O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é classificado como transtorno do neurodesenvolvimento. O diagnóstico está pautado em critérios clínicos e envolve comprometimento qualitativo na comunicação e interações sociais, além de interesses e atividades restritos e repetitivos (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2013). Essas características podem dificultar o estabelecimento de intervenções educacionais eficazes, principalmente se a condição de Deficiência Intelectual (DI) estiver atrelada ao TEA. Segundo a quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria (2013), a DI é comumente identificada no TEA e refere-se a um transtorno do neurodesenvolvimento que envolve déficits relacionados às questões cognitivas e habilidades adaptativas.
Tanto o TEA como a DI, na legislação nacional de Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, integram o público-alvo da educação especial (PAEE). Isso significa que tais estudantes têm direito aos serviços educacionais especializados, como apoio ao processo de escolarização (BRASIL, 2008). A Resolução nº 2 de 2001 instituiu as diretrizes nacionais para a Educação Especial na educação básica (BRASIL, 2001) e explica em seu artigo 8º que as classes comuns devem envolver professores capacitados e especializados nas escolas da rede regular de ensino.
Garantir o direito à educação do PAEE nas escolas regulares brasileiras, bem como garantir professores capacitados e especializados na sala de aula comum (BRASIL, 2001), ainda parece ser um desafio a ser superado, principalmente com os estudantes com TEA. Rodrigues, Moreira e Lerner (2012) entrevistaram professores sobre o processo inclusivo deste público-alvo e, por meio da análise dos discursos, os resultados identificaram desafios relacionados ao comportamento verbal e ausência de material e direcionamento adequados para o desenvolvimento do trabalho, em sala comum.
Os resultados do estudo de Schmidt et al. (2016) replicam os dados de Rodrigues, Moreira e Lerner (2012), no sentido de identificar que o TEA é uma condição pouco conhecida pelos professores, o que requer formação contínua para garantir condições de ensino. Ao compreender que o processo de inclusão escolar envolve condições de ensino para comportamentos sociais e pedagógicos (BENITEZ; DOMENICONI; BONDIOLI, 2019; TAKINAGA, 2015), questiona-se sobre o desempenho acadêmico dos estudantes com TEA e ou DI (BENITEZ; DOMENICONI, 2016; GARCIA; ARANTES; GOYOS, 2017; PICHARILLO; POSTALLI, 2021; TAKINAGA, 2015; TAKINAGA; MANRIQUE, 2018), sobretudo em relação aos comportamentos basilares, como alfabetização e matemática (TAKINAGA, 2015).
Além de considerar as especificidades de cada estudante, é fundamental propor procedimentos de ensino que atinjam repertórios individuais. Independentemente das dificuldades que estejam encontrando durante o processo de aquisição de um dado repertório, qualquer estudante é capaz de aprender, desde que sejam dadas as condições de ensino adequadas, conforme a Análise do Comportamento (ROSE, 2005).
Benitez e Domeniconi (2016) utilizaram um recurso informatizado para ensinar jovens com DI a ler e a escrever com avaliações aplicadas em casa pela família. As tarefas informatizadas envolviam o emparelhamento entre palavra ditada e impressa, cópia e ditado por composição. As conclusões mostram que o ensino sistematizado e personalizado das tarefas e o envolvimento da família resultaram na aprendizagem dos estudantes.
Já em relação à matemática, o cenário brasileiro mostra desafios para qualquer estudante brasileiro (BRANKAER; GHESQUIÈRE; SMEDT, 2013), independentemente da condição biopsicossocial. Em torno de 67,5% dos estudantes na faixa etária até os dez anos de idade apresentaram alguma dificuldade na área da matemática (CRUZ; BERGAMASHI; REIS, 2012). O ensino da matemática, enquanto componente curricular, pode ser compreendido como um comportamento complexo que se fundamenta nas teorias e, especialmente, em condições de ensino necessárias para instalar o repertório individual de cada estudante. Cabe ao educador conhecer o repertório de entrada do estudante e planejar o ensino de forma a se adequar às necessidades educacionais deste (ROSSIT; GOYOS, 2009).
Ao criar um programa de ensino de conceitos e habilidades matemáticas deve-se, segundo Carmo (2012), seguir uma sequência curricular envolvendo habilidades pré-aritméticas (noções de maior/menor, mais/menos, grande/pequeno, discriminação de numerais de um a dez, quantidades de objetos de um a dez, conservação de quantidades discretas e de quantidades contínuas, equivalência numeral-quantidade e quantidade-quantidade etc.); conceito de número; sequências numéricas.
Garcia, Arantes e Goyos (2017), baseados em Sidman e Tailby (1982), tiveram como objetivo avaliar um procedimento de ensino informatizado para conceito de número, envolvendo emparelhamento com modelo, a partir da instrução baseada em equivalência de estímulos, com três meninos com TEA, com idades entre 8 e 11 anos. Os estímulos experimentais foram compostos por grupos de três numerais. A tarefa experimental foi composta de um estímulo modelo na tela e, após resposta de observação, eram expostos os estímulos de comparação, com consequência diferencial para respostas corretas e incorretas na fase de ensino. Também foi realizada avaliação com materiais concretos para verificação da generalização. As avaliações foram conduzidas no formato de linha de base múltipla entre conjuntos de estímulos e os resultados sugeriram que o procedimento foi suficiente para promover o aprendizado, sendo que um dos estudantes realizou todo o procedimento em apenas 24 sessões. Os autores afirmam que todos os estudantes generalizaram o aprendizado de número em tarefas informatizadas para tarefas com materiais concretos.
Um estudo posterior (PICHARILLO; POSTALLI, 2021), que ensinou e avaliou relações numéricas, teve como objetivo avaliar o ensino e a emergência de relações entre número falado, número arábico e quantidade, por meio da instrução baseada em equivalência de estímulos e a generalização com uso de materiais manipuláveis com cinco estudantes com TEA. O procedimento foi avaliado por um esquema de múltiplas sondagens entre grupos de estímulos. Os participantes aprenderam as relações ensinadas e formaram classes de equivalência, com a emergência de duas relações (numeral – quantidade e quantidade – numeral). O número de sessões para atingir os critérios de aprendizagem variou entre 15 e 29 sessões. Os dados de generalização para quatro dos cinco estudantes com TEA foram iguais ou superiores a 75% de acertos. O estudo recomenda o uso da equivalência de estímulos no ensino de tais comportamentos como medida a ser adotada nas escolas brasileiras e que estudos futuros investiguem variáveis que possam aprimorar o recurso de ensino, assim como uso de instrumentos avaliativos utilizados no pré-teste, como o Protocolo de Registro e Avaliação das Habilidades Matemáticas (PRAHM) (COSTA; PICHARILLO; ELIAS, 2017), com função de pós-teste.
Os dados promissores de ensino e aprendizagem dos estudos citados (GARCIA; ARANTES; GOYOS, 2017; PICHARILLO; POSTALLI, 2021) com estudantes com TEA na área da Matemática e com DI na área de leitura e escrita (BENITEZ et al., 2017) mostram possibilidades de procedimentos de ensino que atingem os repertórios individuais dos estudantes e, com isso, a aprendizagem de conteúdos acadêmicos, a despeito das justificativas fundamentadas nos rótulos diagnósticos sobre o não aprender deste público-alvo. Questiona-se o processo pedagógico em relação à inclusão nas escolas comuns, considerando os relatos dos professores, relacionados aos desafios do processo de ensino em sala comum com tal público (RODRIGUES; MOREIRA; LERNER, 2012; SCHMIDT et al., 2016).
Na literatura brasileira está documentado o processo inclusivo de estudantes com TEA e/ou DI, caracterizando a escolarização em determinados municípios. Por exemplo, Gomes e Mendes (2010) analisaram a rede municipal de ensino de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, com o intuito de caracterizar, sobretudo, a escolarização de alunos com TEA em salas de aula comum da educação regular. Foram feitas entrevistas com professores previamente selecionados e estes preencheram um questionário de rastreio da severidade dos sintomas do autismo em leve, moderado e severo sobre cada um de seus alunos que foram diagnosticados com TEA. No estudo, concluíram que pode haver variáveis que estão interferindo na identificação dos alunos com TEA pelo Núcleo de Inclusão local do município analisado. Além disso, existe uma falta de compreensão sobre o diagnóstico dos alunos, falta de suporte em aula, que pode melhorar a frequência do aluno nesta (desde que os profissionais que oferecem esse suporte sejam capacitados para tal), de forma que essa permanência melhore as chances de aprendizagem do conteúdo pedagógico.
O estudo de Ribeiro, Melo e Sella (2017) também analisou estudantes com TEA na rede municipal de ensino de Maceió, no estado de Alagoas. O estudo foi uma replicação de Gomes e Mendes (2010) e apontou defasagem em relação à idade cronológica e ao ano escolar, insuficiência na formação específica dos professores, além da falta de apoio para os professores e ausência de adequações curriculares individualizadas.
Para um maior entendimento da situação educacional de estudantes com TEA e/ou DI na cidade de São Carlos, estado de São Paulo, foi conduzido um mapeamento de estratégias inclusivas, por meio da caracterização do repertório comportamental de estudantes, com aplicação de avaliações de inteligência, vocabulário receptivo, entrevistas semiestruturadas com os pais para elaboração e análise da trajetória escolar de cada estudante, além da presença ou ausência de serviço educacional especializado, e no caso de presença, qual o serviço e há quanto tempo estava sendo utilizado. Também foram conduzidas observações sistemáticas no contexto escolar para análise das atividades realizadas pelos estudantes no período escolar. Como resultado, os professores especializados em educação especial estavam presentes a partir do ensino fundamental e, apenas sete, dos dez estudantes realizavam o Atendimento Educacional Especializado (BENITEZ et al., 2017).
Os resultados identificados nos mapeamentos das três diferentes cidades situadas em estados brasileiros distintos (São Paulo, Minas Gerais e Alagoas) revelam preocupações com o processo de aprendizagem dos estudantes com TEA e/ou DI, no contexto da escola regular (BENITEZ et al., 2017; GOMES; MENDES, 2010; RIBEIRO; MELO; SELLA, 2017), o que significa dizer que as práticas inclusivas são variadas em cada local, assim como a falta de serviço educacional especializado e o impacto no desempenho pedagógico desses estudantes.
Portanto, relacionar os desempenhos dos estudantes entre avaliações pode ser uma alternativa viável para caracterizar o repertório de entrada de cada um deles e, assim, propor estratégias educacionais personalizadas para o efetivo processo de ensino e aprendizagem de todos eles. O estudo de Benitez et al. (2017) utilizou um teste psicológico de inteligência para relacionar ao desempenho em um teste específico de leitura e escrita. Afinal, um mesmo estudante com quociente de inteligência (QI) igual ou inferior a 69 será classificado como intelectualmente deficiente e, pode realizar tarefas de pareamento por identidade por similaridade física ou arbitrário, tarefas estas fundamentais para garantir o ensino de leitura. Já outro estudante com o mesmo QI pode não apresentar tais comportamentos e ainda carecer de um ensino anterior, como aprender a olhar quando chamado pelo nome.
Relacionar as avaliações para caracterizar o repertório de entrada dos estudantes com TEA e/ou DI pode auxiliar docentes na elaboração do Planejamento Educacional Individualizado (PEI), em função dos resultados que serão obtidos em cada avaliação. O estudo de Prado et al. (2015) teve como objetivo relacionar a subitização (reconhecer e discriminar diversidades de até três ou quatro) com a estimativa numérica (entendimento de quantidades maiores ou iguais a cinco). Foram apresentadas tentativas estruturadas e aleatórias para avaliação da subitização e aplicado o Teste de Desempenho Escolar (TDE) com ênfase na área de aritmética. Por fim, o resultado obtido foi de que não há uma relação entre a subitização e o subteste de aritmética do TDE, mas que há uma relação moderada a fraca entre a estimativa numérica e a aritmética, avaliada pelo TDE.
Identificar uma possível relação entre os desempenhos acadêmicos (como leitura, escrita e matemática) e comportamento verbal (como o intraverbal) no repertório de entrada dos estudantes com TEA e/ou DI pode auxiliar o planejamento de ensino e elaborar estratégias pedagógicas que incrementem os quadros de desempenho acadêmico documentados nos estudos anteriores (SKINNER, 1957). O intraverbal, que está diretamente relacionado a habilidades de conversação e de responder perguntas, não foi medido e comparado com os outros repertórios (leitura, escrita e matemática) em estudos anteriores.
Ao considerar:
– o direito à educação e à aprendizagem acadêmica de estudantes com TEA e/ou DI (BRASIL, 2001, 2008);
– os desafios relacionados aos processos inclusivos destes estudantes (RODRIGUES; MOREIRA; LERNER, 2012; SCHMIDT et al., 2016);
– a situação do processo inclusivo nos três municípios analisados, em relação à oferta de Serviços Educacionais Especializados (SEE) e à formação docente que pode gerar o impacto direto no desempenho acadêmico destes estudantes (BENITEZ et al., 2017; GOMES; MENDES, 2010; RIBEIRO; MELO; SELLA, 2017);
– a possibilidade de caracterizar os seus repertórios comportamentais por meio da relação entre instrumentos de áreas distintas, desde os mais gerais até os mais específicos (BENITEZ et al., 2017; PRADO et al., 2015);
o presente artigo teve dois objetivos: (a) avaliar e correlacionar a leitura, a escrita, a matemática e o comportamento intraverbal de quatro estudantes com TEA e/ou DI matriculados na escola regular e; (b) caracterizar os SEE realizados até o momento e propor metas educacionais inclusivas para serem desenvolvidas com cada um deles.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa uma criança com TEA (E1), dois adolescentes, um com TEA e DI (E2) e outro com DI (E3), e um adulto com DI (E4). O quadro 1 apresenta as características e os instrumentos aplicados para cada participante.
Diagnóstico | Idade | Gênero | Medidas de matemática | |
---|---|---|---|---|
E1 | TEA | 5 | Masculino | PRAHM, TNM1 |
E2 | TEA e DI | 13 | Masculino | PRAHM, TNM1, TNM2, TNM3, TNM4, TDE, Intraverbal |
E3 | Síndrome de Down e DI | 17 | Masculino | PRAHM, TNM1, TNM2, TNM3, TNM4, TDE, Intraverbal |
E4 | Síndrome de Down e DI | 20 | Masculino | PRAHM, TNM1, TNM2, TNM3, TNM4, TDE, Intraverbal |
Fonte: elaborado pelos autores.
Local, materiais e instrumentos
A pesquisa foi realizada em uma sala de reuniões da universidade. Um notebook e aparelho de celular com vídeos on-line, além de outros objetos utilizados como consequências para respostas corretas, de acordo com o teste de preferência. Os materiais utilizados para avaliação foram:
a. o TDE (STEIN, 2017), um instrumento psicométrico que avalia escrita, aritmética e leitura. Na parte escrita é avaliada a escrita do nome e de palavras isoladas em tarefa de ditado; na aritmética é avaliada a solução oral de problemas e cálculos feitos a mão; e a leitura é avaliada por meio do reconhecimento de palavras isoladas;
b. o Protocolo de Avaliação de Intraverbal (SUNDBERG; SUNDBERG, 2011; traduzido para português por GARCIA; ZAVITOSKI; ELIAS, 2018), composto por 80 questões, divididas em oito grupos. Apenas E1 não realizou, devido à necessidade de vocalizar as respostas;
c. o Protocolo de Registro e Avaliação das Habilidades Matemáticas (PRAHM), composto por 34 atividades, distribuídas em sete de contagem, três de produção de sequência, 20 de pré-aritmética e quatro de identificação de forma geométrica (COSTA; PICHARILLO; ELIAS, 2017). O teste foi reproduzido e aplicado de modo informatizado (quadro 2);
d. Tarefas de Noções Matemáticas (TNM), que consistiram em quatro conjuntos (TNM1, TNM2, TNM3 e TNM4), contendo estímulos experimentais informatizados, que avaliaram conceitos de igualdade e tamanho (noções matemáticas) e de número e quantidade. Foram testadas relações entre os seguintes conjuntos de estímulos e respostas: conjunto A (palavras ou números ditados), conjunto B (figuras), conjunto C (numeral arábico), conjunto D (palavra ou representação numérica falada pelo participante). O TNM1 conta com 24 tentativas com relações de identidade BB e arbitrárias AB; o TNM2 com 37, com relações de identidade CC e arbitrárias AC; O TNM3 contém 30 com BD de nomeação de figura e CD de nomeação de número; o TNM4 contém 20 com relações BC e CB entre números e quantidades (quadro 3);
e. Roteiro de entrevista semiestruturada para identificação da trajetória educacional, aplicado com a família, em torno aproximadamente, de 30 minutos.
Fonte: adaptado de Costa, Picharillo e Elias (2017).
Fonte: elaborado pelos autores.
Procedimento
Para cada um dos participantes, foi agendado um horário individual, para aplicar as avaliações. E1 não realizou os exercícios que necessitavam de respostas vocalizadas no PRAHM. No dia em que foram aplicadas as avaliações ele estava constipado e cansado. Por conta dessas condições, não foi possível aplicar as atividades TNM2, TNM3 e TNM4. A trajetória educacional foi coletada com a mãe responsável por cada estudante para identificar a instituição escolar, a etapa escolar e serviços educacionais especializados que cada estudante realizou no período.
Análise de dados
A análise foi feita com base no número de acertos nas atividades aplicadas, por meio de um método estatístico, a partir do programa computacional JASP. O programa possibilita o uso do teste-t pareado, um teste de hipóteses apropriado para ser utilizado nas comparações das diferentes avaliações de desempenho feitas com os estudantes e para amostras de pequeno tamanho (ALVES, 2017). O próprio programa verifica a condição de normalidade da distribuição estatística, necessária para aplicação do teste.
Cabe ressaltar que ainda que se use esse recurso estatístico, este deve ser feito com parcimônia. Assim, devido ao pequeno tamanho das amostras, a análise assume um caráter exploratório no sentido de contribuir para as averiguações desejadas.
O objetivo de se usar esse teste foi averiguar se existia uma correlação entre o desempenho em matemática dos alunos com o repertório de leitura, escrita e intraverbal. Então, a partir disso, comparou-se: TNM entre elas mesmas, TNM com PRAHM, PRAHM com TDE, PRAHM com intraverbal e intraverbal com TDE. Como já dito, os dados utilizados para esses cálculos foram o total de acertos de cada participante na tarefa selecionada para comparação e o resultado da análise utilizado foi o valor de p que deveria ser menor que 0,05 (p<0,05) para que a hipótese de nulidade fosse aceita, ou seja, que as diferenças observadas entre os desempenhos nas diferentes avaliações são significativas e não devidas ao acaso.
Os dados coletados com a entrevista semiestruturada acerca da trajetória educacional de estudantes foram analisados, a partir do tipo de matrícula (escola regular ou instituição especializada), sala de aula (classe comum ou especial), presença ou ausência de serviço educacional especializado, presença e ausência de professora de educação especial.
Resultados
Os resultados foram apresentados na forma de gráficos de cada avaliação e de cada um dos participantes. O quadro 4 ilustra a trajetória escolar de cada participante. Notase uma distorção entre idade e ano escolar, além de poucos SEE, sobretudo na Educação Infantil. Sendo que SEE refere-se a serviços educacionais especializados, AEE é atendimento educacional especializado, PEE é professor educacional especializado, e SRM é sala de recurso multifuncional. Além disso, E1 não possui um repertório vocalizado estendido, E2 vocaliza bem e E3 e E4 têm uma leve dificuldade de vocalizar de forma clara. Os dados escolares deles informam que todos estudam em escola e sala comum.
E1 | E2 | E3 | E4 | ||
---|---|---|---|---|---|
Educação Infantil | 0a | – |
• Escola regular • Classe comum |
• Escola regular • Classe comum |
• Escola regular • Classe comum |
1a | – | ||||
2a |
• Escola regular • Classe comum |
||||
3a |
• Escola regular • Classe comum com PEE |
||||
4a | |||||
5a | |||||
Anos iniciais EF | 6a |
• Escola regular • Classe comum com PEE |
• Escola regular • Classe comum |
• Escola regular • Classe comum |
|
7a | |||||
8a | |||||
9a | |||||
10 | |||||
Anos finais EF | 11a |
• Escola regular • Classe comum • AEE |
• Escola regular • Classe comum |
||
12a |
• Escola regular • Classe comum • AEE em SRM |
||||
13a | |||||
14a |
• Escola regular • Classe comum |
||||
Ensino Médio | 15-18a |
• Escola regular • Classe comum • AEE |
• Escola regular • Classe comum |
||
19a-20a |
Fonte: elaborado pelos autores.
A figura 1 mostra o aproveitamento de cada estudante em cada tipo de avaliação por meio de gráficos, evidenciando uma grande diferença entre os repertórios dos estudantes. Os resultados tiveram respostas estatisticamente significativas e confirmaram a hipótese de que há diferenças entre os desempenhos não por acaso, em várias das comparações feitas. Para que os resultados fossem considerados significativos, o valor de p deveria ser menor do que 0,05, ou seja, menor do que 5%. Obter esse tipo de resultado significa que há diferenças entre os desempenhos nas avaliações e que essas diferenças possuem um valor significativo para o estudo. A análise entre o PRAHM e o intraverbal não foi significativa. Para a correlação entre o intraverbal e o TDE, os resultados foram significativos entre intraverbal e aritmética (p=0,038) e entre intraverbal e escrita (p<0.01).
Ademais, ao comparar o PRAHM com o TDE, foi obtido um resultado significativo (p=0,022) e sugere a relação entre esses dois instrumentos de avaliação. Além disso, ao se analisar o PRAHM com a parte de aritmética do TDE, o resultado também foi significativo (p=0,004) e, com isso, infere-se que o PRAHM é um bom instrumento indicativo para avaliação das noções ensinadas no contexto da Educação Infantil em relação aos comportamentos matemáticos ensinados no Ensino Fundamental avaliados pelo TDE; logo, existe uma correlação significativa entre os instrumentos de avaliação matemática. No caso, o TDE sendo um instrumento mais amplo dos comportamentos acadêmicos basilares e o PRAHM, um instrumento específico ao repertório matemático.
Discussões
A novidade do estudo foi relacionar os desempenhos de leitura, escrita e matemática, com adição da avaliação de intraverbal para caracterização de estudantes com TEA e/ou DI, matriculados na escola comum, com e sem SEE. Dos quatro estudantes, somente E3 e E4 são atendidos no AEE. É crítica a situação encontrada no estudo, uma vez que são alunos matriculados no Ensino Médio, com idades avançadas, E3 (n=18 anos) e E4 (n=20 anos) e com desempenhos aquém do esperado para o ano escolar, replicando a literatura prévia relacionada à distorção idade-série (SANTOS; MENDES, 2019). Além disso, seria fundamental que ambos estivessem matriculados na Educação de Jovens e Adultos, a despeito do Ensino Médio.
E1, por não vocalizar, realizou apenas parte das tarefas do PRAHM, bem como por sua idade (n=5 anos) não realizou o TDE, nem o Intraverbal. Devido a isso, seus dados não foram utilizados nas análises estatísticas, por serem muito discrepantes dos demais. A análise qualitativa da trajetória escolar mostrou que está matriculado na turma esperada conforme idade cronológica, porém a sua pontuação nas avaliações feitas mostra que ele já apresenta defasagem de repertório, o que pode se agravar na próxima modalidade escolar.
E2, E3 e E4 tiveram seus dados utilizados nas análises estatísticas. A trajetória escolar de E2 mostra a falta de SEE na maioria dos anos, além do fato de que sua mãe usou a judicialização para garantia do direito educacional do estudante à uma PEE, conforme rege a Resolução nº 2 de 2001 (BRASIL, 2001). A pontuação total nas avaliações foi abaixo daquela esperada para um aluno do Ensino Fundamental, mostrando uma defasagem no conteúdo escolar.
Já E3, apenas após a entrada na justiça obteve tanto professora de educação especial quanto o AEE e conseguiu tal direito até a conclusão do Ensino Médio. Mesmo com todos esses SEE, não obteve um resultado esperado para um aluno do Ensino Médio e nem para alguém de sua idade cronológica nas atividades aplicadas, evidenciando que ainda há uma grande defasagem no seu repertório acadêmico e de linguagem.
Analisando a trajetória escolar de E4, nota-se que ele ainda está no Ensino Médio, não sendo o esperado para sua idade cronológica (20 anos) e que em apenas dois anos realizou atividades na SRM. Sua responsável entrou na justiça para conseguir AEE, mas quando o aluno completou 18 anos o processo teve de ser reiniciado. Seu desempenho nas atividades foi abaixo do esperado tanto para sua idade como para seu ano escolar, mais uma evidência de que a falta de SEE contribui para um atraso no repertório acadêmico.
Os dados de Mendes (2019) mostram a ausência de informações sobre a demanda de PAEE e do número de SEE disponíveis, pois não são todos que recorrem a isso, e que dos que estão matriculados em escola regular, cerca de 60% não têm acesso ao AEE, enquanto os 40% que têm AEE ainda têm uma educação defasada. Isso corrobora a análise da trajetória escolar: poucos recebem os SEE e mesmo os que recebem têm defasagem no conteúdo acadêmico. Como resultado, os achados do estudo corroboram as preocupações de Mendes (2019) e Benitez et al. (2017) em relação à falta de SEE, sobretudo na Educação Infantil, conforme apresentada no quadro 4. De um lado, o estudo mostrou uma falta de SEE para os estudantes e, de outro lado, um baixo desempenho pedagógico nas atividades (figura 1). O repertório de entrada dos estudantes é considerado aquém para sua idade cronológica e as dificuldades identificadas podem ser sanadas com serviço especializado, como seu direito à educação alega.
Mediante tais dados, a hipótese foi confirmada e replicada em relação à literatura anterior, no sentido de que tais alunos realmente estão matriculados nas escolas e classes comuns, porém sem SEE, que seriam fundamentais para o desenvolvimento pedagógico do público-alvo supracitado, ampliando a análise da literatura anterior (BENITEZ et al., 2017; GOMES; MENDES, 2010; RIBEIRO et al., 2017). Os SEEs podem servir como estratégia de permanência estudantil no contexto da classe comum, por servirem como apoio ao processo de escolarização dos estudantes.
A atuação de um profissional especializado está garantida na Lei 12.764, de 2012, (BRASIL, 2012) que institui da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. De acordo com o artigo 3º, inciso IV, parágrafo único: “[...] em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado”. De forma adicional, a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, (BRASIL, 2015) que institui a Lei Brasileira de Inclusão, reafirma o trabalho de tal profissional, de acordo com o artigo 3º, inciso XIII. Ademais, a Resolução nº 2 de 2001 do Conselho Nacional de Educação que institui as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica, em seu artigo 8º descreve que “[...] as escolas [...] devem prever e prover [...]: I - professores das classes comuns e da educação especial capacitados e especializados, respectivamente, para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos.” (BRASIL, 2001).
Em relação às avaliações, o estudo identificou um resultado estatisticamente significativo em relação ao subteste de aritmética do TDE ao PRAHM, assim como ao intraverbal, a despeito de fraco para moderada a relação identificada por Prado et al. (2015) ao comparar os dados de aritmética com estimativa numérica, sem qualquer relação com os de subitização. Do mesmo modo, ao analisar a escrita do TDE com o intraverbal, por meio da análise estatística feita com o teste-t pareado, obteve-se um resultado significativo, enquanto a análise da leitura do TDE com o intraverbal não obteve o mesmo resultado, como ocorreu no estudo de Benitez et al. (2017) em relação à avaliação de leitura e escrita ao Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC-III).
As correlações entre o intraverbal e o TDE sugerem que, já em um contexto de Ensino Fundamental, que a defasagem no repertório de linguagem pode provocar maior nível de dificuldade de aprendizagem da matemática e até mesmo na escrita, mesmo não afetando diretamente a leitura, conforme as avaliações realizadas. Segundo Skinner (1957), o comportamento intraverbal refere-se a uma resposta verbal sobre controle de um estímulo antecedente verbal, sem correspondência ponto-a-ponto e sem a necessidade de uma correspondência formal; portanto, responder problemas aritméticos e responder perguntas é uma forma de responder intraverbal, o que justifica, por exemplo, a correlação entre os desempenhos nesses dois testes. Outra possibilidade é que o contexto de sala de aula implica em muitas interações aluno-professor que envolvem respostas intraverbais, como fazer e responder perguntas, contar histórias, contagem numérica e recitar o alfabeto. Déficits neste repertório podem produzir dificuldades no aprendizado geral em sala de aula.
Outras novidades identificadas no estudo referem-se às correlações estabelecidas entre os desempenhos: a adaptação do PRAHM, o original continha atividades com materiais manipuláveis e no estudo foi informatizado; a análise de dados com estatística relacionando o PRAHM com o TDE (instrumento avaliado pelo Conselho Federal de Psicologia); o uso do Protocolo Intraverbal, enquanto teste específico, em comparação ao TDE, como teste geral e a comparação de um teste específico para um comportamento específico (PRAHM – avaliação de noções matemáticas) em relação a um teste geral (TDE – leitura, escrita e matemática).
Para cada um dos participantes foi sugerida a elaboração de metas (objetivos de ensino) para o PEI: para E1 seria o treino intraverbal, começando com o ecoico – imitação – e, em seguida, o ensino de tarefas de emparelhamento com modelo, começando com pareamento por identidade, posteriormente arbitrário, até alcançar as palavras, e juntamente com isso, o ensino das noções básicas da matemática, começando com muito e pouco, seguido de igual e diferente, juntamente com os numerais. Já para E2, E3 e E4 seria o ensino de leitura, escrita e matemática, sendo que o enfoque de E2 seria identificar o número correto de figuras e a escrita; para E3 e E4, um enfoque geral nas três áreas; para E3, na aritmética mais voltada para comparar quantidades e identificar o número correto de figuras; enquanto para E4, nas figuras tridimensionais e bidimensionais e comparar quantidades.
No quesito participação da família, cada uma teve grande papel na facilitação dos alunos. Todos recorreram à justiça para assegurar o direito dos filhos e fazem acompanhamento fora da escola com algum profissional da equipe de saúde (como fonoaudióloga e psicoterapeuta). Além disso, estavam dispostos a fornecer toda informação necessária para elaboração da trajetória educacional, respondendo de forma detalhada. Os dados analisados por Santos e Mendes (2019) evidenciam a falta de AEE para os alunos em escola regular, bem como a distorção idade-série em que os alunos se encontram, dados estes que valem tanto para alunos que são PAEE como para os que não fazem parte desse grupo e são corroborados no estudo.
Considerações finais
No decorrer desta pesquisa, as maiores limitações encontradas foram organizar os dados para fazer a análise estatística e verificar qual análise era considerada para aplicar estatisticamente os dados. Como recomendação para os estudos futuros, propõe-se uma ampliação da amostra, bem como a abordagem das percepções de professores sobre como melhorar o SEE e a educação em si.
O estudo descreveu o uso de análises estatísticas sobre como tem ocorrido a inclusão de quatro estudantes com TEA e/ou DI nas escolas regulares públicas, a falta de SEE que gera resultados positivos. Porém, cabe ressaltar que a inclusão está avançando no Brasil, uma vez que os estudantes estão de fato na escola regular, o que significa que o acesso à escola regular, por meio das matrículas, aumentou significativamente em relação aos anos anteriores à Política Nacional de Educação Especial na Perpétua da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). No entanto, a atenção também deve ser voltada às dificuldades que os professores relatam, aos desafios que eles encontram dentro da sala de aula e à urgência de SEE no contexto da classe comum, como apoio à escolarização. É necessário avançar na política de permanência, no contexto da classe comum, para garantia efetiva da aprendizagem, na perspectiva da educação para todos, por meio de objetivos de ensino personalizados e sistematizados no PEI de estudantes.
Por fim, retomando os objetivos deste estudo, foi possível avaliar e correlacionar a leitura, a escrita, a matemática e o comportamento intraverbal de quatro estudantes com TEA e/ou DI e caracterizar se os SEE recebidos, ou não, influenciaram no seu desenvolvimento escolar. Os resultados permitem inferir uma correlação entre os desempenhos avaliados e sugerem a urgência de SEE no contexto da classe comum, como apoio à escolarização.