Introdução
A declaração de missão (DM) representa uma importante afirmação de identidade, de como as organizações enxergam a si mesmas e do que consideram seu propósito e suas responsabilidades perante as partes interessadas e a sociedade. Nos últimos anos, a exemplo das pesquisas de Kosmützky (2016), Oertel e Söll (2017) e Seeber et al. (2017), a perspectiva identitária tem se destacado nos estudos sobre a DM de universidades. Em contraste com a perspectiva que privilegia a DM como instrumento de planejamento estratégico e que investiga seus componentes e efeitos sobre o desempenho organizacional, busca-se investigar aspectos da identidade refletidos nas DMs.
Embora a declaração de missão tenha se disseminado entre as universidades nas últimas décadas, estudos que adotam uma perspectiva identitária são escassos no Brasil. A presente pesquisa busca investigar os reflexos de características institucionais nas DMs de universidades brasileiras. Para tanto, emprega técnicas oriundas da linguística de corpus, que constituem poderosos recursos de auxílio à análise textual, a fim de verificar a existência de padrões lexicais nos textos das declarações. O intuito é construir listas de frequência de palavras, procurar coocorrências, realizar pesquisas de palavras-chave em contexto (keyword-in-context - Kwic) e investigar a ocorrência de temas específicos (responsabilidade social, responsabilidade ambiental, sustentabilidade, internacionalização, empreendedorismo e inovação), visando responder às seguintes questões: Quais termos possuem maior frequência nas DMs das universidades brasileiras? Em que contexto se inserem? Quais são as principais coocorrências entre eles e outros termos? Os resultados variam em razão de diferenças nas características institucionais? São similares aos encontrados em outras pesquisas?
Espera-se contribuir para as discussões sobre os propósitos e a identidade das universidades brasileiras, bem como sobre a capacidade de as DMs refletirem características institucionais.
A declaração de missão como instrumento de planejamento estratégico
Citada com frequência por profissionais e pesquisadores como um importante passo inicial no processo de planejamento estratégico, conforme Pearce II e David (1987), a DM possui uma função comunicativa relacionada à motivação em direção aos objetivos organizacionais. Segundo Bart (1997) e Leuthesser e Kohli (2015), a DM é largamente considerada um instrumento-chave pelo qual os valores essenciais da organização são transmitidos e o poder dela reside na sua capacidade de prover um senso de propósito e direção.
Na literatura sobre administração estratégica, que se originou na década de 1970, há pontos recorrentes envolvendo a temática da tríade “missão, visão e valores” como ferramenta de planejamento, em que a maioria dos estudos privilegia o papel da missão. De acordo com Alegre et al. (2018), a seleção de elementos considerados necessários para uma DM eficaz e os efeitos desta sobre o desempenho organizacional são pontos que receberam grande atenção por parte dos pesquisadores da área.
Pearce II e David (1987), em um dos seus trabalhos mais citados, relacionam oito componentes-chave: clientes e mercados; produtos e serviços; domínio geográfico ou local de atuação; tecnologia utilizada; compromisso com o crescimento e a lucratividade; elementos-chave da filosofia da empresa; autoconceito; e imagem desejada pelo público. Nota-se que os últimos três componentes se alinham a uma perspectiva mais direcionada para a imagem e a identidade organizacional.
Bart e Baetz (1998) realizaram uma investigação com empresas canadenses a fim de averiguar se a presença da DM está relacionada a uma melhor performance. Todavia, não encontraram nenhuma relação entre variações percentuais médias de vendas e lucros e a presença da DM. Bartkus, Glassman e Mcafee (2006) analisaram 86 companhias mencionadas na Fortune Global 500, em 2001, com o intuito de verificar a relação entre a qualidade da DM e o desempenho financeiro, com base em uma lista de componentes utilizados em pesquisas anteriores. Contrariamente a Pearce II e David (1987), que analisaram a presença de componentes desejáveis nas DMs de companhias de alta performance elencadas na Fortune 500, os autores concluíram que a maioria dos componentes não está associada à performance da companhia. Contudo, a iniciativa de expressar preocupação com seus colaboradores, ser responsável com a sociedade na qual se faz negócio e enfatizar e comunicar o sistema de valores demonstrou ter uma relevância positiva significativa em relação à performance financeira1.
Assim, mostra-se problemática a noção de DM como ferramenta geradora de benefícios diretos e quantificáveis sobre os resultados das organizações, mesmo quando elaborada com elementos tidos como desejáveis. Se a afirmação de que a missão pode gerar efeitos sobre o desempenho organizacional for verdadeira, deve-se considerar, também, os seus possíveis impactos negativos, e não somente a ausência de efeitos. Entre as limitações da DM, Bart (1997) relaciona as seguintes falhas na elaboração: escrita de uma missão impossível, não alcançável, ambígua, com pouca clareza dos objetivos e que não seja satisfatória para todos; descontentamento com o processo de elaboração da missão; possibilidade de partes interessadas sentirem-se prejudicadas; escrita de uma missão que não influencie o comportamento e que não envolva os colaboradores; utilização e repasse da missão de forma imprópria.
Para além das críticas quanto ao impacto e ao valor das DMs, observa-se, atualmente, conforme Kosmützky (2016), que vários estudos têm adotado uma perspectiva voltada para os aspectos da autodescrição e da identidade organizacional. Exemplos dessa perspectiva da missão como narrativa identitária e representação simbólica de uma organização serão discutidos a seguir.
Identidade, declaração de missão e instituições de educação superior
A DM não tardou a se espalhar entre as instituições de educação superior, o que contribuiu para acirrar o conflito entre a introdução de ferramentas gerenciais modernas e as tradicionais demandas acadêmico-institucionais. Fumasoli, Barbato e Turri (2019) atestam uma grande variedade de estudos a respeito de como forças competitivas desencadeiam respostas da administração universitária na busca por posicionamento e diferenciação, ilustrando um crescente interesse acadêmico sobre o assunto.
Especificamente, a investigação de Fumasoli, Barbato e Turri (2019) põe em discussão os determinantes do posicionamento estratégico universitário, confrontando duas visões: a perspectiva do determinismo ambiental, ressaltando uma posição mais reativa perante influências externas; e a perspectiva da racionalidade gerencial, que defende a iniciativa organizacional sobre o ambiente. Amparados por ampla revisão bibliográfica, os autores compilaram evidências empíricas que têm sido usadas para apoiar ambas as perspectivas, configurando uma relação não resolvida entre os determinantes e os resultados do posicionamento estratégico das universidades. Argumentam que esse quadro ambíguo pode ser esclarecido por meio da variável dimensão organizacional, que levaria a hipóteses mais precisas entre os determinantes e os resultados do posicionamento. Essa dimensão, composta por três componentes (estrutura organizacional, identidade e centralidade), seria responsável por filtrar as forças do ambiente e moldar o curso de ação.
Kosmützky (2016), ao analisar o processo de transformação organizacional das universidades alemãs na década de 1990, ressalta que, a despeito de não terem cumprido os propósitos, as DMs ajudaram a redefinir identidades e imagens das universidades, fomentando e catalisando o processo de agencificação. A autora constata que o estabelecimento de uma identidade organizacional viável e única é um elemento crucial na identificação das universidades e que as DMs das universidades alemãs dependem fortemente de suas especificações institucionais. Assim, defende que a elaboração de DM ajuda a construir imagens corporativas, o que permite que as universidades se posicionem em nichos e grupos competitivos.
Contudo, há alguns limites na busca por distinção. Segundo Kosmützky (2016), estudos têm argumentado que as organizações buscam uma distinção ótima, um equilíbrio estratégico entre semelhança e diferença com outras organizações. Assim, expressar semelhança com outras universidades pode mostrar-se tão importante quanto ressaltar seus elementos distintivos. O desafio de equilibrar semelhança e singularidade em DM foi ressaltado na pesquisa de Seeber et al. (2017). Ao explorarem os fatores que afetam as declarações em universidades do Reino Unido, os autores concluem que, diante de expectativas concorrentes, as instituições visam diferenciar-se daquelas geograficamente mais próximas - como forma de reduzir a sobreposição competitiva -, mas que também possuem elementos semelhantes presentes nas instituições com o mesmo formato organizacional.
Oertel e Söll (2017) analisaram a influência das características fundacionais nas DMs de todas as 112 universidades alemãs, indicando que o conteúdo dos textos é influenciado por seu poder e sua reputação. Instituições mais antigas e com graus mais altos de poder são menos propensas a usarem uma linguagem corporativa, orientada a serviços. Em suas declarações de missão, mantêm metas mais tradicionais, dentro da compreensão de universidade como comunidade acadêmica autogerida (modelo de Humboldt). Também se constatou que aquelas com boa reputação são mais propensas a adaptarem-se à lógica institucional que percebe as universidades como entidades corporativas.
Recentemente, têm surgido estudos que abordam a ocorrência de determinados temas nas DMs. No estudo conduzido por Guimarães et al. (2020), investigou-se a presença do conceito de “internacionalização” nas DMs das universidades federais brasileiras e descobriu-se que o termo “internacional” está presente em apenas sete declarações. Já Lee, Barker e Mouasher (2013) analisaram o tema do desenvolvimento sustentável em DMs de 39 universidades australianas e constataram que, embora as instituições endossassem publicamente valores e metas relacionadas à sustentabilidade, esse compromisso não se refletia nas declarações.
Alguns estudos têm utilizado abordagens baseadas em corpus a fim de evidenciarem padrões ou diferenças nas DMs de universidades, de acordo com características institucionais. É o caso da pesquisa conduzida por Flavin, Chen e Quintero (2020), que investigaram as DMs de 127 universidades do Reino Unido e encontraram entre os termos mais frequentes: research; student; education/educate/educating; high/higher/highest; community/communities.
O trabalho de Bayrak (2020) buscou padrões e diferenças em DMs de 227 universidades distribuídas entre os continentes, utilizando o SAS Enterprise Miner para análise dos textos. Na lista dos 15 termos mais comuns, figuram: research, knowledge, education, society, student, world, community, science, educate, teach, academic, learn, innovation, social e advance. Entre as diferenças evidenciadas no trabalho, estão: a percepção da ideia de educação superior como serviço, difundida nas universidades norte-americanas, o que explica a alta frequência de termos como “service” e “serve”; o emprego constante dos termos “technology” e “leader” nas DMs de universidades asiáticas; e a ausência do termo “student” nas DMs das universidades asiáticas e latino-americanas e do termo “world” nas declarações das universidades africanas e latino-americanas.
Cortés Sanchez (2018) analisou o conteúdo de 248 DMs de universidades ao redor do mundo, a despeito da baixa representatividade de instituições africanas e latino-americanas, sendo apenas nove. A lista das dez palavras mais frequentes contempla os seguintes termos: university, research, knowledge, students, education, teaching, world, society, academic e learning. Entre as conclusões, observou-se que há uma ênfase generalizada nos alunos e na sociedade, como partes interessadas, e que políticas governamentais influenciam as DMs das universidades públicas.
Morphew e Hartley (2006) examinaram DMs de faculdades e universidades dos Estados Unidos da América, no intuito de determinar se as diferenças nas DMs refletem características institucionais. Descobriu-se que o tipo de instituição, pública ou privada, é mais importante na previsão de elementos da declaração de missão.
No Brasil, o estudo de Lima e Souza (2013) contemplou as DMs de 64 universidades, buscando identificar os elementos mais frequentes nos textos, por meio de uma análise de conteúdo. Os autores constataram que, entre as 20 categorias de análise, 6 delas se fizeram mais presentes: “ensino, pesquisa e extensão”; “saber e conhecimento”; “formação humanística e profissional”; “desenvolvimento e progresso”; “sociedade e comunidade”; e “inclusão social e cidadania”.
Método da pesquisa
Segundo Pollach (2012), a linguística de corpus apresenta técnicas de análise cujos insights a análise de conteúdo auxiliada por computador não é capaz de fornecer. Essas técnicas permitem explorar e lidar com dados textuais a fim de: identificar e quantificar padrões recorrentes em dados textuais; examinar colocações e expressões multipalavras, em vez de olhar apenas para palavras individuais; e comparar diferentes textos dentro de um corpus. Em razão disso, técnicas linguísticas de corpus têm se mostrado valiosas para estudos no campo da gestão e das organizações, por meio do seu emprego em análises de declarações de missão, cartas aos acionistas, relatórios anuais, discursos executivos, e-mails, comunicados à imprensa ou artigos de notícias. A autora argumenta que a linguística de corpus pode agregar valor a estudos discursivos ou narrativos sobre organizações, utilizando medidas de identificação de temas interessantes mediante a força de colocações, a identificação de palavras-chave e o cálculo de medidas de dispersão de palavras.
Apesar do foco em técnicas quantitativas, as análises de uma abordagem baseada em corpus possuem, conforme Pollach (2012), inevitáveis elementos qualitativos. As irregularidades da linguagem, as variantes ortográficas e os múltiplos significados (o fenômeno da polissemia) podem distorcer as análises, caso não sejam considerados. Além disso, decisões sobre a construção do corpus, a seleção das etapas de análise e a interpretação dos resultados são elementos de subjetividade sempre presentes. Assim, a pesquisadora recomenda como parte integrante de qualquer estudo de corpus a verificação constante, a reflexão, a crítica, a contextualização, o refinamento e a adaptação, a fim de minimizar a subjetividade e as ambiguidades.
Esta investigação utilizou as técnicas de análise mais centrais dentro da linguística de corpus: frequências de palavras e pesquisas de palavras-chave no contexto (Kwic), que exibem todas as instâncias de uma determinada palavra em seu entorno textual imediato, assim como busca por colocações, que permite identificar padrões recorrentes de coocorrências entre palavras. De acordo com Pollach (2012), em virtude do uso repetido, as colocações podem ser portadoras de significados culturais ou específicos, na forma de expressões convencionalizadas ou preferência semântica por certas construções. Assim, análises de colocação podem revelar padrões de discurso e significados que não são evidentes em listas de frequência de palavras individuais.
A ferramenta executora dessas análises é o Voyant Tools, um ambiente de análise de textos on-line em código aberto, que já foi utilizado em publicações recentes, revisadas por pares, conforme Cortés Sanchez (2018). O processamento dos textos contemplou os seguintes agrupamentos, a fim de evidenciar padrões e diferenças nos textos das DMs, em razão de características institucionais: universidades federais, estaduais, particulares, filantrópicas ou comunitárias 2, públicas (federais e estaduais), privadas (particulares e cristãs ou comunitárias) e todas as universidades.
Considerando que a informação de frequência é mais elucidativa quando corpora de diferentes fontes são confrontados, os resultados foram comparados com os das pesquisas recentes de Cortés Sanchez (2018) e Bayrak (2020), que contemplaram DMs de universidades ao redor do mundo e também utilizaram abordagens baseadas em corpus.
Tratamento de dados
A amostra da pesquisa compreende 161 universidades (Simões; Lima; Silva, 2023), 84,7% do total de universidades brasileiras (segundo dados do último Censo da Educação Superior disponível, em 2020, havia 190 universidades no Brasil: 101 públicas e 89 privadas), com representatividade de 90% das universidades públicas e 79% das privadas (Tabela 1).
Universidades | Total | % | Total de palavras | Extensão média das DMs |
---|---|---|---|---|
Públicas | 91 | 57 | 3.317 | 36,45 |
Federais | 63 | 39 | 2.232 | 35,43 |
Estaduais | 28 | 17 | 1.085 | 38,75 |
Privadas | 70 | 43 | 2.129 | 30,41 |
Comunitárias/Filantrópicas | 42 | 26 | 1.224 | 29,14 |
Particulares | 28 | 17 | 905 | 32,32 |
Todas | 161 | 100 | 5.446 | 33,83 |
Fonte: Elaboração própria com base na Sinopse Estatística da Educação Superior 2020 (Brasil. Inep, [2022]) e nas DMs coletadas nas páginas eletrônicas das universidades e processadas no Voyant Tools.
Os textos das DMs foram obtidos nas páginas eletrônicas das universidades na internet e extraídos, preferencialmente, do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) mais recente (o que, em se tratando das universidades federais, correspondeu a 100% dos casos). Contudo, em muitas ocasiões, não foi possível localizar o arquivo do PDI. Nesses casos, a missão encontrava-se na página eletrônica da universidade. Em outros casos, principalmente em relação às universidades privadas, não foi possível localizar a DM.
Antes do processamento, foi necessário realizar uma adaptação dos textos, pois algumas DMs começam com expressões do tipo: “a universidade estadual de… tem como missão…”. Esse tipo de construção inicial não foi considerado, visto que se trata de termos que não agregam informações relevantes para os fins da pesquisa e prejudicam as análises, ao fazerem com que vocábulos como “universidade”, “estadual” e “missão” figurem entre os mais frequentes. Afora isso, não foi utilizada nenhuma lista de palavras ou outro critério de definição de stopwords, além do padrão automático do Voyant Tools, que exclui artigos, preposições, pronomes e conjunções do resultado das análises.
A coleta dos dados compreendeu o período entre 3 de junho e 25 de julho de 2022. Os textos foram compilados em um único arquivo. 3 Em seguida, agruparam-se as DMs de acordo com a natureza administrativa, transferindo os textos para o Voyant Tools. As análises contemplaram afixos derivacionais ou flexionais para as raízes dos termos, uma vez que o Voyant Tools permite realizar esse tipo de pesquisa. Assim, uma busca por “educ*” contempla termos como “educação”, “educar”, “educando” e “educativa”.
Nas buscas de Kwic e coocorrências, aplicou-se, sempre, um contexto de proximidade com cinco palavras. O Voyant Tools possibilita a aplicação de contextos menores (com proximidade de uma e três palavras) ou maiores (com até dezenas de palavras). Mas, como o resultado das listas de frequência delimitou três eixos temáticos (conhecimento, formação e desenvolvimento da sociedade), a utilização de contextos maiores levaria a considerar mais palavras que gravitam em torno de outro eixo, nas DMs que abrangem mais de um eixo temático. Assim, optou-se por usar o padrão da ferramenta (cinco).
Resultados
Um total de 5.446 palavras (ou tipos, ou tokens) resultou do processamento das DMs das 161 universidades. A extensão média foi de 34 palavras por texto. O grupo com a maior extensão média foi o das universidades estaduais, com 39, e o com a menor extensão foi o das comunitárias e filantrópicas, com 29 palavras por texto. As DMs menos e mais extensas possuem 3 e 104 palavras, respectivamente. Em média, as instituições públicas apresentaram DMs mais extensas do que as das instituições privadas, com 36 e 30 palavras por texto, respectivamente.
O resultado das pesquisas de frequência de palavras (Tabela 2) revelou um padrão nas DMs das universidades, em que há três eixos temáticos principais em torno dos temas do conhecimento, da formação e do desenvolvimento da sociedade. Isso indica que as universidades enxergam o conhecimento como seu principal insumo e, por meio de sua produção e difusão, utilizam-no para a formação de pessoas que irão contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Esse padrão é comum sobretudo nas universidades públicas: uma proporção de aproximadamente nove em cada dez delas apresenta termos diretamente relacionados a dois dos três temas. Pouco mais da metade delas faz referência aos três temas conjuntamente (o que decerto está relacionado à maior extensão de suas DMs). Nesse sentido, as universidades privadas apresentaram menor conformação com esse padrão, além de maior diversidade lexical e casos de DMs extremamente curtas em relação às demais: “formar para transformar” e “ensinar pessoas a salvar vidas” estão entre elas.
Federais | Estaduais | Comunitárias/ Filantrópicas | Particulares | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Termo | Freq. | Termo | Freq. | Termo | Freq. | Termo | Freq. | |
1 | desenvolvimento | 36 | desenvolvimento | 18 | conhecimento | 23 | conhecimento | 15 |
2 | sociedade | 34 | ensino | 18 | formação | 23 | ensino | 14 |
3 | formação | 28 | conhecimento | 16 | desenvolvimento | 21 | profissionais | 14 |
4 | conhecimento | 27 | extensão | 15 | sociedade | 19 | pesquisa | 13 |
5 | ensino | 25 | pesquisa | 15 | promover | 16 | desenvolvimento | 12 |
6 | extensão | 25 | profissionais | 15 | ensino | 12 | extensão | 12 |
7 | pesquisa | 25 | sociedade | 14 | pesquisa | 12 | contribuir | 10 |
8 | produzir | 21 | sustentável | 12 | extensão | 12 | formação | 10 |
9 | social | 21 | promover | 11 | produzir | 11 | sociedade | 10 |
10 | promover | 20 | formação | 10 | cidadãos | 9 | formar | 7 |
11 | conhecimentos | 17 | social | 10 | humana | 9 | profissional | 7 |
12 | cidadãos | 16 | éticos | 9 | integral | 9 | cidadãos | 6 |
13 | excelência | 15 | produzir | 9 | profissionais | 9 | construção | 6 |
14 | tecnológico | 15 | formar | 8 | difundir | 8 | educação | 6 |
15 | científico | 14 | qualidade | 8 | profissional | 8 | excelência | 6 |
16 | profissionais | 14 | contribuir | 7 | éticos | 7 | formando | 6 |
17 | formar | 13 | estado | 7 | produção | 7 | social | 6 |
18 | sustentável | 13 | cidadãos | 6 | qualidade | 7 | áreas | 5 |
19 | construção | 12 | vida | 6 | sustentável | 7 | desenvolver | 5 |
20 | cultural | 12 | conhecimentos | 5 | valores | 7 | justa | 5 |
Fonte: Elaboração própria com base nas DMs coletadas nas páginas eletrônicas das universidades e processadas no Voyant Tools.
Ao se considerarem os afixos derivacionais ou flexionais para as raízes dos termos que estão entre os mais frequentes, assim como seus sinônimos, percebe-se um equilíbrio entre os três principais temas, quando se observa o conjunto das universidades. Contudo, ao se segregarem as universidades de acordo com sua natureza administrativa, destaca-se uma predominância do tema da formação entre as particulares: 86% delas empregam “formação”, “formar” ou “formando” em suas declarações. Para as universidades federais, estaduais e comunitárias/filantrópicas, esses valores são, respectivamente, de 73%, 75% e 76%. Em contrapartida, pouco mais da metade das universidades particulares (57%) utiliza os termos “conhecimento”, “conhecimentos”, “saber” e “saberes” em suas declarações, enquanto, nas universidades federais, estaduais e comunitárias/filantrópicas, esses valores perfazem 76%, 75% e 70%, respectivamente, do total de instituições.
No contexto da formação, análises de Kwic e de coocorrências para “formação”, “formar” e “formando” revelam (Tabela 3) que, nas universidades estaduais e particulares, o formando é qualificado sobretudo como “profissional”. Já nas federais, assim como nas comunitárias/filantrópicas, na maioria dos casos, qualifica-se o formando principalmente como “cidadão”; em alguns casos, utilizam-se “ser humano” e “sujeito”. Considerando a frequência dos termos, três em cada quatro universidades particulares (75%) utilizam “profissional” ou “profissionais” em suas DMs, enquanto, nas universidades estaduais, esse valor atinge 68%. Nas federais e comunitárias/filantrópicas, esses valores representam 38% e 40%, respectivamente.
Federais | Estaduais | ||||
---|---|---|---|---|---|
Termo | Coocorrência | Contagem (contexto) | Termo | Coocorrência | Contagem (contexto) |
formação | cidadãos | 7 | formar | profissionais | 6 |
formar | cidadãos | 6 | formação | profissionais | 4 |
formação | promover | 5 | formação | profissional | 3 |
formação | profissional | 5 | formação | éticos | 3 |
formação | humano | 5 | formar | responsabilidade | 3 |
formar | profissionais | 5 | formar | éticos | 3 |
formação | extensão | 4 | formar | cidadãos | 3 |
formação | contribuindo | 4 | formando | profissionais | 3 |
formação | ampliando | 4 | formação | visando | 2 |
formando | profissionais | 4 | formação | promover | 2 |
Comunitárias/Filantrópicas | Particulares | ||||
Termo | Coocorrência | Contagem | Termo | Coocorrência | Contagem |
formação | promover | 11 | formando | profissionais | 5 |
formação | integral | 8 | formação | contribuir | 4 |
formação | humana | 8 | formação | profissionais | 3 |
formação | profissional | 6 | formação | integral | 3 |
formação | cidadãos | 5 | formar | profissionais | 3 |
formação | pessoa | 4 | formação | humano | 2 |
formação | visando | 3 | formação | éticos | 2 |
formação | conhecimento | 3 | formação | cidadãos | 2 |
formação | socializar | 2 | formar | profissional | 2 |
formação | pessoas | 2 | formar | ético | 2 |
Fonte: Elaboração própria com base nas DMs coletadas nas páginas eletrônicas das universidades e processadas no Voyant Tools.
Pesquisas de Kwic e de coocorrências revelaram o emprego de muitos sinônimos para termos relacionados ao tema do desenvolvimento da sociedade. Nas universidades federais, a palavra “sociedade” é empregada mais frequentemente junto com “construção” (nove casos) do que com “desenvolvimento” (sete). Outros empregos, além de “construção de uma sociedade”, são: “desenvolvimento social”, “desenvolvimento regional”, “transformação da sociedade”, “transformação social”, “transformação da realidade”, entre outros. Desse modo, considerando essas variações, nota-se maior ênfase das universidades públicas nesse eixo temático. Destaca-se, ainda, a menção ao termo “estado”, que possui sete ocorrências nas universidades estaduais e nenhuma no grupo das privadas.
Em suma, a referência ao entorno social e à região de atuação (considerando as raízes “regi*”, “soci*”, com a devida exclusão de “socializar” e socialização”, que se encontram no contexto do tema do conhecimento) manifesta-se com mais frequência nas universidades públicas: há 118 ocorrências desses termos em suas DMs contra 63 nas privadas. A participação dessas ocorrências nas DMs atinge 41% das universidades federais e 49% das estaduais, perante 29% das comunitárias/filantrópicas e 31% das particulares.
Quanto à qualificação de “desenvolvimento” e “sociedade”, é necessário ressaltar dois aspectos de distinção entre as DMs de instituições públicas e privadas. O primeiro se refere à sustentabilidade: nas universidades públicas, “desenvolvimento” aparece junto com “sustentável” em 19 ocasiões (11 nas estaduais e 8 nas federais), ao passo que nas privadas há seis desses casos nas comunitárias/filantrópicas e apenas um caso nas particulares. Os termos “sustentável” e “sustentabilidade” estão presentes em quase metade das declarações das universidades estaduais (em 46% delas, perfazendo 13 ocorrências), em 31% das comunitárias/filantrópicas (quase que exclusivamente nas comunitárias), em 24% das federais (com 15 ocorrências) e em apenas 7% das particulares (duas ocorrências). O outro aspecto concerne aos termos “democracia”, “democrática”, “democráticas” e “democrático”. Há uma única menção a esses termos nas universidades particulares e nenhuma nas comunitárias/filantrópicas. Já nas universidades públicas, encontram-se 22 ocorrências para esses termos. Ou seja, enquanto cerca de uma em cada quatro universidades públicas qualifica a sociedade a se desenvolver como democrática ou cita expressamente o compromisso com a democracia em sua DM, esse aspecto praticamente não é mencionado nas DMs das instituições privadas. É possível que esse desequilíbrio seja explicado, em parte, por uma questão de gestão institucional, uma vez que, nas universidades públicas, prevalece um modelo de “gestão democrática”.
A respeito da frequência para os termos cujas raízes compreendem os temas do empreendedorismo, da inovação, da internacionalização e da responsabilidade ambiental (os temas da responsabilidade social e da sustentabilidade foram abordados anteriormente), a Tabela 4 apresenta as frequências para as seguintes raízes: “empreend*”, “inov*”, “internac*” e “ambient*”. Para o tema da internacionalização, acrescentaram-se as raízes “glob*” e “mund*” e o termo “intercâmbio”.
Grupo/tema | Federais | Estaduais | Comunitárias/ Filantrópicas | Particulares |
---|---|---|---|---|
Empreendedorismo | 3 (5%) | 1 (4%) | 1 (2%) | 6 (21%) |
Inovação | 18 (29%) | 6 (21%) | 4 (10%) | 7 (25%) |
Internacionalização | 9 (14%) | 0 | 4 (10%) | 6 (21%) |
Responsabilidade ambiental | 5 (8%) | 2 (7%) | 5 (12%) | 4 (14%) |
“Valores” e “princípios” | 8 (13%) | 5 (18%) | 13 (31%) | 5 (18%) |
“Cultur*” | 26 (41%) | 8 (29%) | 7 (17%) | 4 (14%) |
“Étic*” | 16 (25%) | 12 (43%) | 14 (33%) | 9 (32%) |
“Solid*” | 7 (11%) | 0 | 8 (19%) | 3 (11%) |
“Crist*” | 0 | 0 | 12 (29%) | 0 |
Fonte: Elaboração própria com base nas DMs coletadas nas páginas eletrônicas das universidades e processadas no Voyant Tools.
Nesse contexto, destacam-se: a baixa frequência para o tema do empreendedorismo entre as universidades públicas e entre as comunitárias/filantrópicas (com menos de 5% de participação no total das DMs de seus grupos, contra 21% de participação nas DMs das particulares); a baixa frequência para o tema da inovação entre as universidades comunitárias/filantrópicas, em relação aos demais grupos (menos de 10%, contra mais de 20% das demais); a ausência de termos relacionados à internacionalização entre as estaduais, num quadro em que 21% das universidades particulares fazem menção ao tema; e o baixo número de ocorrências para os termos relacionados ao tema da responsabilidade ambiental. Contudo, neste último caso, é possível que o tema esteja sendo contemplado pelos termos “sustentável” e “sustentabilidade”.
Por fim, ressaltam-se duas constatações que surgiram das análises: as discrepâncias entre os grupos de instituições quanto aos termos relacionados à dimensão cultural e a ênfase a valores e princípios nas DMs das comunitárias/filantrópicas, em comparação aos demais grupos. Os termos “solidariedade” e “solidária”, por exemplo, possuem oito ocorrências nas DMs das universidades comunitárias/filantrópicas (o que corresponde a 19% das declarações desse grupo) e nenhuma ocorrência nas DMs das universidades estaduais (nestas, percebe-se uma ênfase sobre a ética profissional, mais acentuada que nos demais grupos, como se observa na Tabela 4). Nas DMs das universidades comunitárias/filantrópicas, nota-se, ainda, maior frequência para termos que possuem a raiz “human*” (abrangendo termos como “humana”, “humanista” e “humanística”) e elementos de distinção, como ocorrências para os termos “cristã”, cristão”, “cristãos” e “fraterna”.
Discussão
Os resultados indicam que as universidades estaduais e, sobretudo, as particulares enfatizam a formação para o exercício profissional em suas declarações, enquanto as federais e as comunitárias/filantrópicas entendem que sua missão deve priorizar uma formação mais ampla ou, para usar um termo frequentemente empregado por estas últimas, uma formação “integral”. Além disso, constatou-se que as universidades públicas dão mais ênfase ao impacto social de sua atuação.
Com universidades federais visando ao desenvolvimento social e a uma formação cidadã; universidades estaduais compromissadas com o ensino e a formação profissional para atuação em sua região; universidades comunitárias/filantrópicas voltadas para uma formação integral, calcada em valores e princípios; e universidades particulares com foco no ensino, para formação profissional, pode-se afirmar que as características institucionais têm se refletido nas DMs das universidades brasileiras. Embora não seja determinante, o formato institucional tende a influenciar os termos utilizados na DM.
Esses resultados estão em consonância com os de Morphew e Hartley (2006), Kosmützky (2016), Oertel e Söll (2017), Seeber et al. (2017) e Flavin, Chen e Quintero (2020), no que se refere à dependência das DMs para com as especificidades institucionais. No caso brasileiro, observa-se o entendimento da educação superior como bem público, refletido no compromisso com a cidadania e o desenvolvimento social, nas declarações de missão das universidades públicas; ao passo que o entendimento como bem privado, visando à formação de indivíduos para o mundo profissional, está presente nas declarações das universidades privadas. Com isso, há concordância com os resultados de Morphew e Hartley (2006) no que se refere à divergência das DMs, sobretudo entre universidades públicas e privadas.
Os casos de DMs extremamente curtas encontrados nas universidades particulares e o uso de termos mais relacionados ao mundo corporativo (como “empreendedorismo”, empregado por uma em cada cinco DMs de universidades particulares e em apenas 5% de universidades federais) corroboram os achados de Oertel e Söll (2017) nas universidades alemãs: a manutenção de metas mais tradicionais do meio acadêmico por parte de instituições mais antigas e de maior reputação (universidades federais) e sua menor propensão ao uso de linguagem corporativa. Nesse cenário, e em conformidade com os resultados de Kosmützky (2016) e Seeber et al. (2017) quanto ao posicionamento estratégico universitário, as universidades privadas buscam se posicionar equilibrando semelhança (mantendo, com frequência, o padrão de três eixos temáticos: conhecimento, formação e desenvolvimento da sociedade) e singularidade, enfatizando valores específicos (como valores cristãos), sendo menos extensas, em média, e exibindo maior diversidade lexical.
Em comparação (Tabela 5)4 com os resultados de Cortés Sanchez (2018) e Bayrak (2020), observa-se uma grande diferença a respeito da frequência para o termo “pesquisa” (o mais frequente) e para aqueles relacionados ao tema da internacionalização, como “mundo” ou “global”, que figuram entre as primeiras posições nesses estudos. Isso pode ser explicado pelo fato de a amostra dessas investigações ser composta, em sua maior parte, por universidades listadas em rankings internacionais, com maior presença de universidades norte-americanas e europeias. Trata-se de instituições líderes em pesquisa, em nível mundial. Nas DMs brasileiras, a pesquisa ocupa o sétimo lugar na lista de frequência e há baixíssima ocorrência para termos relacionados ao tema da internacionalização. Nesse caso, os resultados convergem para os encontrados por Guimarães et al. (2020).
Cortés Sanchez (2018) | Bayrak (2020) | Resultados da presente pesquisa | ||||
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Termo | Freq. | Termo | Freq. | Termo | Freq. | |
1 | research | 461 | research | 203 | sociedade/comunidade/social | 125 |
2 | society/community/ communities | 361 | education/educate | 128 | formação/formar/formando | 121 |
3 | world/global/international | 305 | knowledge | 121 | conhecimento/conhecimentos | 107 |
4 | education/educational/ educate | 240 | world/global/ international | 103 | desenvolvimento | 87 |
5 | knowledge | 230 | society/community | 73 | profissionais/profissional | 81 |
6 | students/student | 225 | student | 70 | ensino/ensinar | 71 |
7 | teaching | 158 | science/scientific | 62 | extensão | 65 |
8 | science/scientific/sciences | 154 | teach | 49 | pesquisa | 64 |
9 | development/develop | 144 | academic | 48 | excelência/qualidade | 62 |
10 | innovation/innovative/ innovate | 139 | learning/learn | 41 | éticos/ética/ético | 51 |
11 | quality/excellence | 139 | development/develop | 37 | científico/científicos/ciência | 50 |
12 | learning/learn | 129 | innovation | 32 | cultural/cultura/culturais | 46 |
13 | academic | 121 | social | 31 | cidadãos/cidadã/cidadão | 44 |
14 | technology/technological | 97 | advance | 30 | sustentável/sustentabilidade | 43 |
15 | public | 86 | humano/humana | 37 |
Fonte: Elaboração própria com base em Cortés Sanchez (2018), em Bayrak (2020) e nas DMs coletadas nas páginas eletrônicas das universidades e processadas no Voyant Tools
Nas universidades brasileiras, não há menção ao termo “alunos”, e “estudantes” tem apenas duas ocorrências (nas universidades privadas), o que reforça os resultados de Cortés Sanchez (2018) e Bayrak (2020), a respeito das DMs das universidades asiáticas e latino-americanas (o termo “students” está entre os seis mais frequentes nesses estudos, mesmo diante da ausência nessas duas regiões). No Brasil, a figura do estudante manifesta-se no resultado da atividade acadêmica, como um “profissional” ou “cidadão” a ser formado pela universidade.
As demais diferenças constatadas em relação à Tabela 5 não podem ser tomadas como significativas, uma vez que a frequência de palavras em um texto não segue uma distribuição normal (estatística), como frisa Pollach (2012). Verifica-se que o padrão de três eixos temáticos principais está presente, nos três estudos, entre os termos mais frequentes, com variações que podem ser explicadas linguisticamente. Assim, embora “education/educational/educate” estejam entre os cinco mais frequentes nos estudos internacionais, enquanto entre as universidades brasileiras não estejam entre as 15 maiores frequências (a soma dos termos com a raiz “educ*” perfaz 36 ocorrências), no Brasil, empregam-se “formação/formar/formando” (ocupando o segundo lugar), para expressar o fenômeno educativo. Ou seja, trata-se de termos inexistentes nas DMs estrangeiras. Contudo, a diferença semântica entre “formar” e “educar”, nesses contextos, não se revela tão substancial.
A rigor, mesmo que as universidades não possam se constituir em “comunidades de fala” (considerando seus agrupamentos, de acordo com características geográficas e institucionais), a variação verificada nos textos de suas DMs pode ser passível de uma interpretação sociolinguística. Tal perspectiva não se observa nos estudos citados nesta pesquisa. Dessa forma, por exemplo, o fenômeno do “isomorfismo mimético” citado por Fumasoli, Barbato e Turri (2019), no qual algumas organizações intencionam mimetizar outras mais bem-sucedidas na busca por legitimidade, pode ser estudado e entendido, em sua manifestação linguística (o gênero textual “declaração de missão”), dentro da perspectiva do dialogismo de Bakhtin (1997). Para o linguista russo, todo enunciado é parte de um processo dialógico ininterrupto, constituindo uma resposta a um discurso que o precede. Assim, há uma relação dialógica entre os enunciados das DMs, buscando ora diferenciar-se de determinadas cadeias discursivas, ora assemelhar-se e reproduzir discursos que as legitimem.
Considerações finais
A DM tem sido vista como necessária para a afirmação da identidade organizacional e para o posicionamento estratégico das universidades, tornando-se um tema importante no debate acadêmico atual. A presente pesquisa buscou contribuir para esse debate mediante a aplicação de técnicas de linguística de corpus sobre os textos de 161 DMs de universidades brasileiras.
Pesquisas futuras podem ampliar o escopo das observações, investigando variações de acordo com outras características, como tamanho, idade e região geográfica, assim como averiguando as transformações nos textos das DMs das universidades brasileiras ao longo do tempo. Nesse cenário, mostra-se de grande valia a adoção de uma perspectiva linguística para análise dos textos, a fim de compreender mais profundamente a natureza das variações.
Outra linha de investigação pode voltar-se especificamente aos casos de DMs que não se adequam à estrutura padrão dos três temas principais, ou seja, analisando os casos que não possuam termos relacionados aos temas do conhecimento, da formação e do desenvolvimento da sociedade.