Introdução
Precisamos periodicamente realizar estudos do tipo estado da arte, estado do conhecimento ou síntese sistemática (GOUGH, 2007) para avaliar um campo de pesquisa e saber quais as tendências desse campo, quais as ausências (lacunas), quais as/os principais autoras/es1 o têm influenciado, as principais metodologias que têm sido utilizadas, os achados e as conclusões mais importantes a que chegaram essas investigações acadêmicas, ou seja, em suma, o que se sabe e o que não se sabe sobre ele. A formação de professores, por ser um campo de pesquisa relativamente novo no Brasil e no mundo (DINIZ-PEREIRA, 2013; GARCIA, 1989, 1998; ZEICHNER, 2005, 2009), precisa ainda mais desse tipo de estudo, pois ele pode ajudar a organizá-lo e a fortalecê-lo.
É importante destacarmos um dado positivo em relação ao campo da pesquisa sobre formação de professores no Brasil: a produção acadêmica nele vem sendo sistematicamente analisada por aproximadamente 50 anos ininterruptos! Isso vem ocorrendo por meio do desenvolvimento de estudos do tipo estado da arte, estado do conhecimento e levantamentos bibliográficos realizados por pesquisadoras/es desse campo, abrangendo os respectivos períodos: Maria das Graças Feldens: de 1972 a 1981 (FELDENS, 1983, 1984); Vera Candau: de 1982 a 1985 (CANDAU, 1987); Menga Lüdke: de 1988 a 1994 (LÜDKE, 1994); Júlio Emílio Diniz-Pereira: de 1980 a 1995 (DINIZ-PEREIRA, 2000); Marli André: de 1990 a 1998 (ANDRÉ, 2006); Iria Brzezinski: de 1997 a 2002 (BRZEZINSKI, 2006); Iria Brzezinski: de 2003 a 2010 (BRZEZINSKI, 2014) e, finalmente, Júlio Emílio Diniz-Pereira: de 2006 a 2015 (DINIZ-PEREIRA, 2020).
O objetivo geral da pesquisa2 que deu origem a este artigo foi analisar o que chamamos “a parte mais significativa” da produção acadêmica sobre docência e/ou sobre formação de professores3 no Brasil (2006-2015) e sistematizar, a partir daí, o que sabemos e o que não sabemos sobre essa temática em nosso País. O propósito deste texto, em particular, é apresentar e discutir os resultados de uma síntese sistemática de pesquisas sobre práticas pedagógicas4 por meio da análise de resumos de teses e de dissertações sobre docência e/ou formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, em Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEs) no Brasil que receberam Conceito 7 na avaliação trienal de 2013 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Para justificar o uso da expressão “a parte mais significativa” no objetivo geral da metapesquisa que serve de base para a escrita deste artigo, é importante esclarecermos que, em razão das condições objetivas em que foi realizada, ela não teve a mesma envergadura de outros estudos mencionados anteriormente (como, por exemplo, as pesquisas coordenadas por ANDRÉ, 2006 e BRZEZINSKI, 2006, 2014) que foram desenvolvidos por equipes de pesquisadoras/es, os quais contaram com financiamento específico e condições que certamente não tivemos. Portanto, após um recorte no projeto original, o nosso levantamento foi realizado apenas em teses de Doutorado e em dissertações de Mestrado e este, por sua vez, não foi feito em todos os PPGEs do nosso País, como seria o desejável, mas apenas naqueles que receberam o Conceito 7 na avaliação trienal de 2013 da Capes (em ordem alfabética): o da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Além disso, é importante ressaltarmos que, para a realização do nosso estudo, nos baseamos apenas na leitura e na análise dos resumos das teses e das dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs dessas três universidades brasileiras. Infelizmente, não houve tempo e condições para lermos e analisarmos esses trabalhos na íntegra – o que também seria o desejável.
Revisão ou síntese sistemática de pesquisa: a metodologia
David Gough (2007, p. 57) defende, em seu texto, a utilização da chamada revisão ou síntese sistemática de pesquisa para fazer aquilo que ele denomina de “uso produtivo da pesquisa primária”. Nas palavras desse autor, “[...] qualquer síntese de pesquisa feita por outros (pesquisa secundária) precisa ser tão explícita em seus métodos quanto a pesquisa primária” (GOUGH, 2007, p. 66).
Apesar de o conceito de revisão ou síntese ser, nas palavras de Gough (2007, p. 66), “[...] essencialmente tão velho quanto a ideia de ciência”, a chamada revisão ou síntese sistemática de pesquisa trata-se de “[...] um método relativamente novo [que] está em suas etapas iniciais de desenvolvimento” (GOUGH, 2007, p. 76). Para o autor, fazer uma revisão da literatura tornou-se uma tarefa acadêmica comum realizada até mesmo por estudantes ainda pouco experientes em pesquisa que normalmente não recebem orientações específicas sobre como fazê-la e ainda se sentem constrangidos em perguntar sobre esse assunto. Simplesmente, parte-se do pressuposto de que as pessoas sabem fazer uma revisão da literatura. Consequentemente, ao realizarem essa tarefa, elas comumente não adotam procedimentos científicos explícitos. Gough (2007) chama atenção que abordagens informais ou implícitas de sínteses da produção acadêmica podem reduzir a nossa capacidade “[...] de sistematicamente construir [o conhecimento novo] a partir do que já sabemos” e “aumentar as chances de erro” (GOUGH, 2007, p. 64), nos levando a conclusões incorretas sobre o que já conhecemos.
Gough (2007, p. 68-69) propõe, então, sete etapas para a realização da chamada revisão ou síntese sistemática de pesquisa: 1. Pergunta da pesquisa. Nas palavras dele: “Assim como acontece com a pesquisa primária, é necessário ter uma questão de pesquisa”. 2. Quadro conceitual. Segundo o autor, “[...] a pergunta de pesquisa deve conter algum tipo de pressuposto teórico”. 3. Protocolo de revisão. Há “[...] necessidade de metodologia (ou protocolo) explícita para que a revisão possa ser desenvolvida”. 4. Critérios para inclusão. Parte da metodologia “[...] deve especificar o que são considerados dados para a revisão”, ou seja, “[...] os critérios para decidir quais estudos devem ser incluídos”, ou simplesmente responder a seguinte questão: “[...] por que alguns estudos são incluídos e outros não”? 5. Estratégia de busca. Deve-se ainda “[...] especificar os detalhes da estratégia para buscar pesquisas que atendam os critérios de inclusão” – o que ele chamou de métodos de busca. A estratégia, de acordo com esse autor, “[...] precisa ser exaustiva dentro de limites específicos dos critérios de inclusão”. 6. Extração de dados. Para ele, “[...] é necessário algum método para extrair dados relevantes para a síntese, como as conclusões do estudo”. Na opinião dele, esse método é necessário “[...] para se fazerem julgamentos sobre qualidade ou relevância a fim de qualificar os resultados de um estudo”. 7. Síntese. Por fim, ainda nas palavras do autor: “A síntese é o processo pelo qual os resultados são reunidos para responder à questão apresentada pela revisão”.
Na metapesquisa mais ampla – em que a parte reportada neste artigo é apenas um pequeno recorte –, procuramos, então, seguir as sete etapas sugeridas por Gough (2007):
Pergunta da pesquisa. A pergunta central desta pesquisa secundária mais ampla foi a seguinte: O que sabemos e o que não sabemos a partir das pesquisas sobre docência e/ou sobre formação de professores no Brasil, no período entre 2006 e 2015? Dela, derivaram-se outras questões de estudo: Quais as principais temáticas privilegiadas nas pesquisas sobre docência e/ou sobre formação de professores em nosso País, nos anos entre 2006 e 2015? Tais temáticas se vinculariam a quais linhas de pesquisa? Quais as principais lacunas do campo? Quais autoras/es (teóricas/os) têm mais influenciado o campo da pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores no Brasil? Quais as principais metodologias utilizadas nessas investigações acadêmicas? Quais os achados, os resultados e as conclusões mais importantes a que chegaram esses estudos?
Quadro conceitual. O pressuposto teórico desta revisão ou síntese sistemática é que o campo da pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores cresceu exponencialmente nos últimos anos, no Brasil e no mundo, e que ele vem passando por mudanças importantes em relação ao objeto e ao foco de suas investigações acadêmicas e que tais mudanças precisam ser sistematicamente acompanhadas para que esse campo continue se organizando e se desenvolvendo (ANDRÉ, 2006, 2007, 2009, 2010; ANDRÉ et al., 1999; ANDRÉ; ROMANOWSKI, 1999; BRZEZINSKI, 2006, 2014; BRZEZINSKI; GARRIDO, 1999, 2001, 2006; DINIZ-PEREIRA, 2013; GARCIA, 1989, 1998; NÓVOA, 1991, 1992, 1997a, 1997b; SANTOS, 1991; ZEICHNER, 1998, 2005, 2009).
Protocolo de revisão. A revisão ou síntese sistemática de pesquisa em questão foi, então, desenvolvida por meio de quatro passos, a saber: 1º passo: levantamento; 2º passo: refinamento; 3º passo: sistematização; 4º passo: análise.
Desse modo, o primeiro passo da metapesquisa mais ampla foi o levantamento das teses de Doutorado e das dissertações de Mestrado defendidas entre 2006 e 2015 nos PPGEs que receberam Conceito 7 na Avaliação Trienal 2013 da Capes. Ao final do refinamento, iniciamos a sistematização dos resumos dos trabalhos acadêmicos desenvolvidos na UERJ, na UFMG e na Unisinos, no período delimitado. Os dados sistematizados foram transformados em gráficos e em tabelas para subsidiar o último passo da revisão ou síntese sistemática em questão: a análise dos resumos das teses e das dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015 nesses PPGEs.
4. Critérios para inclusão. Como mencionado anteriormente, a estratégia desta pesquisa secundária mais ampla foi focar naquilo que denominamos “a parte mais significativa” da produção acadêmica sobre docência e/ou sobre formação de professores no Brasil, no período entre 2006 e 2015. Para tal, como também já informamos, o levantamento de teses e dissertações foi realizado apenas em PPGEs que receberam o Conceito 7 na Avaliação Trienal 2013 da Capes (em ordem alfabética): o da UERJ, o da UFMG e o da Unisinos.
5. Estratégia de busca. Selecionamos, então, teses de Doutorado e dissertações de Mestrado defendidas entre 2006 e 2015 nesses três PPGEs e, para tal, acessamos as páginas eletrônicas das bibliotecas virtuais das Faculdades de Educação e/ou os repositórios eletrônicos de teses e dissertações dos PPGEs dessas três universidades. Fizemos a busca de todos os resumos de todas as teses e dissertações da área de Educação defendidas entre 2006 e 2015. Após essa busca, passamos a selecionar aqueles trabalhos que nos interessavam: as pesquisas sobre docência e/ou sobre formação de professores. Nos detivemos, então, principalmente aos títulos das teses e das dissertações, às palavras-chave e aos resumos. Neles, a presença das palavras professor/es, professora/s, docente/s, formação, prática/s, docência, licenciatura e pedagogia era um indicativo de que o trabalho deveria ser selecionado. A presença dessas palavras ou no título, ou nos descritores, ou nos resumos não dispensou, porém, a leitura atenta e cuidadosa dos textos dos resumos para a tomada de decisão, se o trabalho faria ou não parte do corpus5 de análise da pesquisa. Como mencionado, denominamos esse passo de refinamento do levantamento realizado anteriormente.
6. Extração de dados. A sistematização e a análise dos resumos das teses e das dissertações defendidas nos PPGEs da UERJ, da UFMG e da Unisinos, entre 2006 e 2015, foram realizadas por meio da produção de fichas em que se retirou o máximo de informações contidas nos resumos dos trabalhos selecionados nas etapas anteriores da investigação acadêmica em questão. A caixa de texto, a seguir, traz um exemplo de uma ficha utilizada para sistematizar as informações sobre os trabalhos selecionados na metapesquisa.
7. Síntese. Como vimos, a partir da leitura e da análise desses resumos, sintetizamos as informações por meio da construção de gráficos e tabelas. Além disso, analisamos qualitativamente os conteúdos do item “Resultados” que se encontrava nas fichas desenvolvidas para o estudo mais amplo para sistematização dos dados.
UFMG2013DR100
Autora: RODRIGUES, S. M.
Orientador: Júlio Emílio Diniz-Pereira
Linha de pesquisa/Área de concentração: Educação Escolar: Instituições, Sujeitos e Currículos.
Título: A construção de práticas pedagógicas inclusivas em uma escola pública de Belo Horizonte
Tema: A construção de práticas pedagógicas inclusivas em uma escola pública de Belo Horizonte.
Classificação: Análises de práticas de ensino (práticas docentes ou práticas pedagógicas)
Sinopse: “Esta tese discute os limites e as possibilidades da construção de práticas pedagógicas inclusivas em uma escola pública da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, com alunos(as) com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento. A prática pedagógica inclusiva é aquela em que o professor ou professora considera a diversidade de seus alunos(as) e tenta atender suas necessidades educacionais flexibilizando as ações voltadas para o acesso à participação social e ao conhecimento”. Metodologia: “Por meio de uma abordagem qualitativa, a pesquisa, que pode ser caracterizada como de tipo etnográfico, utilizou como instrumentos de coleta de dados a observação participante da prática pedagógica de quatro professoras; entrevistas semiestruturadas com essas quatro professoras, três coordenadoras, a diretora, duas auxiliares de apoio à inclusão e a mãe de um aluno com necessidade educacional especial; análise documental do Projeto Político Pedagógico e do Regimento Escolar da escola, bem como da proposta política de Educação Inclusiva da rede municipal; e, finalmente aplicou-se um questionário aos docentes da escola no sentido de conhecer aspectos da formação e das percepções do professorado a respeito da política inclusiva”. “Para a análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin”. Resultados: “Os dados da pesquisa revelaram que a política de Educação Inclusiva do município, em consonância com a política do governo federal, vem conseguindo avanços no sentido de receber a todos(as) nas escolas e viabilizar o Atendimento Educacional Especializado para dinamizar o acesso ao conhecimento. Os(as) profissionais participantes da pesquisa ainda não reconhecem o apoio efetivo da rede nas práticas cotidianas e a maior queixa relaciona-se à falta de formação para atender as especificidades do alunado com necessidades educacionais especiais. Das quatro professoras selecionadas para a observação da prática pedagógica, uma se destacou por apresentar planejamento aberto e flexível das aulas, organização do processo ensino/aprendizagem com utilização de adequações curriculares, valorização das diferenças e motivação dos alunos para conseguir uma predisposição favorável para aprender. Considerando o contexto atual das escolas públicas no Brasil em que se observam salas de aula lotadas, pouca valorização dos profissionais da educação e lacunas na formação de professores para a educação inclusiva, é possível apontar que a escola investigada, mesmo diante de um contexto com contradições e necessidade de ajustes, apresenta uma conduta de acolhimento e um processo de construção de práticas pedagógicas de atendimento às necessidades especiais de seus alunos(as)”.
Explicita a fundamentação teórica? Não.
Algum conceito em particular? Não.
Cita autoras/es? Não.
Algum específico do campo da pesquisa sobre formação de professores? Não.
Local da pesquisa: Escola. Qual? “uma escola pública da Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte”.
Professores participam da pesquisa? Sim. “quatro professoras”. Quantos? Quatro. Área: [não informado]. Nível/Modalidade de ensino: [não informado].
Demais sujeitos da pesquisa: Sim. “três coordenadoras, a diretora, duas auxiliares de apoio à inclusão e a mãe de um aluno com necessidade educacional especial”.
Diálogo com outros campos: Educação Especial.
Conforme antecipado anteriormente, esclarecemos que, para escrever este texto, utilizamos apenas as sínteses sobre os achados e as conclusões do tema de pesquisa mais recorrente nas teses e nas dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores selecionadas para a metapesquisa em questão: as análises das práticas pedagógicas, práticas educativas, práticas docentes e práticas de ensino.
Resultados
Passemos, então, a apresentar e discutir parte dos resultados obtidos na revisão ou síntese sistemática de pesquisa em questão por meio da leitura, sistematização e análise dos resumos das teses de Doutorado e das dissertações de Mestrado defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs que receberam Conceito 7 na Avaliação Trienal de 2013 da Capes.
Total da produção acadêmica
Como é possível vermos, por meio do Gráfico 1, ao final da etapa do refinamento, o total da produção acadêmica sobre docência e/ou sobre formação de professores nos PPGEs Conceito 7 Capes, entre 2006 e 2015, foi de 539 trabalhos – 316 dissertações de Mestrado e 223 teses de Doutorado.
Temas de pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores
A partir da análise dos conteúdos dos resumos dos trabalhos selecionados no estudo em questão, chegamos a um total de 23 temas de pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores desenvolvidos nos PPGEs Conceito 7 Capes, no período delimitado (Tabela 1).
Temas de pesquisa “mais frequentes” | N. |
Análises de práticas pedagógicas (práticas educativas, práticas docentes e/ou práticas de ensino) | 240 |
Pesquisas sobre formação inicial de professoras/es | 143 |
Pesquisas sobre atitudes/compreensões/concepções/crenças/entendimentos/interesses/pensamentos/percepções/perspectivas/representações/olhares/opiniões/sentidos/significados/valores/visões de professores/educadores | 111 |
Pesquisas sobre formação continuada de professoras/es | 94 |
Pesquisas sobre saberes/conhecimentos docentes | 78 |
Pesquisas sobre o trabalho docente | 60 |
Temas de pesquisa “emergentes” | N. |
Pesquisas historiográficas sobre professor/es e/ou instituições de formação docente | 40 |
Pesquisas narrativas de/com professoras/es | 37 |
Estudos sobre um ou mais componentes do currículo de cursos de formação de professores | 34 |
Análises de trajetórias profissionais de professores/as (educadores/as) | 29 |
Pesquisas sobre aprendizagem da docência | 28 |
Pesquisas sobre construção das identidades profissionais docentes | 27 |
Pesquisas sobre políticas docentes e/ou de formação de professores | 25 |
Temas de pesquisa “lacunares” | N. |
Pesquisas sobre docência/formação de professores e relações de gênero | 14 |
Pesquisas sobre formação de formadores | 14 |
Pesquisas de/com/sobre professoras/es iniciantes | 10 |
Pesquisas sobre docência universitária | 10 |
Pesquisas sobre modelos de formação docente | 6 |
Pesquisas sobre docência/formação de professores e relações étnico-raciais | 5 |
Estudos sobre o perfil de professoras/es que atuam/atuarão na Educação Básica | 4 |
Estudos do tipo “estado do conhecimento” sobre formação de professores | 3 |
Pesquisas sobre processos formativos que acontecem em outros espaços que não os cursos/programas de formação docente | 2 |
Investigações teórico-conceituais sobre algum conceito do campo da pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores | 1 |
Fonte: Elaborada pelo autor, 2020.
Dessa maneira, levando-se em consideração apenas os trabalhos defendidos nos três PPGEs do estudo em questão, no período delimitado, a “análise de práticas pedagógicas (práticas educativas, práticas docentes e/ou práticas de ensino)” foi, disparadamente, o tema de pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores mais realizado, no Brasil – com um total de 240 trabalhos desenvolvidos entre 2006 e 2015.
Em seguida, com quase a metade de trabalhos em relação ao tema anterior, temos as pesquisas sobre formação inicial de professoras/es – com um total de 143 teses e dissertações defendidas – e sobre concepções, crenças, representações etc. – com um total de 111 investigações acadêmicas concluídas, nesses três programas, entre 2006 e 2015.
As pesquisas sobre formação continuada de professoras/es aparecem em quarto lugar – com um pouco mais de 90 trabalhos defendidos – no período estudado pela metapesquisa em questão. “Saberes/conhecimentos docentes” e “trabalho docente” vêm na sequência – com um total de 78 e de 60 produções, respectivamente.
A partir daqui, com quatro ou menos trabalhos defendidos, em média, por ano, nos três PPGEs em questão, temos temas de pesquisa sobre docência e/ou formação de professores que podem ser considerados temas emergentes, na década estudada.
Foram 40 teses e dissertações defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs que receberam Conceito 7 na Avaliação Trienal de 2013 da Capes, classificadas como “pesquisas historiográficas sobre professor/es e/ou instituições de formação docente”. Este parece ser um dado positivo, pois evidencia que a docência e/ou a formação de professores começam a ser estudadas, no Brasil, também a partir de uma perspectiva histórica. Precisamos saber como se pensava e como se realizava a preparação das/os professoras/es no passado ou como era o trabalho docente em tempos remotos, em nosso País, para compreendermos melhor a profissão docente na atualidade.
“Pesquisas narrativas de/com professoras/es”, “estudos sobre um ou mais componentes do currículo de cursos de formação de professores”, “análises de trajetórias profissionais de professores/as (educadores/as)”, “pesquisas sobre aprendizagem da docência”, “pesquisas sobre construção das identidades profissionais docentes” e “pesquisas sobre políticas docentes e/ou de formação de professores” foram, então, os demais temas de pesquisa emergentes na década estudada com cerca de três trabalhos concluídos, em média, por ano, nos três PPGEs da metapesquisa em questão.
Os demais temas de pesquisa, com menos de dois trabalhos realizados, em média, por ano, nos três PPGEs, apresentam-se como temas que, talvez, mereçam mais atenção do campo de estudos sobre docência e/ou sobre formação de professores nas próximas décadas, em razão do número relativamente baixo de investigações acadêmicas desenvolvidas nesse período.
Assim sendo, é possível afirmarmos que “pesquisas sobre docência/formação de professores e relações de gênero”, “pesquisas sobre formação de formadores”, “pesquisas de/com/sobre professoras/es iniciantes”, “pesquisas sobre docência universitária”, “pesquisas sobre modelos de formação docente”, “pesquisas sobre docência/formação de professores e relações étnico-raciais”, “estudos sobre o perfil de professoras/es que atuam/atuarão na Educação Básica”, “estudos do tipo ‘estado do conhecimento’ sobre formação de professores”, “pesquisas sobre processos formativos que acontecem em outros espaços que não os cursos/programas de formação docente” e “investigações teórico-conceituais sobre algum conceito do campo da pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores” foram temas de pesquisa lacunares, ou seja, desenvolveram-se, relativamente, pouquíssimos estudos sobre esses tópicos, na soma dos trabalhos defendidos nos três PPGEs da metapesquisa em questão, no período delimitado.
Síntese sistemática de pesquisas sobre práticas pedagógicas no Brasil
Como informado anteriormente, 240 teses e dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs que receberam Conceito 7 na Avaliação Trienal de 2013 da Capes, realizaram análises sobre práticas pedagógicas, práticas educativas, práticas docentes e/ou práticas de ensino em suas pesquisas. A partir da leitura desses resumos, sistematizamos 12 temas abordados por essas investigações acadêmicas.
Professoras/es sob a lupa das/os pesquisadoras/es
Ao sintetizarmos os resultados, a primeira sensação que tivemos foi a de que as/os professoras/es, suas aulas e demais ações pedagógicas estiveram sob o olhar atento das/os pesquisadoras/es que participaram da metapesquisa em questão. A imagem que criamos em nossas cabeças foi a das/os investigadoras/es com lupas nas mãos observando de perto as práticas docentes em sala de aula. Portanto, professoras/es tiveram suas práticas examinadas minuciosamente por pesquisadoras/es que desenvolveram investigações acadêmicas sobre docência e/ou sobre formação de professores entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes. Essas pesquisas, em geral, gravaram em áudio e em vídeo as aulas das/os professoras/es e estas foram posteriormente submetidas a uma análise criteriosa, por meio do uso ou não de software, por parte das/os pesquisadoras/es.
As pesquisas que utilizam gravações em áudio e em vídeo e/ou software como instrumentos analíticos para examinar detalhadamente as práticas docentes acabam por desnudar as/os professoras/es diante das câmeras e/ou dos gravadores e dissecar suas ações pedagógicas, e isso levanta uma série de questões éticas sobre esse tipo de estudo: Quais os cuidados as/os pesquisadoras/es adotam para mitigar possíveis danos aos sujeitos participantes desses estudos? As/Os professoras/es que participam dessas pesquisas são convidadas/os a se envolverem também na análise dos dados sobre suas práticas? Que tipo de retorno (feedback), se algum, essas/esses professoras/es recebem ao término dessas investigações acadêmicas?6
Ao colocarmos as nossas lupas sob as/os professoras/es e suas práticas de ensino, também não podemos nos esquecer que os seus limites, os erros que cometem, os desafios e as dificuldades que enfrentam, às vezes, são resultados de condicionantes estruturais que exercem uma forte influência sobre a definição das práticas docentes.
Nem sempre é do jeito que a gente quer: os condicionantes estruturais das práticas docentes
Algumas teses e nas dissertações defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes, destacaram alguns condicionantes estruturais das práticas pedagógicas.
A tese de Doutorado de Oliveira (2013), por exemplo, apontou que o currículo – compreendido aqui apenas como o “currículo oficial” – é um norteador importante do trabalho das/os professoras/es da Educação Básica. Entretanto, essa pesquisadora chama atenção que, muitas vezes, a participação mínima das/os docentes na elaboração das proposições curriculares oficiais somada à linguagem técnica dos documentos se constituem em obstáculos para a compreensão plena dessas propostas curriculares por parte das/os professoras/es.
Como constatou Fazzi (2015, p. 7), em alguns momentos, as avaliações externas assumem “a função do currículo oficial”. Pesquisas que fizeram parte desta síntese sistemática ressaltaram o poder prescritivo das avaliações de larga escala sobre o trabalho docente em sala de aula e denunciaram que estas vêm sendo utilizadas como instrumento de monitoramento das práticas escolares (BARBOSA, 2013; FAZZI, 2015; MAIA, 2010).
Outros condicionantes estruturais das práticas pedagógicas mencionadas pelas pesquisas que fizeram parte deste estudo foram: as jornadas de trabalho das/os docentes em dois ou em três períodos, a rígida estrutura organizacional das escolas, a formatação dos tempos e dos espaços escolares e as condições de trabalho em geral das/os professoras/es (BOY, 2011; LARANJO, 2008; LINO 2014; RESENDE, 2015).
Parece claro, então, que as práticas pedagógicas não se desenvolvem em um vácuo. Há sempre um contexto histórico, social, cultural e econômico em que elas se realizam e, dependendo desse contexto, os desafios são ainda maiores. As pesquisas que analisaram sistematicamente as práticas pedagógicas, às vezes, reproduziram, mesmo que involuntariamente, a concepção da docência como atividade individual; uma atividade que é realizada isoladamente pelas/os professoras/es.7. Todavia, algumas teses e dissertações que fizeram parte deste estudo enfatizaram, na contramão dessa ideia, a natureza coletiva das práticas docentes.
A natureza coletiva das práticas docentes
A natureza coletiva das práticas docentes é considerada uma temática emergente no campo da pesquisa sobre formação de professores e vem sendo objeto de investigações acadêmicas mais recentes nesse campo, bem como no subcampo de estudos sobre o trabalho docente (BOY, 2011).
A dissertação de Boy (2011, p. 6) investigou, por exemplo, “[...] como as escolas municipais de Belo Horizonte e seus docentes têm se organizado para a realização do trabalho coletivo”.8 Segundo a autora da dissertação, a realização desse tipo de trabalho foi demandada a partir de reformas educacionais dos anos 1990 e 2000 “[...] que pregavam mecanismos mais coletivos e participativos, amparados no princípio de gestão democrática da educação” (BOY, 2011, p. 6). A pesquisa revelou que “[...] os docentes, quando concebem o trabalho coletivo, entendem-no como divisão de poder, participação na gestão, criação de projeto pedagógico e organizacional comum, partilha do saber, troca de experiências, formação democrática do aluno, além de condições de trabalho para realizá-lo” (BOY, 2011, p. 6). No entanto, para a pesquisadora, infelizmente, a formatação dos tempos e dos espaços, nas duas escolas que participaram da investigação acadêmica, não foram suficientes “[...] para suprir as necessidades que emergem e demandam o trabalho em conjunto” (BOY, 2011, p. 6) e as condições de trabalho postas não favoreceram o trabalho coletivo. Nessas duas escolas, a pesquisadora encontrou apenas “[...] a realização de algumas formas de trabalho colaborativo” (BOY, 2011, p. 6) entre as/os docentes.
Além dessa dissertação de Mestrado, outras cinco investigações acadêmicas selecionadas para o estudo em questão também abordaram, direta ou indiretamente, a questão da natureza coletiva das práticas docentes (ABRAHÃO, 2007; BOLSON, 2011; COPOLILLO, 2011; HAMMES, 2007; PALMA, 2007). Apesar de terem sido poucas as investigações acadêmicas que trataram direta ou indiretamente esse tema, a discussão sobre a natureza coletiva das práticas docentes abre um leque de possibilidades para novas investigações acadêmicas no campo da pesquisa sobre docência e/ou formação de professores no Brasil.
Professoras/es como produtoras/es de currículos
Algumas investigações acadêmicas que fizeram parte desta metapesquisa enfatizaram a agência das/os professoras/es ao reagirem a situações adversas que, muitas vezes, moldam as práticas pedagógicas nas escolas e nas salas de aula. Essas teses e dissertações ressaltaram que as/os docentes não são meros executores dos currículos oficiais, geralmente definidos verticalmente, de cima para baixo, por pessoas que geralmente não conhecem as realidades das escolas. Essas pesquisas advogam a ideia de que as/os professoras/es são, na verdade, produtoras/es de currículos no dia a dia das escolas.
A tese de Andrade (2011) é um bom exemplo dessa ideia. O propósito da pesquisa dela foi “[...] pensar como professores e alunos produzem os currículos nos seus cotidianos escolares” (ANDRADE, 2011, p. 7). Nas palavras da autora: “Como práticas de atravessamento de fronteiras, as práticas de aprenderensinar buscam alternativas para a dicotomia que separa o dentro e o fora da escola, os conhecimentos cotidianos e os conhecimentos científicos, bem como os currículos prescritos e os currículos vividos” (ANDRADE, 2011, p. 7, grifo da autora).
Como veremos no próximo item, as/os docentes não são apenas produtoras/es de currículos no dia a dia das escolas como também são capazes de ressignificar e de recontextualizar políticas públicas educacionais e/ou curriculares por meio do desenvolvimento de suas práticas pedagógicas.
O poder das práticas pedagógicas para ressignificar políticas públicas educacionais
Algumas pesquisas confirmaram empiricamente que as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas/os docentes nas escolas e, mais especificamente, nas salas de aula, têm o poder de ressignificar e recontextualizar políticas públicas educacionais e/ou curriculares (BARCELLOS, 2013; CHAGAS, 2010; DRUMOND, 2011; GRANJA, 2013; SOUZA, 2010).
Essas investigações acadêmicas parecem concordar que a/o docente é a/o agente principal na implantação dessas políticas (DRUMOND, 2011; SOUZA, 2010). Como afirmado por Drumond (2011, n.p.), “[...] os professores devem incorporar seus princípios e ter a responsabilidade pela sua efetivação prática” ou, dito de outra maneira, “[...] para a implementação da política, é necessária a constituição de um modo de ser docente, que resulta em práticas específicas” (DRUMOND, 2011, n.p.). Contudo, normalmente, o que as/os docentes fazem, durante o processo de contextualização escolar das políticas, é atribuir novos sentidos a elas, produzindo a sua transformação discursiva e, por via de consequência, uma “[...] certa pulverização dos discursos inscritos no texto da política” (DRUMOND, 2011, n.p.).
Apesar do consenso em torno do papel central das/os docentes no processo de implantação das políticas educacionais e/ou curriculares, a tese de Doutorado desenvolvida por Araújo (2012) também chamou atenção para o papel mediador das/os coordenadoras/es pedagógicas/os para a implementação das políticas curriculares na Rede Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
Não obstante a existência incontestável dos condicionantes estruturais e da influência que eles exercem na definição das práticas docentes, ainda assim há professoras/es que são capazes de desenvolver práticas consideradas “inovadoras” que conseguem romper ou, pelo menos, avançar em relação ao modelo tradicional de ensino.
Práticas de ensino “inovadoras”: o que é isso?
O termo “inovação”, que significa “a criação de algo novo”, virou a palavra da moda no meio empresarial no Brasil e no mundo e tem sido adotado recorrentemente e, às vezes, de maneira pouco crítica, também na educação. No campo educacional, essa palavra tem sido usada principalmente no sentido da “criação de algo novo” em relação ao ensino tradicional. Assim sendo, práticas docentes ditas “inovadoras” são aquelas que conseguem romper ou, pelo menos, avançar em relação às ações convencionais de ensino.
Soares (2009, p. 6), em sua tese de Doutorado, partiu do pressuposto de que: “Práticas escolares que promovem o que convencionalmente chamamos de ensino tradicional persistem e prevalecem largamente no Brasil apesar das inúmeras críticas a elas endereçadas e a despeito de inúmeras propostas inovadoras [...]”. Ainda nas palavras do autor, tal constatação “[...] nos desafia a compreender melhor o que colabora com essa persistência e, ao mesmo tempo, procurar contribuir para superar, pelo menos em parte, os problemas decorrentes dessa maneira de ensinar” (SOARES, 2009, p. 6). Para ele, “[...] as relações presentes no ensino tradicional espelham relações mais amplas que sustentam o sistema produtivo capitalista” (SOARES, 2009, p. 6). Por fim, o pesquisador afirma que os “[...] piores efeitos do ensino tradicional [...]” são sentidos “[...] especialmente sobre os alunos oriundos das camadas mais desprivilegiadas da população” (SOARES, 2009, p. 6).
Várias investigações acadêmicas sobre docência e/ou sobre formação de professores analisadas nesta metapesquisa destacaram, portanto, as práticas pedagógicas consideradas “inovadoras”. Destas, muitos estudos foram desenvolvidos na área de Educação em Ciências (COSTA, 2012; COUTO, 2009; LINHARES, 2011; SILVA, P. D. S., 2009; SILVA, 2013; VIEIRA, 2015; WAKISAKA, 2008) e Educação Matemática (LOPES, 2007; PASSOS, 2008; ROQUE, 2012).
A utilização de várias linguagens artísticas, tais como a música, a pintura, a poesia, o cinema, o desenho, o teatro, entre outras, também foi considerada uma “inovação” nas práticas pedagógicas de professoras/es da Educação Básica (AMARAL, 2006; CANDIDO, 2013; COSTA, 2014; LINO, 2014; SILVEIRA, 2007).
Na área da Educação de Jovens e Adultos (EJA), encontramos apenas dois trabalhos que analisaram práticas pedagógicas “inovadoras” e/ou “bem-sucedidas” na EJA (JORGE, 2007; SILVA, 2007). Surpreendentemente, também foram apenas duas as investigações acadêmicas da metapesquisa em questão que analisaram práticas pedagógicas interdisciplinares (HAMMES, 2007; TOMAZ, 2007). Também de maneira surpreendente, um único trabalho discutiu, nesta síntese sistemática, o desenvolvimento de práticas pedagógicas “inovadoras” na área da Educação Infantil (ROSA, 2007). E, por fim, apenas a dissertação de Mestrado de Palma (2007) destacou o papel da supervisão escolar na ruptura de práticas tradicionais na escola.
As investigações acadêmicas desta metapesquisa sinalizaram ainda que há indícios da influência de programas, ações e iniciativas de formação continuada no desenvolvimento de práticas docentes consideradas “inovadoras”. Além desses indícios, os resumos das teses e das dissertações analisados nesta pesquisa secundária apontaram que o próprio envolvimento das/os docentes na realização dessas práticas ditas “inovadoras” contribuiu para o desenvolvimento profissional desses sujeitos.
Por fim, há um conjunto específico de práticas educativas consideradas “inovadoras” que se relacionam especificamente ao uso das tecnologias digitais da informação e da comunicação: as chamadas “práticas pedagógicas virtuais”. Elas também foram objetos de estudo de teses e de dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 da Capes.
Práticas pedagógicas virtuais: “o amanhã é hoje”
As possibilidades e os limites da construção de práticas pedagógicas virtuais por meio da utilização das tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDIC) foi outro tema abordado recorrentemente pelas teses e pelas dissertações que participaram deste estudo.
Temos, por exemplo, uma pesquisa sobre a incorporação das TDIC no cotidiano da prática docente (ROCHA, 2009); e, também, uma que tratou do uso das tecnologias digitais por meio do “[...] emprego da emergente aprendizagem com mobilidade (m-learning), apoiada pelo uso de Tecnologias Móveis Sem Fio (TMSF), tais como Personal Digital Assistant (PDAs), palmtops, smartfones, celulares, dentre outros” (GRAZIOLA JUNIOR, 2009, p. 6). O propósito da tese de Doutorado de Nichele (2015, p. 3) foi “[...] compreender como as TMSF [tecnologias móveis e sem fio] principalmente smartphones e tablets – podem contribuir para os processos de ensino e de aprendizagem em Química na perspectiva do mobile learning e do BYOD [Bring Your Own Device]”, para o desenvolvimento de práticas pedagógicas em cursos de Licenciatura do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Porto Alegre.
A dissertação de Mestrado de Rocha (2012) destacou alguns pontos positivos sobre a utilização das “redes telemáticas sem fio” em contextos educativos. Steih (2015, p. 5) desenvolveu um “[...] estudo do percurso das interações de professores no contexto de uma Escola Estadual de Ensino Fundamental localizada no município de Sapucaia do Sul/RS e que tem participado de programas de inclusão digital”.
A implantação e a utilização de computadores, bem como o desenvolvimento de práticas pedagógicas online em escolas públicas (JESUS, 2014; LARANJO, 2008; SALES, 2013) e em cursos de Licenciatura – inclusive na modalidade de Educação a Distância (EaD) (CAMPOS, 2011; CANDATEN, 2006; LEITE, 2015; MENGOTTO, 2006; NICOLODI, 2012; VASCONCELOS, 2009) foram temáticas também abordadas pelos trabalhos analisados nesta metapesquisa. É preciso destacarmos que um programa de inclusão digital do Governo Federal, o Programa Um Computador por Aluno (Prouca), recebeu várias críticas de diferentes investigações acadêmicas que fizeram parte deste estudo (LIMA, 2015; SEIXAS, 2014).
Apesar das teses e das dissertações sobre “práticas pedagógicas virtuais” nos levarem para o futuro – na realidade, um futuro cada vez mais presente nos dias de hoje9 –, voltaremos, no próximo item, ao passado para conhecer práticas pedagógicas desenvolvidas em tempos remotos, dentro dos contextos históricos específicos da época. Talvez, alguns de nós se surpreenderão ao descobrir que algumas dessas práticas pedagógicas “do passado” ainda permanecem na atualidade.
Práticas pedagógicas “do passado”: o ontem ainda presente hoje
Entre as teses e as dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes, algumas eram pesquisas historiográficas em que se buscou retratar práticas pedagógicas “do passado” (CAMPOS, 2007; LEMOS, 2006; NEVES, 2015; OLIVEIRA, E. de, 2011; PINTO, 2012). Um olhar mais crítico sobre essas práticas pode nos revelar que algumas delas ainda persistem no fazer docente de hoje. Como afirma Lemos (2006, n.p.), podemos, por meio do desenvolvimento de pesquisas historiográficas sobre a docência e/ou sobre a formação de professores, “[...] perceber as mudanças ocorridas ao longo do tempo, mas, também identificar continuidades, traços mantidos até hoje na configuração das funções sociais atribuídas ao professor e a profissão docente”.
Para citar apenas um exemplo, Eliana de Oliveira (2011, p. 8), ao “[...] investigar o processo de profissionalização da docência em Minas Gerais no período compreendido entre 1871 e 1911”, descobriu “[...] conflitos nas relações entre professores, governantes, políticos e comunidade local” (OLIVEIRA, E. de, 2011, p. 8). Segundo a pesquisadora, essas “[...] tensões escolares, causadas principalmente pelas precárias condições de trabalho, culminavam em diversos problemas para professores e gestores do ensino, como o abandono de cadeiras, fechamento de escolas, abertura de processos disciplinares, demissões, entre outros” (OLIVEIRA, E. de, 2011, p. 8). Ela afirmou ainda que, em algumas situações, “[...] os conflitos escolares contribuíram para o surgimento ou agravamento de algumas doenças manifestadas pelos docentes na época […]” como, por exemplo, as chamadas “doenças de fundo nervoso” (OLIVEIRA, E. de, 2011, p. 8).
A fim de prosseguirmos com as nossas discussões, é importante ressaltarmos que as investigações acadêmicas que fizeram parte desta metapesquisa, ao analisarem práticas pedagógicas de professoras/es ou de “outras/os educadoras/es”, geralmente, apontaram lacunas e/ou falhas na formação desses sujeitos. Entre estas, a “[…] falta de formação docente adequada voltada para a diversidade [...]” (FONTES, 2007, p. 7) foi uma das ausências mais recorrentemente apontadas pelas pesquisas analisadas.
Práticas pedagógicas voltadas para “o outro”
Entre as pesquisas sobre práticas pedagógicas voltadas para “o outro” que fizeram parte do estudo em questão, várias referiam-se a alunas/os com necessidades educacionais especiais específicas – autismo, deficiência auditiva, deficiência mental, deficiência visual, paralisia cerebral, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) etc. – assim sendo, várias investigações acadêmicas desta metapesquisa discutiram as chamadas “práticas pedagógicas inclusivas”. Rodrigues (2013, p. 7) denominou de prática pedagógica inclusiva “[…] aquela em que o professor ou professora considera a diversidade de seus alunos(as) e tenta atender suas necessidades educacionais flexibilizando as ações voltadas para o acesso à participação social e ao conhecimento”. Algumas dessas pesquisas denunciaram que a presença desses sujeitos “outros” nas escolas de Educação Básica e em instituições de Ensino Superior ainda causava estranhamento nesses espaços, na década coberta por este estudo (BRANDO, 2011; BRAUN, 2012).
Apesar do reconhecimento de alguns avanços nas políticas públicas em educação inclusiva, os resumos das teses e das dissertações analisados no estudo em questão ressaltaram os enormes desafios ainda existentes, no período delimitado por esta metapesquisa, para a inclusão das/os alunas/os com necessidades educacionais especiais nas escolas de Educação Básica. Bezerra (2011) faz-nos lembrar que a inclusão é um processo multifacetado, complexo e ainda polêmico no Brasil. Para Alves (2015, p. 6), a escola, “[…] resultado de uma construção histórica que nasceu na Modernidade […]”, apesar de adotar um discurso inclusivo, é “[…] um espaço que exclui aqueles tidos como ‘anormais’”.
Luz (2006, p. 6) é ainda mais contundente ao afirmar que “[…] em muitos casos, a inclusão escolar é mera fachada”. O que a autora mais observou em sua investigação acadêmica foram “[…] discursos politicamente corretos, com alunos apenas matriculados no ensino regular, sem estarem incluídos efetivamente nas aprendizagens escolares, com manifestações repetidas de que a falta de formação dos professores é responsável pela não-inclusão escolar” (LUZ, 2006, p. 6). Apesar de constatar que “[…] a inclusão de alunos com deficiência mental está acontecendo com muitas dificuldades ou omissões […]”, ela afirmou que “[…] há professores trabalhando na efetivação da inclusão de todos os alunos nas aprendizagens escolares, apontando caminhos para uma escola verdadeiramente inclusiva” (LUZ, 2006, p. 6).
As/Os alunas/os com necessidades educacionais especiais, em geral, demandam um suporte diferenciado por parte das escolas para garantirem o direito ao acesso e à permanência a uma Educação Básica de qualidade e para serem bem-sucedidas/os. O estudo de Marin (2015, p. 7) aponta, por exemplo, “[…] o papel imprescindível da educação especial para o desenvolvimento de ações de inclusão […]” por meio da “[…] presença de um professor de apoio especializado na escola”.
A presença de professoras/es especialistas e a existência de salas de recursos multifuncionais nas escolas de Educação Básica foram exemplos de atendimentos diferenciados a alunas/os com necessidades educacionais especiais citados por essas pesquisas. A dissertação de Mestrado de Bürkle (2010, p. 7), por exemplo, enfatizou que a existência dessas salas de recursos nas escolas regulares “[…] é fator primordial para a construção de uma rede de ensino realmente inclusiva e para o estabelecimento de parcerias entre todos os profissionais envolvidos no processo de inclusão”.
O estabelecimento de ações de colaboração entre as/os professoras/es especialistas e professoras/es de sala de aula e/ou professoras/es do ensino regular é algo ainda a ser perseguido nas escolas de Educação Básica (BRAUN, 2012). A pesquisa de Redig (2010), por exemplo, aponta inúmeras dificuldades para a efetivação desse trabalho colaborativo, principalmente no segundo segmento do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, em que as “adaptações curriculares adequadas” são mais difíceis de ocorrer. Além deste, outros obstáculos foram relatados pelas pesquisas: “[…] o grande número de alunos matriculados em classe comum e na ‘sala de recursos’, a diversidade de alunado atendido por esses espaços, o que dificulta a especialização do professor, o pouco tempo para os docentes planejarem e elaborarem estratégias juntos, entre outros” (BÜRKLE, 2010, p. 7). Algumas pesquisas apontam que esse atendimento diferenciado seria ainda mais efetivo se ele fosse realizado por meio de ações colaborativas desenvolvidas por equipes multidisciplinares: por exemplo, entre profissionais da saúde (terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos etc.) e profissionais da educação (PELOSI, 2008; SOUZA, 2015).
A presença de professoras/es de apoio especializado e de outras/os profissionais nas escolas da Educação Básica, apesar de ser uma importante ação de inclusão, pode trazer algumas contradições para as práticas docentes. Araújo (2012), por exemplo, constatou, por meio de sua dissertação de Mestrado, que as professoras que participaram do estudo dela “[…] delegaram [...] a responsabilidade em relação ao desempenho pedagógico, de interação e comunicação de seus alunos” (ARAÚJO, 2012, p. 6) para esses outros profissionais. Ainda assim, essa pesquisadora reconheceu que a presença dessas/es outras/os profissionais nas escolas de Educação Básica é responsável por “[…] uma modificação significativa em relação a interação com o aluno especial, ao manejo das atividades adaptadas e diferenciadas com os alunos especiais e demais alunos da turma e produção de materiais adaptados” (ARAÚJO, 2012, p. 6).
Menezes (2012) sintetizou os principais fatores favoráveis à inclusão de alunas/os com autismo, mas que certamente podem servir para outras/os estudantes com necessidades educacionais especiais: “[…] o acompanhamento direto da Educação Especial ao professor regente em sala de aula […]”; “[…] a utilização de adaptações curriculares com a flexibilização das estratégias de ensino e a criação de atividades individualizadas para o aluno relacionadas ao proposto para a classe como um todo […]”; e “[…] o envolvimento da gestão da escola […]” (MENEZES, 2012, p. 10).
As experiências pedagógicas bem-sucedidas nesse campo ainda eram pouco conhecidas e pouco disseminadas na década em que as pesquisas selecionadas no estudo em questão foram desenvolvidas. Para Bezerra (2011, p. 10), “[…] a escola inclusiva configura um novo espaço educativo, didático, curricular, organizativo e institucional”.
As pesquisas que analisaram práticas pedagógicas voltadas para a diversidade destacaram, de uma maneira geral, a importância da formação inicial e de programas, ações e iniciativas de formação continuada direcionadas para as/os professoras/es das escolas de Educação Básica (BEZERRA, 2011; MACHADO, 2009; MENEZES, 2012; PELOSI, 2008; REDIG, 2010). Essas investigações acadêmicas atestaram lacunas na formação de professores para a educação inclusiva, ou seja, a falta de uma preparação específica das/os professoras/es da Educação Básica para trabalhar com esse público.
Ao abordarem o tema práticas pedagógicas voltadas para “o outro”, algumas investigações acadêmicas que participaram desta metapesquisa contemplaram outros tipos de diversidade que não apenas os casos de alunas/os com necessidades educacionais especiais. A educação intercultural indígena, a educação do campo e a educação de pessoas jovens, adultas e idosas (EJA) também foram abordadas entre os estudos que trabalharam essa temática.
A constatação da existência de lacunas e/ou deficiências gravíssimas na formação de professoras/es da Educação Básica, em outras palavras, da ausência de uma preparação específica para lidar com um público específico não é algo exclusivo das pesquisas que analisaram práticas pedagógicas voltadas para a diversidade. Como veremos no item a seguir, algumas teses e dissertações que participaram desta metapesquisa analisaram práticas pedagógicas de pessoas que sequer imaginaram um dia exercer o magistério.
“Dormi engenheiro/a (médico/a, dentista, fisioterapeuta...), acordei professor/a”: pesquisas sobre sujeitos que se tornaram professoras/es no exercício da profissão
Há um conjunto de investigações acadêmicas desenvolvidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs que receberam Conceito 7 Capes, voltado para pessoas que não passaram por uma preparação específica para exercer o magistério e que se tornaram professoras/es após perceberem que estavam dentro de uma sala de aula, na condição de docentes.
A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e a Educação Superior estão entre as áreas que mais reivindicaram a necessidade de se reconhecer as especificidades da docência nesses campos. Além disso, as pesquisas destacaram a importância da formação pedagógica, ausente nas trajetórias acadêmicas de várias/os professoras/es da EPT e da Educação Superior, para o exercício do magistério nessas áreas (BARBACOVI, 2011; PENA, 2014; SILVA, M. S., 2009; VOLPATO, 2007).
Para encerrar, discutiremos, nos dois próximos itens, práticas docentes mais específicas e que também foram analisadas por pesquisas que fizeram parte deste estudo: as práticas docentes de alfabetização e de letramento e as práticas docentes na escolha e na utilização de livros didáticos.
Práticas docentes de alfabetização e de letramento
Neste item, discutimos os principais achados e as principais conclusões das teses e das dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes, compartilhados por meio dos respectivos resumos, em que o foco dessas investigações acadêmicas foi o desenvolvimento de práticas docentes de alfabetização e de letramento.
Encontramos pesquisas sobre práticas de alfabetização desenvolvidas com crianças na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental (BOSCO, 2010; GREGÓRIO, 2011; GROSSI, 2008; NEVES, 2010; SOUTO, 2009), com pessoas jovens, adultas e idosas na EJA (LOPES, 2010) e uma tese de Doutorado que buscou entender as práticas de leitura em uma escola de assentamento da reforma agrária (COSTA, 2010). Encontramos também trabalhos que investigaram práticas de letramento escolar no segundo segmento do Ensino Fundamental e investigações acadêmicas que se dedicaram especificamente ao estudo das práticas de letramento literário (NEIVA, 2010; OLIVEIRA, V. S. A., 2011; PEREIRA, 2014).
Análises de práticas docentes na escolha e na utilização de livros didáticos
Por último, mas não menos importante, algumas teses e dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes, analisaram práticas docentes na escolha e na utilização de livros didáticos e, ao fazerem isso, por um lado, reconheceram a importância deles como instrumentos pedagógicos de apoio às/aos professoras/es em sala de aula; por outro lado, teceram várias críticas sobre os conteúdos dos materiais didáticos adotados em escolas da Educação Básica.
É importante ressaltarmos também que, para aquelas modalidades de ensino – entre elas, a EJA e a educação indígena – em que às/aos alunas/os normalmente se nega o direito de acesso a materiais de apoio, o livro didático representou um auxílio extremamente importante para as práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula.
Houve teses e dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores defendidas entre 2006 e 2015, nos PPGEs Conceito 7 Capes, que denunciaram a não participação ou o pouco envolvimento das/os professoras/es da Educação Básica na escolha dos livros didáticos (OLIVEIRA, J. G. de, 2011; RESENDE, 2015). A pesquisa de Juliane Gomes de Oliveira (2011) evidenciou a falta de organização e de planejamento no processo de avaliação e de escolha dos livros didáticos. Na situação investigada por ela, esse processo coincidiu com o “[…] período de fechamento do ano letivo e início das férias, gerando pouca participação do corpo docente” (OLIVEIRA, J. G. de, 2011, p. 5).
Uma única pesquisa discutiu a elaboração e a utilização de materiais didáticos para a Educação a Distância (EaD). O estudo de Gomes (2015) analisou o caderno didático, material pedagógico impresso usado no curso de Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil-Universidade Estadual de Montes Claros (UAB-Unimontes).
Por fim, a conclusão a que chegou Coelho (2009), em sua tese de Doutorado, talvez contemple a posição das/os demais pesquisadoras/es que fizeram parte desta metapesquisa e que também investigaram o tema das práticas docentes na escolha e na utilização de livros didáticos. Segundo a autora, “[…] para além de se garantir bons materiais didáticos, há que se investir maciça e sistematicamente, não só como aporte de recursos materiais, mas também e, principalmente, na formação continuada e nas condições de trabalho de nossas escolas e de seus profissionais” (COELHO, 2009, p. 3-4).
À guisa de conclusão – analisar práticas pedagógicas: Por quê? Para quê? E cuidados que devemos tomar ao fazer isso
Como vimos neste artigo, as investigações acadêmicas que analisaram práticas pedagógicas, práticas educativas, práticas docentes, e/ou práticas de ensino foram o tema de pesquisa mais recorrente entre as teses e as dissertações sobre docência e/ou sobre formação de professores que fizeram parte deste estudo. Como mencionado anteriormente, 240 resumos analisados na metapesquisa em questão foram classificados nessa categoria!
Levando-se em consideração apenas as teses e as dissertações defendidas nos PPGEs que fizeram parte do estudo em questão, é possível afirmar, portanto, que existiu, entre 2006 e 2015, um grande interesse da comunidade acadêmica, das/os pesquisadoras/es em Educação e, mais especificamente, daquelas pessoas que se dedicam à pesquisa sobre docência e/ou sobre formação de professores, em investigar práticas pedagógicas desenvolvidas por professoras/es da Educação Básica e do Ensino Superior e por demais educadoras/es. No entanto, por que esse interesse dos PPGEs em analisar práticas docentes? Por que estudar esse tema é importante? Para quê? Quais os cuidados as/os pesquisadoras/es devem tomar ao decidirem analisar as ações pedagógicas de professoras/es e demais educadoras/es?
Os achados e as conclusões das pesquisas sintetizados nos resumos das teses e das dissertações que fizeram parte deste estudo nos ensinaram muitas lições sobre a docência e/ou sobre a formação de professores. Essas investigações acadêmicas realmente contribuíram com o campo por meio da sistematização de novos conhecimentos que, talvez, não existiam no Brasil, nas décadas anteriores àquela coberta por esta metapesquisa.
Aprendemos muito, por exemplo, sobre práticas pedagógicas voltadas para a diversidade e, mais especificamente, para alunas/os com necessidades educacionais especiais, indígenas, pessoas ligadas à educação do campo e à educação de pessoas jovens, adultas e idosas. Não foram poucos os ensinamentos sobre as práticas de alfabetização e de letramento – e, entre elas, as práticas de letramento escolar e de letramento literário. Várias lições também foram aprendidas por meio das pesquisas que analisaram práticas docentes consideradas “inovadoras” e, entre elas, as chamadas “práticas pedagógicas virtuais” que, por intermédio da incorporação das novas tecnologias da informação e da comunicação nas ações educativas, anunciam um futuro cada vez mais presente na realidade atual. Fazem parte também da realidade atual, práticas pedagógicas desenvolvidas no passado e que as pesquisas historiográficas que fizeram parte deste estudo revelaram algumas continuidades entre o fazer docente de ontem e de hoje.
Vimos que as/os docentes não são meros executores do chamado currículo oficial e, mesmo diante de condicionantes estruturais adversos e limitantes, são capazes de desenvolver práticas de ensino consideradas “inovadoras” – práticas docentes que rompem ou que, pelo menos, avançam em relação ao ensino tradicional. As/Os professoras/es demonstraram possuir agência não apenas para ressignificar políticas públicas educacionais e/ou curriculares como também para burlar ou até mesmo contrariar prescrições e orientações dos programas oficiais de livros didáticos. Aliás, os critérios adotados pelos programas oficiais de avaliação dos livros didáticos não necessariamente coincidem com os critérios usados pelas/os professoras/es quando estas/estes escolhem quais materiais utilizarão nas escolas.
É extremamente importante enfatizar que, ao colocarmos as/os professoras/es sob as lupas das/os pesquisadoras/es, a fim de que estas/estes analisem as práticas pedagógicas daquelas/es, é imprescindível pensar nas questões éticas envolvidas nesse trabalho. Para além das ações protocolares como, por exemplo, a assinatura de Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, as/os pesquisadoras/es deveriam adotar procedimentos ético-metodológicos para envolver as/os professoras/es também no processo de análise e de produção de dados. Ao fazer isso, as/os pesquisadoras/es não apenas aumentariam a validação dos resultados de suas investigações acadêmicas – o que do ponto de vista científico é algo importante –, diminuiriam os riscos desses achados causarem danos aos sujeitos participantes da pesquisa – o que do ponto de vista ético é algo essencial –, como também proporcionariam importantes ações de desenvolvimento profissional para esses sujeitos – o que do ponto de vista da formação docente é algo estratégico.
Par tal, as teses e as dissertações que analisaram práticas pedagógicas poderiam, por exemplo, incluir nas considerações finais ou nos apêndices depoimentos das/os professoras/es que participaram dessas investigações acadêmicas, relatando como se beneficiaram, o que aprenderam, como o envolvimento com a pesquisa significou ou não uma ação de desenvolvimento profissional para elas/eles e/ou o que receberam em troca por contribuírem com esses estudos.
Por fim, parece claro que desejamos conhecer melhor como se desenvolvem as práticas pedagógicas e/ou as práticas docentes, quais os fatores envolvidos na definição dessas ações, justamente para melhorá-las e para fortalecê-las. No entanto, os avanços que percebemos nas pesquisas não são sentidos imediatamente nas práticas e nas políticas educacionais. Leva um certo tempo para isso acontecer ou, talvez, infelizmente, a incorporação dos avanços científicos nas práticas e nas políticas educacionais sequer ocorra dado o distanciamento entre as produções acadêmicas e o trabalho das/dos profissionais e das/dos gestoras/es da educação.
Essa distância poderia diminuir ou sequer existir se as/os profissionais e gestoras/es da educação se tornassem consumidoras/es críticas/os das pesquisas desenvolvidas nas universidades – o que reforça a importância de estudos do tipo revisão ou síntese sistemática de pesquisa como este que, ao analisarem a produção acadêmica, ajudam a divulgá-la – e, como mencionamos anteriormente, se as/os profissionais e gestoras/es da educação, ao serem convidadas/os a se envolverem em investigações acadêmicas, também participassem dos processos de análise e de produção dos dados – não apenas com a intenção de aumentar a validação dos resultados de pesquisa, diminuir os eventuais danos aos sujeitos participantes da investigação acadêmica, mas também para servir como uma ação estratégica de desenvolvimento profissional.