INTRODUÇÃO
Na década de 1980, os pioneiros da simulação médica desenvolveram ambientes de simulação imersivos nos quais os profissionais podiam interagir com o simulador do paciente e o ambiente clínico, permitindo aos formandos resolverem problemas clínicos em tempo real. Até então, a técnica de simulação estava restrita às indústrias de alto risco, principalmente à aviação1. Desde então, a simulação ganhou atenção significante e foi amplamente adotada como ferramenta de treinamento e avaliação na educação médica2.
Historicamente, os residentes de pediatria adquiriram experiência em reanimação e procedimentos técnicos em contato direto com pacientes à beira do leito em prontos-socorros, unidades de terapia intensiva ou enfermarias hospitalares3. Porém, considerando as mudanças ao longo do tempo, como a diminuição da carga horária dos residentes e o aumento do comprometimento com a segurança do paciente, houve um fortalecimento do uso da simulação realística. Em pediatria, a simulação realística é particularmente valiosa, uma vez que eventos agudos graves ocorrem com baixa frequência. Consequentemente, estudantes e residentes ficam menos expostos ao treinamento nessas situações clínicas2),(5),(6. Evidências substanciais sugerem que a simulação melhora o desempenho e o manejo da equipe em situações de reanimação e trauma2.
A fidelidade da Simulação Realística pode ser dividida em baixa, média e alta - quanto mais semelhante às situações da vida real, mais precisa é a simulação 6),(7. A Simulação Realística de Alta Fidelidade (SRAF) incorpora um simulador computadorizado de corpo inteiro que pode ser programado para fornecer uma resposta fisiológica real às ações dos alunos8. De acordo com Cheng, a SRAF tem uma grande vantagem sobre a baixa e média fidelidade porque pode mostrar achados físicos e respostas fisiológicas precisas. Ainda assim, tem como desvantagem o alto custo, que muitas vezes impede a sua implementação9.
A simulação realística pode ser dividida em quatro momentos: a criação do cenário com objetivos bem definidos e viáveis; o briefing , momento de familiarização dos alunos com o simulador e o cenário; o cenário simulado, quando o aluno desempenha o papel de profissional de saúde prestando atendimento ao paciente; e, por fim, o debriefing , que no contexto educacional baseia-se no aprendizado gerado pela reflexão dos alunos, individualmente ou em grupo, sobre o desempenho após determinada tarefa. Assim, o debriefing poderia ser melhor entendido como “reflexão pós-experiência”10)-(12.
Nem todo cenário simulado é seguido de debriefing. Porém, sabe-se que a realização dessa etapa torna a aprendizagem mais significativa. Essa estratégia de ensino pode gerar engajamento e motivação dos alunos, pois muitas vezes eles se sentem desafiados e incentivados, conhecem seus limites e buscam melhorar. Durante o debriefing, o aluno analisa seu desempenho, o que pode gerar um gatilho a ser superado no cenário simulado seguinte13.
Alguns estudos sugerem que a satisfação dos estudantes com o uso da simulação realística tem se mostrado elevada quando comparada a outras metodologias de ensino, como a discussão de casos clínicos4),(14),(15.
Esse estudo tem como objetivo descrever a percepção do aluno quanto à utilização da Simulação Realística de Alta Fidelidade (SRAF) e da Discussão Estruturada de Casos Clínicos (DCC) no módulo de emergência pediátrica durante o estágio pediátrico. Ambas são metodologias ativas que surgiram como alternativa ao ensino tradicional e visam colaborar para a formação de profissionais capazes de promover a agregação de conhecimento e sua aplicabilidade tanto aos menores quanto aos mais complexos problemas. Estão centradas no aluno, que é o sujeito ativo do processo de aprendizagem, para uma formação crítica, eficaz e colaborativa16.
MÉTODOS
Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição participante (CAAE: nº 83366618.1.00005245). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes de serem incluídos no estudo.
Desenho e localização do estudo
Trata-se de um estudo descritivo, transversal, com abordagem quantitativa e qualitativa dos dados obtidos através de questionário aplicado aos alunos do 6º ano do curso de medicina. Esses alunos estavam cursando os módulos de emergência pediátrica durante o Internato Pediátrico, de agosto a dezembro de 2020, na Faculdade de Medicina de um Centro Universitário do estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Participantes e procedimentos do estudo
O estudo contou com 33 alunos que participaram de dois módulos idênticos no segundo semestre de 2020: 23 alunos de agosto a outubro e dez de outubro a dezembro. Os módulos do estudo foram adaptados para abordar 14 temas de emergência pediátrica por módulo, utilizando SRAF e DCC. Os alunos de cada módulo foram divididos em dois grupos. Os primeiros sete tópicos foram abordados como simulação realística para o grupo A e como discussão de caso para o grupo B. Na abordagem dos sete tópicos seguintes, a metodologia foi invertida entre os grupos para que todos os alunos tivessem a oportunidade de vivenciar os dois métodos ao longo do módulo .
Atividade de simulação de alta fidelidade
A equipe pediátrica do SRAF é composta por oito professores com experiência em emergências pediátricas: um professor com doutorado, quatro com mestrado e três pediatras especializados. O laboratório de simulação realística possui área física de 400 m2, com consultórios e salas de treinamento de emergência (pediatria, obstetrícia, clínica e cirúrgica), vidro unidirecional para observação simultânea, sala de treinamento em atendimento domiciliar, sala de treinamento em semiologia e duas salas para debriefing. Para pediatria, possui dois simuladores integrados considerados de alta fidelidade (Baby Sim e PediaSim, Civiam). Todos os cenários simulados utilizaram um desses dois simuladores.
O laboratório de simulação realística e os simuladores foram apresentados aos alunos pelos professores, destacando o potencial do equipamento. Participaram grupos de 6 a 8 alunos em cada cenário simulado: dois alunos como equipe médica, um designado como líder, outro como parte da equipe e os demais como observadores. Antes de iniciar cada cenário simulado, foi realizado um briefing do cenário para definir o ambiente do aluno. Três instrutores participaram de todas as atividades de simulação, sendo dois atuando como enfermeiro ou acompanhante da criança atendida, e o terceiro na sala de controle do simulador, atrás do vidro unidirecional, direcionando as respostas fisiológicas do simulador de acordo com as decisões tomadas pelos alunos, além de responder algumas dúvidas sobre reações que o simulador não mostrou através de áudio, como mudanças na cor da pele, por exemplo. As atividades de simulação duraram cerca de 60 minutos: o briefing cerca de 2 minutos; o cenário simulado cerca de 15 a 20 minutos, e o debriefing cerca de 35 a 40 minutos. O debriefing foi realizado com todos os participantes (ativos e observadores) para discussão do desempenho do aluno, divulgação de dúvidas, citação dos pontos positivos e pontos a serem melhorados, além de discussão do tema. O debriefing foi considerado uma fase fundamental da simulação realística para consolidar a aprendizagem e adquirir as competências desejadas.
Discussão estruturada da atividade de casos clínicos
Os casos clínicos foram apresentados através da divulgação de imagens em slides, seguido de discussão com a participação ativa dos alunos para resolução dos problemas propostos. As discussões dos casos tiveram duração de 60 minutos para cada caso clínico, e foi utilizada uma estratégia gamificada (metodologia pedagógica baseada em jogos). Nessa estratégia, os alunos foram divididos aleatoriamente em dois grupos para resolução dos casos clínicos. Ao final do tempo previsto, cada grupo apresentou suas respostas, estabelecendo assim uma competição saudável e que gerou motivação nos alunos.
Tópicos abordados
Os seguintes tópicos foram abordados em cada módulo 1) Bebê com sibilância; 2) Choque hipovolêmico; 3) Choque séptico de foco pulmonar; 4) Anafilaxia por picada de inseto em paciente escolar; 5) Hipoglicemia neonatal; 6) Crise convulsiva febril; 7) Intoxicação exógena por organofosforados; 8) Asma; 9) Hipoglicemia em paciente escolar; 10) Laringite estridulosa; 11) Anafilaxia em lactentes; 12) Acidente por picada de cobra; 13) Meningite bacteriana aguda; 14) Intoxicação por benzodiazepínicos. Os primeiros sete tópicos foram abordados como SRAF para o grupo A e DCC para o grupo B. Nos sete tópicos seguintes, os grupos mudaram o tipo de treinamento (DCC para o grupo A e SRAF para o grupo B).
Instrumento de coleta de dados
Foi criado um questionário semiestruturado para ser preenchido anonimamente pelos alunos ao final de cada módulo para avaliar suas reações. Esse instrumento foi elaborado por professores pediátricos habituados à prática da SRAF e da DCC. Ele era composto por 11 questões abertas, sete questões de múltipla escolha e 19 questões com respostas do tipo Likert em cinco níveis (concordo totalmente, concordo, não sei, discordo e discordo totalmente), além de uma avaliação sociodemográfica questionário, que incluía questões objetivas como idade, sexo, período de graduação, cursos anteriores, exposição anterior à simulação realística, além de questões sobre a percepção do aluno sobre as metodologias de ensino. Dentre os itens abordados, destacaram-se a contribuição da SRAF para a segurança dos alunos (autoconfiança), o grau de relevância dos temas abordados, a avaliação da infraestrutura do laboratório de simulação realística, a qualidade do simulador, itens sobre o debriefing (sentir-se confortável para apresentar questões, a ligação entre simulação e vida real, reflexão sobre aspectos comportamentais) e questões comparando a atividade de SRAF com DCC. As questões abertas tratavam, por exemplo, de citar pontos fracos e fortes relacionados à SRAF, elencar os temas abordados mais relevantes e disponibilizar espaço para relatar a experiência do aluno. (Arquivo adicional disponível em: https://assets.researchsquare.com/files/rs-2143045/v1/a1c9b7ccb103260ed3cce3ba.docx).
Análise de dados
Na análise quantitativa, as variáveis categóricas foram descritas como porcentagens e as variáveis contínuas como médias e desvios-padrão ou medianas e intervalos interquartis, de acordo com sua distribuição. As respostas do tipo Likert foram mostradas como porcentagens. Para a análise qualitativa, foi utilizado o método de análise de conteúdo descrito por Laurence Bardin, seguindo três etapas: organização do conteúdo em planilhas Excel, codificação e categorização17. Após a pré-análise com leitura flutuante, o material foi explorado para categorização dos discursos. As unidades de registro utilizadas neste estudo foram as características do método de simulação realística atribuídas pelos alunos.
RESULTADOS
Todos os 33 alunos concordaram em participar do estudo, mas quatro (12,1%) foram excluídos por não preencherem o questionário ao final do módulo, restando 29 alunos para a análise final dos dados. Dos participantes, 17 (58,6%) eram do sexo feminino, a média de idade foi de 24 ± 1,8 anos, todos cursavam o 6º ano do curso de medicina, 18 (62,1%) nunca haviam participado de atividade de simulação realística e 16 (55,2%) consideraram o cenário simulado a etapa mais valiosa para a aprendizagem em comparação às fases de briefing e debriefing.
Em relação à atividade de simulação realística, o percentual de alunos que responderam positivamente (concordaram fortemente ou concordaram) às afirmações que refletiam os benefícios do método variou de 86 a 100%. Quanto ao debriefing, esse percentual variou de 93 a 100% dos alunos (Tabela 1).
Considerações sobre a atividade de simulação | Discordo totalmente | Discordo | Concordo | Concordo totalmente | Não sei |
---|---|---|---|---|---|
Você acha que a simulação realística o ajudará a agir com mais segurança ao lidar com situações de emergência pediátrica? | 0 | 0 | 3 (11%) | 26 (89%) | 0 |
Você acha que a simulação realística em pediatria deveria ser introduzida mais cedo no currículo? | 2 (7%) | 2 (7%) | 10 (34,5%) | 15 (51,7%) | 0 |
Você achou a infraestrutura do laboratório de simulação adequada? | 0 | 0 | 11 (38%) | 18 (62%) | 0 |
A qualidade do simulador (robô) utilizado na atividade atendeu às suas expectativas? | 0 | 0 | 16 (55%) | 13 (45%) | 0 |
Você estudou o tema discutido antes de participar da simulação? | 0 | 14 (48,3%) | 10 (34,5%) | 5 (17,2%) | 0 |
Você estudou o tema abordado após sua participação na simulação? | 1 (3,5%) | 0 | 18 (62%) | 10 (34,5%) | 0 |
Os temas abordados durante o módulo, tanto na simulação realística quanto na discussão de casos clínicos, foram relevantes para a sua formação como clínico geral? | 0 | 0 | 3 (10,3%) | 26 (89,7%) | 0 |
Considerações sobre o debriefing | Discordo totalmente | Discordo | Concordo | Concordo totalmente | Não sei |
Você se sentiu confortável em expor suas dúvidas durante os debriefings? | 0 | 0 | 7 (24,2%) | 22 (75,8%) | 0 |
Os debriefings ajudaram você a fazer conexões entre a teoria e situações médicas reais? | 1 (3,5%) | 0 | 5 (17,2%) | 23 (79,3%) | 0 |
Os debriefings proporcionaram-lhe oportunidades de aprendizagem? | 0 | 1 (3,5%) | 3 (10,3%) | 25 (86,2%) | 0 |
Os debriefings ajudaram você a esclarecer suas dúvidas? | 0 | 0 | 4 (13,8%) | 25 (86,2%) | 0 |
Os debriefings forneceram um meio para você refletir sobre suas ações durante a simulação? | 1 (3,5%) | 0 | 3 (10,3%) | 25 (86,2%) | 0 |
O professor realizou uma avaliação construtiva durante a sessão de debriefing? | 1 (3,5%) | 0 | 7 (24,2%) | 21 (72,3%) | 0 |
O professor reforçou aspectos comportamentais/atitudinais da equipe de saúde? | 0 | 0 | 7 (24,2%) | 22 (75,8%) | 0 |
Ao final dos debriefings, o professor recomendou leitura sobre o tema abordado? | 1 (3,5%) | 1 (3,5%) | 11 (38%) | 16 (55%) | 0 |
O formato de abordagem (simulação + discussão) dos temas utilizados nesse módulo foi benéfico? | 0 | 1 (3,5%) | 3 (10,3%) | 25 (86,2%) | 0 |
SRAF - Simulação de Alta Fidelidade
Fonte: Questionário elaborado pela equipe de pesquisa
Os temas considerados mais relevantes para o aprendizado foram anafilaxia (31%), choque séptico (27,5%), meningite (10,3%) e desidratação (10,4%). A experiência em atividades de simulação realística foi avaliada como excelente por 22 alunos (75,9%) e boa por sete (24,1%). Por outro lado, o desempenho nas atividades foi classificado como excelente por sete alunos (24,1%), bom por 20 (69,0%) e ruim por dois (6,9%).
Em relação à DCC, 55,2% dos alunos relataram uma contribuição semelhante à simulação realística para a aprendizagem, 34,5% relataram uma contribuição menor e 10% relataram uma contribuição maior. Em comparação com a aprendizagem baseada em palestras, 62% responderam que a DCC deu uma contribuição maior. Todos os alunos relataram gostar das atividades de DCC e 96% escolheram a associação da SRAF com a DCC como o melhor método de ensino para o módulo de emergência pediátrica (Tabela 2).
Contribuiu menos | Contribuiu tanto quanto | Contribuiu mais | |
---|---|---|---|
As atividades de DCC em comparação com as aulas tradicionais | 1 (3,5%) | 10 (34,5%) | 18 (62%) |
As atividades de DCC em comparação com as atividades de SRAF | 10 (34,5%) | 16 (55,2%) | 3 (10,3%) |
Gostaria de ter menos | Adequado | Gostaria de ter mais | |
O número de temas abordados durante o módulo, tanto na SRAF quanto na DCC, foi adequada para a sua formação como clínico geral? | 0 | 17 (58,6%) | 12 (41,4%) |
Fonte: Questionário elaborado pela equipe de pesquisa
Sobre o número de temas abordados por ambos os métodos durante o módulo, 17 alunos (58,6%) concordaram que era adequado para sua formação como clínico geral. Em contrapartida, 12 (41,4%) responderam que gostariam de ter sido expostos a mais temas (Tabela 2).
Análise qualitativa da experiência com simulação realista
Após a pré-análise com leitura flutuante e exploração do material dos campos para escrita livre, os relatos dos alunos foram divididos em cinco categorias: processo ensino-aprendizagem, contribuição para a formação profissional, competências, atitudes/comportamento e qualidade da atividade do ponto de vista do aluno.
Categoria 1 - Processo de ensino-aprendizagem
Sobre o processo de ensino-aprendizagem, ficou evidente nos relatos dos alunos o reconhecimento da SRAF como uma estratégia de ensino que contribui para uma aprendizagem significativa, o que pode ser observado nos exemplos dos trechos a seguir:
“Gostei das simulações e da forma como foram realizadas, tive experiência de simulação em outras disciplinas, e essa foi a que senti melhor evolução. Me senti em um cenário muito realista; as discussões foram enriquecedoras. Ficar em outra sala como observador com outros colegas e poder discutir as dúvidas que surgiram torna o aprendizado muito mais enriquecedor” (Sujeito 16).
“As simulações contribuíram significativamente para meu aprendizado e me fizeram adquirir maior segurança para atuar nos cenários abordados” (Sujeito 8)
“O salto de aprendizagem foi gigantesco. Minha experiência foi essencial para saber lidar na vida real” (Sujeito 12)
Outra característica frequentemente citada pelos estudantes foi a integração da teoria com a prática, o que representa um grande desafio para a formação médica.
“Oportunidade de aplicar de forma mais prática o que é lido, considerando que percebi as diferentes dinâmicas entre os participantes” (Sujeito 19)
“Pude me sentir como se estivesse em um serviço da vida real” (Sujeito 14)
“Integra o estudo teórico com a prática” (Sujeito 27)
A sistematização do atendimento de emergência esteve presente em 14 dos 29 relatos dos estudantes como um ganho na abordagem do paciente pediátrico após exposição à simulação realística. O relato abaixo é um exemplo de aluno que apontou a sistematização como ponto forte adquirido durante a prática da simulação realística:
“Gostei. Ajuda muito a planejar um atendimento de emergência, e esse é o nosso primeiro contato com a área da pediatria” (Sujeito 2)
“Esse é um cenário muito produtivo, com ganho exponencial e visível de conhecimento específico e capacidade de sistematização da avaliação de emergência pediátrica” (Sujeito 21)
No discurso espontâneo de três estudantes, a simulação realística foi citada como estratégia de ensino que gera motivação para estudar. Adicionalmente, no questionário estruturado tipo Likert, percebemos que a maioria (96%) respondeu positivamente à afirmação de ter estudado o tema temático após a atividade de simulação realística.
“Pude perceber como estava progredindo com a passagem dos simulados e isso me deu segurança e mais estímulo para estudar” (Sujeito 25)
“Estímulo para estudar após os cenários” (Sujeito 23)
No questionário estruturado, todos os alunos concordaram que a infraestrutura do laboratório de simulação realística e a qualidade do simulador eram adequadas para as atividades ali realizadas. Quanto ao papel dos instrutores envolvidos na SRAF, 96% concordaram que receberam um feedback construtivo durante o debriefing, 93% afirmaram que os professores recomendaram leituras complementares após a atividade de simulação e 100% concordaram que reforçaram aspectos comportamentais/atitudinais. Nos relatos nos campos abertos do questionário encontramos discursos que corroboram essas estimativas.
“Os professores são bem preparados na hora da prática e não nos apressam em nossa conduta” (Sujeito 9)
“Excelentes equipamentos e infraestrutura durante a simulação” (Sujeito 5)
Quanto à relevância dos temas abordados durante a atividade da SRAF, alguns relatos revelam a satisfação dos alunos com os temas, como os seguintes:
“O primeiro contato com esses temas foi ótimo. Acredito que sejam extremamente relevantes para a nossa formação e tenho aprendido muito” (Sujeito 7)
“Gostei. Ajuda muito no planejamento de um atendimento de emergência, e esse é o nosso primeiro contato com a área da pediatria. Alguns temas foram essenciais para maior segurança pessoal” (Sujeito 2)
Os discursos sobre o processo de ensino-aprendizagem estão resumidos abaixo (Tabela 3).
Unidade temáticas | Número de citações | Exemplos |
---|---|---|
Aprendizagem significativa | 13 | “As simulações contribuíram significativamente para meu aprendizado e me fizeram adquirir maior segurança para atuar nos cenários abordados” |
Integração da teoria e prática - aplicabilidade | 11 | “Foi uma experiência muito boa e pude colocar em prática assuntos discutidos na teoria.” |
Sistematização do atendimento | 14 | “O método ABCDE foi muito bem trabalhado, desenvolvido e consolidado. Aprendemos a agir rapidamente quando necessário” |
Motivação para estudar | 3 | “Pude perceber quanto avanço foi feito à medida que os simulados foram passando e isso me deu segurança e mais estímulo para estudar.” |
Infra estrutura | 1 | “Excelentes equipamentos e infraestrutura durante a simulação” |
“Eu senti como se estivesse em um cenário muito realista da vida real.” | ||
Qualificação dos professores | 1 | “Os professores são bem preparados na hora dos treinos e não nos apressam em nossas condutas” |
Tópicos relevantes | 5 | “O primeiro contato com esses temas foi ótimo. Acredito que sejam extremamente relevantes para a nossa formação e tenho aprendido muito.” |
Fonte: Questionário elaborado pela equipe de pesquisa.
Categoria 2 - Contribuição para a formação profissional
Quanto à contribuição para a formação profissional, ficou evidente no discurso dos estudantes que a simulação realística proporcionou crescimento profissional e autoconfiança dos estudantes na prática de emergências pediátricas. (Tabela 4)
“Senti que estava dando mais um passo na minha formação como futuro clínico geral. Com um pouco mais de segurança para lidar com pacientes pediátricos, mas claro, ainda há muito espaço para crescer” (Sujeito 14)
Unidades temáticas | Número de citações | Exemplos |
---|---|---|
Autoconfiança | 9 | “As simulações contribuíram significativamente para meu aprendizado e me fizeram adquirir maior segurança para atuar nos cenários abordados” |
Crescimento profissional | 9 | “Senti-me dando mais um passo na minha formação como futuro clínico geral.” |
Segurança do paciente | 2 | “Oportunidade de cometer erros sem prejudicar efetivamente a vida de alguém.” |
Importante para a formação | 2 | “Muito importante para minha formação, acredito que estou mais preparado para a prática médica depois de passar por esse cenário.” |
Fonte: Questionário elaborado pela equipe de pesquisa.
Dos 29 estudantes, nove inferiram que a simulação realística impactou positivamente no seu crescimento profissional, e oito relataram aumento de confiança para atuar como médicos em emergências pediátricas. No questionário estruturado, 26 (89,7%) concordaram totalmente que a simulação realística os ajudaria a trabalhar com mais segurança diante de emergências pediátricas.
Categoria 3 - Habilidades, Atitude e Comportamento
Ao realizarmos a leitura flutuante e explorarmos o material dos campos abertos de respostas aos questionários, observamos algumas citações sobre o efeito positivo da SRAF nas habilidades, no comportamento e na atitude. Entre os 29 participantes, 12 abordaram melhoras de atitude e comportamento, como comunicação e trabalho em equipe. Os participantes relataram:
“Saber definir as prioridades no atendimento, abordagens terapêuticas, melhora de comportamento e também resolutividade diante do paciente pediátrico crítico” (Sujeito 10)
“Tranquilidade, postura na comunicação com o familiar e avaliação do ABCDE” (Sujeito 11)
“Pude notar uma grande evolução de aprendizado e até de postura a cada atividade” (Sujeito 17)
“Discussão sobre postura e comportamento” (Sujeito 16)
“Tranquilidade, postura na comunicação com o familiar” (Sujeito 11)
Categoria 4 - Qualidade da atividade
A satisfação dos estudantes foi evidente nas respostas de campo aberto, não havendo relatos adversos sobre o método (Tabela 5). Esses relatos seguem a mesma percepção nas respostas do tipo Likert ao questionário estruturado, em que 76% dos alunos classificaram a experiência como excelente e 24% como boa.
Foi o melhor cenário do módulo, na minha opinião, e uma das experiências mais legais de todo o período. Pude perceber o quanto progredi com a passagem dos simulados e isso me deu segurança e mais estímulo para estudar” (Sujeito 25)
Qualidade da atividade | Número de citações | Exemplos |
---|---|---|
Muito bom | 11 | “Experiência de aprendizagem muito boa e eficiente” |
Excelente | 4 | “A experiência que tive foi muito boa, desde a realização das atividades na simulação sendo médica ativa quanto as discussões. Aprendi a planejar mentalmente um exame mais direcionado e uma intervenção precoce. Adorei a experiência” |
Melhor cenário | 1 | “Foi o melhor cenário do módulo, na minha opinião, e uma das experiências mais legais de todo o período. Pude perceber como estava progredindo com a passagem dos simulados e isso me deu segurança e mais estímulo para estudar.” |
Produtivo | 4 | “Este é um cenário muito produtivo, com ganho exponencial e visível de conhecimento específico e capacidade de sistematização da avaliação de emergência pediátrica”. |
Interessante | 1 | “Achei muito interessante; aprendi muito.” |
Válido | 1 | “O salto de conhecimento foi gigantesco. Minha experiência foi essencial para saber lidar com cenários da vida real.” |
Fonte: Questionário elaborado pela equipe de pesquisa.
DISCUSSÃO
Os estudantes de medicina participantes desse estudo demonstraram que as atividades de simulação realística contribuíram positivamente para sua formação como clínicos gerais e para sua atuação mais segura em emergências pediátricas. A maioria dos estudantes considerou a experiência ótima e afirmou que a associação da SRAF com a DCC é a melhor forma de abordar questões de emergência pediátrica.
O elemento-chave no ensino clínico é o paciente. Pacientes simulados, manequins de pacientes e pacientes virtuais têm sido cada vez mais utilizados na formação médica para complementar as experiências dos alunos com pacientes reais. Atualmente, a simulação é elemento essencial e não opcional na grade curricular da graduação médica. É uma estratégia de ensino que engloba não apenas habilidades técnicas, mas também gerenciamento de crises, liderança, trabalho em equipe e raciocínio clínico que não envolvam danos ao paciente verdadeiro. A implementação de um currículo baseado em simulação dentro de um internato de pediatria pode resultar em maiores escores de conhecimento e levar a melhoras no desempenho clínico do estudante de medicina durante o internato18.
Ressalta-se que os resultados captados por este questionário compreenderam a percepção do aluno sobre os efeitos da simulação realística e foram respaldados pelas premissas de aprendizagem nas quais essa metodologia se baseia. Um dos eixos da Simulação Realística destacado pelos participantes deste estudo foi a integração entre teoria e prática. Vincular a teoria à prática é um objetivo vital para os alunos. Metodologias ativas, como a simulação, melhoraram a capacidade dos alunos de pensar criticamente, sintetizar conteúdos e praticar habilidades simples e complexas em ambientes seguros19.
Muitos alunos relataram que a oportunidade de aprender e praticar a sistematização do atendimento de emergência pediátrica foi um dos destaques da prática de simulação. Essa é uma informação relevante porque segundo a Diretriz da American Heart Association, amplamente utilizada no atendimento de emergência pediátrica, a abordagem inicial do paciente na sala de emergência deve ser sistematizada de acordo com protocolos atualizados. Assim, ensinar a sistematização do atendimento de emergência pediátrica durante a graduação pode representar a diferença entre a vida e a morte de um bebê ou criança em situação de risco de morte20.
O crescimento profissional, a aquisição de competências e a melhora da autoconfiança mencionados pela maioria dos estudantes são objetivos da simulação realística. A autoconfiança é a percepção da pessoa sobre sua capacidade de realizar algo, ou seja, a crença das pessoas em organizar e executar cursos de ação para alcançar um determinado resultado. As pessoas mobilizam aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais para uma determinada ação se acreditarem que podem realizá-la. Reações adversas ou desanimadoras podem eliminar a crença na autoeficácia21. De acordo com Coolen, 2010, um programa pediátrico interativo no reconhecimento e manejo de crianças gravemente doentes afeta positivamente a autoconfiança nas habilidades de reanimação em crianças e adultos22.
As respostas dos alunos também demonstraram aumento da motivação para estudar após vivenciarem cenários simulados. Esses dados vão ao encontro das referências da literatura de que a simulação pode levar ao engajamento e motivação do aluno, pois muitas vezes o aluno se sente desafiado e incentivado, conhece seus limites até então e busca aprimoramento13.
A infraestrutura e formação profissional são pontos-chave para o sucesso no processo de ensino-aprendizagem. Essas tornam-se ainda mais importantes na SRAF por se tratar de uma técnica de ensino com tecnologia associada23. A opinião positiva dos estudantes sobre esses dois aspectos ficou evidente, tanto nas respostas do tipo Likert como nas respostas de campo aberto. Os objetivos pedagógicos da simulação realística no internato pediátrico baseiam-se na formação do clínico geral, pelo que todos os temas foram criteriosamente escolhidos com esse propósito.
Como demonstrado anteriormente, todos os estudantes confirmaram que os temas abordados eram relevantes para a sua formação como clínicos gerais. Em relação à melhora de competências como atitude e comportamento, os relatos dos alunos dizem que elas atendem ao desejado para a formação de um clínico geral. Em 1990, George Miller desenvolveu a Pirâmide de Miller, que consiste em quatro níveis: o nível mais baixo corresponde ao conhecimento (saber), seguido pela competência (saber como), desempenho (mostrar como) e ação (fazer). Em 2016, Cruess e Steinert propuseram um quinto nível da pirâmide, que incorporava valores profissionais e atitudes em relação ao aluno. Esse quinto nível proposto reflete a presença de uma identidade profissional, quem é esse futuro médico, como atua, e seus valores e atitudes; o quinto nível é denominado “SER”24. Curiosamente, os estudantes de graduação percebem em sua formação a importância do “ser” e identificam o método de simulação realística como ferramenta para o desenvolvimento dessas habilidades.
Dentre os relatos obtidos durante o estudo, alguns estudantes falaram sobre o aprendizado do trabalho em equipe, atributo fundamental para o profissional médico. A simulação pode abordar não apenas a aquisição de competências técnicas individuais, mas também treinar o aluno para trabalhar em equipe de forma coordenada e eficaz25.
Nesse estudo, a maioria dos estudantes acreditava que a associação das duas metodologias ativas (SRAF e DCC) seria ideal para abordar questões de emergência pediátrica durante o internato pediátrico. Essa opinião coincide com a tendência atual de currículos híbridos que oferecem múltiplos métodos e estratégias educacionais. Esse modelo aplica os princípios da Andragogia, definida por Malcolm Knowles como arte e ciência, para ajudar os adultos a aprender26.
Por fim, os alunos que participaram desse estudo relataram alta satisfação com as atividades de simulação realística, o que reflete diretamente no seu desempenho. Em estudo realizado por Seneviratne et al., 2020, estudantes de medicina mencionaram que a SRAF deveria ser utilizada com mais frequência no ensino de terapêutica. Mencionaram ainda que é melhor do que discussões em pequenos grupos27. Estudos mostram que simulações de alta fidelidade aumentam a satisfação dos estudantes em habilidades de aprendizado em terapia intensiva ou clínica médico-cirúrgica28),(29.
A pandemia da COVID-19 tornou este estudo quase inviável, pois inicialmente tivemos as atividades suspensas devido ao lockdown e consequentemente o estudo foi suspenso temporariamente. Na retomada das atividades, ainda durante a pandemia, os grupos designados para participar das atividades de simulação realista de alta fidelidade eram menores, a fim de cumprir as normas de segurança e distanciamento impostas pela pandemia, limitando o tamanho da população participante do estudo e quase impedindo a continuidade do estudo.
Esse estudo tem limitações. A principal delas, imposta pela pandemia da COVID-19, foi o tamanho da amostra. O plano era incluir os 120 alunos que fariam rodízio no curso de urgência pediátrica durante 2020. Porém, as atividades da instituição foram suspensas no final de março e só retornaram no segundo semestre com grande limitação no número de alunos por atividade. Outra limitação foi o local do estudo, uma única instituição de ensino com estrutura física e recursos humanos específicos, limitando a generalização dos resultados para outras instituições com características diferentes. Além disso, esse estudo avaliou apenas a percepção autorreferida dos alunos, mas não a percepção do professor, o que pode ser considerado um viés de percepção. Contudo, o anonimato dos estudantes pode ter minimizado esse viés. Pesquisas futuras deverão explorar a percepção dos professores e preceptores. Apesar dessas limitações, os resultados desse estudo corroboraram nossa percepção empírica de que a SRAF em pediatria é necessária para melhorar as competências técnicas e não-técnicas dos estudantes de graduação em medicina.
CONCLUSÕES
Esse estudo mostrou uma percepção positiva dos estudantes de graduação quanto à utilização da Simulação de Alta Fidelidade como metodologia de ensino. Conhecer as reações dos alunos às atividades de ensino ajuda os professores a orientarem suas ações futuras. Assim como o feedback dos professores aos alunos durante a fase de debriefing da simulação realística é considerado um elemento vital do processo de ensino-aprendizagem, a avaliação da reação dos alunos às atividades de ensino é um feedback aos professores sobre a sua prática, fornecendo suporte para a melhora dos métodos utilizados.