INTRODUÇÃO
Lacuna progressiva de educadores: uma necessidade presente e futura
O Programa Mais Médicos (PMM), instituído em 2013, ampliou as vagas nos cursos de Medicina já existentes e incentivou a criação de novas escolas médicas e cursos para aumento da quantidade de profissionais em regiões de interesse, especialmente no interior1.
Segundo dados mais recentes do Diretório das Escolas de Medicina do Brasil2, em 2021 existiam 369 cursos de Medicina no país, e uma parcela ainda não possui ingressantes ou não formou médicos até o momento. Por conta disso, a relação discente/docente tende a aumentar de acordo com a progressão dos estudantes que ocuparem as vagas recém-criadas e com a aposentadoria dos docentes na próxima década. Assim, a demanda por docentes nos cursos de Medicina irá intensificar-se, com potencial impacto na sustentabilidade e qualidade das escolas médicas pela dificuldade crescente para renovar, ampliar, desenvolver e profissionalizar o corpo docente, preceptores e tutores.
Em paralelo, segundo a demografia médica de 20183, apenas 0,9% dos egressos possui uma intenção clara de seguir carreira no magistério superior, proporção não suficiente para a demanda nacional por educadores médicos, e, de acordo com a demografia de 20204, somente cerca de 17,1% dos médicos atuam na docência.
Monitoria acadêmica: estratégia para promoção da carreira em ensino
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 20145, os cursos de Medicina devem desenvolver práticas como a monitoria para aproveitamento dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes. Ainda, de acordo com o Sistema de Acreditação de Escolas Médicas do Conselho Federal de Medicina6, um indicador de qualidade do programa educacional de um curso de Medicina é a “educação em saúde”, o qual é suficiente mediante oferecimento de atividades que capacitem o estudante para prática de educação de adultos, desenvolvam processos de educação em saúde, bem como permitam melhor compreensão do próprio processo de formação e apoiem a de outros profissionais.
Num sentido histórico, a primeira citação legal sobre a atividade de monitoria nas instituições de ensino superior se deu por meio da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 19687, a qual estabeleceu diretrizes de organização e funcionamento para a educação superior. Salienta-se o artigo 41, segundo o qual cabe às universidades “criar as funções de monitor para alunos do curso de graduação que se submeterem a provas específicas, nas quais demonstrem capacidade de desempenho em atividades técnico-didáticas de determinada disciplina”. O artigo determina ainda que as funções de monitor devem ser remuneradas e consideradas como título para o ingresso em carreira de magistério superior.
Posteriormente, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 19968, que instituiu as diretrizes e bases da educação nacional, manteve a menção à monitoria no artigo 84 de maneira mais ampla e como possibilidade e não obrigação das instituições, sendo expresso que “os discentes da educação superior poderão ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas respectivas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo com seu rendimento e seu plano de estudos”.
Conceitualmente, segundo Friedlander9, o monitor é “quem se aproxima de uma disciplina ou área de conhecimento para realizar pequenas tarefas ou trabalhos que contribuem para o ensino, a pesquisa ou [...] extensão [...] dessa disciplina”. No entanto, como explicitado por Botelho et al.10, há desinformação por parte da comunidade acadêmica sobre a definição de monitoria e quais são suas características.
A partir de Friedlander9, Botelho et al.10, Frison11 e Dantas12, pode-se definir a monitoria acadêmica como um programa com atividades - nos eixos de ensino (obrigatoriamente), pesquisa, extensão e/ou gestão - que ocorrem paralelamente à formação formal em espaços de sala de aula, laboratórios ou em campo com o intuito de introduzir um estudante à prática docente por meio de um trabalho conjunto entre docente(s) e discente(s) numa área temática específica com graus crescentes de autonomia e independência para planejar, executar e avaliar atividades educacionais que facilitem o processo de ensino e aprendizagem dos monitorados, e, assim, criar oportunidades para a descoberta da vocação ou início do interesse pela carreira docente, além de propiciar uma formação técnica, científica, didática, pedagógica e profissionalizante do monitor.
Contexto local e objetivo do estudo
A disciplina de Biologia Tecidual e do Desenvolvimento, vinculada ao Departamento de Morfologia e Fisiologia da Faculdade de Medicina do ABC - Centro Universitário FMABC, faz parte da matriz curricular obrigatória e é oferecida aos estudantes de Medicina durante o primeiro ano do curso. Seu conteúdo visa fornecer ao aluno fundamentos teóricos e práticos das bases morfofuncionais das células, dos tecidos, dos órgãos, dos sistemas e dos aparelhos para fundamentar o raciocínio clínico na prática médica.
Associada à disciplina, há a monitoria acadêmica de histologia a qual oferece vagas de monitor para os estudantes de Medicina a partir do segundo ano do curso desde que tenham cursado e sido aprovados na disciplina. Portanto, é uma oportunidade de os estudantes permanecerem em contato com a disciplina e, assim, fortalecerem seus conhecimentos básicos para serem aplicados na clínica médica e clínica cirúrgica.
A monitoria, no ano de 2020, foi construída pela docente responsável e por um monitor-sênior para compor um Programa de Introdução à Docência propriamente dito, com duração de dois semestres, oferecendo formação didático-pedagógica e profissionalizante, além das atividades tradicionalmente associadas ao ensino da disciplina.
O estudo teve por objetivo identificar as principais potencialidades e desafios da monitoria acadêmica na formação médica, sendo de extrema relevância promover estudos sobre a temática em razão de seu potencial de cumprir diretrizes curriculares, atingir indicadores de qualidade e, também, pela relação potencial com o estímulo para a carreira na educação médica.
MÉTODO
Desenho do estudo e aspectos éticos
Trata-se de um estudo observacional descritivo de abordagem qualitativa e quantitativa cuja amostra foi composta pelos 11 estudantes de Medicina que participaram da monitoria no ano letivo de 2020, entre os meses de março e novembro. Essa amostra corresponde a 100% dos estudantes vinculados ao programa de monitoria de histologia. Com o intuito de construir uma contextualização adequada, o estudo também contará com uma seção dedicada ao relato de experiência sobre a construção, a estrutura e o funcionamento do programa. A pesquisa só foi iniciada após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário FMABC, sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n° 31036920.7.0000.0082.
Coleta de dados
Para a obtenção dos dados, realizaram-se entrevistas semiestruturadas com os 11 participantes - as quais foram gravadas - ao término do programa de monitoria nos meses de novembro e dezembro de 2020. Primeiramente, explicou-se o conteúdo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que depois foi assinado por todos os participantes. O roteiro da entrevista visou explorar a vida pessoal e acadêmica do participante a fim de investigar os atributos e impactos específicos da monitoria, e então foram utilizados disparadores para reflexão conforme mostra o Quadro 1.
Domínio | Pergunta disparadora | Ordem de questionamento |
---|---|---|
Perfil individual | Por que você escolheu o curso de Medicina? | 1° |
O que o motivou a participar da monitoria? | 2° | |
Qual área entre ensino, pesquisa, extensão, gestão e assistência você pensa ser mais importante e por quê? | 10° | |
Percepção sobre a monitoria | Quais foram os principais desafios da monitoria? | 3° |
Como descreveria sua experiência, seja positiva ou negativa, com a monitoria? | 4° | |
Como a monitoria influenciou nas suas perspectivas sobre a sua carreira? | 11° | |
Se pudesse resumir toda sua experiência com a monitoria em uma palavra, qual seria? | 14° | |
Busca por distratores e vieses | Quais atividades você realizou dentro e fora da faculdade que mais influenciaram na sua formação? Quais você considera que são mais relevantes do que a monitoria? Por quê? | 5° |
Quais atividades foram mais relevantes na influência das suas perspectivas sobre a carreira? Por quê? | 12° | |
Quais são as pessoas que mais impactaram a sua formação até agora? Por quê? | 13° | |
Avaliação específica do curso de formação | As oficinas ministradas foram citadas para o participante indicar aquelas de que havia participado e/ou que tinha assistido à gravação. Buscou-se apenas considerar as oficinas imediatamente relembradas como realmente significativas para o participante. De que forma específica (cada uma das que participou) contribuíram para sua formação? | 6° |
Avaliação dos aprendizados e das perspectivas sobre educação médica | Quais aprendizados sobre educação médica foram mais significativos para você? Por quê? | 7° |
O que você considera que determina uma formação médica de qualidade? | 8° | |
O que faz um bom(boa) professor(a)? | 9° |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Análise dos dados
Na análise qualitativa dos dados, estruturaram-se, conforme Taquette13, as seguintes etapas: (1) Transcrição na íntegra das entrevistas de cada participante, (2) organização das transcrições relacionadas à mesma pergunta em documentos distintos, (3) transformação das ideias contidas no texto em códigos e (4) alocação dos códigos em categorias temáticas.
O processo de codificação foi realizado a partir de uma abordagem textual-discursiva, conforme desenvolvido por Moraes et al.14, para aprimorar a compreensão, construção e reconstrução das realidades expressas por meio da linguagem.
Ainda, com a intenção de eliminar fatores de confusão, conteúdos indicados direta ou indiretamente como não relacionados à experiência com a monitoria foram descartados para fins de análise na etapa 3. Aqueles conteúdos que estiveram presentes na experiência, mesmo que não exclusivos da monitoria, foram considerados durante a análise.
Também se realizou uma análise quantitativa dos dados, e os códigos identificados tiveram suas frequências relativas expressas em porcentagem em relação ao total de sua categoria determinada na etapa 4, sendo realizado o arredondamento para zero casas decimais. A frequência relativa dos códigos, dentro das categorias temáticas, foi calculada em relação ao número total de 11 participantes. Dessa forma, a intenção foi identificar o quão prevalente cada código esteve ao término do programa da monitoria, para determinar as principais oportunidades formativas e, também, os principais desafios.
Por fim, com o intuito de elaborar uma síntese geral sobre as questões associadas ao programa de monitoria, elaborou-se uma nuvem de palavras (Figura 1) utilizando a plataforma Mentimeter, a qual condiciona o tamanho e a localização das palavras de acordo com sua frequência, e as mais prevalentes ocupam posições centrais e possuem tamanhos maiores.
RESULTADOS
Construção, estrutura e funcionamento do programa
O processo seletivo para ingresso na monitoria foi realizado presencialmente em fevereiro de 2020, via edital público, e amplamente divulgado, com o principal objetivo de buscar um perfil de monitor comprometido, proativo, responsável, assíduo e interessado em trabalhar com estudantes e aprimorar sua formação. Assim, o processo baseou-se nas etapas e nos respectivos critérios elencados no Quadro 2; a carta de intenção e a entrevista foram privilegiadas, somando 50% da nota final, por permitirem identificar aspectos atitudinais e intenções de conhecer, experimentar ou vivenciar a prática docente. Selecionaram-se 11 estudantes de um total de 25 inscritos no processo, com taxa de aprovação de 44%.
Etapa | Peso | Descrição dos itens de avaliação |
---|---|---|
Carta de intenção | 25% | Desenvolvimento, argumentação e/ou reflexão acerca das motivações para querer ser monitor(a), bem com outras informações que o(a) participante julgasse relevante. |
Prova teórico-prática | 25% | Cinco minutos para descrição de cada lâmina, com registro de correlações funcionais, fisiopatológicas e clínicas. |
Histórico escolar | 12,5% | Média entre as notas finais de Biologia Tecidual I, Biologia Tecidual II, Biologia do Desenvolvimento e o Índice de Rendimento. |
Currículo Lattes | 12,5% | Apresentação coerente e foto, idiomas, eventos e atividades curriculares e extracurriculares nos eixos: ensino, pesquisa, extensão, gestão, assistência, esportivo, cultural e artístico. |
Entrevista | 25% | Arguição acerca das atividades desenvolvidas e currículo, disponibilidade, descrição pessoal em uma palavra e reflexão acerca do que faz um(a) bom(boa) monitor(a) |
*Bonificação de 10% para participantes bolsistas do ProUni ou Fies | ||
**Critérios eliminatórios: existência de reprovações e/ou disponibilidade insuficiente |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A monitoria foi organizada para ter sua coordenação executada pelo monitor-sênior (monitor em seu segundo ano de atuação que trabalhou em regime de estágio em ensino durante o projeto de pesquisa), sob orientação da docente responsável.
As atribuições dos envolvidos na monitoria estão dispostas a seguir:
Docente: orientação e supervisão do monitor-sênior e do programa de monitoria.
Monitor-sênior (carga horária de dez horas/semana): realização do processo seletivo, administração do Google Sala de Aula, elaboração do cronograma e controle de presenças, supervisão e realização de feedback destinado aos monitores durante as atividades, revisão e edição de materiais didáticos, realização das oficinas de formação docente e avaliação da monitoria.
Monitores (carga horária de duas horas/semana): participação nos plantões de dúvida, nas revisões, nos simulados e nas oficinas, e elaboração de materiais didáticos.
As atividades tiveram início em março com a apresentação do cronograma aos monitores e monitorados, mas ocorreram mudanças após duas semanas por conta das adaptações para o ambiente remoto. Em linhas gerais, no primeiro semestre, ocorreram plantões de dúvida assíncronos via e-mail/WhatsApp (semanalmente), estudos dirigidos com questões básico-clínicas (quinzenalmente), elaboração de um ou dois capítulos para a apostila didática da monitoria e revisão teórico-prática pré-provas. No segundo semestre, diante da avaliação realizada pelos monitorados e monitores, além do que já estava planejado, foram substituídos os plantões assíncronos por quatro períodos de uma hora de plantão síncrono (com um trio de monitores em cada horário) para revisões teórico-práticas e atendimento de dúvidas (semanalmente).
Ainda, todas as atividades síncronas contaram com a presença do monitor-sênior que buscou incentivar a reflexão - principalmente pelo questionamento15 das percepções dos próprios monitores - acerca dos aspectos positivos e questões a serem aprimoradas diante da prática de ensino. Assim, buscou-se garantir um feedback eficaz16, de modo a ser assertivo, respeitoso, descritivo, oportuno e específico para aproveitamento da associação entre as vivências didáticas, o repertório individual e o conhecimento agregado a partir das oficinas. Também, após a oficina de avaliação e o feedback ao final do programa, cada monitor escreveu um feedback individual para cada membro de seu trio e para o monitor-sênior.
Ademais, vale ressaltar que a estratégia para promover a adesão dos monitorados às atividades foi o acréscimo de meio ponto à média final da disciplina mediante participação em pelo menos 75% do programa da monitoria. E as presenças foram contabilizadas a partir da entrega dos estudos dirigidos, via Google Formulários, que tinham um prazo de cerca de uma semana e um gabarito comentado automático.
Especificamente, nas atividades síncronas, os monitores elaboraram apresentações em PowerPoint ou Google Slides com conteúdos teóricos e práticos construídos de maneira autoral e colaborativa com o restante do trio. Dentre as ferramentas digitais, a plataforma escolhida foi o Google Meet, além da utilização do Google Formulários, Kahoot, Mentimeter, Slido e Socrative para atividades interativas em grupos.
Ao longo do programa da monitoria, os monitores foram convidados a participar das oficinas com duração - em média - de uma a duas horas cada. Todas as oficinas foram síncronas e gravadas para posterior disponibilização de acesso aos que não puderam participar, bem como foi estipulado que a presença era facultativa e não se registrou lista de presença. Notadamente, as oficinas com maior adesão também foram citadas como as mais significativas.
Com a reestruturação da monitoria em 2020, apesar da pandemia de Covid-19, foi feito um esforço para preservar o objetivo de compor um programa de introdução à docência e estimular o desenvolvimento de competências para a educação na saúde. Afinal, docentes de Medicina possuem histórico de resistência à mudança17 a qual pode ser, potencialmente, mais bem contornada pela intervenção precoce nas concepções de profissionalização docente e pelo incentivo ao estudo do conhecimento pedagógico - escasso no perfil do docente de Medicina18.
A partir do diagrama dos papéis do professor de Medicina de Harden et al.19, desenharam-se atividades da monitoria para abranger os aspectos da práxis docente e as oficinas a fim de compor um aprofundamento crítico-reflexivo em relação às dimensões descritas a seguir.
Nas dimensões de ser facilitador e provedor de informações, foram conduzidas atividades de revisões e plantões síncronos e assíncronos. Para a dimensão de ser produtor de recursos educacionais, decidiu-se pela elaboração de slides e capítulos da apostila com, obrigatoriamente: teoria, ilustrações, correlações clínicas, questões orientadoras básico-clínicas e referências bibliográficas.
Adiante, na dimensão de ser planejador, as atividades resumiram-se a uma abordagem crítico-reflexiva por meio das oficinas de Educação Médica no Brasil e Desenhos Curriculares, bem como às exigências inerentes aos prazos acordados para funcionamento do programa. Já a dimensão de ser avaliador focalizou, principalmente, a avaliação do e para o aprendizado por meio da elaboração de questões básico-clínicas, além do oferecimento da oficina de avaliação e feedback, com execução do feedback entre pares.
Por fim, a dimensão de ser um role-model20 foi desenvolvida de maneira transversal em todo o programa com, potencialmente, maior ênfase nas formações de Currículo Lattes, carreira em medicina e desafios da docência. O Quadro 3 apresenta detalhadamente a ementa de cada oficina ministrada durante a monitoria.
Eixo | Título | Ementa |
---|---|---|
Didático-pedagógico | Desenhos curriculares: como é construído um currículo de Medicina? | (1) Organograma institucional; (2) Competências, conteúdos e disciplina; (3) Concepções e tipos de currículo; (4) Organização e níveis de integração curricular; (5) Diretrizes Curriculares Nacionais; (6) Documentos pedagógicos; (7) Taxonomia de Bloom; (8) Ensino baseado em competências |
Educação médica no Brasil: como é o jeitinho brasileiro? | (1) Linha do tempo internacional; (2) Organizações internacionais de educação médica; (3) Relatório Flexner e modelo biomédico; (4) Linha do tempo nacional; (5) Marcos das políticas educacionais e de saúde; (6) Evolução do número de escolas médicas; (7) Processo de privatização do ensino médico; (8) Órgãos brasileiros de educação e Sinaes; (9) Organizações nacionais de educação médica; (10) Processos de regulamentação e acreditação; (11) Teste do Progresso e Revalida | |
Metodologias ativas e tecnologias: elas são o futuro? | (1) Métodos tradicionais e inovadores; (2) Evidências sobre atenção e aprendizado; (3) Reflexões sobre resistência à mudança; (4) Metodologias ativas de ensino e aprendizagem; (5) Critérios de qualidade para o processo educacional; (6) Princípios da educação de adultos; (7) Team Based Learning; (8) Problem Based Learning; (9) Sala de Aula Invertida; (10) Gamificação; (11) Role Play e dramatização; (12) Ensino híbrido, a distância e remoto; (13) Potencialidades e desafios do uso de tecnologias; (14) Ferramentas digitais como recursos didáticos; (15) Teoria da Carga Cognitiva e flexibilização curricular | |
Avaliação e feedback: o que a prova prova? | (1) Objetivos da avaliação; (2) Modalidades de avaliação; (3) EPAs (atividades profissionais confiáveis); (4) Formas de feedback; (5) Características para efetividade do feedback; (6) Níveis de avaliação de programas educacionais | |
Desafios da docência: só precisa de didática? | (1) Papéis do professor de medicina; (2) Níveis de profissionalização docente; (3) Educação Baseada em Evidências; (4) Periódicos nacionais e internacionais em educação médica; (5) Elaboração de objetivos educacionais; (6) Elaboração de apresentações de slides; (7) Gerações e suas características; (8) Liderança e gestão na docência; (9) Responsabilidade social da docência e da escola médica; (10) Modelos/vínculos significativos de docentes | |
Técnico-profissionalizante | Currículo Lattes: como construir seu CV? | (1) Histórico e usos da Plataforma Lattes; (2) Formação continuada e profissionalismo; (3) Sistematização para atualização do currículo; (4) Método de armazenamento de comprovantes/certificados; (5) Múltiplas possibilidades de trajetória; (6) Aspectos éticos sobre veracidade do currículo |
Projeto de pesquisa: como elaborar e executar? | (1) Reflexões sobre o papel dos orientadores; (2) Delineamento metodológico e tipos de estudo; (3) Tópicos de um projeto de pesquisa; (4) Comitê de Ética e a Plataforma Brasil; (5) Aspectos éticos da pesquisa com seres humanos; (6) Financiamento e bolsas de pesquisa; (7) Redação de relatórios e prestação de contas; (8) Processo de oficialização da iniciação científica; (9) Apresentação e divulgação em eventos científicos; (10) Processo de escrita e revisão para publicação | |
Residência médica: um novo vestibular? | (1) Histórico, legislação e regulamentação; (2) Estatísticas e demografia médica; (3) Tipos de programa e bolsas; (4) Matriz de competência dos programas; (5) Fatores de escolha da especialidade; (6) Desmistificação de conceitos e pesos da seleção | |
Pós-graduação: trajetórias (im)possíveis? | (1) Objetivos educacionais da pós-graduação; (2) Pós-graduação lato sensu e suas características; (3) Pós-graduação stricto sensu e suas características; (4) Papel da Capes e critérios de avaliação da pós-graduação stricto sensu; (5) CNPq e Fapesp e critérios de financiamento; (6) Pesquisa das características e propostas dos programas; (7) Fatores influenciadores da escolha do programa; (8) Plataforma Sucupira e qualidade de programas e periódicos; (9) Etapas gerais do processo seletivo | |
Carreira em medicina: e quando eu formar? | (1) Fatores relacionados à escolha do curso de Medicina; (2) Profissões da área de saúde; (3) Lei do ato médico e nomenclatura oficial; (4) Possibilidades após a formatura; (5) Panorama e perspectivas do mercado de trabalho; (6) Marketing médico e questões éticas; (7) Networking médico e estratégias; (8) Reflexões acerca do filme Patch Adams (1998) |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Panorama geral
A distribuição por sexo masculino e feminino foi, respectivamente, de quatro (36%) e sete (64%). E a idade dos monitores variou de 19 a 23 anos; com média, moda e mediana de 21 anos. As entrevistas em conjunto somaram, aproximadamente, um tempo de dez horas de gravação e tiveram duração média de 55 minutos por participante, e a de menor duração e a de maior duração foram de, respectivamente, 25 e 83 minutos.
As quatro categorias construídas, após análise qualitativa, foram: (1) motivações para participação, (2) desafios enfrentados, (3) aprendizados desenvolvidos e (4) carreira docente.
Categorias temáticas
Na primeira categoria de “motivações para participação”, os principais códigos representantes das motivações para participar da monitoria foram currículo (64%), aprender conteúdo (55%), experiência de ensinar (45%), troca entre pares (45%), retribuição (45%), qualidade do programa (27%), gostar do tema (18%), amadurecer (18%) e trabalho em equipe (9%).
Já em “desafios enfrentados”, os principais foram associados a responsabilidade (100%), explicar conteúdo (91%), pandemia (91%), elaborar material didático (73%), dominar conteúdo (64%), segurança (64%), buscar informação (45%) e humildade (27%).
Em seguida, “aprendizados desenvolvidos” relacionaram-se principalmente com habilidades didáticas (64%), aprendizagem significativa (45%), metodologias de ensino (45%), humanização (36%), feedback (36%), desenho e integração curricular (36%), engajamento estudantil (36%), profissionalização (36%), segurança (27%), formação continuada (27%), comunidade de prática (18%) e habilidades de comunicação (18%).
Especificamente as oficinas proporcionaram, principalmente, a compreensão de metodologias e currículos (82%), uso do Lattes (73%), desenvolvimento da autonomia (73%), possibilidades de carreira (55%), consciência crítica (55%), estrutura da pesquisa (55%) e estrutura da residência (45%).
Por fim, na “carreira docente”, foi possível verificar que a monitoria influenciou no sentido de que todos mencionaram ao menos a consideração sobre seguir carreira docente, desde uma possibilidade até a certeza da escolha vocacional.
E, ainda, sobre a visão de um bom professor, elencaram-se as características de ser facilitador (100%), ter habilidades interpessoais (100%), preocupar-se com o aluno (100%), gostar de ensinar (64%), ser acessível (45%), ser especialista (36%), ser exemplo/modelo (27%), avaliador (27%) e planejador (27%). De maneira notável, foi levantado por alguns dos monitores o surgimento de um sentimento de autocrítica por julgarem estar reproduzindo práticas ou atitudes que não apreciavam e eram similares às de docentes com os quais conviveram.
Categoria | Códigos | Exemplos de fala |
---|---|---|
Motivações | Currículo | “[...] primeiro que a gente tem que fazer monitoria na graduação, todo mundo fala que conta pra currículo.” |
Aprender | “[...] rever conteúdos que ajudariam durante o ano.” | |
Experiência docente | “[...] gostei dessa parte de querer ensinar.” | |
Troca entre pares | “[...] ajudar os calouros de alguma forma.” | |
Desafios | Responsabilidade | “[...] responsabilidade de saber e dominar o conteúdo porque isso vai impactar nos alunos.” |
Resiliência e pandemia | “[...] ter que fazer coisas que não eram da proposta inicial, que não passamos por isso antes.” | |
Explicar conteúdo | “[...] responder dúvidas elaboradas dos alunos.” | |
Elaborar material didático | “[...] apostila foi um grande desafio, pegar um capítulo e resumir, me ajudou muito pra aprender.” | |
Aprendizados | Habilidades didáticas | “[...] fazer slides já me dá um gostinho da coisa e me mostra como melhorar.” |
Aprendizagem significativa | “[...] aprendi muito em relação à histologia [...] as coisas fizeram mais sentido, pouco que eu estudava, já aprendia muita coisa.” | |
Metodologias de ensino | “[...] momento que mais aprendi sobre metodologias ativas como o PBL.” | |
Oficinas | Metodologias e currículos | “Foi muito legal entender os vários tipos de metodologia ativa e entender outras faculdades, ver que tudo tem pontos positivos e negativos, entender nossa faculdade e o que temos, saber explicar pra amigos que perguntam sobre as diferenças entre cursos.” |
Uso do Lattes | “[...] foi muito importante para ver cedo e me preparar antes, organizar os certificados.” | |
Carreiras possíveis | “[...] pós foi realmente uma aula, pra ter noção, não sabia de nada [...] visualizar todas as possibilidades.” | |
Estrutura da pesquisa | “[...] aspectos de metodologia e entender a estrutura em si.” | |
Bom professor | Facilitador | “[...] saber filtrar para o público.” |
Habilidades interpessoais | “[...] ser humano, compreender.” | |
Preocupar-se com o aluno | “[...] passar conhecimento se preocupando com o aluno [...] ver o aluno como protagonista.” | |
Gostar de ensinar | “[...] gostar da profissão, gostar de fazer aquilo.” | |
Ser acessível | “[...] aberto para dúvidas [...] se fazer disponível.” | |
Especialista | “[...] alguém que sabe do que está falando.” | |
Avaliador | “[...] saber avaliar de formas diferentes.” | |
Planejador | “[...] planejar uma aula [...] trazer abordagens diferentes e personalizar a aula todo ano.” |
Fonte: Elaborado pelos autores.
DISCUSSÃO
Potencialidades da monitoria
Como síntese da experiência com o presente programa e em sintonia com a literatura - especialmente a revisão de Botelho et al.10 -, os principais ganhos de uma monitoria para a formação dos monitores são aprendizado teórico, desenvolvimento das relações interpessoais, habilidades docentes, desenvolvimento da autonomia e interesse pela carreira docente.
Em um estudo de Natário et al.21, também foram relatados os benefícios de uma experiência com encontros de formação, os quais se mostraram essenciais para o caráter profissionalizante, e garantia de maior rigor técnico-científico na formação desses docentes em potencial. O estudo também apontou que a participação na monitoria por parte de estudantes da área da saúde é imprescindível na apresentação da possibilidade de carreira docente e, principalmente, no esclarecimento para quem já possui interesse.
Além disso, a participação aprimora a percepção do papel da docência, proporciona uma aprendizagem mais significativa por atividades de natureza ativa, com presença de feedback imediato, confere maior compreensão ao processo de aprendizagem e promove relações entre monitor e monitorado por meio de apoio emocional e motivacional21.
Ainda, Menezes22, em estudo sobre ensino entre pares nos moldes da monitoria, avalia que os monitores buscam a experiência para consolidar conhecimento na área, valorizam mais as funções docentes de ser provedor de informações e facilitador, adquirem maior domínio sobre técnicas de ensino e ferramentas on-line, além de associarem a experiência de ser monitor com melhor desempenho acadêmico.
Por fim, vale ressaltar que, além da monitoria, as iniciativas de formação para a docência em modalidades diferentes são fundamentais tanto na graduação, como demonstrado por Caramori et al.23),(24 que desenvolveram oficinas formativas, quanto na residência médica, cujo papel é envolver especialistas em formação com práticas estruturadas de ensino na saúde, como mencionado por Feijó et al.25),(26.
Desafios da monitoria
Entre os principais desafios elencados, estão a baixa procura da monitoria pelos monitorados, não clareza do papel do monitor, a insegurança e pouca experiência, e a organização dos horários10. Ademais, há o desejo de participação nas monitorias por questões de composição curricular e processos seletivos de residência médica, o que acaba constituindo uma das principais fontes de interesse e dificulta a execução da finalidade do programa em introduzir os participantes nas atividades docentes.
Diante da multiplicidade de papéis assumidos pelo monitor nos relatos da literatura, vale o apontamento de que esse processo engloba - em diferentes proporções - atividades de ensino, pesquisa, extensão, gestão e assistência10),(21),(26, e não há consenso sobre a composição adequada do escopo para uma monitoria.
E, como também apontam Botelho et al.10 e Natário et al.21, existe uma evidente escassez de estudos acerca de monitorias, sendo notável a falta de clareza em relação aos critérios para desenvolver um programa de monitoria e o papel de docentes e monitores. Além disso, não há consenso acerca de dimensões e indicadores para avaliar a qualidade de um programa de monitoria.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A principal limitação do estudo foi o desenho da coleta de dados em caráter transversal que prejudicou a análise dos ganhos obtidos com a monitoria ao longo do processo. São necessários mais estudos, considerando diferentes áreas básicas e clínicas, sobre o impacto de atividades da monitoria na formação, bem como para caracterização dos critérios necessários para a construção do programa como processo de introdução à docência.
Em síntese, a monitoria acadêmica - associada à formação em educação na saúde - é uma prática didático-pedagógica capaz de estimular o interesse e a profissionalização da carreira de educador e constitui - de maneira análoga ao aprendizado em serviço - um padrão ouro de formação docente para graduandos.
Portanto, deve ser incentivada pelas políticas dos órgãos competentes e das escolas médicas com o objetivo de qualificar futuros profissionais que atuarão como docentes, preceptores, tutores e médicos comprometidos com educação em saúde na comunidade.
De acordo com Rubem Alves27: “Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais […]”.