Apresentação1
A reflexão e a pesquisa sistemática sobre as práticas de produção de conhecimento constituem um tópico que atravessa os campos científicos, particularmente as ciências sociais. No contexto da pesquisa social contemporânea, as linhas de exploração da produção de conhecimento tiveram especial convergência orgânica e visibilidade disciplinar com a constituição do campo acadêmico dos estudos sociais da ciência e tecnologia na década de 1970 (Bijker et al., 2012), integrado inicialmente às vertentes da Sociologia da ciência e da tecnologia e da História das ciências, para a constituição de uma perspectiva transversal que analisa as práticas de produção de conhecimento contextualizadas e atravessadas por suas circunstâncias e sujeitos de produção.
Esse campo acadêmico implicou a consideração epistemológica do conhecimento científico como produto construído por um grupo de pessoas específicas, em contextos específicos, atravessadas por tensões políticas, relações de poder, culturais, econômicas, entre outras, que configuram o aqui e agora da pesquisa. Como consequência, destaca-se a relevância de compreender a relação entre pesquisa e problemáticas sociais; quais situações sociais serão tomadas como problemáticas de pesquisa; que relação existe entre as agendas governamentais e as agendas de pesquisa; e o que podem nos dizer as tendências de pesquisa em cada disciplina acerca dos problemas sociais nessas áreas (Picabea; Thomas, 2015). As relações complexas existentes entre o surgimento e a persistência de problemas sociais e o desenvolvimento de conhecimentos científicos orientados a explicá-los, conhecê-los e resolvê-los resultam em chaves para compreender nossos contextos atuais, sempre que consideremos que os “problemas sociais” não emergem espontaneamente por si mesmos, senão que existem com dependência de quem (que sujeito ou sujeitos) os tematiza como tais (Kreimer; Zabala, 2006).
Quanto à pesquisa desenvolvida no campo da Educação, sua relação com as problemáticas sociais do contexto em que se produz tem particularidades que a diferenciam de outros campos acadêmicos, especialmente as características específicas da área, que são fatores valorizados nas significações sociais populares e, ao mesmo tempo, desassistidos pelas estruturas institucionais tradicionais. Além disso, a pesquisa em Educação, mais que as pesquisas de outras áreas do conhecimento, se faz inseparável das instâncias orgânicas que implementam e regulam as práticas formativas (instituições governamentais nacionais, estaduais e municipais, políticas públicas orientadas para a formação e a difusão de conhecimentos, organismos internacionais). Isso a converte em um campo acadêmico particularmente interessante, sintomático para a exploração das relações entre problemáticas sociais e agendas de pesquisa, especialmente na região da América Latina, região composta por países pobres e em desenvolvimento, marcados por profundas desigualdades sociais, herdeiros de um processo de colonização exploratória que deixou profundas marcas na cultura, na gestão política e econômica, na produção do conhecimento científico e tecnológico e na formação da população.
Por conseguinte, neste trabalho nos centraremos nas características do subcampo de pesquisa que associa a Educação com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), onde os países da América Latina vêm realizando importantes esforços para não ficar à margem da tendência global que coloca essas tecnologias como motriz dos processos econômicos, políticos e sociais. Dentre esses esforços, destaca-se a promoção de diversas políticas públicas e programas orientados principalmente para a inserção das tecnologias nas escolas e na formação docente. Refletiremos sobre algumas confluências e diálogos presentes na construção de objetos de pesquisas relativos à Educação e tecnologias da informação e comunicação, por parte de pesquisadores de vários países da América Latina, a partir de uma perspectiva de globalização contra-hegemônica, mais humana, centrada nas pessoas e não no capital, que conduz a processos de internacionalização da educação superior também contra-hegemônicos, capazes de tecer redes de interculturalidade crítica que favoreçam a decolonialidade das sociedades na nossa América Latina (Durán Jiménez, 2019).
Em todos os casos se trata de abordagens de problemáticas locais do país de origem do pesquisador e de produções correspondentes a dissertações e teses desenvolvidas no grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC/FACED/UFBA), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Por tratar-se de um grupo de pesquisa com um alto número de pesquisadores estrangeiros, participantes do Programa de Alianças para a Educação e a Capacitação (PAEC PEA/GCUB), um convênio entre a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB), entendemos que analisar esses trabalhos nos proporciona um bom lugar para refletir sobre as tendências regionais da pesquisa em Educação e TIC; as maneiras com que as problemáticas da área de Educação e tecnologias, comuns à região, são reconhecidas, codificadas e abordadas a partir da pesquisa educativa; que aspectos dessas complexas problemáticas são considerados temas de pesquisa e quais não; e em que medida a constituição de agendas regionais de pesquisa educativa sugerem outras potenciais frentes de cooperação no marco dos processos de internacionalização de nossas universidades.
Por último, consideramos que as dissertações e teses são testemunhos das tendências atuais de pesquisa no campo acadêmico e cumprem o requisito de aportar novos conhecimentos na área em que se inscrevem. Também, são legitimadas por um sistema de controle e de avaliação mediante uma banca de especialistas nas áreas de abordagem, necessário para garantir, do modo mais completo possível, os requisitos formais exigidos pela pesquisa científica. Portanto, diversas pesquisas bibliométricas, bibliográficas e de análises de produção científica as consideram como literatura de primeira ordem para dar conta do estado atual e das tendências de um campo de conhecimento (García Pérez; García Arieto, 2014).
O conhecimento aqui produzido está embasado no método qualitativo, constituindo-se de uma pesquisa teórica (Cerqueira, 2018), com exposição rigorosa, lógica, coerente e crítica na argumentação realizada sobre as pesquisas produzidas no grupo GEC/FACED/UFBA. A partir de uma tecitura, realizada como uma “atividade artesanal”, como uma “bricolagem” (Lapassade, 1998) - entendendo-se bricolar como tecer, compor, pôr as partes no conjunto -, mobilizamos os textos das pesquisas conforme a necessidade que se apresentou para construir a argumentação requerida. A tecitura apresenta-se, então, como uma criação a partir do que está disponível e o que está disponível, no repositório institucional da UFBA, são as dissertações de mestrado e teses de doutorado desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Educação, sendo que aquelas desenvolvidas no GEC estão listadas na página do grupo, o que permitiu organizar o material pelas temáticas abordadas, selecionando aquelas que eram comuns a diferentes países da região. Ademais, na página do GEC estão disponíveis outras produções do grupo, como livros e artigos produzidos pelos pesquisadores, de forma que a tecitura realizada para a composição deste artigo se deu a partir da análise realizada nos documentos do grupo.
Educação e TIC. Problemas comuns e estratégias confluentes para sua compreensão
O movimento dos seres humanos pelo planeta é tão antigo quanto o homem, seja em busca de subsistência, seja para conquistar outros povos, seja para comercializar com locais distantes, seja ainda para desvendar o desconhecido. Esses movimentos foram, cada vez mais, aproximando e cruzando culturas, criando mercados mais abrangentes, até chegarmos a um processo chamado globalização. Com a inserção das TIC nas sociedades, também se potencializou a globalização nas economias dos Estados, nos mercados públicos e privados e em diversos setores do cotidiano. Assim foi que a globalização passou a ser “o destino irremediável do mundo, um processo irreversível, [...] que nos afeta a todos na mesma medida” (Bauman, 1999, p. 7). E, embora seja um processo que divide e ao mesmo tempo une, são as consequências perversas dela própria as que propiciam a segregação das elites e, em simultâneo, sua homogeneização, deixando de lado o restante da população.
Milton Santos (2001) denomina esse tipo de globalização de perversa e a descreve como aquela “fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural, acarretando o desfalecimento da política feita pelo Estado e a imposição de uma política comandada pelas empresas” (Santos, M., 2001, p. 15). Embora esse tipo de globalização seja hegemônica, Boaventura de Sousa Santos (2001) diz que esse é um “fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas, interligadas de modo complexo” (Santos, B., 2001, p. 32). Aquilo que habitualmente designamos “globalização” são, na realidade, conjuntos diferenciados de relações sociais que dão origem a diferentes fenômenos de globalização, ao que o autor denomina “globalizações” (ibidem, p. 61).
E somos nós, o restante da população, que temos que procurar soluções alternativas, soluções que integrem o conjunto da sociedade, que retroalimentem todos os processos sociais. E isso se faz falando, pensando e planejando, seja como estados ou países, seja como comunidades, regiões e humanidade, na sua totalidade. Em nosso caso específico, como região da América Latina, formada por países pobres e em desenvolvimento, que compartilham história e atravessam situações políticas e sociais bastante similares (desde as origens coloniais até os atuais processos de restaurações conservadoras), partindo de uma perspectiva de internacionalização contra-hegemônica, temos buscado construir uma “outra globalização” (Santos, M., 2001) a partir de uma perspectiva mais humana, apoiados em epistemologias locais e em colaborações entre culturas, estabelecendo “diálogos e relações interculturais de valoração e colaboração mútuas, que sejam de dupla via” (Mato, 2008).
Por outro lado, a contar do final do último milênio, diferentes cúpulas e conferências mundiais vêm destacando a brecha existente entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento como consequência da globalização, indicando como sendo necessária, para manter e intensificar o progresso mundial com desenvolvimento sustentável, a cooperação internacional, em diferentes áreas, e a adoção, pelos países em desenvolvimento, de decisões tomadas em nível mundial (ONU, 2002, p. 2). O documento da UNESCO, de 2005, intitulado Década da Educação das Nações Unidas para um Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014: Documento Final do Plano Internacional de Implementação, apresentava sete estratégias que podiam ser aplicadas, em todos os níveis e contextos, e que serviriam para implementar a visão da instituição de uma Educação para o Desenvolvimento Sustentável, durante dez anos: atividades de promoção e prospectivas; consulta e apropriação no nível local; parcerias e redes; capacitação e treinamento; pesquisa e inovação; uso das tecnologias de informação e de comunicação; e monitoramento e avaliação (UNESCO, 2005, p. 72).
E é justamente sobre o acesso às tecnologias digitais e telecomunicações que a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI), organizada pela ONU e pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), evidencia as disparidades entre as diferentes regiões. O atendimento às áreas desassistidas destaca-se nos documentos das duas fases da CMSI, uma em Genebra, em 2003, e outra em Tuniz, em 2005, e nas Conferências Mundiais de Desenvolvimento das Telecomunicações (CMDT), organizadas pela UIT, em Buenos Aires (1994), La Valetta (1998), Istambul (2002), Doha (2006), Hyderabad (2010), Dubai (2014), Buenos Aires (2017) e Kigali (2022).
No Plano de Ação da CMSI de Genebra, aparece como objetivo que deveria ser alcançado por todos os países, antes de 2015, colocar as TIC a serviço do desenvolvimento, fomentando a utilização da informação e do conhecimento para reduzir a brecha digital. Em suas linhas de ação, especial destaque é dado para as zonas rurais e desatendidas, tanto no que se refere ao acesso público e universal à informação e ao conhecimento, quanto à criação de capacidade e aquisição de conhecimento sobre as TIC através da educação, da formação de professores, da produção de conteúdo, documentação, preservação e socialização do patrimônio cultural local, combinação dos meios de comunicação tradicionais com as novas tecnologias (ONU/ UIT, 2004).
Na etapa de 2005 da CMSI, em Tuniz, os objetivos, as linhas de ação e os prazos foram reafirmados, evidenciando novamente a necessidade de democratizar o acesso à informação e ao conhecimento por meio das TIC (ONU/UIT, 2006). Na Conferência de 2010, constata-se que muitos países já haviam colocado como prioridade o atendimento às zonas desassistidas, mas que, em outros, ainda, destacava-se a falta de infraestrutura de comunicações e soluções tecnológicas para o atendimento dessas zonas (UIT, 2010, p. 23). Vários países da região das Américas participaram dessas cúpulas, conferências e reuniões preparatórias, com delegados representantes do governo, da sociedade civil e das empresas. Em consequência, as políticas públicas latino-americanas para uso das tecnologias da informação e comunicação alinharam-se com as diretrizes traçadas nesses eventos internacionais, delas decorrendo o movimento feito nos últimos anos no sentido de incorporar em sua agenda política a universalização do acesso às TIC e a promoção da alfabetização digital da população, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento socioeconômico e diminuir a brecha digital entre os países.
Dentre as iniciativas, destacaram-se programas para a digitalização dos sinais de radiodifusão (TV e rádio digital), redução dos custos de acesso à internet, acesso banda larga, capacitação para o uso das TIC, com ênfase no atendimento a pessoas com deficiências e moradores das áreas rurais e áreas urbanas desassistidas (UIT, 2010, p. 28), além de programas educacionais para uso dessas tecnologias nas escolas. Nesse movimento, surge e se consolida o termo “inclusão digital”. Apesar do termo “inclusão” ser uma positivação de uma problemática social, a da exclusão, e implicar o “entendimento do social a partir de uma concepção dual do dentro e do fora” (Boneti, 2005, p. 3); além de ser redutor, pois significa “colocar [alguém] dentro” de um modelo instituído e excludente; e, ainda, limitar a análise e bloquear a percepção da complexidade dos processos, tal termo carrega como potencialidade o fato de ser facilmente compreensível pela maioria da população, ter apelo midiático e ter provocado um movimento da sociedade em prol da universalização do acesso às TIC (Bonilla; Oliveira, 2011).
Embora esses movimentos tenham sido fortalecidos na segunda década do atual milênio, a CMDT de 2022 (UIT, 2022) continua tendo como pauta a conexão das pessoas, visando ao desenvolvimento sustentável, conforme expresso na Resolução nº. 70/1 da ONU, de 21 de outubro de 2015: Transformar Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), visto que ainda cerca de um terço do mundo carece de conectividade e que uma grande porcentagem dos conectados conta com uma tecnologia pouco confiável e lenta, ao passo que os dispositivos digitais e a conexão são muito caros e que a falta de habilidades e capacitação digitais excluem muitas pessoas. Para superar esses problemas, o Plano de Ação de Kigali estrutura as estratégias para o período 2024-2027, focando em conectividade acessível, transformação digital, contexto político e marco regulatório adequado, mobilização de recursos e cooperação internacional e tecnologias inclusivas e sustentáveis para o desenvolvimento sustentável. Destaque é dado às temáticas da alfabetização digital, desenvolvimento de competências digitais e de programas de formação digital, inclusive para autoridades públicas, ciberseguridade, proteção do consumidor, assistência aos Estados-Nação e investimento em infraestruturas seguras, em particular nas zonas insuficientemente atendidas (UIT, 2022).
A região das Américas, em especial a América Latina, é foco de atenção nessas cúpulas, em virtude de que muitos desses temas são recorrentes em todos os países da região, ao longo dos anos. E as pesquisas do GEC têm insistentemente se debruçado sobre eles, dando destaque para as políticas públicas de inserção das TIC na Educação em nossas sociedades. Neste artigo vamos nos deter em alguns deles: a brecha digital, a formação de professores e como esses dois temas são atravessados pelas políticas públicas. Destacamos ainda uma política que emergiu na primeira década do milênio - a inserção de computadores nas escolas, no modelo 1:1 - e como ela se materializa em diferentes países da América Latina, de onde os pesquisadores do GEC são originários.
Um problema comum enfrentado pelos países, no mundo todo, foi a pandemia da Covid-19, que requereu de todas as nações, como forma de proteção à doença, uma infraestrutura de TI, sistemas, aplicativos, ambientes e repositórios de dados que suportassem o fluxo de trabalho, estudos e comunicação que migraram para o online. A região da América Latina, por ser, historicamente, dependente de tecnologias produzidas fora, não estava preparada para enfrentar essa nova realidade, o que submeteu todos os países às soluções oferecidas pelo mercado, em forma de parceria ou de venda de produtos, promovendo um fenômeno denominado “plataformização da educação” (Pretto; Amiel; Bonilla; Lapa, 2021), que acirrou uma tendência de privatização da educação pública em toda a região. O GEC, de forma ativista, se posicionou frente a esse fenômeno, como já vinha fazendo ao longo dos anos, e o tema do conhecimento aberto ganha destaque, mais uma vez, neste momento em que a educação pública está em risco. Daí este ser mais um tema que daremos foco em nossa análise.
Brecha digital
A brecha digital é definida como a separação que existe entre pessoas - ou comunidades, estados e até mesmo países - que utilizam as TIC como parte de sua vida diária e aquelas que não têm acesso às mesmas ou, ainda que tenham, não sabem como utilizá-las (Serrano Santoyo; Martínez Martínez, 2003, p. 8). Portanto, na tentativa de superar as brechas existentes entre os países da América Latina e os países desenvolvidos, ou entre regiões e pessoas dentro de nossos países, os governos da região têm tomado o acesso, ou a infraestrutura de informações, como o primeiro estágio dos países rumo a uma Sociedade da Informação, tendo a informatização da economia como principal objetivo e preocupação política, muitas vezes desconsiderando as questões sociais e educacionais ou convertendo-as em valores econômicos.
Como resultado das ações desenvolvidas na região, os indicadores relacionados ao acesso têm mostrado crescimento. Por exemplo, de acordo com a CEPAL (2018), em 2016, a média do acesso à internet nos domicílios era de 45,5%. Em 2020, a banda larga fixa estava disponível em 58,54% dos domicílios latino-americanos (Jung; Katz, 2023), uma taxa de crescimento maior do que a extrapolação histórica poderia indicar, em virtude da pandemia da Covid-19, que demandou maior conectividade para a continuidade das atividades durante o isolamento social. Em 2021, essa taxa chegou a 62% (CEPAL, 2022). Também o número de usuários tem demonstrado crescimento, com 56% dos latino-americanos e caribenhos fazendo uso da internet, em 2016. Em 2019, esse índice subiu para 67% (CEPAL, 2021).
Apesar desses índices serem significativos, a qualidade das conexões ainda é um problema a ser enfrentado. No que diz respeito às conexões nos domicílios, em 2016 eram poucas as de alta velocidade (superiores a 10 Mbps). Chile e Uruguai eram os melhores colocados, mesmo assim com apenas 30% de suas conexões com velocidade superior a 10 Mbps. Já para as conexões móveis, a média de velocidade estava entre 4 e 7,5 Mbps, mesmo com o aumento das conexões 4G. No que diz respeito ao custo das conexões, também era elevado para as condições econômicas da maioria da população, além de, em alguns países, este serviço ser cobrado em dólares, como é o caso de Honduras (Sabillón Jiménez, 2017), o que implica que os usuários, a cada mês, tinham que pagar em função da desvalorização da moeda nacional. Em 2021, conforme dados da CEPAL (2022), o cenário da qualidade da banda larga fixa apresentou-se heterogêneo entre os países da região. Brasil, Chile, Colômbia, Panamá e Uruguai se sobressaíram, superando a média mundial, com velocidades de download de mais de 100 Mbps e baixa taxa de latência. O destaque ficou com o Chile, com uma velocidade média de 280 Mbps, o que o colocou em melhor posição que os Estados Unidos, o Japão e a República da Coreia. Por outro lado, Argentina, Costa Rica, México, Paraguai e Peru se encontraram em uma posição intermediária, com velocidades de mais de 50 Mbps, iguais à média da região, enquanto Bolívia, El Salvador, Guatemala, Haiti e Honduras apresentaram velocidades inferiores à média.
Mesmo com os avanços apontados pelas pesquisas, ano a ano, a brecha relacionada ao acesso persiste, seja entre os países latino-americanos e os países ditos desenvolvidos; seja entre as zonas urbanas e rurais dentro de cada país, chegando a 40 pontos percentuais a diferença em alguns casos (CEPAL, 2018), e estando, em 2021, em 28% a média das diferenças de acesso entre as populações urbana e rural na região (Ziegler; Arias Segura, 2022); seja, ainda, entre as regiões, como o caso brasileiro, em que, em 2016, a região Sudeste apresentava um índice de 64% dos domicílios conectados, enquanto na região Nordeste era de apenas 40% dos domicílios (CGI, 2017) - ressalte-se que, para 2021, houve uma melhora desses índices: a região Sudeste apresentou 84% dos domicílios conectados, enquanto a região Nordeste apresentou 77% dos domicílios (CGI, 2022) -; quer seja, também, entre as classes sociais, como no caso do México, em que, em 2021, nove de cada dez domicílios do estrato social mais alto possuíam acesso à internet, enquanto apenas três de cada dez domicílios do estrato mais baixo possuíam esse tipo de conexão (INEGI, 2023).
A brecha digital é analisada, direta ou indiretamente, em todas as pesquisas realizadas no GEC, uma vez que está relacionada às desigualdades sociais, tão presentes nos países latino-americanos, e também porque as desigualdades são mobilizadoras das políticas públicas e das ações da sociedade civil nos países da região. Portanto, mesmo com uma diversidade de objetos de pesquisa tratando a relação Educação e tecnologias, o contexto socioeconômico é sempre o pano de fundo onde tais objetos de pesquisa estão ancorados.
Além da brecha relacionada ao acesso, de fácil percepção pelos índices apontados pelas pesquisas, é necessário ter em vista a brecha relacionada aos usos. É corrente considerar que os jovens possuem maior habilidade para o uso de TIC e que os idosos estão à margem das dinâmicas contemporâneas, referenciando tais afirmações em pesquisas que apresentam um diferencial qualitativo entre as gerações, como é o caso de Tapscott (1999) e Prensky (2001), com os apelativos “geração net”, “nativos” e “imigrantes” digitais, que ainda hoje são tomados como base de muitas análises. No entanto, as pesquisas desenvolvidas no GEC vêm demonstrando que os jovens não são tão nativos nem os idosos são tão imigrantes, ou seja, que nascer em determinada época não define os usos que serão feitos nem o interesse por aprender a respeito das tecnologias, embora existam diferenças marcadas de pessoa para pessoa, relacionadas às suas condições físicas, dificuldades de acesso e nível de escolaridade (Castro Morales, 2018; Marinho, 2014; Niño Echeverry, 2018). Hoje, pessoas de todas as idades estão demonstrando interesse e buscando projetos e cursos para aprender a usar os dispositivos, sobretudo em razão do período pandêmico, em que essa procura se intensificou. O problema encontra-se no fato de que muitos desses projetos e cursos, especialmente os de formação de professores, ainda estão voltados para o desenvolvimento de práticas instrumentalizantes, que pouco têm contribuído para a constituição da cultura digital enquanto processos e vivências que se constituem em torno do contexto digital, bem como para os processos de letramento digital dos sujeitos sociais (Sabillón Jiménez; Bonilla, 2016).
Formação de professores
Os Padrões de competência em TIC para professores, direcionados pela UNESCO, evidenciam, no objetivo geral, uma ênfase à prática docente meramente instrumental, onde a importância radica em “contribuir para um sistema de ensino de maior qualidade que possa, por sua vez, produzir cidadãos mais informados e uma força de trabalho altamente qualificada, assim impulsionando o desenvolvimento econômico e social do país” (UNESCO, 2009, p. 6). Ultrapassar essa perspectiva instrumental dos cursos de formação de professores, buscando incorporar as características do movimento contemporâneo que se constitui em torno das tecnologias digitais, trazendo múltiplas facetas desse movimento para o estudo, a discussão e a proposição de ações educacionais que fortaleçam os professores em formação, assim como a análise e a crítica às políticas públicas de formação de professores, têm sido focos do GEC, seja em ações de ensino, de extensão ou de pesquisa, ao longo de seus quase 30 anos de existência.
A formação de professores tem se constituído um desafio nos países da América Latina pelo papel estruturante que desempenha nas práticas pedagógicas nas escolas. Apesar disso, os diferentes países da região têm dado pouca atenção às políticas de formação de professores para uso das TIC. No que diz respeito à formação inicial, a discussão sobre as TIC nos currículos dos cursos de licenciatura é incipiente ou não presente, como acontece no Brasil (Gatti; Barreto, 2009), no Equador (Cevallos Martínez, 2019) e em Honduras (Sabillón Jiménez, 2017; 2022). Normalmente, a formação para o uso das TIC fica sob a responsabilidade da formação continuada, âmbito que envolve diferentes projetos e programas, em vários países, mas quase sempre aparecendo com enfoque secundário, uma vez que o elemento principal desses projetos é a disponibilidade de equipamentos, o que acarreta descontinuidade nas formações, oferta de cursos aligeirados, lineares, descontextualizados e instrumentalizantes (Cevallos Martínez, 2019; Cordeiro, 2014; Garfias Cobela, 2019; Montoya González, 2018; Passos, 2017; Silva, 2014), muitas vezes gerando apenas indicadores para os governos poderem responder às demandas dos organismos internacionais, mas com pouca relevância no cotidiano das escolas.
Propostas de formação de professores contextualizada, coletiva e colaborativa, levando em consideração a realidade de cada escola, as necessidades dos professores, que os incorporem como coautores dos processos formativos, que os ajudem em suas dificuldades, que incentivem um uso das tecnologias de forma mais estruturante, buscando outras formas de pensar o processo pedagógico (Veloso, 2014) ainda são pontuais, mas já começam a atravessar e tensionar as políticas públicas massificadoras de formação de professores. Foi o que o GEC desencadeou na Bahia, integrando o Programa de Formação de Professores da FACED/ UFBA, criado em 2002, a partir de demandas dos municípios baianos, com o objetivo de graduar professores das redes municipais, em atendimento ao disposto no art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), prevendo que
A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal (Brasil, 1996).
No âmbito desse Programa, a FACED ofereceu o curso de Licenciatura em Pedagogia para o ensino fundamental/séries iniciais aos professores das redes municipais de Salvador, Irecê e Tapiramutá (Bonilla; Picanço, 2005; Bonilla; Pretto, 2007, Bonilla, 2019) e para os professores do campo (Bonilla; Halmann, 2011; Bonilla, 2019). Entre 2010 e 2013, como responsável pela formação de professores no estado da Bahia, no âmbito do Projeto Um Computador por Aluno (UCA), o GEC desenvolveu uma proposta inovadora também para a formação continuada de professores, trazendo a “formação em contexto” (Silva, 2014; Veloso, 2014) como uma alternativa aos cursos massificantes.
Projetos 1:1
Na primeira década deste milênio, diversos países da região incorporaram em suas políticas educacionais projetos de inserção de laptops no modelo 1:1 (um computador por aluno), buscando atender demandas específicas de sua realidade, seja do contexto social, seja do contexto político e econômico, todas tendo como pano de fundo o fortalecimento do discurso da inclusão digital e da inovação educativa. O GEC volta-se para essa temática e, desde 2010, vem desenvolvendo pesquisas, individuais e em parceria, sobre o projeto brasileiro Um Computador por Aluno (UCA), focando na análise da política pública (Coelho, 2014; Oliveira, 2019; Quartiero; Bonilla; Fantin, 2015; Rosa, 2017) e nas práticas escolares (Cordeiro, 2014; Nassri, 2013; Veloso, 2014), bem como sobre o projeto venezuelano, Canaima Educativo (Montoya González, 2018), e o projeto argentino, Conectar Igualdad (Godoy, 2019).
O que tais pesquisas vêm sinalizando é a centralidade na oferta dos dispositivos, com conteúdos educacionais embarcados, e sem uma preocupação com a oferta de conexão de internet em banda larga, que poderia proporcionar a inserção das potencialidades da cibercultura nas práticas educativas. A posse, a mobilidade e a conectividade oferecida pelos laptops podem facilitar o acesso livre, a comunicação, a produção de conteúdos em diferentes linguagens, a exploração dos mais diversos ambientes online, em qualquer lugar e a qualquer momento, e não um acesso limitado no tempo e no espaço, como em computadores fixos. O fato de cada aluno ter o seu dispositivo móvel e poder circular com ele, na escola e em casa, é estruturante de uma relação mais próxima, mais enriquecida e mais livre com a tecnologia, tanto pessoalmente como por parte de sua família; ou seja, é estruturante da constituição da cultura digital, a qual é componente fundamental dos processos de inclusão digital e de produção de conhecimento na contemporaneidade. No entanto, nas realidades analisadas até o momento, especialmente no Brasil e na Venezuela (Montoya González, 2018; Quartiero; Bonilla; Fantin, 2015), o que podemos detectar é que a infraestrutura das escolas para o acolhimento desse tipo de tecnologia sofreu poucas alterações, a formação dos professores foi insuficiente ou inexistente e as condições socioeconômicas das famílias também não dão conta de oferecer a conectividade requerida pela mobilidade, visto que as políticas públicas de conexão para acesso nos domicílios ainda é precária, como mostram os índices acima.
Mesmo diante das problemáticas, é possível perceber que tais políticas, para os pais, constituem-se em uma grande possibilidade de oferecer acesso às tecnologias aos filhos e ao contexto familiar e que as famílias começaram a desenvolver usos espontâneos dos dispositivos, sempre buscando atender suas necessidades relacionadas ao trabalho, ao lazer, à educação, inserindo-se, assim, na cultura digital. Também foi possível perceber a descontinuidade e/ou enfraquecimento desses projetos ao longo do tempo, especialmente com as mudanças de governo, como aconteceu no Brasil, com a suspensão do projeto UCA em sua fase piloto, e instituição do Programa UCA, liberando para as secretarias municipais e escolas a iniciativa pela adesão, cabendo ao governo federal a responsabilidade pelo Programa no que diz respeito apenas às escolas do campo (Oliveira, 2019); e, na Argentina, com o afastamento, em março de 2016, da equipe do Ministério Nacional de Educação que coordenava o Projeto Conectar Igualdad em nível nacional, cabendo também às províncias a continuidade do mesmo (Godoy, 2019).
Conhecimento aberto
O GEC, desde sua origem, na década de 1990, apresenta em sua agenda de pesquisa o tema do conhecimento aberto, materializado através de diversas frentes de atuação - pesquisa, desenvolvimento de sistemas, ativismo, formação, produção colaborativa de conteúdos -, de forma que software livre, cultura livre, cultura hacker, licenças criativas e Recursos Educacionais Abertos (REA) fazem parte dos objetos de pesquisa de muitos pesquisadores do grupo. Essas pautas estão em sintonia com a crítica feita ao modelo de inserção das tecnologias nos processos pedagógicos de forma meramente instrumental, que reduz professores e alunos a meros usuários de tecnologias desenvolvidas fora, sem a compreensão de seus processos de produção e dos interesses que atravessam a sua adoção. Como o grupo adota a concepção de que as tecnologias digitais são elementos carregados de conteúdos, estruturantes das formas de pensar, agir e se comunicar, uma vez que não estão baseadas numa razão meramente operativa e sim numa razão mais global (Pretto, 2013), elas possibilitam novas formas de ordenação da experiência humana, com múltiplos reflexos na área cognitiva e nas ações práticas.
Trabalhar com conhecimento aberto implica pensar em novos arranjos produtivos, em que a liberdade, a colaboração e a partilha são seus valores fundamentais, ao que Eric Raymond (1998) chamou de “modelo bazar”, por ser um modelo horizontal que disponibiliza o conhecimento para que muitos desenvolvedores possam estudá-lo, aperfeiçoá-lo e transformá -lo, liberando essas melhorias para que outros possam utilizá-las e seguir com o processo de transformação, com o mesmo espírito colaborativo. Esse espírito foi o que deu início, na década de 1980, nos Estados Unidos, a um movimento denominado Software Livre, que se alastrou pelo mundo nos anos seguintes, chegando ao Brasil e demais países da América Latina. O objetivo desse movimento era (e é!) democratizar o conhecimento tecnológico e possibilitar aos países e aos sujeitos sociais uma autonomia no processo de produção das tecnologias digitais, deixando, assim, de serem dependentes das empresas que dominam o mercado e que se situam nos países desenvolvidos.
O movimento do software livre foi o precursor de uma série de outros movimentos em defesa da liberdade do conhecimento e vários grupos acadêmicos e da sociedade civil vêm, nas últimas décadas, atuando de acordo com os valores, os princípios, os arranjos e os objetivos desses movimentos, fortalecendo-os, dessa forma. O GEC é um dos grupos brasileiros que integra esse movimento, tendo inclusive a tese “Pirâmide da pedagogia hacker = [vivências do (in)possível]” (Menezes, 2018) sido laureada com o prêmio CAPES de teses. A tese discute a pedagogia hacker como uma pedagogia de engajamento multifacetado - técnico, afetivo, ideário e político - que se estrutura no exercício de tornar possíveis vivências coerentes dentro de ambientes e contextos contraditórios.
A pedagogia hacker agrega uma série de outras discussões que são caras ao grupo, tais como a perspectiva de construção de “novas educações” (Pretto, 2005), expressão que busca trazer um universo de possibilidades para o chão da escola, tais como a incorporação dos Recursos Educacionais Abertos (REA) (Pinheiro, 2014; 2022), que coloca a autoria como mais um valor fundamental para os processos educacionais. Os REA se estruturam tomando as mesmas liberdades que ancoram os processos de produção e distribuição do software livre, valorizando as licenças abertas como aporte legal que garante a manutenção do ciclo produtivo.
Os pesquisadores oriundos dos demais países da América Latina vão fortalecer essas pautas, agregando a discussão da cultura livre, seja no contexto universitário (Castellanos Aguirre, 2020), seja no contexto social (Montoya González, 2022), como uma perspectiva decolonial, em que países e grupos resistem e lutam na direção da liberdade, colaboração e justiça cognitiva, fazendo o enfrentamento aos grupos e lógicas hegemônicos, como acontece na Venezuela, que desenvolveu um projeto político-filosófico e um marco legal que aponta para a independência tecnológica. No México, grupos da sociedade civil se mobilizam para disponibilizar tecnologias livres (projetos de metarreciclagem e software livre) em áreas desassistidas, buscando mitigar a falta de atenção dos governos para essas localidades (Garfias Cobela, 2019).
Especial atenção às tecnologias livres foi dada nos projetos educacionais de inserção de laptops no modelo 1:1, em todos os países. No Brasil, foram customizadas e utilizadas diferentes distribuições Linux para uso nos laptops do Projeto UCA e do Programa UCA (Oliveira, 2019; Rosa, 2017); na Venezuela, foi desenvolvido o software livre Canaima para uso nos laptops do Projeto Canaima Educativo (Montoya González, 2018); e, na Argentina, foram utilizadas diferentes distribuições Linux nos laptops do Programa Conectar Igualdad (Godoy, 2019), com um diferencial em relação aos demais países: a Argentina optou pela instalação, em dual boot, do sistema livre e do sistema proprietário, podendo professores e alunos escolherem o sistema com o qual queriam trabalhar. No Brasil e na Venezuela a decisão foi pelo uso exclusivo do software livre. As implicações, possibilidades e contradições inerentes a essas escolhas são largamente analisadas nas teses e dissertações dos pesquisadores do GEC.
Com base em todo esse acúmulo de conhecimento produzido pelo grupo é que, durante a pandemia, o mesmo se posicionou criticamente à entrada do mercado de tecnologias na educação pública (Pretto; Amiel; Bonilla; Lapa, 2021), por entender ser essa “invasão” um risco à soberania nacional e à formação dos cidadãos, requerendo investimento público no desenvolvimento de sistemas abertos que possibilitem uma prática educativa independente e autônoma dos modelos impostos pelo mercado. Esta se constitui numa das atuais frentes de pesquisa do GEC e, para seu desenvolvimento, o grupo vem se articulando com outros grupos do país, da Espanha e da América Latina, alargando a perspectiva da colaboração para a produção de conhecimento, com foco na formação para a cidadania, numa perspectiva hacker.
Considerações finais
Tendo em vista esse contexto global em que as diferenças relativas entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento são cada vez mais profundas, pensamos que a atuação da América Latina como um conjunto de países é primordial para impulsionar o contexto político e social menos favorecido ou desfavorecido de nossa região. Além do foco de estudo do grupo de pesquisa GEC, nos últimos anos, a colaboração intercultural, o reconhecimento mútuo e as epistemologias regionais do Sul foram incorporadas à práxis dos pesquisadores que buscam se articular em rede para desenvolver trabalhos colaborativos em uma pequena área da América Latina, na procura da construção daquela “outra globalização” pensada por Milton Santos (2001).
Assim, fica claro em seus trabalhos o posicionamento sobre a tríade Educação-TIC-Política pública, ao considerarem que não deveriam atender apenas aos modismos ou às necessidades do mercado, mas caminharem no sentido da inserção ativa dos sujeitos no processo mais amplo de transformações sociais (Bonilla; Pretto, 2007), sendo isso necessário também para a formação de professores e para a construção da cultura digital na sala de aula, onde a apropriação das TIC seja horizontal e as tecnologias digitais deixem de ser impostas e utilizadas como substitutas das tecnologias mais antigas ou como meras ferramentas no processo de ensino-aprendizagem. A inserção das TIC numa perspectiva estruturante de novas práticas possibilita a consciência coletiva, a formação de cidadania e paulatinamente a redução da brecha digital, necessidades urgentes nas nossas sociedades latino-americanas.
Na sistematização apresentada de algumas das pesquisas desenvolvidas no GEC, estabelecemos as características mencionadas anteriormente, como linhas transversais das discussões entre as pesquisas mencionadas. Destaca-se, na política pública de inclusão de computadores nas escolas, o modelo 1:1, que pode ser considerado o elemento mais representativo das políticas de inclusão digital na região neste início de milênio, mesmo com diferenças consideráveis na abrangência e na forma de implementação em cada país. Seus alcances, consequências e potencialidades ainda estão sendo explorados, sendo esta uma política que se assemelha, especialmente quanto à implementação, nos diferentes países da América Latina.
A “invasão” do mercado nos sistemas educacionais e nas políticas públicas ganha destaque nos últimos anos e se agudiza durante o período pandêmico, o que leva o GEC a focalizar e fortalecer uma agenda de pesquisa muito cara ao grupo, desde sua origem, a do conhecimento aberto, denunciando os riscos da adoção de plataformas e sistemas privados para a soberania digital dos países e para a formação dos cidadãos. Esta é uma agenda em aberto e que congrega os pesquisadores da América Latina para um trabalho colaborativo nos próximos anos.
Por último, reconhecendo - parcialmente e de modo situado - alguns aspectos das orientações atuais da pesquisa em Educação e tecnologias digitais na América Latina, abrimos amplos interrogantes sobre os fatores políticos e sociais envolvidos na construção de nossas agendas de pesquisas e os diálogos entre conhecimento científico e políticas públicas, dentre outros temas. De qualquer maneira, enquanto pesquisadores, entendemos que o ponto de partida é estarmos cientes do conhecimento que estamos construindo, para quem, para que e como vamos devolvê-lo socialmente em favor de nossa região.