Este artigo tem como objetivo apresentar os fundamentos teóricos e normativos da Educação em Direitos Humanos (EDH) no âmbito do ensino superior, atribuindo especial destaque ao processo constitutivo desta prática educativa no contexto brasileiro. Para tanto, buscar-se-á compreender, em um primeiro momento, o contexto pelo qual as instituições de ensino superior estão inseridas – em especial, a universidade pública –, por meio da realização de revisões bibliográficas acerca do tema proposto. Em um segundo momento, com vistas à fundamentação teórica acerca da EDH, adotaremos como ponto de partida o debate presente na própria literatura acadêmica sobre os direitos humanos, perpassando também pelos principais instrumentos e normativas do Sistema Nacional de Direitos Humanos. Ressalta-se que, por termos como objetivo geral debater a EDH no ensino superior, abordaremos com mais ênfase as diretrizes, recomendações e metodologias atribuídas por estes documentos e literaturas, direcionadas a este nível de ensino.
Diante do objetivo anunciado, pondera-se o seguinte: a história dos DH não se restringe aos marcos normativos e às declarações universais positivadas, visto que são frutos de processos históricos de lutas e consensos estabelecidos entre diferentes Estados nacionais, tendo em vista os interesses políticos e econômicos intrínsecos a estes. Tais documentos, portanto, representam a reivindicação por direitos de uma classe particular através da cristalização destes em documentos, declarações e cartas de caráter universal. Logo, tendo ciência de que estas normativas e instrumentos são frutos de processos e consensos históricos, podemos partir para a apresentação do debate a que esse artigo se propõe.
O compromisso social da universidade pública
A universidade deve ser reconhecida enquanto instituição social, visto que esta exterioriza, de determinadas formas, a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade: "tanto é assim que vemos no interior da instituição universitária a presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem divisões e contradições da sociedade" (Chauí, 2003, p. 5). Para a autora, esta interação entre o externo e o interno explica o porquê de a universidade pública sempre ter se constituído como instituição social, legitimando-se, através do princípio de diferenciação que lhe outorga a autonomia diante de outras instituições sociais, podendo esta assimilar, de forma crítica e reflexiva, as demandas e as influências da sociedade.
Há de se considerar, contudo, a tese de que o campus universitário se constitui como um reflexo puro de seu contexto, visto que, muitas vezes, as universidades brasileiras e latino-americanas, em geral, acabam distorcendo a imagem da sociedade através do aguçamento de suas contradições. Tal constatação diz respeito ao panorama do ensino superior no Brasil, onde se verificam processos de massificação privada, desconsiderando-se sua democratização; bem como processos de mercantilização da universidade pública, garantindo uma expansão "que a mantém como de elite e de alta qualificação para poucos, enquanto adquire traços de "sistema" de massas e de baixa qualificação para muitos", colocando em xeque as metas oficiais para a sua democratização (Sguissardi, 2015, p. 869).
Trata-se, nesse sentido, da ocorrência de algumas transformações sociopolítico-culturais no âmbito das políticas educacionais, as quais somadas ao movimento político e ideológico neoliberal, estabeleceram o conhecimento como um item a ser comercializado. Esses processos ocorridos nos últimos anos, como a revolução da informática e da comunicação, aliados ao processo de globalização, modificaram a dinâmica de produção e difusão do conhecimento, sendo esse produzido de maneira rápida e cumulativa, de fácil divulgação e popularização. A partir desse momento, houve maior abertura do mercado educacional através da implementação de políticas educacionais neoliberais e do aumento expressivo de IES particulares ou privado/mercantis (Bechi, 2011). O conhecimento, de acordo com Dias Sobrinho (2015), adquiriu grande importância, se submetendo a critérios de aplicabilidade, utilidade, competitividade e de interesses de lucro. Logo, se explicita uma reorganização das atividades da comunidade acadêmica que não agregam valor econômico.
De acordo com Bernheim e Chauí (2008, p. 11), houve o "abandono do núcleo fundamental do trabalho universitário, ou seja, da formação", devido também à compressão espaço-temporal do capital financeiro e do mercado, através da redução temporal da graduação e da pós-graduação; a velocidade tornou-se tamanha que a necessidade da transmissão do histórico de cada disciplina ao aluno fez-se, gradualmente, como coisa do passado. Para os autores, o ensino passou a ser compreendido como a rápida transmissão de conhecimentos, sendo este registrado em manuais "descomplicados" e de fácil leitura; a docência foi reduzida à transmissão e ao treinamento; e, a pesquisa se tornou uma atividade sem sentido e relevância, devido à ausência de tempo hábil para processos de reflexão e crítica, ao passo que ela se tornou o foco principal das IES públicas.
Quanto ao debate acerca de seu compromisso social, isto é, com quais problemáticas e atores a universidade deve se envolver, discute-se com mais força a partir das décadas de 1980 e 1990, em que medida o ensino e a produção do conhecimento deveriam seguir às "exigências" mercadológicas, onde o conhecimento se torna cada vez mais considerado enquanto um fator produtivo, ou seja, uma mercadoria que define o crescimento e a competitividade de nações e empresas por intermédio de inovações tecnológicas – perspectiva denominada de economia do conhecimento; ou se o ensino, a pesquisa e a extensão deveriam estar direcionados à preparação de indivíduos e à produção do conhecimento – mesmo que aptos ao mercado de trabalho –, para atuar de forma crítica e reflexiva diante das problemáticas sociais diversas que atingem a sociedade, especialmente no que se refere aos segmentos sociais (Dias Sobrinho, 2015).
No Brasil, tal debate caminha em torno de dois fenômenos: (a) através da redefinição de políticas públicas educacionais na esfera governamental, especialmente, no que se refere à diminuição e/ou estagnação do financiamento às IES públicas; e, (b) a transformação interna das instituições, que passaram a inserir novas retóricas discursivas e estratégias para a obtenção de recursos, assim como a operacionalização de mecanismos de gestão e racionalidade que integram a universidade, adquirindo características da gestão empresarial.
Decorrem, desse modo, processos chamados de privatização e mercantilização do ensino superior e da universidade pública brasileira e latino-americana. Esses, acabam por redefinir a função social da universidade para com a sociedade, desvirtuando e desconsiderando sua capacidade de formar cidadãos e intelectuais compromissados com as problemáticas sociais, focando apenas em uma formação instrumental de mão de obra.
De acordo com De Paula (2006), a formação foi transformada em treinamento, perdendo seu sentido de formação para a vida e para a construção da cidadania; a pesquisa foi direcionada às demandas pontuais do setor produtivo, permanecendo como refém da lógica imediata dessa demanda pontual; e, no que diz respeito à extensão, em grande medida ela se reduziu a ser um produto a ser comercializado e transformado em fonte de renda e complementação salarial. Trata-se, nesse sentido, de uma transformação que preza pelo favorecimento de interesses individuais da classe docente que facilmente aderiu a mecanismos da iniciativa privada, pela minimização da gestão da educação por parte do Estado, pela maximização das leis de mercado e pela suspensão das barreiras entre estados e mercados (Severino, 2002). Em outras palavras, diz respeito à maturação e materialização da perspectiva neoliberal no campo das políticas educacionais.
Bastante presente nos cursos de direito, o debate acerca dos direitos humanos, muitas vezes passa a ser negligenciado nos projetos político-pedagógicos dos cursos de graduação e pós-graduação de outras áreas do conhecimento, bem como nos projetos de pesquisa e extensão desenvolvidos no âmbito acadêmico (Candau, 2008). Apesar de estar garantida em documentos oficiais do governo federal, a educação em direitos humanos, tratada como um conteúdo interdisciplinar, não está incorporada em todas as áreas, havendo um longo caminho a ser percorrido para que os conteúdos teóricos e metodológicos dos direitos humanos integralizem a formação dos profissionais.
Como pode ser aferida, a EDH alinha-se mais à segunda perspectiva apresentada sobre o compromisso social da universidade, considerando a construção do saber e da formação através do ponto de vista dos direitos humanos e da democratização. Considera-se, portanto, que um dos compromissos sociais da universidade se trata, justamente, da produção e disseminação de conhecimentos em direitos humanos. Logo, sendo a universidade uma instituição social, deve se empenhar na perspectiva de sua democratização, tanto no que diz respeito ao acesso quanto em relação à democratização do conhecimento, bem como de norteá-la à defesa dos direitos humanos e da pesquisa e formações críticas e reflexivas. À educação superior, vista recentemente enquanto espaço de formação em direitos humanos, cabe a incorporação da educação em direitos humanos enquanto conteúdo transversal e interdisciplinar em todas as áreas do conhecimento, devendo permear os projetos pedagógicos, e as atividades de pesquisa e extensão. E, para além das esferas institucionalizadas, deve estar presente na própria gestão e convivência. Em outras palavras, trata-se de um novo caminho a ser considerado no que diz respeito ao debate acerca do compromisso social da universidade pública. Este pressupõe que esta instituição transforme sua relação com a sociedade, tornando-a dialógica e interativa com diferentes culturas e sujeitos, bem como que continue a se envolver com as demandas desta, especialmente, daqueles que possuem seus direitos violados cotidianamente.
Concepções e fundamentos da educação em direitos humanos
Apesar dos avanços relativos à incorporação dos direitos humanos em instrumentos internacionais, interamericanos e nacionais, estes não ganharam existência real para grande número de pessoas, sendo evidente a distorção de preceitos legais de dispositivos constitucionais e de demais legislações. No caso brasileiro, tal situação já era crítica devido ao regime ditatorial e foi agravada na década de 1990, quando o governo adotou a linha neoliberal, priorizando o indivíduo em detrimento ao coletivo, o privado ao público, o econômico e financeiro ao social (Dallari, 2008). Para além das dificuldades relacionadas à efetivação dos direitos fundamentais, evidencia-se o desafio em torná-los conhecidos e respeitados, visto que ainda persiste o desconhecimento por parte da população sobre o que são os direitos humanos, para que servem e quem são protegidos por tais direitos.
À vista disso, a educação, reconhecida como um dos direitos humanos, vem sendo compreendida como uma ferramenta fundamental para se obter o acesso ao conhecimento histórico dos direitos humanos, permitindo que a cultura de tais direitos seja transmitida de forma a alcançar uma transformação social local, integrando valores e noções relativas à cultura da paz, da tolerância e do respeito às diferenças. Dessa forma, a EDH tornou-se parte essencial do conjunto de direitos historicamente constituídos, estando incluída no próprio direito à educação (Brasil, 2012). Faz-se necessário destacar que tal direito está positivado em diversos documentos oficiais do Governo Federal brasileiro, bem como está presente em demais documentos do Sistema Internacional e Interamericano de Direitos Humanos. Seu processo constitutivo está diretamente relacionado às lutas pela redemocratização ocorrido nos países latino-americanos, enquanto forma de resistência aos regimes autoritários instituídos na segunda metade do século passado.
No que diz respeito ao seu aspecto formativo, Magendzo (2006) destaca que a EDH parte do reconhecimento de dimensões históricas, políticas e sociais da própria educação, baseando-se em valores e princípios relacionados aos direitos humanos em sua plenitude, além da sua correlação com a democracia, o desenvolvimento e a paz. Compreende-se que o propósito maior em relação a EDH consiste em intervir na formação das pessoas em todas as suas dimensões, cooperando para seu desenvolvimento enquanto cidadão e, ao mesmo tempo, contribuindo com o reconhecimento de seus direitos e deveres (Tavares, 2010).
Na perspectiva de Benevides (2003), a EDH se refere a uma formação baseada no respeito à dignidade da pessoa humana, estando orientada para "a mudança no sentido de eliminar tudo aquilo que está enraizado nas mentalidades por preconceitos, discriminação, não aceitação dos direitos de todos, não aceitação da diferença" (Benevides, 2003, p. 1). No caso do Brasil, tais violações são agravadas devido à herança da escravidão, a qual era considerada como algo natural, permanecendo até os dias de hoje em forma de conduta e mentalidade. Segundo Pedroso (1999), os estereótipos e descréditos dirigidos às mulheres, negros e índios durante o período colonial servem até o presente enquanto ideias-molde de perspectivas autoritárias, racistas e misóginas que ainda sobrevivem no contexto do país.
Logo, tal processo educativo busca ser um instrumento que visa eliminar as deturpações existentes a respeito dos direitos humanos, como é o caso da identificação destes com os "direitos dos bandidos e infratores" e a visão limitada de que os direitos humanos se reduzem às liberdades individuais. Em vista disso, cabe ressaltar três dimensões acerca da EDH: a primeira se refere à formação de sujeitos de direitos, de forma a articular as perspectivas da ética, político-social e práticas concretas; a segunda diz respeito à oportunização no processo de "empoderamento", no sentido de proporcionar possibilidades e demonstrar a potência de cada ator social; por fim, a terceira dimensão refere-se à construção de sociedades democráticas, de forma a "educar para o nunca mais", isto é, de modo a resgatar a memória histórica dos direitos humanos, rompendo com a cultura do silêncio e da impunidade; mantendo vivas as memórias relativas aos períodos autoritários, de torturas e perseguições políticas, de escravidões e genocídios, bem como de desaparecimentos e de colonizações. Tais dimensões se constituem no horizonte de sentido que perpassa o processo educativo da Educação em Direitos Humanos (Candau, 2008).
Enquanto características centrais, a EDH: (a) diz respeito a uma educação necessariamente direcionada para a mudança; (b) empenha-se para além da transmissão de conhecimentos, tendo em vista a manifestação e a reiteração de valores e princípios relativos aos direitos humanos; (c) deve ser trabalhada de modo ininterrupto, atingindo a totalidade dos níveis educacionais formais e informais; (d) trata-se de uma educação que compartilha de uma perspectiva que vai além da luta pelos próprios direitos, abrangendo o reconhecimento e a relevância da luta pelos direitos dos outros, reconhecendo-os enquanto sujeitos de direitos (Benevides, 2001). Em outros termos, consiste em um processo educativo que visa romper com estereótipos, preconceitos, discriminações e violações de direitos, devendo se constituir enquanto uma prática presente em todos os níveis da educação, sendo esse o espaço de formação em direitos humanos.
Apesar de limitada a seu local de promoção, bem como à sua potencialidade em realizar mudanças estruturais na sociedade, a EDH deve ser compreendida enquanto um processo educativo capaz de prevenir violações, bem como de informar e fazer conhecer os direitos pelos quais todos somos sujeitos. Assim, trata-se de um compromisso pelo qual todos os níveis da educação formal devem se empenhar em realizar, abordando de forma transversal e interdisciplinar a variedade de temas relativos aos direitos humanos.
A educação em direitos humanos no Brasil
De acordo com Escrivão Filho e Sousa Junior (2018), a história dos direitos humanos no Brasil remete a diversos períodos de lutas de resistência e libertação, as quais despontaram como meio de afronta à exploração econômica, ao sistema político, à exclusão social e à opressão racial. Trata-se, portanto, de um percurso histórico não linear e diverso em relação à luta pelo reconhecimento e concretização dos direitos humanos no Brasil, incluindo nesse percurso a própria constituição da educação em direitos humanos enquanto política pública. Logo, tomando como ponto de partida a década de 1980, verifica-se que este processo foi marcado por diferentes momentos políticos, econômicos, sociais e culturais, apresentando experiências tanto na educação formal quanto na informal. Os anos 1980, em especial, são lembrados pelo fim da ditadura militar e início do processo de redemocratização do país, sinalizando, a partir da promulgação da "Constituição Federal de 1988", o compromisso no desenvolvimento de uma cultura pautada no respeito e na garantia dos direitos fundamentais.
Logo, se constituindo enquanto a expressão pela cidadania no Brasil, a Constituição Federal (Brasil, 1988) representa um divisor de águas, sendo um importante instrumento jurídico de consagração da proteção da dignidade da pessoa humana que rompe com o período ditatorial e inicia uma nova etapa de reconstrução democrática. A Constituição, conhecida como "Constituição Cidadã", determina princípios intangíveis e cláusulas pétreas em que se encontram os direitos fundamentais. Para Dalmo Dallari (2008, p. 29), a Constituição "foi a expressão dos anseios de liberdade e democracia (…) e foi também o instrumento legítimo de consagração, com força jurídica, das aspirações por justiça social e proteção da dignidade humana", constituindo-se enquanto um instrumento com vistas à promoção da justiça e da supremacia do direito.
É nesse contexto que a EDH no Brasil começa a se tornar um processo educativo sistemático, apresentando a partir da Constituição, uma sucessão de marcos normativos que legitimam esta prática educativa nos diferentes níveis de ensino. Conforme destaca Silva e Tavares (2013, p. 52), "todo o processo de organização da sociedade brasileira foi fundamental para a difusão e ampliação das práticas de EDH, especialmente a partir da segunda metade dos anos 1990, inserindo essa questão com mais ênfase nos programas governamentais". Nesse processo, destacam-se algumas políticas de governo realizadas pela Secretaria de Educação de Pernambuco entre 1987 e 1990, com a implantação do projeto intitulado "Escola pública, direitos humanos e a conquista coletiva da cidadania"; bem como ações desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de São Paulo, durante a gestão de Paulo Freire na Secretaria de Educação, no período de 1989 a 1992.
No que diz respeito à década de 1990, experiências de políticas educacionais também podem ser verificadas, como é o caso do "Projeto Escola Legal", desenvolvido entre 1995 e 1998, em Pernambuco; o projeto "Escola Candanga: uma lição de cidadania", entre 1995 e 1998, no Distrito Federal; e o projeto "Escola Cidadã", entre 1993 e 1996, no município de Porto Alegre (Silva, 2000). Tais projetos, diferentemente daqueles desenvolvidos durante a década de 1980 com vistas à contribuição do reestabelecimento da democracia, buscavam a melhoria da qualidade da escola pública, assim como a universalização do ensino fundamental, a valorização dos educadores, o respeito à diversidade cultural e o fortalecimento da democracia e da transparência.
É a partir desta década que reformas educacionais foram estabelecidas em diversos países da América Latina, sendo estas estimuladas por organizações internacionais, como a própria Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). É nesse cenário que deve ser compreendida a elaboração dos "Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)", sendo aprovado em 1996, conferindo responsabilidade ao Estado brasileiro no estabelecimento de uma base comum curricular para o âmbito nacional. Tais Parâmetros são baseados na "Lei de Diretrizes e Bases (LDB)" (Brasil, 1996, p. 10) que destaca, no artigo 27°, o seguinte "os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática (…)".
À vista disso, os "Parâmetros Curriculares Nacionais" (PCN) recomendavam a incorporação ao currículo do ensino fundamental, temas relativos à pluralidade cultural, ética, meio ambiente, saúde e orientação sexual, por intermédio da transversalidade, isto é, introduziam, a partir de uma política de Estado, a necessidade da incorporação de tais problemáticas sociais no currículo escolar. Faz-se necessário destacar que, apesar de ser um instrumento que busca incorporar tais questões, os PCNs são objeto de muitas críticas no meio acadêmico, justamente por não ter sido considerado as experiências já realizadas, bem como não ter contado com a participação de educadores no seu processo de elaboração.
Evidencia-se ainda, no âmbito da década de 1990, a elaboração do "Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)" que, sendo iniciado após a Conferência Internacional de Direitos Humanos de Viena, apresenta quatro conjuntos de propostas para a promoção dos direitos humanos no contexto nacional, são elas: (a) Políticas Públicas para Proteção e Promoção dos Direitos Humanos no Brasil; (b) Proteção do Direito à Tratamento Igualitário perante a Lei; (c) Educação e Cidadania: bases para uma cultura de direitos humanos; e, (d) Ações Internacionais para Proteção e Promoção dos Direitos Humanos.
Quanto ao terceiro conjunto, subdivide-se em dois grandes eixos: (a) Produção e distribuição de informações e conhecimentos; e, (b) Conscientização e mobilização pelos direitos humanos. Dentre as ações propostas em ambos, destacam-se:
Apoiar a criação e desenvolvimento de programas de ensino e de pesquisa que tenham como tema central a educação em direitos humanos (…); Apoiar programas de informação, educação e treinamento de direitos humanos para profissionais de direito, policiais, agentes penitenciários e lideranças sindicais, associativas e comunitárias (…); Apoiar a realização de fóruns, seminários e "workshops" na área de direitos humanos. (Brasil, 1996, p. 17)
Faz-se necessário ressaltar que tal Programa, foi sendo revisado e atualizado durante o passar dos anos, dando origem à sua segunda versão, lançada em 2002 e, posteriormente, a sua terceira versão em 2010. Esta versão expande suas propostas de ações no âmbito dos direitos econômicos, sociais e culturais, se constituindo enquanto base para a elaboração de Programas e Planos Estaduais e Municipais em matéria de Direitos Humanos (Vivaldo, 2009), reunindo um montante de 518 propostas, dedicando 19 delas à Educação em Direitos Humanos. No que diz respeito à educação superior, encontram-se propostas de ações para o apoio em programas de ensino e pesquisa em educação em direitos humanos; apoio na criação e articulação de cursos regulares e de extensão de direitos humanos em universidades públicas e privadas, bem como demais IES; apoio na ampliação da quantidade de cursos superiores de direitos humanos e de temas transversais; e, apoio na construção de uma base de dados com informações relativas a cursos, teses e demais atividades acadêmicas de promoção e proteção aos direitos humanos nas IES (Brasil, 2002).
Anteriormente à apresentação de sua terceira versão, destaca-se que desde 1994 a Organização das Nações Unidas (ONU) vinha se dedicando à elaboração de documentos internacionais relacionados a EDH, especialmente em 1997, quando lançou diretrizes para a elaboração de planos nacionais, bem como criação de comitês e programas educacionais de EDH. Paralelamente a este processo, tramitava no Congresso Nacional desde o final da década de 1990, um projeto de lei do então Deputado José Aníbal (PSDB/SP), que estabelecia a necessidade da incorporação da EDH em programas educacionais de disciplinas do ensino formal (fundamental e médio) enquanto temas transversais. No entanto, foi no ano de 2003, durante o governo Lula, que tal projeto passou a ser explorado, sobretudo quando foi criada a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), órgão da Presidência da República com status de ministério, tendo como objetivo a articulação e a implementação de políticas públicas de DH. Esta, criou no mesmo ano, o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, o qual tinha como incumbência a elaboração do "Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos" (Vivaldo, 2009).
Nessa direção, tendo sua primeira versão lançada em dezembro de 2003, no período relativo à Década da Educação em Direitos Humanos das Nações Unidas, o Plano tinha como objetivos primeiros: "contribuir para fortalecer o Estado democrático de direito tendo em vista o desenvolvimento nacional; [bem como] orientar e fomentar ações educativas nas esferas pública e privada no campo da educação formal e não-formal" (Vivaldo, 2009, p. 65).
Durante os anos de 2004 e 2005, foram realizados alguns encontros estaduais sobre EDH com o intuito de revisar, atualizar e ampliar a versão do Plano publicada em 2003, sendo garantido, neste processo, a participação da sociedade civil por meio da Primeira Consulta Nacional. Foi no ano de 2006, ao longo do Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos, que houve o lançamento de uma versão prévia do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) para consulta online, sendo finalizado e publicado em dezembro de 2006 a nova versão do referido Plano (Brasil, 2007). Este foi resultado de uma articulação entre os três poderes da República, em especial o Executivo, contando também com a participação de instituições de ensino superior, organismos internacionais e a sociedade civil organizada; cabendo ao Ministério da Educação, à SEDH, em conjunto com o Ministério da Justiça e demais secretarias, a coordenação, a execução e a avaliação dos programas, projetos e ações implementadas por órgãos e entidades públicas e privadas. Nesse sentido, destaca-se a configuração do Plano enquanto política de Estado, compreendendo a educação enquanto um direito por si só e um meio para a promoção e garantia dos demais direitos (Brasil, 2007).
Com efeito, determina a EDH "como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos" (Brasil, 2007, p. 25). Em tais termos, o Plano concebe a educação como um instrumento capaz de promover os direitos humanos, contemplando e priorizando cinco eixos de atuação: educação básica; educação superior; educação não formal; educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança pública; e, educação e mídia. Quanto ao primeiro eixo, se considera o ambiente escolar como um local fundamental para a construção de concepções de mundo, consolidação de valores e de consciência social, como também um espaço de formação para a cidadania, de sujeitos sociais e de promoção da diversidade cultural. A EDH na educação básica pressupõe o fomento de condições ao reconhecimento da pluralidade e do multiculturalismo, o exercício da crítica social, bem como a valorização das diferenças (Brasil, 2007).
Na educação superior, o Plano pondera que as IES possuem o compromisso de contribuir através de sua posição crítica, democratizante e emancipadora, "da construção de uma cultura de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos, por meio de ações interdisciplinares", de modo a envolver as diferentes áreas do conhecimento (Brasil, 2007, p. 37). Nessa perspectiva, atribui ao processo de produção do conhecimento acadêmico, o compromisso com o desenvolvimento da cidadania, da democracia, da justiça social e dos direitos humanos, para além de seu comprometimento com o desenvolvimento científico e tecnológico. Logo, pondera que estas atribuições devem estar atreladas aos pilares de sustentação das IES: ensino, pesquisa e extensão.
Em relação ao ensino, considera que a EDH pode ser incorporada através de diferentes meios, como "disciplinas obrigatórias e optativas, linhas de pesquisa e áreas de concentração, transversalização no projeto político-pedagógico, entre outros". No âmbito da pesquisa, área em que a universidade, em especial, a pública, pode contribuir de forma mais empenhada, deve ser inserida através de políticas de fomento em estudos sobre direitos humanos enquanto conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar. E, na extensão, sendo porta de entrada dos direitos humanos na universidade e enfatizando o Plano Nacional de Extensão Universitária, propõe que a EDH "pode envolver atividades de capacitação, assessoria e realização de eventos, entre outras, articuladas com as áreas de ensino e pesquisa, contemplando temas diversos" (Brasil, 2007, p. 38).
Desse modo, o Plano indica a incorporação desta prática educativa enquanto um subsídio à construção de diretrizes curriculares das diferentes áreas do conhecimento; o fomento às linhas de ensino, pesquisa e extensão nos níveis de graduação e pós-graduação; a elaboração e implementação de políticas, programas, projetos e metodologias de formação e capacitação; e, o desenvolvimento de políticas de ações afirmativas que garantam o acesso, a permanência e a inclusão de grupos que historicamente possuem seus direitos violados. Para além do ensino formal, acrescenta-se ainda o eixo relativo à educação não formal, compreendida como espaços de construção de conhecimentos em educação popular, sendo também adquiridos através da participação em ações coletivas com foco na cidadania e democracia. Para este eixo, o Plano assinala um conjunto de ações que visam estimular a promoção de iniciativas de formação e capacidade em direitos humanos no âmbito da sociedade civil organizada, considerando tal ensino como meio permanente para a formação de uma consciência crítica e emancipadora (Brasil, 2007).
No que diz respeito ao eixo relativo à educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança, o Plano concebe a EDH enquanto um instrumento estratégico para a consolidação democrática, visto que pode respaldar práticas profissionais coerentes com os princípios relativos aos direitos humanos, sendo estes previstos nas próprias legislações nacionais e instrumentos internacionais sancionados pelo Estado brasileiro, os quais devem se constituir como suporte para os profissionais englobados por este eixo. Por fim, a última área do Plano, referindo-se à educação e mídia, concebe o aparato de comunicação como um "espaço político, com capacidade de construir opinião pública, formar consciências, influir nos comportamentos, valores, crenças e atitudes" (Brasil, 2007, p. 53). Nesse sentido, consiste em um espaço estratégico para a produção e a divulgação de materiais sobre direitos humanos, de modo a contribuir para a construção de uma cultura pautada nas garantias fundamentais e na justiça social.
Cabe salientar que após a publicação da primeira versão do Plano, em 2003, decorreram-se encontros estaduais com o intuito de divulgar as ações propositivas do PNEDH, contando com a participação de cerca de 5 mil pessoas, provenientes de 26 estados. Para além de contribuírem com a segunda versão desta política, também colaboraram com a criação de Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos. Em 2004, paralelamente às discussões sobre o PNEDH, o Ministério da Educação e a SEDH/PR introduziram o programa "Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade", cuja finalidade consistia em aprofundar ações e projetos educativos que conduziam a uma formação ética e moral no âmbito escolar em nível básico. Em 2006, foi organizado o Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos pelo Ministério da Educação, SEDH/PR e Unesco, promovendo o intercâmbio de políticas de EDH entre educadores, pesquisadores, gestores e demais atores que se dedicam às áreas da Educação e dos Direitos Humanos. E, sendo instituído pela Portaria Interministerial n.° 812, de 2 de julho de 2008, o Ministério da Educação em conjunto com a SEDH/PR, lançaram o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos, atribuindo maior reconhecimento aos projetos desenvolvidos nesta área do conhecimento (Vivaldo, 2009).
Para além das duas versões introduzidas do PNDH e do PNEDH, o governo brasileiro lançou em 2009, sendo atualizado em 2010, a terceira versão do "Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)", estando estruturado em seis eixos orientadores, são eles: (a) interação democrática entre Estado e sociedade civil; (b) desenvolvimento e direitos humanos; (c) universalizar direitos em um contexto de desigualdades; (d) segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; (d) educação e cultura em direitos humanos; e, (e) direito à memória e à verdade. Especial destaque se dá ao quinto eixo, o qual dialoga com o PNEDH, explicitando a necessidade da adoção da EDH nos âmbitos nacional, estadual, distrital e municipal (Brasil, 2010).
Reiterando a concepção da EDH contida nos documentos oficiais do Governo Federal antecedentes, o Programa postula propostas de mudanças curriculares, especialmente, através da inclusão de temas como gênero e orientação sexual, bem como acerca do reconhecimento e valorização das culturas indígena e afro-brasileira no âmbito do ensino fundamental e médio. Quanto ao ensino superior, o documento destaca em sua diretriz de número 19, "o fortalecimento dos princípios da democracia e dos Direitos Humanos" nas IESs e demais instituições formadoras (Brasil, 2010, p. 191). Desse modo, recomenda a incorporação da temática da EDH nos cursos das diversas áreas do conhecimento, através da elaboração de metodologias pedagógicas inter e transdisciplinares; criação de linhas de pesquisa e áreas de concentração; programas e projetos de extensão universitária; fomento a atividades das áreas de ensino, pesquisa e extensão por meio de agências de financiamento; e, incentivo à formação continuada, bem como programas de pós-graduação em direitos humanos (Brasil, 2010).
À luz deste contexto, é aprovado o Parecer CNE/CP n.° 8/2012, o qual compõe as "Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos", apresentando em seu relatório os princípios base da EDH, são eles: (a) Dignidade humana, estando relacionado a uma concepção de existência humana fundada em direitos, isto é, perpassa sobre os conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos, de forma a fundamentar o Estado democrático de direito e o reconhecimento destes no âmbito mundial e nacional; (b) Igualdade de direitos, ligado a temas como a ampliação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais a todos os cidadãos e cidadãs, com vistas a sua universalidade, sem distinção de cor, credo, nacionalidade, orientação sexual, biopsicossocial e local de moradia; (c) Reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, relativo ao enfrentamento dos preconceitos e das discriminações, garantindo que diferenças não sejam transformadas em desigualdades; (d) Laicidade do Estado, referindo-se à imparcialidade do Estado diante dos conflitos e disputas do campo religioso, desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana, fazendo valer a soberania popular em matéria de política e de cultura, bem como temas referentes ao respeito à diversidade cultural religiosa do País; (e) Democracia da educação, ligado a processos que se desenvolvem continuamente por meio da participação democrática, tangenciando os preceitos da liberdade, igualdade e solidariedade, de forma a perpassar temas como a construção de condições de acesso e permanência à educação; (f) Transversalidade, vivência e globalidade, tratando sobre o desenvolvimento de atividades trabalhadas a partir do diálogo interdisciplinar, permitindo a construção de valores relacionados à ética e envolva toda a comunidade acadêmica, fortalecendo o diálogo entre as perspectivas locais, regionais, nacionais e mundiais das experiências dos(as) estudantes; e, (g) Sustentabilidade socioambiental, ligado ao estímulo do respeito ao espaço público como bem coletivo e de utilização democrática através da dimensão política da educação ao cuidado com o meio ambiente local, regional e global, isto é, está comprometida com o incentivo e a promoção de um desenvolvimento sustentável que preserve a diversidade da vida e das culturas (Brasil, 2012).
Nesse horizonte, determina às IES a inserção da EDH enquanto princípio orientador do processo educativo e institucional, de modo a abranger as esferas do ensino, pesquisa, extensão e gestão. Assim sendo, compartilhando dos pressupostos do PNEDH e do PNDH-3, considera que no âmbito do ensino, deve-se traçar um diálogo interdisciplinar de modo a contemplar as várias áreas do conhecimento, desenvolvendo-se através de uma perspectiva crítica de currículo por meio de sua incorporação nos projetos pedagógicos e demais atividades curriculares. Na pesquisa, se requisita uma política de incentivo à realização de estudos e pesquisas, criando-se núcleos e grupos com foco em temas como direitos humanos, relações de gênero, violência, segurança pública, diversidade cultural, dentre outros; além da própria organização do acervo produzido. Na extensão, relembra a necessidade dessas Instituições em atender as demandas provenientes dos segmentos sociais em situação de exclusão e violação de direitos, movimentos sociais e a própria gestão pública. E, na gestão, pondera que os direitos humanos devem ser incluídos na cultura e na gestão organizacional, isto é, deve ser incorporada tal perspectiva no âmbito da mediação e reparação de conflitos e violações, em intervenções sociais e na representação sindical, em conselhos, comitês e fóruns de políticas públicas (Brasil, 2012).
Particularmente sobre a extensão universitária, reconhece-se em âmbito da "Política Nacional de Extensão" que a universidade deve apoiar o Estado na elaboração, implementação e execução de políticas públicas. Para isso, a universidade deveria priorizar suas ações de extensão em alguns eixos temáticos mais amplos. Um desses eixos, justamente, são os direitos humanos. Desse modo, tendo em vista o fortalecimento deste pilar da universidade, se reafirma a necessidade na priorização de práticas voltadas aos segmentos sociais, sendo "relacionadas com as áreas de Comunicação, Cultura, Direitos Humanos e Justiça, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia e Produção, Trabalho" (Forproex, 2012, p. 5). Reconhece-se a importância e o compromisso social da universidade, via extensão, na execução de ações que promovam e disseminem os direitos humanos.
Constituindo-se enquanto mais um documento base da EDH, especialmente no que se refere à educação superior, surge em novembro de 2016 o "Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos", iniciativa da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça em parceria com o Ministério da Educação. Este teve como objetivo fomentar a elaboração, implementação, monitoramento e disseminação de atividades e projetos que se direcionam à promoção e defesa dos DH, como forma de fortalecer a prática da EDH nas IES nas esferas do ensino, pesquisa, extensão, gestão e convivência universitária e comunitária (Brasil, 2016). Parte, portanto, do reconhecimento das IES enquanto lócus da construção e disseminação de conhecimentos para a construção de uma cultura pautada nos princípios dos DH.
Tratou-se, em outras palavras, de uma iniciativa de fomento ao fortalecimento da prática da EDH no âmbito das instituições de ensino superior e de entidades apoiadoras, considerando-a por meio da "inserção de conhecimentos, valores e práticas convergentes com os Direitos Humanos em todos os níveis e modalidades da educação nacional nos cursos de graduação e pós-graduação", bem como nos projetos político-pedagógicos dos cursos das IES e nos planos de desenvolvimento institucional (Brasil, 2016, p. 2). Nessa perspectiva, assinalava em seu acordo de cooperação a responsabilidade por parte das IES com a incorporação da EDH, sendo essa dada através da aproximação entre as instituições acadêmicas junto à comunidade, a inclusão de conhecimentos teóricos e práticos relativos aos princípios dos direitos humanos nas esferas institucionais e no processo educativo; cabendo ao representante da universidade a adesão voluntária a este instrumento, não envolvendo a transferência de recursos financeiros entre os participantes. Assim, com "o objetivo de apoiar IES para a implementação da Educação em Direitos Humanos para a promoção e a defesa dos Direitos Humanos no âmbito da educação superior" (Brasil, 2016, p. 3), o Pacto previu a adoção de alguns princípios, segundo os eixos de atuação destas instituições. Tal iniciativa, contudo, foi abandonada em maio de 2019 pelo Governo Federal, quando ele excluiu a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) através da instituição de uma reforma administrativa. A justificativa foi a alegação de que a Secretaria responsável pelo Pacto era limitada e manipulada ideologicamente.
Verifica-se, pelo exposto, que apesar de se constituir enquanto uma prática educativa recente, especialmente no contexto de países que passaram por períodos ditatoriais, a EDH vem ganhando espaço através de marcos normativos que visam direcionar as atividades educativas nos diferentes níveis de ensino, desde o formal ao informal, através da interdisciplinaridade e da transversalidade de temas. Ainda que normativas sejam fundamentais para incentivar, direcionar e respaldar ações, a concretude dessas passam por incorporar mecanismos efetivos de fomentar as IES e outras instituições a viabilizarem mudanças nos seus currículos pedagógicos, nas suas políticas institucionais de promoção de extensão e pesquisa, que busquem contemplar diretrizes da EDH. Caso contrário, não há efetivação dos planos e políticas nacionais.
Por fim, faz-se necessário destacar que apresentamos apenas os marcos normativos que consideramos serem fundamentais para a construção desta prática educativa no país, não esquecendo daqueles que também influenciaram e influenciam em seu processo de desenvolvimento, como por exemplo a Lei n.° 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor; a Lei n.° 8.069/1990, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei n.° 9.795, de 27 de abril de 1999, que determina a Política Nacional de Educação Ambiental; dentre outros.
Considerações finais
A partir do objetivo anunciado, foi possível observar que o debate acerca do compromisso social a ser assumido pelas universidades públicas é permeado por diversas perspectivas que coexistem na realidade. Se por um lado, a concepção baseia-se na sua relação colaborativa com o setor privado; por outro, há a concepção de que estas instituições devem estar envolvidas com a produção de pesquisa básica e a formação de conhecimentos críticos. Ainda que o debate sobre o papel e o compromisso social da universidade não seja recente, a incorporação da Educação em Direitos Humanos neste debate o é.
Esta prática educativa, enquanto espinha dorsal das práticas e políticas institucionais das IES, garante um processo educativo que almeja ser capaz de prevenir violações, bem como de informar e fazer conhecer os direitos pelos quais todos somos sujeitos. Ainda que a EDH seja limitada por não ser e estar satisfatoriamente integrada aos sistemas de ensino em geral, essa está em processo de implementação, mesmo que a passos lentos. A despeito do cenário político-ideológico atual que prega discursos de ódio e violência, a EDH se configura como uma prática ou direcionamento de resistência aos avanços destes, como o racismo, o machismo e a xenofobia, dentre outros. Ademais, é visível que escolas e IES, em maior ou menor medida, estão trabalhando nas temáticas da EDH (Dietrich & Hashizume, 2017), mesmo com o cenário de retrocesso político-institucional. Várias universidades concretizaram esforços alinhados ao "Pacto Universitário" – como é o caso da Universidade Estadual de Campinas (Dibbern, 2019) –, mesmo que este tenha sido interrompido. Pode-se visualizar, nesse sentido, que as novas gerações já estão imersas em uma nova cultura que não tolera práticas que são contrárias aos preceitos dos direitos humanos.
Às instituições de ensino superior, em especial às universidades públicas, cabe a incorporação desta prática educativa, tendo em vista seus potenciais formativos, bem como as dimensões pelas quais perpassam este processo. Trata-se, em outras palavras, de incorporar uma prática pautada na transmissão de conhecimentos relativos ao reconhecimento, respeito, defesa e promoção do conjunto de direitos fundamentais, considerando-se a apresentação de ferramentas e elementos que os tornem conhecidos e efetivos.