultado é de 29 pesquisas com o PC. Os gestores, por sua vez, quando combinados aos demais sujeitos participantes, abarcaram 32 pesquisas. Os supervisores e dirigentes de ensino, que na estrutura da SEDUC atuam nos órgãos intermediários de gestão, denominados de Diretorias de Ensino, foram participantes de sete pesquisas. Embora os professores sejam os mais privilegiados na coleta de dados, o que pode indicar que o termo trabalho docente seja utilizado no sentido restrito de prática pedagógica, identificou-se que a concepção ampliada e extensiva a outros profissionais da educação também é evidente na produção acadêmica.
Outra unidade analítica voltou-se à identificação da etapa e modalidade de ensino abordada nas teses e dissertações de base empírica. As pesquisas de tipo bibliográfico-documental não foram incluídas no Quadro 3 (a seguir), porque não direcionavam o foco especificamente para as etapas e modalidades de ensino nas quais o trabalho docente era realizado, dedicando-se estas pesquisas à análise de questões mais amplas e relacionadas à implantação de políticas educacionais de maneira geral, como por exemplo: “Políticas de bonificação e indicadores de qualidade: mecanismos de controle nas escolas estaduais paulistas” (ALCANTARA, 2010); “Os salários dos professores brasileiros: implicações para o Trabalho Docente” (BARBOSA, 2011); e “Profissionalização docente e subordinação do trabalho educativo à lógica flexível da produção capitalista” (CARVALHO, 2016).
Dessa maneira, consideramos no Quadro 3 apenas as 95 pesquisas que se dirigiram indubitavelmente a uma determinada etapa e modalidade de ensino:
A totalidade do conjunto sistematizado no Quadro 3 voltou-se à análise do ensino regular oferecido pela rede estadual paulista. Ao se tomar como foco as etapas de ensino, verificou-se que, quando tomada apenas uma etapa como unidade de análise, o predomínio das pesquisas foi sobre o Ensino Fundamental: anos iniciais - 1º ao 5º ano (17 trabalhos, representando 18% da produção empírica) - e anos finais (9 pesquisas, 9% das pesquisas). Somando-se estes dois indicadores com aqueles apresentados pelo conjunto das pesquisas que considerou mais de uma etapa de escolaridade ( por exemplo, Ensino Fundamental I e II juntos), como unidade de análise, chegou-se ao número expressivo de aproximadamente 50% das pesquisas que tinham como foco o Ensino Fundamental. Este dado corrobora o apresentado por outras pesquisas de revisão, que, porém, com focos diferentes de investigação, indicaram ser esta etapa de escolaridade que vai do 1º ao 9º a principal preocupação dos pesquisadores, tendo em vista não apenas o volume de estudantes matriculados, mas, também, as características problemáticas do Ensino Fundamental (MARIN E BUENO, P 2018, P. 52). É importante também registrar que o percentual de pesquisas é alto mesmo tendo o Ensino Fundamental, anos iniciais, no estado de São Paulo, passado por intenso processo de municipalização ao longo da década de 1990 (BORGHI, 2007), coincidindo com a reforma do Estado. Já o Ensino Médio, atual gargalo do ensino no País e no estado, representou, isoladamente, apenas 9% das pesquisas realizadas.
Com relação à base teórica mais adotada nas teses e dissertações, a partir do indicado nos resumos, identificamos que apenas 46 delas (34%) apresentavam explicitamente a opção dos pesquisadores. De forma geral, foi possível inferir, pela forma como a análise era realizada e os dados interpretados, a direção teórica adotada. Porém, optamos, em relação a esta categoria, por nos pautarmos pela declaração irrestrita feita pelos autores das pesquisas. Nesse sentido, 20 trabalhos vincularam diretamente a base teórica dos estudos ao Materialismo Histórico Dialético, e três outras pesquisas o fizeram de forma indireta, citando apenas se tratar de pesquisa apoiada na Pedagogia Histórico-Crítica ou em Karel Kosik; assim, a referida base teórica foi a mais indicada pelos autores, correspondendo a 50% do grupo analisado, o qual havia declarado a base teórica adotada. Tal dado é seguido pela indicação do paradigma Weberiano presente em oito teses e dissertações (17%); da Teoria Crítica e seus representantes - Adorno, Horkheimer e Marcuse (5 pesquisas, 11%); da perspectiva sociológica de Pierre Bourdieu (11%); dos estudos de Norbert Elias (4%) e de François Dubet (2%). De maneira geral, denotou-se a preocupação dos pesquisadores em analisar as especificidades do trabalho docente a partir de suas relações com a sociedade capitalista.
Para além da base teórica apresentada nos estudos selecionados, levantamos os autores estrangeiros e brasileiros mais citados, considerando-se aí as 134 teses e dissertações. Dentre os principais autores estrangeiros, identificamos: Stephen Ball, Mariano Fernandéz Enguita, Michael Apple e Almerindo Janela Afonso. Já entre os autores brasileiros, destacaram-se em ordem de citação: Dalila Andrade Oliveira, Luiz Carlos de Freitas, Dermeval Saviani, Gaudêncio Frigotto, Giovanni Alves, Ricardo Antunes e Alda Junqueira Marin. Este conjunto de pesquisadores da área da Educação e da Sociologia do Trabalho, tanto nacional como internacionalmente, pode ser considerado de autores críticos que apresentaram, nas últimas décadas, grandes contribuições para a compreensão do trabalho docente no âmbito das transformações políticas e sociais que têm efeitos sobre a atuação profissional nas escolas. São, portanto, autores que permitem estabelecer relações entre o nível macro e o micro escolar, favorecendo a identificação e a compreensão dos mecanismos impostos na cultura escolar e seus reflexos nas situações de redução da autonomia, de intensificação do trabalho e de flexibilização contratual, que por sua vez acarreta um processo de descaracterização das condições de trabalho e perda de identidade da categoria docente.
O quadro formado pelos autores centrais de referência e os apontamentos apresentados nas pesquisas, bem como os dados relativos ao tipo de investigação realizada, formas de coleta de dados e procedimentos, ajudaram a identifcar e compreender a concepção de trabalho docente presente na produção acadêmica selecionada, destacando-se: uma perspectiva de trabalho docente que vai além da sala de aula, embora com algumas pesquisas que utilizem o termo como sinônimo de prática docente, prática pedagógica ou didática; o trabalho docente como atividade complexa e submetida às contradições de uma sociedade capitalista e em transformação; a complexidade de um trabalho que não se reduz somente à sala de aula (mesmo quando o sujeito de análise era o professor), abarcando outras funções e atividades ligadas ao processo educativo; um trabalho marcado por especificidade e natureza própria que o diferencia (tanto pelo processo como pelos resultados) de outras ocupações laborais na sociedade; uma atividade que sofreu intensas alterações a partir das mudanças ocorridas no mundo do trabalho que introduziram no setor público mecanismos e estratégias advindas do setor privado-empresarial. Dessa forma, há grandes aproximações ao conceito de trabalho docente apresentado por Hypólito (1991), Oliveira (2010) e Duarte (2011).
O conjunto formado por 134 pesquisas, produzidas no intervalo entre os anos de 1996 a 2018, nos principais Programas de Pós-Graduação em Educação do estado de São Paulo, quando submetido a levantamento de frequência de descritores com apoio inicial de recurso tecnológico e, posteriormente, com leitura, categorização e análise manual de dados, permitiu-nos chegar a três grandes eixos analíticos que foram subdivididos, em função de ordem de ocorrência, em 13 subeixos a eles relacionados, como sintetizado no Quadro 4.
Na grande maioria das pesquisas (128 delas), partiu-se da contextualização (Eixo 1) do trabalho docente a partir do sistema capitalista (subeixo 1.1), relacionando o tema central às questões conjunturais que o afetam, positiva e negativamente. Assim como adiantado por Hypólito, em artigo de 1991, “o processo de trabalho escolar está sendo penetrado por uma lógica capitalista e o modelo de organização vigente tende, mesmo que com novas conformações, a ser generalizável e dominante em nossa sociedade” (p.10). Assim, as pesquisas sobre trabalho docente, com suas características e especificidades, tornaram-se numericamente mais presentes na produção acadêmica, colocando em tela a forte presença do neoliberalismo (subeixo 1.2) como uma nova roupagem do capital que redefine o papel ao Estado. Nesse sentido, o neoliberalismo apareceu de forma recorrente em 112 trabalhos, dentre os quais se destacaram as pesquisas realizadas por Oliveira (2017); Carvalho (2010); Furtado (2005) e Regalo (2013). A Nova Gestão Pública (subeixo 6), configuração atual do neoliberalismo na transposição do modelo administrativo empresarial para a educação, foi nominalmente citada em oito pesquisas.
A referência à atuação dos organismos internacionais (subeixo 1.3) foi apresentada em 120 das teses e dissertações, das quais a principal citação é feita ao Banco Mundial e aos instrumentos que este criou e disseminou, influenciando as políticas estabelecidas e implantadas na educação paulista ao longo dos anos, como foi o caso das investigações realizadas por Antonini (2007); Carvalho (2010); Moreira (2007); Pinheiro (2010) e Viçoti (2010). Ainda com relação à caracterização do contexto no qual se situa o trabalho na educação paulista, identificamos a correlação entre o gerencialismo e a performatividade, denominadas por Ball como “duas das principais tecnologias da reforma educacional que envolve a utilização calculada de técnicas e artefatos para organizar forças humanas e capacidades em redes de poder” (2005, p. 543) e as condições de trabalho que incidem, por exemplo, em maior intensificação docente, flexibilização contratual e alterações na organização pedagógica do trabalho. O gerencialismo (subeixo 4) foi conceito abordado em 82 pesquisas, enquanto que a performatividade (subeixo 5), tecnologia que normalmente a ele está associada, apresentou frequência em 39 das produções, destacando-se, neste caso, as pesquisas que analisaram o impacto das avaliações externas no trabalho docente, bem como a padronização curricular e o pagamento de bonificação por desempenho, com destaque para as pesquisas realizadas por Rodrigues (2010); Cassetari (2010); Sousa (2016); Lanza (2016) e Parente (2016).
Quando agrupadas as pesquisas que tiveram como foco central de análise as características do trabalho docente (Eixo 2), reconhecemos tanto aquelas que se voltaram à discussão da especificidade desta atividade, caso de Aranha (2007); Penna (2007) e Barbosa (2011), que destacaram a complexidade de um trabalho remunerado insatisfatoriamente em função das exigências que carrega, como aquelas teses e dissertações que focalizaram a precarização, a intensificação, a flexibilização e a proletarização.
A precarização do trabalho (subeixo 2.1), conceito discutido por Oliveira (2004), e sua relação com as reformas educacionais ocorridas nas duas últimas décadas foi termo recorrente tratado em 112 pesquisas, destacando-se nos textos de Mazzini (2017); Silva (2017); Lennert (2009); Lima (2015); Aquino (2009); Brito (2013); Carvalho (2016); Moura (2013); Basílio (2015) e Catini (2008). Já o termo flexibilização (subeixo 2.2), mencionado por Oliveira (2004, p. 1140) como parte do processo de precarização do trabalho, apareceu em 105 pesquisas, as quais se referiram ao desmonte das condições e relações de trabalho, uma vez que as normas contratuais alteradas num cenário de reestruturação do Estado ampliaram as possibilidades de contratações temporárias e em condições desiguais frente aos demais trabalhadores da educação. Sobre o referido termo, destacaram-se as pesquisas realizadas por Aranha (2007); Filgueira (2017); Rigolon (2013); Santos (2016a); Santos (2016b) e Fontana (2008).
A intensificação (subeixo 2.3), outro aspecto relativo à caracterização atual do trabalho docente, resultante da maior responsabilização e ampliação das atividades destinadas aos docentes (DUARTE, 2011), foi mencionada como elemento geral apresentado na caracterização do trabalho em 102 pesquisas, sendo foco central de análise, porém, em apenas duas delas, caso de Merguedicthian (2012) e Oliveira (2017). A proletarização (subeixo 2.4) foi discutida como parte do contexto no qual está inserido o trabalho docente em 53 pesquisas, mas foi objeto direto de investigação em apenas quatro delas, sendo que se concentraram neste grupo as análises que relacionaram proletarização à organização docente, destacando-se especialmente a questão sindical, o que foi feito por Reis (2006); Fossaluzza (2017); Hidaka (2012); Notário (2007) e Lanza (2010).
Sobre o terceiro eixo de análise no qual foram agrupadas as pesquisas que trataram mais diretamente dos impactos das medidas reformistas no trabalho docente, identificamos uma predominância de investigações de natureza empírica, indicando a preocupação dos pesquisadores em dar voz aos trabalhadores docentes para compreender como as decisões ecoam na sala de aula e nos espaços escolares como um todo. Dessa forma, três subeixos se destacaram. O primeiro deles tratou das regulações educacionais assumidas por nós como “processos múltiplos, por vezes contraditórios, de orientação das condutas dos atores e de definição das “regras do jogo” no sistema social” (MAROY, 2010, p. 1) ou, ainda como definido por Barroso (2006), como o conjunto de ações do sistema educativo que envolve o controle e o ajustamento permanente a fim de assegurar o equilíbrio, de modo que convivam “uma regulação ‘estatal, burocrática, administrativa’ e uma regulação ‘profissional, corporativa, pedagógica’, que podem estar em tensão”.
As regulações foram citadas em 106 pesquisas e, dentre estas, destacaram-se aquelas que abordaram as avaliações externas como foco de investigação direta (28 pesquisas), tais como as realizadas por Chirinéa (2010); Colombo (2015); Buoro (2013); Nogueira (2015); Martins (2015); Parro (2016); Silva (2016); Hojas (2017); Jesus (2014); Rubini (2017); Nallo (2010); Polato (2014); Greve (2017), Oliveira Jr., (2013); Silva (2006); Perboni, (2016); Filipe, (2016) e Ribeiro, (2008). Ainda vinculadas a este subeixo, mas tratando das alterações curriculares provocadas pela implantação de um sistema de avaliação externa que levou à padronização do que e como ensinar, estavam 34 pesquisas, destacando-se as realizadas por Ferin (2015); Giavara (2012); Leite (2011); Marques (2014); Nunes (2014) e Oliveira (2012).
Outra medida adotada pelo governo paulista no ciclo de reformas que se tornou alvo das investigações analisadas foi a bonificação por desempenho (subeixo 3.2), medida criada no início dos anos 2000 e que foi um incisivo elemento performático que alterou ritos, regras e normas no interior das escolas (FERNANDES, 2009; CUNHA, BARBOSA e FERNANDES, 2015). O termo bonificação apareceu em 94 pesquisas, tendo sido objeto específico de estudos para Bergo (2016), Vasconcelos (2006) e Alcantara (2010). Outras pesquisas importantes trataram de modo significativo o bônus, tendo como foco de estudo, entretanto, o salário, os vencimentos, a remuneração e os planos de carreira do magistério paulista, caso dos trabalhos realizados por Thomazini (2016); Barbosa (2011); Cassettari (2010).
A análise realizada neste recorte de tempo e espaço, estado de São Paulo, 1996 a 2018, trouxe elementos fundamentais acerca do trabalho docente como campo de estudos que se ampliou e se consolidou nas últimas duas décadas, movimento que acompanhou a intensificação e a complexificação das reformas educacionais de direcionamento gerencial e performático.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escrita deste texto de natureza acadêmica respaldou-se em revisão bibliográfica pautada em método científico que, a partir de abordagem quali-qualitativa, visou apresentar um mapeamento e análise sobre o trabalho docente no estado de São Paulo, no período de 1996 a 2018, momento que coincide com as reformas educacionais promovidas pelo partido político que se encontra no poder há mais de vinte anos. Assim, esta revisão bibliográfica configurou-se não apenas como estudo de um compilado de pesquisas, mas, sim, como possibilidade de compreensão da categoria trabalho docente nos estudos realizados no estado mais rico e com maior rede pública de ensino do País, estado em que também foi se sucedendo e se consolidando um projeto educacional que tem servido de base para outras regiões do Brasil. O conjunto de pesquisa analisado indicou claramente os efeitos no cotidiano escolar de uma política que há anos implanta medidas de cima para baixo, não deixando o trabalho docente incólume, já que, além de alterar as possibilidades de constituição de um processo de autonomia, modificaram negativamente suas condições e relações de trabalho.
As análises identificadas no corpus selecionado apontaram a força das medidas advindas dos setores empresariais que foram sendo adaptadas para o espaço escolar, provocando redução da autonomia docente, aumento das responsabilidades pedagógicas e da responsabilização docente, ampliação de controle direto e indireto sobre o trabalho, competição entre os pares por vantagens salariais, intensificação e flexibilização contratual com novos processos de precarização do trabalho. Grande parte dessas pesquisas utilizou a abordagem metodológica qualitativa com ênfase em estudos empíricos, trazendo à tona processos, condições e relações de trabalho que se reestruturaram frente a um intenso movimento de reformas educacionais que, embora não esteja restrito ao estado de São Paulo, tem neste um de seus principais exemplares de reorganização de rede pública com base em princípios gerenciais. Este dado, que consideramos importante, pode ser discutido frente à necessidade de no campo específico do trabalho docente, após vários anos de sucessivas reformas educacionais, serem realizados estudos estatísticos, quantitativos e longitudinais sobre a educação pública em diferentes estados brasileiros.
A revisão bibliográfica sinalizou ainda marcante preocupação das pesquisas em compreender o trabalho docente tendo como foco a atuação em sala de aula, o que denotou, por um lado, destaque à voz dos professores que, por meio de entrevistas, questionários e observações, foram sujeitos centrais nas investigações; mas, por outro lado, este dado pode indicar uma visão reducionista de trabalho docente, minimizando-o à atuação do professor, o que não se coaduna com a categoria analítica que o concebe como complexo, amplo e não restrito à atividade em sala de aula. Os dados de pesquisa apresentados no presente artigo têm a pretensão de contribuir para novos estudos no campo do trabalho docente, no sentido de elucidar processos que impactam os trabalhadores docentes em diferentes lugares do País, uma vez que o receituário que tem guiado os programas e projetos, com novos desdobramentos para o trabalho, é muito semelhante, a despeito das singularidades e especificidades apresentadas pelas redes de ensino.