Introdução
É fato consensual que o ensino de Ciências passa atualmente por uma crise em termos metodológicos, fato este que reflete na aprendizagem dos alunos. Trata-se de um ensino que apresenta como característica o caráter estritamente disciplinar e descontextualizado, o que o torna desmotivador e pode ocasionar baixo nível de aprendizagem (AVILES; GALEMBECK, 2017). Nesse sentido, as metodologias empregadas no ensino de Ciências aparecem no centro das discussões em seus processos de ensino e de aprendizagem. Em linhas gerais, tais metodologias caracterizam-se em “[...] passivas, quando o aluno tem papel de receptor do conhecimento, e ativas, quando o aluno assume protagonismo nas atividades que envolvem a construção do seu próprio conhecimento.” (FRAGA; MOREIRA; PEREIRA, 2021, p. 175).
A crise citada recai também sobre o ensino de Física, em que se observa muita ênfase nos aspectos matemáticos e desconectados do contexto do aluno (LOSS; MACHADO, 2005), metodologias de ensino pouco eficientes para auxiliar os alunos a melhor compreender o mundo que os cerca, bem como a tecnologia a que eles têm acesso (RICARDO; FREIRE, 2007). Nota-se que problemas sinalizados por Richard Feynman em sua visita ao Brasil em 1952 ainda estão presentes, como um ensino amparado na memorização, pouca discussão e interação dos alunos com seus colegas e ausência da experimentação associada com o ensino (MOREIRA, 2018). Porém, registra-se que mesmo diante deste cenário, ocorreram avanços metodológicos no ensino de Física nas últimas décadas. A exemplo disso, tem-se o grande potencial verificado nas metodologias ativas na promoção à aprendizagem dos alunos e na inovação do fazer docente (DEPONTI; BULEGON, 2018; RIBEIRO et al., 2022).
Tendo em vista os aspectos citados presentes na realidade do ensino de Física, além da orientação em direção às metodologias ativas, almeja-se também: uma aprendizagem significativa do aluno que vá além dos muros da escola, que sirva para sua vida (MOREIRA, 2000; PIRES; VEIT, 2006), a utilização das tecnologias da informação e comunicação para promover a aprendizagem significativa (RICARDO; CUSTÓDIO; REZENDE JUNIOR, 2007) e um ensino de forma conectada à realidade do aluno, auxiliando assim que este compreenda melhor o mundo que o cerca (ARAÚJO; ABIB, 2003).
Os desafios educacionais se agravaram com o surgimento do cenário pandêmico a partir do contágio mundial em massa pelo SARS-CoV-2, que ocasionou a COVID-19. Diante do isolamento social necessário para a contenção da epidemia, mudanças profundas no ambiente educacional foram implementadas, tanto em relação à dinâmica das aulas, que passaram a ser executadas de forma remota, quanto na utilização de materiais relacionados às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs) (OLIVEIRA; CORRÊA; MORÉS, 2020).
Como demonstrado e sugerido por Barbosa (2021), diversos recursos estão à disposição tanto de professores quanto dos alunos, como sites que trazem simulações computacionais das mais variadas áreas do conhecimento (SIMULAÇÕES..., 2022), softwares gratuitos que podem ser utilizados inclusive de forma offline (VESTA, IQmol) e podcasts que tratam de uma gama imensa de assuntos científicos (Fisicast, Ciência USP). Por fim, destaca-se que “[...] a utilização de TDICs é certamente uma opção, mas para além de uma complementação pedagógica facilitadora do processo ensino aprendizagem cognitivista, os seres presentes do processo também precisam se (re)inventar.” (BARBOSA, 2021, p. 38).
Nesse percurso, é preciso levar em consideração que a participação ativa dos alunos nos processos de ensino e de aprendizagem é crucial, assim, as TDICs, a exemplo das simulações computacionais, apresentam relevante potencial em fomentar a aprendizagem (LÓPEZ; VEIT; ARAUJO, 2016). Ressalta-se que o uso de simulações computacionais é justificado tanto pelo fato de “[...] promover a aprendizagem quanto a aquisição de competências necessárias à nova era digital” (STAFUSA; SANTOS; CARDOSO, 2020, p. 10). Fato que está corroborado nas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), no que diz respeito ao uso das tecnologias digitais e na sua abordagem à Cultura Digital, em que a “[...] importância do desenvolvimento da linguagem digital e de seu uso com senso crítico, oferece o meio digital como um potente elemento de expressão e comunicação” (RAMOS; BOLL, 2021, p. 180).
Assim, defende-se a relevância de estudos que conduzam a compreensões de como a aprendizagem dos alunos pode ser afetada quando os mesmos são expostos a materiais de naturezas diferentes, isto é, materiais mais interativos, como por exemplo, as simulações, em contraponto a materiais tradicionais, como apostilas e livros. Para tanto, avalia-se inicialmente as concepções que os alunos apresentam sobre determinados conceitos físicos (por exemplo: força, movimento, energia, calor) e faz-se outra avaliação das concepções que os alunos ainda apresentam após serem expostos aos distintos materiais, metodologias, etc.
A título de exemplo, Lee e Hwan (2015) compararam o desempenho dos alunos em atividades com e sem o uso de simulação computacional. Para tanto, os autores desenvolveram um programa de simulação computacional sobre movimento circular e aplicaram-no, de diferentes formas, a quatro turmas de graduação do curso de Mecânica Aplicada. De acordo com os resultados obtidos, os alunos que tiveram um desempenho inferior foram aqueles submetidos apenas ao tratamento tradicional. Desse modo, pode-se concluir que a simulação tenha contribuído para uma melhor compreensão dos conceitos por parte dos alunos, tendo em vista que o ensino tradicional está focado na utilização das fórmulas matemáticas, dificultando, geralmente, a compreensão dos conceitos físicos. Além disso, verificou-se que, mesmo quando os alunos manusearam a simulação de forma livre, sem a presença do instrutor, seus desempenhos foram superiores àqueles alunos submetidos ao modelo tradicional de ensino.
O trabalho supracitado motivou a presente pesquisa, cuja proposta foi buscar respostas para a questão: a exposição livre e por curto intervalo de tempo a materiais com diferentes níveis de interação e abstração influencia significativamente as concepções não-newtonianas dos alunos em relação aos conceitos de Força e Movimento? O intervalo de tempo (dez minutos) em que os alunos tiveram contato com os materiais foi o mesmo utilizado por Lee e Hwan (2015). Os alunos manusearam os materiais de forma livre, sem a presença do instrutor.
Pretendeu-se assim, compreender em que medida este uso de forma livre a materiais com natureza distinta pode ou não afetar a aprendizagem dos alunos em relação aos conceitos de Força e Movimento. Tal compreensão se faz relevante, pois principalmente fora do ambiente escolar, os alunos fazem seus estudos e acessam diferentes tipos de matérias, sem a presença de um instrutor.
Para tanto, realizou-se uma pesquisa quantitativa com delineamento quase-experimental, na qual foi aplicado, como pré-teste e pós-teste, o Force Concept Inventory (FCI), a fim de coletar dados sobre as concepções não-newtonianas dos alunos.
A fim de que se atinja o objetivo proposto, será apresentado, na sequência, um breve panorama teórico sobre o FCI e sua aplicação no ensino de Física. Após isso, serão explanados os aspectos metodológicos, as análises e por fim, as considerações finais desta investigação.
O Force Concept Inventory (FCI) nas pesquisas em ensino de Física
Pesquisadores precisam utilizar instrumentos válidos e confiáveis em suas análises a respeito da avaliação ou mensuração da aprendizagem dos alunos. Destaca-se nesse cenário o Force Concept Inventory (FCI), que é um questionário amplamente utilizado nas pesquisas em ensino de Física.
O FCI foi desenvolvido por Hestenes, Wells e Swackhamer (1992), surgindo como sucessor do Mechanics Diagnostic Test (MDT), mantendo, porém, aproximadamente 60% das questões deste (HESTENES; HALLOUN, 1995). O FCI consiste “[...] em um teste de múltipla escolha de 30 perguntas, desenvolvido para avaliar as concepções de força newtoniana e não newtoniana dos alunos” (HUFFMAN; HELLER, 1995, p. 138, tradução nossa). Segundo seus criadores, para melhor compreender o conceito de força, é preciso que o aluno compreenda seis dimensões que compõem tal conceito, a saber: dimensão cinemática, 1ª lei, 2ª lei, 3ª lei de Newton, princípio da superposição e tipos de força. Assim, o FCI está estruturado nestas dimensões, abordando mais de um tipo de questão em cada uma delas.
Como regra geral, os autores indicam que os erros dos alunos ao responderem o FCI oferecem mais informações a respeito de suas concepções não-newtonianas em relação ao conceito de Força e Movimento, que seus acertos propriamente ditos. Assim, o professor precisa dar atenção especial a esses erros, tendo em vista que “[...] crenças de senso comum devem ser consideradas como hipóteses razoáveis, fundamentadas na experiência cotidiana” (HESTENES; WELLS; SWACKHAMER, 1992, p. 142, tradução nossa).
O FCI geralmente é aplicado quando se busca analisar, por exemplo, a eficácia de um determinado método no ensino e seus reflexos na aprendizagem dos alunos, sendo comum sua aplicação como pré-teste e pós-teste em investigações científicas (HAN et al., 2015). A literatura indica que dois problemas estão presentes no uso do FCI: (1) o longo tempo de aplicação, que pode levar muitos alunos a perderem o foco enquanto respondem o teste; e (2) o fator memorização na aplicação pré-pós-teste, que pode induzir respostas não por avanço no conhecimento dos alunos, mas sim devido ao fato da memorização dos itens (HAN et al., 2015).
Buscando minimizar tais impactos no processo investigativo, Han et al. (2015), propuseram teoricamente dividir o FCI em duas metades equivalentes. Dessa forma, problemas envolvendo a memorização das questões ou tempo hábil para a resolução seriam minimizados. Para verificar a equivalência das duas metades (HFCIs) em relação ao FCI completo, os autores, fazendo uso de dados coletados em uma grande universidade estadual norte-americana, durante um período de 5 anos, verificaram após suas análises que “[...] as pontuações totais dos dois testes de meio comprimento são virtualmente idênticas; a diferença foi de 0,09% no pré-teste e 0,32% no pós-teste” (HAN et al., 2015, p. 3, tradução nossa). Os autores destacam ainda que os dois testes criados abrangem os mesmos conceitos que o FCI completo, além de produzirem pontuações equivalentes a este, com uma incerteza geral inferior a 3%. Destaca-se ainda que esses novos testes podem ser considerados como alternativas avaliativas em substituição do FCI completo.
Para atestar a qualidade dos HFCIs propostos teoricamente, seus criadores fizeram uma validação destes testes parciais (half-length tests) (HAN et al., 2016). Entretanto, faz-se uma ressalva, o HFCI parece ser consistente em resultados com turmas iguais ou maiores que 50 alunos, mas, quando a turma possui menos que 30 alunos, a incerteza nos ganhos normalizados é maior; por conta disso, “[...] recomenda-se cautela ao usar os HFCIs com turmas menores que 30 alunos, pois a incerteza nos ganhos normalizados pode se tornar muito grande para comparar as aulas de aprendizagem tradicional e ativa” (HAN et al., 2016, p. 6, tradução nossa).
Procedimentos metodológicos
Em termos metodológicos, esta pesquisa apresenta um caráter quantitativo. Busca-se neste tipo de pesquisa “[...] gerar medidas precisas e confiáveis que permitam uma análise estatística” (MORESI, 2003, p. 64).
Em relação ao delineamento da pesquisa (figura 1), esta investigação pode ser classificada como sendo quase-experimental, pois, apesar de apresentar os principais componentes de um projeto experimental, não ocorreu uma escolha aleatória dos sujeitos de pesquisa, sendo selecionada uma amostra por conveniência (FRAENKEL; WALLEN; HYUN, 2012).
Na constituição desses grupos, contou-se com a colaboração e anuência de alguns alunos da Licenciatura em Física do Instituto Federal de Sergipe (IFS), campus Lagarto, assim como alguns egressos desse curso.
O tratamento proposto nesta pesquisa foi o uso de uma Simulação Computacional sobre Força e Movimento (PHET, 2022). Os alunos do grupo experimental utilizaram a simulação de forma livre, sem orientação do professor autor desta pesquisa, por um período de 10 minutos, sendo que após este intervalo foram disponibilizados mais 5 minutos para tirar possíveis dúvidas. Também de forma livre e com os mesmos períodos de tempo, tanto para o manuseio quanto para as dúvidas, o grupo controle fez uso de uma apostila (MUNDO..., 2016), que tratava dos mesmos conceitos presentes na Simulação, isto é, compreendendo as leis de Newton e suas aplicações.
Esses materiais diferem quanto a sua possibilidade de interação com o aluno. A Simulação Computacional permite que o aluno manipule e altere uma série de parâmetros, possibilitando-o testar uma gama maior de hipóteses, verificá-las e confrontá-las com suas concepções sobre os conteúdos abordados na simulação. Sendo assim, o aluno fica sujeito a um material que o coloca em maior atividade cognitiva. Já a apostila, considerada um material mais tradicional, limita as possibilidades de interação dos alunos, além de deixá-los numa posição bastante passiva diante dos conceitos e exemplos ali expostos.
Instrumento
Para a verificação das concepções dos alunos em relação aos conceitos de Força e Movimento, foi utilizado o FCI disponível no repositório de testes (https://www.physport. org/) em sua versão traduzida para o português. Porém, conforme discutido na introdução, utilizaram-se apenas as questões do FCI que fazem parte de suas versões reduzidas (HFCI1 e HFCI2) propostas por Han et al. (2016). No pré-teste foi utilizado o HFCI1 e no pós-teste o HFCI2, estratégia já empregada em outros trabalhos (D’OLIVEIRA et al., 2019; HAN et al., 2016). O tempo médio que os alunos levaram para responder o pré-teste foi de ~35 minutos e para o pós-teste, ~27 minutos (grupo experimental) e ~26 minutos (grupo controle). Todas as aplicações dos HFCIs foram feitas sob a supervisão do autor deste trabalho.
Coleta de dados
Ambos os testes foram aplicados de forma on-line por meio do Google Forms. O pré-teste foi aplicado na quarta semana de setembro de 2021 e o pós-teste na terceira semana de outubro de 2021, ocorrendo um intervalo de 3 semanas entre os testes. O intervalo indicado em algumas pesquisas (HENDERSON, 2002; SMITH; DAI; SZELEST, 2006) para minimizar o efeito de memorização do pré-teste/pós-teste é de 5 semanas, porém, conforme proposto por Han et al. (2015, 2016) esse fato não prejudica as conclusões, pois o pré-teste e pós-teste são dissemelhantes; contudo, equivalentes neste estudo.
Sujeitos
Participaram desta pesquisa 33 alunos (aproximadamente 36% dos alunos atualmente no curso), regulamente matriculados na Licenciatura em Física do IFS, campus Lagarto, e três egressos desse mesmo curso. Do total de 36 alunos temos que: oito cursaram até 30% da licenciatura, 14 cursaram entre 30 a 60%, 11 acima de 60%, e três alunos são egressos. Tem-se, ainda, que 17 alunos pertencem ao sexo masculino e 19 ao sexo feminino. Todos os 36 alunos realizaram tanto o pré-teste quanto o pós-teste.
Para a composição dos grupos experimental e controle, conforme mostrado na figura 1, levou-se em consideração os seguintes critérios: (i) quantidade de alunos de acordo com o percentual cursado da licenciatura; (ii) quantidade de alunos de acordo com o percentual de acerto no pré-teste; e (iii) quantitativo de alunos de acordo com o sexo (tabela 1).
Grupos | % cursado (i) | % de pontuação Pré-Teste (ii) | Sexo (iii) | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
até 30% | 30 a 60% | acima 60% | Egresso | até 20% | 20 a 40% | 40 a 60% | acima 60% | M | F | |
Experimental | 4 | 7 | 5 | 2 | 3 | 11 | 3 | 1 | 8 | 10 |
Controle | 4 | 7 | 6 | 1 | 3 | 11 | 3 | 1 | 9 | 9 |
Fonte: elaborada pelos autores.
Pode-se verificar a equidade na distribuição dos sujeitos nos grupos experimental e controle para os quesitos i, ii e iii, necessários para a correta prática experimental. O primeiro quesito diz respeito ao percentual de alunos que estavam cursando a graduação no momento da pesquisa (com exceção para os egressos). Já o segundo quesito reflete a distribuição da pontuação dos alunos no pré-teste. Por fim, o terceiro quesito diz respeito ao sexo dos alunos. Observa-se que para cada um desses quesitos, somado horizontalmente o quantitativo de alunos, obtém-se o número de 18 alunos para cada grupo.
Análise dos dados
O foco inicial das análises dos dados está nas concepções não-newtonianas dos alunos em relação aos conceitos de Força e Movimento. Com a aplicação do pré-teste foi possível verificar como essas concepções estão presentes em ambos os grupos, assim como o número de alunos que possuem cada concepção. Outra análise realizada com os dados do pré-teste diz respeito ao percentual de acertos (escore) dos alunos no HFCI1.
Com os dados do pós-teste, as análises permitiram identificar variações no quantitativo de alunos de acordo com suas conceções não-newtonianas e se o tratamento pode ter interferido ou não nessas variações. Os acertos dos alunos no HFCI2 foram confrontados com os resultados do pré-teste. Informa-se ainda que não foi adotada uma concepção específica de aprendizagem, tendo em vista que esta foi aferida através das pontuações dos alunos nos testes aplicados (HFCI1 e HFCI2). Isso porque, neste estudo, as métricas utilizadas na medição da aprendizagem são independentes do seu tipo ou concepção. Por fim, de forma a complementar as análises já relatadas, foram utilizados o Ganho Normalizado de Aprendizagem (HAKE, 1998) e o Tamanho do Efeito (COHEN, 1988).
Destaca-se ainda que as diferenças de pontuações nos testes dos grupos envolvidos nesta pesquisa, assim como as diferenças nos valores correspondentes às métricas descritas anteriormente, foram verificadas através do teste t de Welch, tendo em vista que esse teste se mostra mais adequado e robusto para grupos com variâncias diferentes (heterocedasticidade) e que possam apresentar desvios nos pressupostos de normalidade (SILVA, 2018).
Ganho normalizado de aprendizagem (g)
Foram consideradas para as análises estatísticas as pontuações, em termos percentuais, dos alunos nos dois testes. Nesse sentido, a primeira análise feita foi em relação ao ganho normalizado de aprendizagem, tanto para cada aluno individual como para a turma, fazendo-se assim, possíveis comparações entre a turma experimental e controle. Esse ganho foi definido por Hake (1998) como:
Onde g representa o ganho normalizado de aprendizagem. Já os valores Ppós e Ppré são os percentuais de acertos no pós-teste e pré-teste, respectivamente. A interpretação dos valores de g seguiu o recomentado por Hake (1998), isto é:
Tal ganho reflete a “[...] mudança na pontuação média da classe dividida pelo ganho máximo possível. Essa medida pode render o mesmo valor para classes com médias bastante diferentes” (COLETTA; STEINERT, 2020, p. 1, tradução nossa). Trata-se de uma métrica bastante utilizada e referenciada quando se busca avaliar a eficácia do ensino, de uma determinada metodologia, etc. (DIRENGA et al., 2018).
Algumas críticas são feitas à Eq. 01, porém, a mais intrigante ocorre quando a pontuação do aluno no pré-teste é maior que no pós-teste, gerando assim, um ganho negativo. Isso pode levar a uma interpretação errônea que o aluno desaprendeu, fato inviável de ocorrer. Nesses casos, sugere-se que seja calculada a mudança normalizada (MARX; CUMMINGS, 2007):
Uma sugestão para a interpretação do ganho normalizado negativo, ou seja, quando a pontuação do pré-teste supera a do pós-teste foi apresentada recentemente por Coletta e Steinert (2020), em que consideram tais ganhos como sendo iguais a 0, caracterizando que determinado tratamento ao qual o aluno foi submetido não provocou efeitos em sua aprendizagem.
Tamanho do efeito (d)
Além das análises sobre o ganho normalizado, buscou-se ainda compreender se a simulação computacional proposta para a turma experimental causou ou não efeitos na aprendizagem dos alunos. Outro ponto importante verificado foi a comparação dos efeitos dos tratamentos nas duas turmas, possibilitando, assim, inferir em que medida a simulação afetou a aprendizagem dos alunos em comparação com a apostila, que foi proposta para a turma controle. Nesse sentido, utilizou-se outra métrica bastante presente nas pesquisas em ensino de Física, que é o tamanho do efeito d de Cohen (COHEN, 1988). Para a interpretação dos valores de d seguiu-se o recomentado por Espirito-Santo e Daniel (2015).
Resultados e discussões
Pré-teste
Inicialmente, mostra-se os resultados das pontuações dos alunos no HFCI1 de acordo com o percentual cursado da graduação (tabela 2). Foi realizada também a conversão dessa pontuação para o FCI completo, utilizando-se equação sugerida por Han et al. (2015).
% cursado | HFCI1 (%) | FCI (%) |
---|---|---|
até 30% | 25,89 | 36,30 |
(DP) | (9,30) | (7,48) |
(N) | (8) | (8) |
De 30% a 60% | 26,53 | 36,81 |
(DP) | (13,56) | (10,90) |
(N) | (14) | (14) |
Acima 60% | 37,01 | 45,24 |
(DP) | (16,85) | (13,55) |
(N) | (11) | (11) |
Egresso | 47,62 | 53,77 |
(DP) | (25,08) | (20,17) |
(N) | (3) | (3) |
O desvio padrão (DP) e o tamanho da amostra (n) são listados para cada pontuação.Fonte: elaborada pelos autores.
Verifica-se, pelos dados da tabela 2, que os alunos com até 30% do curso integralizado obtiveram médias estatisticamente não significativas em relação a alunos de 30 a 60% da graduação cursada (p = 0,897), ou seja, pouco avançaram em seu pensamento newtoniano referente aos conceitos de Força e Movimento. Ocorre um avanço para os alunos que estão acima de 60% do curso e principalmente, para alunos egressos, mesmo com o número reduzido de sujeitos. Porém, é de se destacar que mesmo alunos egressos não obtiveram média de acertos acima de 60% do FCI, considerado como sendo o limiar de entrada no pensamento newtoniano. Tal fato pode indicar, mesmo para alunos egressos, que o efeito de suas concepções não-newtonianas persiste após a graduação (HESTENES; WELLS; SWACKHAMER, 1992).
A compreensão sobre as baixas pontuações no FCI pode estar relacionada com concepções não-newtonianas dos alunos, concepções apresentadas em Hestenes, Wells e Swackhamer (1992) e Fernandes (2011). O quadro 1 traz, para cada grupo, o quantitativo de alunos, de acordo com cada concepção.
nº | Concepções errôneas | Grupo 01 (n) | Grupo 02 (n) |
---|---|---|---|
1 | Não discriminação entre velocidade e aceleração | 2 | 3 |
2 | Necessidade de uma força para haver movimento | 16 | 12 |
3 | Perda e recuperação do ímpetus original | 4 | 1 |
4 | Dissipação do ímpetus | 16 | 17 |
5 | Acúmulo gradual ou atrasado do ímpetus | 10 | 6 |
6 | Ímpetus circular | 15 | 9 |
7 | Somente agente ativo exerce força | 2 | 2 |
8 | Velocidade proporcional à força aplicada | 10 | 6 |
9 | Força causa aceleração à velocidade terminal | 3 | 2 |
10 | Maior massa implica em maior força | 5 | 8 |
11 | O agente mais ativo produz a maior força | 10 | 9 |
12 | A maior massa determina o movimento | 15 | 14 |
13 | A conciliação das forças determina o movimento | 1 | 2 |
14 | A última força que atua determina o movimento | 7 | 12 |
15 | Força centrífuga | 4 | 5 |
16 | Obstáculos não exercem força | 5 | 9 |
17 | Só existe movimento quando a força supera a resistência | 3 | 6 |
18 | A resistência se opõe à força/ímpetus | 3 | 6 |
19 | Objetos pesados caem mais rápido | 9 | 7 |
20 | A gravidade atua depois que o ímpetus é gasto | 7 | 11 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Nota-se que no Grupo 01 (experimental) as principais concepções não-newtonianas foram: a 2 e 4 (verificadas em 16 alunos) e as concepções 6 e 12 (verificadas em 15 alunos). Ou seja, é presente a ideia da necessidade de uma força para existir movimento, sendo essa força associada ao ímpetus que se dissipa até o movimento cessar, inclusive em movimentos circulares (conforme as concepções 2, 4 e 6). Por fim, outra crença presente nesse grupo é a ideia que a maior massa é quem determina o movimento, em uma situação que dois ou mais corpos interagem (concepção 12).
Para o Grupo 02 (controle), as principais concepções não-newtonianas encontradas foram: 2 e 14 (verificadas em 12 alunos), a 12 (verificada em 14 alunos) e a 4 (verificada em 17 alunos). Nota-se que apenas a ideia de ímpetus circular não se fez presente de forma majoritária em comparação com o Grupo 01, porém uma concepção que foi relevante é a crença de que a última força que atua determina o movimento (concepção 14).
Pós-teste
Destacam-se inicialmente nos resultados do pós-teste as concepções não-newtonianas verificadas após a aplicação do HFCI2, conforme o quadro 2.
nº | Concepções errôneas | Pré-Teste | Pós-Teste | Variações | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupo 01 (n) | Grupo 02 (n) | Grupo 01 (n) | Grupo 02 (n) | Δ (Grupo 01) | Δ (Grupo 02) | ||
1 | Não discriminação entre velocidade e aceleração | 2 | 3 | 13 | 10 | 11 | 7 |
2 | Necessidade de uma força para haver movimento | 16 | 12 | 10 | 9 | - 6 | - 3 |
3 | Perda e recuperação do ímpetus original | 4 | 1 | 13 | 7 | 9 | 6 |
4 | Dissipação do ímpetus | 16 | 17 | 8 | 5 | - 8 | - 12 |
5 | Acúmulo gradual ou atrasado do ímpetus | 10 | 6 | 6 | 3 | - 4 | 3 |
6 | Ímpetus circular | 15 | 9 | 12 | 9 | - 3 | 0 |
7 | Somente agente ativo exerce força | 2 | 2 | 4 | 3 | 2 | 1 |
8 | Velocidade proporcional à força aplicada | 10 | 6 | 9 | 9 | - 1 | 3 |
9 | Força causa aceleração à velocidade terminal | 3 | 2 | 11 | 7 | 8 | 5 |
10 | Maior massa implica em maior força | 5 | 8 | 13 | 7 | 8 | - 1 |
11 | O agente mais ativo produz a maior força | 10 | 9 | 7 | 6 | - 3 | - 3 |
12 | A maior massa determina o movimento | 15 | 14 | 5 | 4 | - 10 | - 10 |
13 | A conciliação das forças determina o movimento | 1 | 2 | 3 | 6 | 2 | 4 |
14 | A última força que atua determina o movimento | 7 | 12 | 10 | 9 | 3 | - 3 |
15 | Força centrífuga | 4 | 5 | 10 | 10 | 6 | 5 |
16 | Obstáculos não exercem força | 5 | 9 | 0 | 1 | - 5 | - 8 |
17 | Só existe movimento quando a força supera a resistência | 3 | 6 | 11 | 11 | 8 | 5 |
18 | A resistência se opõe à força/ímpetus | 3 | 6 | 4 | 6 | 1 | 0 |
19 | Objetos pesados caem mais rápido | 9 | 7 | 13 | 9 | 4 | 2 |
20 | A gravidade atua depois que o ímpetus é gasto | 7 | 11 | 0 | 0 | - 7 | - 11 |
O número de alunos por cada concepção, assim como suas variações são mostrados.Fonte: elaborado pelos autores.
Como pode ser verificado no quadro 2, no grupo experimental ocorreu um aumento no número de alunos em onze concepções não-newtonianas em relação ao pré-teste (concepções: 1, 3, 7, 9, 10, 13, 14, 15, 17, 18 e 19). Já no grupo controle o aumento ocorreu em nove concepções (concepções: 1, 3, 7, 8, 9, 13, 15, 17 e 19). Nota-se no Grupo 01 maiores variações no número de alunos nas concepções 1, 3, 9,10 e 17, indicando: (1) dificuldades desses alunos em distinguirem velocidade e aceleração; (2) necessidade de um ímpetus original para que exista o movimento, o que resultaria na perda e recuperação desse ímpetus; (3) que a força causa aceleração à velocidade terminal do corpo, sendo que o corpo de maior massa, implicaria maior força; e (4) na existência de movimento somente quando a força supera a resistência. Em relação ao Grupo 02, as maiores variações foram nas concepções 1, 3, 9, 15 e 17, fato que, além de evidenciar as crenças já sinalizadas no Grupo 01, acrescenta a concepção de existência da força centrífuga, que é considerada uma força fictícia. Tais resultados sugerem que, mesmo após os tratamentos, os grupos são equivalentes em suas concepções não-newtonianas.
Com o objetivo de avançar na compreensão desses resultados, buscou-se verificar como foram as pontuações obtidas pelos alunos na aplicação dos testes, porém com foco em seu tempo na graduação (ou se egresso). A tabela 3 mostra as pontuações dos alunos no HFCI2, de acordo com o percentual cursado da graduação, comparando-se com a pontuação do HFCI1.
% cursado | Testes | ΔHFCIs | |
---|---|---|---|
HFCI1 | HFCI2 | HFCIs (%) | |
até 30% | 25,89 | 25,00 | Δ = - 0,89 |
(DP) | (9,30) | (14,29) | p = 0,885 |
(N) | (8) | (8) | eff = 0,074 |
De 30% a 60% | 26,53 | 25,51 | Δ = - 1,02 |
(DP) | (13,56) | (17,43) | p = 0,864 |
(N) | (14) | (14) | eff = 0,065 |
Acima 60% | 37,01 | 40,91 | Δ = 3,90 |
(DP) | (16,85) | (17,92) | p = 0,605 |
(N) | (11) | (11) | eff = 0,220 |
Egresso | 47,62 | 40,48 | Δ = - 7,14 |
(DP) | (25,08) | (17,98) | p = 0,711 |
(N) | (3) | (3) | eff = 0,330 |
Pontuação | 34,26 | 32,98 | Δ = - 1,28 |
Média | (10,26) | (8,92) | p = 0,574 |
(36) | (36) | eff = 0,130 |
O desvio padrão (DP) e o tamanho da amostra (N), o Tamanho do Efeito (eff) são listados para cada pontuação, em comparação com o HFCI1.Fonte: elaborada pelos autores.
Nota-se pelas pontuações médias da tabela 3 que o pensamento newtoniano dos alunos em termos de Força e Movimento, avança a partir de 60% da licenciatura cursada, permanecendo praticamente estável, mesmo após o término do curso. Em todos os casos, esta diferença não é estatisticamente significativa (p > 0,05) e os tamanhos de efeito são insignificantes para alunos até 60% do curso (eff < 0,20) e pequenos para alunos dos períodos finais e egressos (0,20 < eff < 0,50). Tais resultados são semelhantes, tanto nas pontuações do HFCI1 quanto do HFCI2, sendo que as pontuações médias de todos os alunos foram estatisticamente iguais (p > 0,05) no pré-teste e pós-teste. Outra vez, esse resultado pode indicar que provavelmente, o tratamento nas condições aqui propostas, não afetou as concepções não-newtonianas dos alunos.
Por fim, mostra-se o comparativo das pontuações médias de cada grupo, juntamente com o ganho normalizado e o tamanho do efeito (tabela 4).
Grupos | Testes | Variação | Métricas | |||
---|---|---|---|---|---|---|
HFCI1 | HFCI2 | Δ (HFCI2 - HFCI1) | g | d | d* | |
Experimental | 31,35 | 25,79 | Δ = - 5,56 | |||
(DP) | (16,09) | (15,90) | p = 0,145 | - 0,081 | - 0,348 | |
(N) | (36) | (36) | eff = 0,350 | |||
Controle | 31,35 | 36,91 | Δ = 5,56 | 0,622 | ||
(DP) | (16,09) | (19,64) | p == 0,193 | 0,081 | 0,310 | |
(N) | (36) | (36) | eff = 0,310 |
d* é o tamanho do efeito entre os dois grupos.Fonte: elaborada pelos autores.
Observa-se pela tabela 4 que as diferenças de pontuações entre os dois grupos em relação ao pós-teste e pré-teste, não são estatisticamente significativas (p = 0,791), sendo o efeito de ambos os tratamentos considerado pequenos para os dois grupos. Portanto, seguindo a orientação de Coletta e Steinert (2020), infere-se que no grupo experimental não ocorreu ganho de aprendizagem e que mesmo sendo verificado um pequeno ganho no grupo controle, tal resultado não apresenta diferença significativa em relação ao grupo experimental (p > 0,05).
Quando se analisa o efeito de cada tratamento (simulação computacional e apostila), nota-se que ambos os tratamentos não produziram efeitos significativos nas concepções não-newtonianas dos alunos, levando-os assim, em média, a persistirem com tais concepções.
Considerações finais
Diante dos resultados aqui mostrados e das discussões que se seguiram, considera-se que foi possível atingir o objetivo desta investigação e fornecer uma resposta à questão que norteou esta pesquisa: a exposição livre e por curto intervalo de tempo a materiais com diferentes níveis de interação e abstração influencia significativamente as concepções não-newtonianas dos alunos em relação aos conceitos de Força e Movimento? A partir dos resultados obtidos, não foi possível verificar influências dos tratamentos propostos em relação às concepções não-newtonianas dos alunos, que persistiram com suas concepções, variando apenas o número de alunos de uma concepção para a outra quando se comparou o pré-teste com o pós-teste.
Destaca-se que, apesar da Simulação Computacional ser um recurso mais interativo e que permite um maior engajamento dos alunos, neste estudo não foi verificada sua influência para aprendizagem destes, sendo que os alunos submetidos a tal tratamento não obtiveram ganhos de aprendizagem, mantendo-se assim, suas concepções não-newtonianas em relação à Força e Movimento. Este resultado diferencia-se do encontrado por Lee e Hwan (2015), que registraram melhor desempenho para os alunos que tiveram contato com a simulação em relação àqueles que receberam apenas o ensino tradicional. Tal fato pode estar relacionado com a forma de aplicação da simulação computacional aqui proposta e também com o próprio histórico dos alunos em relação ao uso de recursos das TDICs.
Em relação à forma de aplicação de uma simulação computacional, a própria pesquisa de Lee e Hwan (2015) mostrou melhores resultados de aprendizagem quando os alunos tinham a presença de um instrutor e quando, além dessa presença, receberam um guia com tarefas para serem resolvidas. Destaca-se assim que, mesmo recursos relacionados às TDICs apresentarem grande potencial no auxílio à aprendizagem, estes não serão suficientes, principalmente quando se trata da superação de algumas concepções dos alunos. Nesse sentido, reforça-se cada vez mais a importância do papel do professor tanto no planejamento quanto na execução das práticas envolvendo as TDICs (BERALDO; MACIEL, 2016).
É importante salientar que os resultados obtidos podem auxiliar o docente a observar de forma mais cuidadosa o desenvolvimento do pensamento newtoniano de seus alunos. Como foi visto, as concepções dos alunos em relação à Força e Movimento se mantiveram as mesmas e pouco evoluíram no restante do curso, o que também foi observado em egressos.
Outra contribuição desta pesquisa foi trazer para a literatura nacional uma aplicação de testes oriundos do FCI, em sua versão parcial (half-length), o que pode ser um importante instrumento de investigação no ensino de Física, conforme proposto no trabalho de Han et al. (2015, 2016). Além disso, este estudo se propôs a testar uma situação específica de aplicação de uma Simulação Computacional, inspirado no trabalho de Lee e Hwan (2015), uma aplicação que envolveu o uso livre e em curto intervalo de tempo da simulação em comparação ao uso de uma Apostila. Destaca-se, porém, que trabalhos futuros poderão fazer aplicações de formas diferenciadas, buscando explorar outras situações que se encontram na pesquisa dos autores supracitados, como por exemplo, a utilização de uma simulação com o auxílio de um instrutor ou com um guia escrito envolvendo tarefas a serem realizadas, além de outras possibilidades de aplicação, ou seja, poderão analisar criticamente a melhor forma de aplicação deste recurso, tendo como foco o maior ganho de aprendizagem possível.