Introdução
As emoções são um componente da vida profissional dos professores (SUTTON; WHEATLEY, 2003), que afetam o seu bem-estar e o envolvimento com o trabalho (SLIŠKOVIC, BURIĆ; SORIĆ, 2018), bem como o processo ensino-aprendizagem (CHEN, 2021). E de fato estudos sugerem, por exemplo, que os professores tendem a experienciar mais emoções positivas em relação aos alunos do que emoções negativas (BAHIA; FREIRE; AMARAL; ESTRELA, 2013) e que quanto mais experienciam emoções como alegria e orgulho em relação aos alunos mais envolvidos estão com o seu trabalho; pelo contrário, os estudos revelam que quando os professores experienciam emoções, tais como raiva e desesperança, eles tendem a manifestar níveis mais elevados de burnout (SLIŠKOVIC, BURIĆ; SORIĆ, 2018). Contudo, apesar de reconhecida a sua importância para o processo educativo (e.g., HARGREAVES, 2000), essa área de investigação foi negligenciada no campo educacional por muito tempo (CHEN, 2021). Foi a edição pioneira de Nias (1996), sobre as emoções no ensino, que veio chamar a atenção da comunidade científica para a importância das emoções do professor no processo de ensino. De fato, a autora reporta que, na década de setenta do século XX, escutou de um professor a seguinte frase “Eu adoro ensinar. Eu detesto escolas” 1 (NIAS, 1996, p.293, tradução nossa). Essa afirmação, segundo Nias (1996), revela que as circunstâncias de trabalho do professor podem influenciar a sua prática profissional.
Uma emoção resulta de uma avaliação que o indivíduo faz de um estímulo interno ou externo; essa avaliação produz um conjunto de alterações simultâneas nos sistemas cognitivo, neurofisiológico, motor, motivacional e afetivo (SCHERER, 2005). Importa também referir que um mesmo estímulo pode originar alterações distintas nos diversos sistemas (SCHERER, 2005) e, logo, reações emocionais diferentes (SCHIRMER, 2015).
As emoções dos professores são afetadas pelas suas características pessoais, pelo seu contexto interpessoal e, ainda, por aspectos sociais, culturais e políticos (HARGREAVES, 2000). Por exemplo, Chen (2020) verificou que os professores com mais idade relatam com mais frequência emoções negativas do que emoções positivas em comparação com professores mais jovens. Nias (1996) verificou que as emoções negativas mais reportadas pelos professores se referem a aspectos fora da sala de aula, tal como relacionamento com os colegas de trabalho e pais, estrutura da escola e mudanças de políticas educacionais. Em sala de aula, vários aspectos podem também influenciar as experiências emocionais do professor, tais como, a progressão do aluno na aprendizagem, e a indisciplina ou cooperação durante o processo de ensino-aprendizagem (BURIĆ; MACUKA, 2018).
As emoções são também uma fonte importante a partir das quais os professores constroem as suas crenças de autoeficácia, i.e., crenças sobre a sua capacidade de organizar e executar cursos de ações requeridos para atingir determinados resultados (BANDURA, 1997), ou no contexto educativo, crenças sobre a “[...] sua própria capacidade de planejar, organizar e implementar atividades que são necessárias para alcançar determinados objetivos educacionais” 2 (SKAALVIK; SKAALVIK, 2007, p. 612, tradução nossa).
As crenças de autoeficácia são consideradas importantes no processo de ensino- aprendizagem (TSCHANNEN-MORAN; WOOLFOLK HOY, 2001), pois estão associadas a satisfação e motivação no trabalho (BURIĆ; MACUKA, 2018; IAOCHITE; AZZI, 2012; WARE; KITSANTAS, 2007), bem como a maior persistência para enfrentar dificuldades do processo ensino-aprendizagem (PITKÄNIEMI, 2017; WARE; KITSANTAS, 2007). Com efeito, professores com crenças positivas de autoeficácia tendem a buscar soluções para facilitar a aprendizagem de estudantes com dificuldades, adaptando materiais didáticos, e tendem a lidar com o sucesso e fracasso de maneira reflexiva, avaliando as suas responsabilidades nos resultados dos alunos. Em contrapartida, professores que apresentam baixas crenças em suas capacidades para ensinar, tendem a relacionar, na maioria das vezes, o fracasso a aspectos de ordem extrínseca, por exemplo, a falta de recursos (WARE; KITSANTAS, 2007) e, além disso, tendem a apresentar níveis mais elevados de exaustão emocional (PEREIRA; PEREIRA; RAMOS, 2021). Daí ser fundamental o estudo sobre como são construídas as crenças de autoeficácia, com o intuito de melhorar o processo formativo dos professores e consequentemente ajudar nos resultados da educação (ZEE; KOOMEN, 2016).
De acordo com Bandura (1997), as crenças de autoeficácia são formadas a partir da avaliação que indivíduo faz de um conjunto variado de informação, informação que resulta dos sucessos e da superação de desafios (experiência de mestria), da observação de um modelo com características/capacidades similares às suas a realizar determinada tarefa com sucesso (experiência vicariante) e do feedback avaliativo que o indivíduo recebe de uma outra pessoa quando está a realizar uma tarefa (persuasão social). Os estados fisiológicos e emocionais, tais como, ansiedade, fadiga e humor, também transmitem informações somáticas (BANDURA, 1997), nos quais os indivíduos confiam para fazer uma avaliação da sua capacidade para atingir os seus objetivos (MORRIS; USHER; CHEN, 2017).
No caso particular do contexto docente, os professores constroem as crenças sobre a sua capacidade de criar situações para atingir certos objetivos educacionais a partir da sua prática de ensinar (IAOCHITE; AZZI, 2012), mas também quando observam outros professores em situações de ensino, ou leem ou assistem a audiovisuais sobre a docência ou por meio de conversas com outros professores ou com gestores da escola (IAOCHITE, 2014). Além disso, a experiência de certas emoções permite-lhes também fazer juízos sobre a sua capacidade de planejar e concretizar o processo de ensino-aprendizagem no sentido que deseja. Por exemplo, experienciar nível elevado de estresse pode dificultar a construção de crenças positivas de autoeficácia, da mesma maneira que, experienciar prazer ou alegria no processo de ensino- aprendizagem pode favorecer a emergência de crenças positivas de autoeficácia (TSCHANNEN-MORAN; WOOLFOLK HOY, 2007). E de fato, apesar da experiência de mestria ser a fonte de informação mais influente (TSCHANNEN-MORAN; WOOLFOLK HOY, 2007) e dos estados emocionais serem a fonte de autoeficácia menos estudada (MORRIS; USHER; CHEN, 2017), alguns estudos mostram que os estados emocionais podem também influenciar a autoeficácia docente (e.g., ARSLAN, 2019). No entanto, esses estudos tendem a focar-se em estados emocionais negativos, tal como exemplo no estresse. Assim sendo, torna- se necessário alargar a pesquisa sobre a relação entre estados emocionais, positivos e negativos, e a autoeficácia docente (MORRIS; USHER; CHEN, 2017), pois afinal, a profissão da docência compreende tanto emoções positivas como emoções negativas (PITKÄNIEMI, 2017).
Adicionalmente, estudos sobre a relação entre emoções do professor e a autoeficácia docente ainda não se apresentam como conclusivos (CHEN, 2019). E de fato, se alguns estudos sugerem uma associação significativa entre estados emocionais e autoeficácia docente (e.g., BORRACHERO; BRÍGIDO; COSTILLO; BERMEJO; MELLADO, 2013; CHEN, 2019;
BURIĆ; MACUKA, 2018), num outro estudo não foi encontrada uma relação significativa entre emoções negativas e crenças de autoeficácia, mas sim uma associação entre emoções positivas e a autoeficácia docente (UZUNTIRYAKI-KONDAKCI; KIRBULUT; SARICI; OKTAY, 2022). Além disso, de acordo com o modelo Chen (2021), a autoeficácia docente tanto é antecedente como consequente das emoções do professor.
Para além de resultados distintos sobre a relação entre emoções e autoeficácia docente, é de referir também que as emoções podem ser estudadas segundo uma perspectiva dimensional ou discreta (FRENZEL, 2014), o que complexifica o seu estudo. Segundo a perspectiva dimensional, as emoções podem ser caracterizadas segundo diversas dimensões, tais como valência (prazer/desprazer; bom/ruim; positivo/negativo) e ativação (calmo-excitado) (SCHERER, 2005). De acordo com a perspectiva discreta, cada emoção é uma experiência única, por estar associada alterações únicas nos sistemas cognitivo, neurofisiológico, motor e motivacional (LENCH; FLORES; BENCH, 2011) e pelo fato de ter uma função diferente (IZARD; ACKERMAN, 1993). Segundo Chen (2021), pesquisas recentes sobre as emoções do professor têm adotado a perspectiva discreta, pelo fato de permitir o seu estudo mais detalhado (RINAS; DRESEL; HEIN; JANKE; DICKHÄUSER; DAUMILLER, 2020), no que se refere a compreender a relação de diversas emoções vivenciadas pelos professores no contexto de ensino e sua relação com as crenças de autoeficácia docente.
O presente estudo
O presente estudo teve como objetivo compreender qual a relação entre diferentes emoções discretas do professor (tais como, raiva, alegria, ansiedade, tristeza) vivenciadas no contexto escolar e a autoeficácia docente. Para tal, realizamos uma revisão sistemática de literatura. Esse tipo de revisão é uma forma de pesquisa que tem como fonte de dados os resultados de investigações (GALVÃO; PEREIRA, 2014) realizadas sobre uma determinada temática (SILVA; COSTA, 2021), por exemplo, autoeficácia docente (ZEE; KOOMEN, 2016). É desenvolvida a partir de um protocolo (PAGE et al., 2021; SILVA; COSTA, 2021) com o propósito de “[...] identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes disponíveis” (GALVÃO; PEREIRA, 2014, p. 183). A revisão sistemática, de um campo de pesquisa, pode abranger distintos papéis, tais como, avaliação de teorias, tratar de temas que não poderiam ser realizados em estudos individualistas e apontar perspectivas para futuras investigações que são prioridade de determinada área de conhecimento (PAGE et al., 2021). A presente revisão foi orientada pelas seguintes questões: 1. Quais as emoções discretas investigadas? 2. Qual a relação entre emoções positivas (e.g., alegria, prazer, orgulho) e autoeficácia docente? 3. Qual a relação das emoções negativas (e.g., tristeza, raiva, medo, ansiedade) e autoeficácia docente? 4. O que estudos longitudinais sugerem sobre a natureza da relação das emoções do professor com a autoeficácia docente?
Espera-se com este estudo dar um contributo para a clarificação da relação entre as emoções e autoeficácia, compreender como as duas se relacionam poderá ser importante para o contexto educativo no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem. Afinal, as emoções e a sua gestão são fundamentais para criar ambientes de aprendizagem positivos (e.g., HARGREAVES, 2000), que envolvam os alunos nas suas aprendizagens, aumentando, simultaneamente, a satisfação e a motivação para a docência (FRENZEL, 2014); já as crenças de autoeficácia permitem ao professor gerir a aula de forma mais eficaz, lidando com aspetos negativos de uma forma mais reflexiva e com persistência (WARE; KITSANTAS, 2007).
Metodologia
A presente revisão sistemática baseia-se no Checklist Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta Analysis (PRISMA) (PAGE et al., 2021). A partir do PRISMA, foi criado um protocolo que gerenciou todo o processo da revisão. Para auxiliar o processo de revisão sistemática, foi utilizado o software StArt (State of the Art through Systematic Review) em sua versão 3.0.3 (FABRI; SILVA; HERNADES; OCTAVIANO, 2016). A revisão sistemática contou com seis etapas: busca dos estudos nas bases de dados; eliminação dos estudo duplicados; leitura de títulos e resumos; leitura de texto completo; extração dos dados; avaliação da qualidade dos estudos.
A busca sistemática dos estudos (etapa 1) foi realizada em três bases de dados eletrônicas consolidadas: ERIC EBSCOhost, Scopus e Web of Science no período entre 1980 a fevereiro de 2022. Esse período foi escolhido pelo fato de revisões sistemáticas na área das emoções do professor (CHEN, 2021) e autoeficácia docente (ZEE; KOOMEN, 2016) relatarem que os estudos nessas áreas começaram a emergir na década de oitenta para as emoções do professor e em meados da década de setenta no que concerne a autoeficácia docente. A primeira autora realizou a busca dos estudos nas bases de dados citadas, utilizando os seguintes termos de pesquisas e operadores booleanos: “teach* AND emotion* OR feeling* OR affective* OR mood* AND self-efficacy OR efficacy OR sense of efficacy”. Esses termos foram pesquisados nos campos: título, resumo e palavras-chaves. Também foram utilizados os filtros por ano (de 1980 a 2022), idioma (inglês, português ou espanhol) e tipo de publicação (artigos primários, de periódicos) (Quadro 1). A última busca foi realizada em 28 de fevereiro de 2022. Os resultados foram exportados em formato BibTeX e RIS e, posteriormente, importados para o software StArt para a realização do processo de seleção.
Base de dados | Estratégia de busca |
---|---|
ERIC EBSCOhost | (teacher*) AND (emotion* OR feeling* OR affective* OR mood*) AND ("self-efficacy" OR efficacy OR "sense of efficacy") |
Scopus | TITLE-ABS-KEY ((teacher*) AND (emotion* OR feeling* OR affective* OR mood*) AND (self-efficacy OR efficacy)) AND PUBYEAR > 1979 AND (LIMIT-TO (DOCTYPE , "ar")) AND (LIMIT-TO (LANGUAGE , "English") OR LIMIT- TO (LANGUAGE , "Spanish") OR LIMIT-TO (LANGUAGE , "Portuguese")) |
Web of Science | teacher (Tópico) and emotion* or feeling* or affective* or mood* (Tópico) and self-efficacy or efficacy or "sense of efficacy" (Tópico) and Artigos or Acesso antecipado (Tipos de documento) and English or Spanish or Portuguese (Idiomas) |
Fonte: Elaboração das autoras
O processo de seleção foi realizado nas etapas 2 a 4, tendo sido definidos os seguintes critérios de inclusão: (a) pesquisas empíricas sobre a relação das emoções discretas do professor com a autoeficácia docente; (b) estudos assentes em definições explícitas de emoções e autoeficácia docente; (c) amostra do estudo formada por, pelo menos, 80% de professores do ensino fundamental e ensino médio; (d) pesquisas publicadas entre o ano de 1980 e fevereiro de 2022; (e) artigos de periódicos revisados por pares e publicados em inglês, português e/ou espanhol. Para o estudo ser considerado inelegível, necessitou apresentar apenas um dos critérios de exclusão: (a) artigos de revistas de anais de conferência, livros, capítulos de livros, dissertações e teses; (b) estudos secundários (e.g., revisão sistemática, narrativas); (c) estudos que não tenham como foco a autoeficácia docente e emoções discretas do professor no contexto escolar; (d) estudos que utilizaram instrumentos que não avaliam as emoções discretas do professor, porém conceitos relacionados,mpor exemplo, afeto geral; (e) artigos não publicados/disponíveis em texto completo. Na etapa 2, foram eliminados os estudos duplicados de forma automática no software StArt e depois de forma manual pela primeira autora. Na etapa 3, a primeira autora realizou a triagem inicial, realizando a leitura dos títulos e resumos dos artigos e verificando os critérios de inclusão e exclusão. A etapa 4 consistiu na avaliação dos estudos selecionados; estes foram baixados e as duas autoras leram os textos completos de forma independente. Os desacordos foram resolvidos por meio de discussão, levando-se em conta os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos no protocolo para a tomada de decisão.
A etapa 5, extração dos dados, foi conduzida pela primeira autora, sendo conferida pela segunda autora. Os estudos incluídos foram revisados para a extração dos dados. As informações para a realização da extração dos dados foram organizadas em uma planilha do software Excel, previamente elaborada pelas autoras. Na planilha, foram estruturados os principais dados dos estudos: primeiro autor e ano; país onde foi realizada a coleta de dados; tamanho da amostra; idade; gênero; tipo de escola: pública ou privada; nível de ensino: ensino fundamental ou médio; desenho do estudo (qualitativo, quantitativo ou misto); instrumentos utilizados na recolha de dados; resultados; emoções discretas estudadas.
Para avaliar a qualidade dos estudos (etapa 6) foi utilizada a ferramenta Appraisal Tool for Cross-Sectional Studies (AXIS) (DOWNES; BRENNAN; WILLIAMS; DEAN, 2016), que permite avaliar a qualidade e risco de viés dos estudos de uma revisão sistemática. Este é composto por 20 itens com respostas, sim, não ou não sei, organizado em cinco domínios: introdução (n= 1 item; e.g., os objetivos do estudo são claros); métodos (n= 10 itens; e.g., a população-alvo foi claramente definida); resultados (n= 5 itens; e.g., os resultados são consistentes internamente); discussão (n= 2; e.g., as limitações do estudo foram discutidas); outros (n= 2; e.g., foi obtida aprovação ética ou consentimento dos participantes). A análise dos resultados da ferramenta AXIS são realizadas de maneira subjetiva já que não é utilizada uma escala numérica para sua avaliação na ferramenta original (DOWNES; BRENNAN; WILLIAMS; DEAN, 2016). Para esse estudo foi atribuída uma pontuação para cada resposta sim= 1, não= 0 e não sei=0 (nos itens 13 e 19 a pontuação é reversa), sendo que cada estudo pode alcançar até 20 pontos. Estudos que obtenham uma pontuação entre 0 e 7 são considerados de baixa qualidade, entre 8 e 14 de qualidade moderada e acima de 15 de alta qualidade (MUSETTI; MANARI; DIONI; RAFFIN; BRAVO; MARIANI; ESPOSITO; DIMITRIOU; PLAZZI; FRANCESCHINI; CORSANO, 2021). A avaliação foi realizada pelas duas autoras de forma independente; os resultados divergentes foram discutidos até chegar a um consenso.
Resultados
A busca inicial nas bases de dados resultou em 4194 artigos (ERIC EBSCOhost: n= 1055; Scopus: n= 1343; Web of Science: n= 1796), dos quais foram excluídos 1478 estudos por serem duplicados, o que resultou num total de 2716 estudos para a triagem inicial. A partir da leitura de títulos e resumos foram excluídos 2586, resultando em 130 estudos para a realização da etapa seguinte. Após a leitura do texto completo, foram excluídos 123 estudos por não atenderem aos critérios de inclusão: não estudaram a população de professores do ensino fundamental ou médio (n= 23); não focaram no estudo da autoeficácia docente (n= 19) ou nas emoções discretas do professor no contexto escolar (n= 71); não estudaram a relação das emoções do professor com a autoeficácia docente (n= 7); o estudo não foi disponibilizado em texto completo (n= 2) ou foi publicado em anais de congresso (n= 1). Ao final, foram incluídos na presente revisão sistemática sete estudos que cumpriram aos critérios de inclusão previamente estabelecidos (Figura 1).
Características dos estudos e qualidade
As pesquisas foram realizadas em diferentes países (Alemanha, Áustria, Coréia do Sul, Croácia, Estados Unidos e Romênia), sendo que o continente europeu foi aquele que obteve maior quantidade de estudos (n=5). A Croácia apresentou o maior número de publicações (n= 2). Os estudos foram publicados a partir do ano 2015 (Quadro 2).
Alguns estudos foram realizados em escolas públicas (n= 2) e alguns não citaram o tipo de instituição de coleta de dados (n= 5). A maioria dos estudos pesquisaram professores do ensino fundamental e ensino médio, sendo que apenas dois estudaram apenas os professores do ensino médio, e outros estudos incluíram também professores da pré-escola (MANASIA; PÂRVAN; MACOVEI, 2020), universidade e instituição particular (LEE; VAN VLACK, 2018), porém o percentual em relação a amostra total foi de 7,5%, 4,5% e 14,2% respectivamente. Em relação a disciplina ministrada, apenas o estudo de Lee e van Vlack (2018) refere a área de atuação dos professores (inglês), os demais estudos não mencionaram essa informação, ou apenas referiram que são professores de diferentes disciplinas (Quadro 2).
No que diz respeito as características da amostra, verifica-se que, em todos os estudos, a maioria dos participantes foram professores do gênero feminino. O tamanho da amostra variou de 68 a 3010 professores. A idade média dos participantes foi de 41,34 anos (DP= 3,43). A média da experiência na docência foi de 15,13 anos (DP= 4,50) e foi calculada levando-se em conta apenas seis estudos, visto que no estudo de Manasia, Pârvan e Macovei (2020), o tempo de experiência na docência foi apresentada seguindo a classificação do sistema educacional da Romênia (65,3% professores de 1° grau) (Quadro 2).
Ao total, seis estudos têm uma natureza transversal (BURIĆ; FRENZEL, 2019; FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016; HAGENAUER; HASCHER; VOLET, 2015; LEE; VAN VLACK, 2018; MANASIA; PÂRVAN; MACOVEI, 2020; TAXER; FRENZEL, 2015), sendo que apenas um estudo foi longitudinal (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020); todos de abordagem quantitativa (Quadro 2). Para avaliar as emoções do professor e as crenças de autoeficácia docente, os estudos utilizaram diferentes questionários e/ou escalas de autorrelato (Quadro 2). A medida mais utilizada para mensurar as emoções do professor foi o TES (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016) (n= 2), apresentando um Alfa de Cronbach de 0,70 a 0,92. Já em relação a autoeficácia docente, a escala mais utilizada foi o TSES (n= 4), também nomeada de OSTES (TSCHANNEN-MORAN; HOY, 2001), em sua versão original ou adaptada; o Alfa de Cronbach para esse instrumento varia entre 0,87 a 0,91 nos estudos. Todos os instrumentos apresentam boas qualidades psicométricas.
Autores Ano País | Desenho do estudo | Participantes | Sexo (%) Idade (Média, DP) Experiência profissional (Média, DP) Disciplina Tipo de escola | Instrumentos de recolha de dados (emoções e autoeficácia docente) | Avaliação da qualidade /20 |
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Burić e Frenzel (2019) Croácia | Quantitativo - transversal | 505 professores do ensino médio | 76,8% gênero feminino Idade: 41,39 anos (DP= 10,44) Experiência profissional: 14,95 anos (DP= 10,71) Diversas disciplinas Escola pública | Teacher Anger Scale (TAS) (BURIĆ; FRENZEL, 2019) Teacher Sense of Efficacy Scale (TSES) (TSCHANNEN-MORAN; HOY, 2001) | 14/20 |
Burić, Slišković e Sorić (2020) Croácia | Quantitativo - longitudinal | 3010 professores do ensino fundamental e médio | 82% gênero feminino Idade: 41,75 anos (DP = 10,44) Experiência profissional: 15,28 anos (DP = 10,50) Diversas disciplinas Escola pública | Teacher Emotion Questionnaire (TEQ) (BURIĆ, SLIŠKOVIĆ; MACUKA, 2018) Teacher Self-Efficacy Scale (TSES) (SCHWARZER; SCHMITZ; DAYTNER, 1999) | 18/20 |
Frenzel, Pekrun, Goetz, Daniels, Tracy, Becker- Kurz e Klassen (2016) Alemanha | Quantitativo - transversal | 68 professores do ensino fundamental e médio | 76,8% gênero feminino Idade: 40 anos (Min/Max= 24/65 anos; DP= 12 anos) Experiência profissional:18 anos (Min/Max= 1/42 anos; DP= 12 anos) Tipo de escola: Não informado | Teacher Emotions Scale (TES) (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016) Teachers’ sense of efficacy scale (TSES) (TSCHANNEN-MORAN; HOY, 2001) | 15/20 |
Hagenauer, Hascher e Volet (2015) Áustria | Quantitativo - transversal | 132 professores do ensino médio | 65,6% gênero feminino Idade: 47,12 anos (min= 25; max= 62 anos) Experiência profissional: 20,56 anos (min= 0,5 anos; max= 43 anos) Tipo de escola: Não informado | Teacher Emotions Scale (TES) (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016) Questionnaire focused on teachers’ self-efficacy intentionally built for the study | 14/20 |
Lee e van Vlack (2018) Coréia do Sul | Quantitativo - transversal | 127 professores do ensino fundamental, médio, universidade e institutos | 92,1% gênero feminino Idade: 36,03 anos (DP= 7,73) Experiência profissional: 7,15 anos (DP= 6,39) Professores de inglês Tipo de escola: Não informado | Achievement Emotions Questionnaire for Teachers (AEQ-T) (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ, 2010) Emotions in Teaching Inventory (ETI) (TRIGWELL, 2009) Teachers’ Sense of Efficacy Scale (TSES) (TSCHANNEN-MORAN; HOY, 2001) | 15/20 |
Manasia, Pârvan e Macovei (2020) Romênia | Quantitativo - transversal | 1092 professores do ensino infantil, fundamental e ensino médio | 87,7 % gênero feminino Idade: 39,7 anos (DP= 10,01) Experiência profissional: 65,3% Professores de 1° grau Tipo de escola: Não informado | Teacher Emotions Scale (TES) (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016) Perceived Self-efficacy | 16/20 |
Taxer e Frenzel (2015) Estados Unidos da América | Quantitativo - transversal | 266 professores do ensino fundamental e médio | 65,9% gênero feminino Idade: 43,43 anos (DP= 11,65) Experiência profissional: 14,86 anos (DP=10,43) Tipo de escola: Não informado | Discrete Emotions Emotional Labor Scale (versão adaptada) (GLOMB; TEWS, 2004) Ohio State Teacher Efficacy Scale (TSCHANNEN- MORAN; HOY, 2001) | 14/20 |
Fonte: Elaboração das autoras a partir dos estudos incluídos na revisão sistemática
Os estudos incluídos revelaram uma qualidade de moderada a alta, visto que variaram de 14 a 18 itens da ferramenta AXIS (M = 15,14; DP = 1,4) (Quadro 2). Apenas um estudo atendeu aos 18 itens dessa ferramenta (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020), um estudo atendeu a 16 itens (MANASIA; PÂRVAN; MACOVEI, 2020), outros dois atenderam a 15 itens (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016);
LEE; VAN VLACK, 2018) e, finalmente três estudos atenderam a 14 itens (BURIĆ; FRENZEL, 2019; HAGENAUER; HASCHER; VOLET, 2015; TAXER; FRENZEL, 2015). Em relação aos itens que não foram atendidos, em todos os estudos (n= 7) não foi justificado o tamanho da amostra e o processo de seleção não permitiu selecionar participantes representativos da população-alvo. Outros estudos não mencionaram os não respondentes (n= 6) e não tomaram medidas para os caracterizar (n= 5); ou a taxa de resposta levanta preocupações sobre viés de não resposta (n= 4). Quatro estudos não referiram conflitos de interesse e, em apenas um, os instrumentos não foram testados ou publicados anteriormente.
Emoções discretas investigadas
Ao total foram estudadas seis emoções positivas (amor, alegria, prazer, orgulho, felicidade, entusiasmo) e doze negativas (raiva, ansiedade, culpa, tristeza, vergonha, exaustão, desesperança, frustração, pena, tédio, desapontamento e desamparo). A emoção discreta do professor mais investigada foi a raiva (n= 6), seguida da ansiedade (n= 4). Essas emoções foram investigadas em relação ao contexto de sala de aula (ensino e/ou alunos). Apenas no estudo de Burić e Frenzel (2019), que além de analisar a raiva dos professores relacionada ao aluno, investigou também em relação aos pais, aos colegas e ao sistema educacional (Quadro 3)
Relação entre emoções discretas e autoeficácia docente
A relação das emoções com a autoeficácia docente pode ser investigada levando-se em conta três tipos de relações. Em alguns estudos, as emoções emergem como antecedentes da autoeficácia docente, em outros estudos como consequentes e é também possível investigar a sua relação recíproca (CHEN, 2021). Na maioria dos estudos incluídos na revisão sistemática, as emoções aparecem como antecedentes da autoeficácia docente (n= 4); apenas em dois estudos, as emoções surgem como consequentes. Apenas no estudo longitudinal de Burić, Slišković e Sorić (2020) foi estudada a relação recíproca desses dois constructos (Quadro 3).
Estudo (autores) | Emoções investigadas | Principais resultados (relações significativas entre emoções discretas e autoeficácia docente) |
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Burić e Frenzel (2019) | Emoção discreta negativa: raiva | Correlação negativa entre raiva em relação aos alunos e as diferentes dimensões da autoeficácia docente: - dimensão estratégias instrucionais (r = -0,35) - dimensão gerenciamento da sala de aula (r = -0,39) - dimensão envolvimento do aluno (r = -0,28) Correlação negativa entre raiva em relação aos pais e as diferentes dimensões da autoeficácia docente: - dimensão estratégias instrucionais (r = -0,19) - dimensão gerenciamento da sala de aula (r = -0,14) - dimensão envolvimento do aluno (r = -0,17) Correlação negativa entre raiva em relação aos colegas e as diferentes dimensões da autoeficácia docente: - dimensão estratégias instrucionais (r = -0,17) - dimensão gerenciamento da sala de aula (r = -0,11) - dimensão envolvimento do aluno (r = -0,17) |
Burić, Slišković e Sorić (2020) | Emoções discretas positivas: alegria, orgulho, amor Emoções discretas negativas: raiva, exaustão, desesperança | Correlações positivas nos diferentes momentos de mediação entre: Alegria e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = 0,29; r = 0,25; r = 0,24) Orgulho e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = 0,36; r = 0,32; r = 0,29) Amor e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = 0,37; r = 0,31; r = 0,29) Correlação negativa nos diferentes momentos de mediação entre: Raiva e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = -0,35; r = -0,29; r = -0,29) Exaustão e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = -0,26; r = 0,22; r = -0,23) Desesperança e autoeficácia docente (T1, T2, T3) (r = -0,39; r = -0,36; r = -0,38) Efeito negativo das emoções negativas, raiva (βT2 = -0,108; βT3 = -0,144), exaustão (βT2 = -0,070; βT3 = -0,097) e desesperança (βT2 = -0,123), na autoeficácia docente em medições futuras Efeito positivo da autoeficácia docente na alegria (βT2 = 0,117; βT3 = 0,106) e orgulho (βT2 = 0,108), em medições futuras Efeito negativo da autoeficácia docente na desesperança em medições futuras (βT2 = -0,091) |
Frenzel, Pekrun, Goetz, Daniels, Tracy, Becker- Kurz e Klassen (2016) |
Emoção discreta positiva: prazer Emoções discretas negativas: Raiva, ansiedade | Correlação negativa entre ansiedade e autoeficácia docente (r = -0,29) |
Hagenauer, Hascher e Volet (2015) | Emoções discretas positivas: alegria Emoções discretas negativas: raiva, ansiedade | Efeito positivo da autoeficácia docente - dimensão estratégias instrucionais na alegria (β = 0,27) |
Lee e van Vlack (2018) | Emoções discretas positivas: prazer, orgulho Emoções discretas negativas: raiva, ansiedade, frustração | Efeito positivo do prazer na autoeficácia docente - gerenciamento da sala de aula (β = 0,29) Efeito positivo da raiva na autoeficácia docente - gerenciamento da sala de aula (β = 0,38) Efeito negativo da frustração na autoeficácia docente - gerenciamento da sala de aula (β = -0,39) |
Manasia, Pârvan e Macovei (2020) | Emoção discreta positiva: prazer | Efeito positivo de autoeficácia na emoção prazer (em ensinar): (β = 0,21) |
Taxer e Frenzel (2015) | Emoções discretas positivas (expressas): Felicidade, orgulho, entusiasmo, gostar Emoções discretas negativas (expressas): raiva, ansiedade, tristeza, culpa, vergonha, pena, tédio, não gostar, desapontamento, desamparo |
Correlação positiva entre autoeficácia docente e emoções positivas: Felicidade (r = 0,37), orgulho (r = 0,43), entusiasmo (r = 0,47), gostar (r = 0,37) Correlação negativa entre autoeficácia docente e emoções negativas: raiva (r = -0,17), não gostar (r = -0,21), tédio (r = -0,18) |
Fonte: Elaboração das autoras a partir dos estudos incluídos na revisão sistemática
Emoções discretas positivas e autoeficácia docente
As emoções discretas positivas estudadas apresentam uma correlação positiva com a autoeficácia, sendo o efeito pequeno a moderado (0,29 - 0,47) (COHEN, 1998). Em alguns casos as correlações pequenas e significativas podem surgir em amostras de grandes dimensões, como é o caso do estudo de Burić, Slišković e Sorić (2020).
A autoeficácia docente prediz a alegria (HAGENAUER; HASCHER; VOLET, 2015) e prazer em ensinar (MANASIA; PÂRVAN; MACOVEI, 2020). Os níveis de autoeficácia atuais têm um efeito positivo nos níveis futuros das emoções, orgulho (βT2 = 0,108) e alegria (βT2 = 0,117; βT3 = 0,106) (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020).
No geral, os estudos apontam para uma associação positiva entre emoções positivas discretas e autoeficácia docente, em particular no que diz respeito à emoção alegria (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020; HAGENAUER; HASCHER; VOLET, 2015), amor (BURIĆ;
SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020), gostar (TAXER; FRENZEL, 2015), felicidade e entusiasmo (TAXER; FRENZEL, 2015).
Esta relação é menos evidente no que diz respeito às emoções orgulho e prazer, sendo os resultados obtidos em diferentes estudos contraditórios. Por exemplo, nos estudos de Lee e van Vlack (2018) e Taxer e Frenzel (2015), a emoção orgulho e a autoeficácia docente não apresentam uma relação significativa, sendo, no entanto, essa relação positiva (r= 0,36) em outro estudo (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020). Do mesmo modo, no estudo de Frenzel, Pekrun, Goetz, Daniels, Tracy, Becker-Kurz e Klassen (2016), a emoção prazer e a autoeficácia docente não apresentam uma relação significativa, sendo esta relação positiva nos estudos de Lee e van Vlack (2018) e de Manasia, Pârvan e Macovei (2020). Por fim, as emoções discretas positivas investigadas não predizem a autoeficácia, longitudinalmente, como era esperado (e.g., BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020).
Emoções discretas negativas e autoeficácia docente
No caso das emoções discretas negativas, estas tendem a estar correlacionadas negativamente com a autoeficácia docente, quer considerada de forma unidimensional, quer tendo em conta diversas dimensões da autoeficácia docente. Os valores absolutos das correlações variam ente pequeno a moderado (0,11-0,39) (CONHEN, 1988).
As emoções discretas negativamente correlacionadas com a autoeficácia docente são desesperança (r = -0,39), exaustão (r = -0,26) (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020), não gostar (r = -0,21), tédio (r = -0,18) (TAXER; FRENZEL, 2015), frustração (r = -0,43) (LEE; VAN VLACK, 2018). Já a emoção ansiedade se associou negativamente com a autoeficácia docente em um estudo (r = -0,29) (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ; KLASSEN, 2016) e em outros não apresentou uma relação significativa (LEE; VAN VLACK, 2018; TAXER; FRENZEL, 2015). Por fim, a emoção desesperança teve uma relação recíproca com a autoeficácia docente (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020).
Os resultados da relação entre a emoção raiva com a autoeficácia docente foram os menos claros, visto que se verificou uma associação negativa (BURIĆ; FRENZEL, 2019; BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020) ou positiva (LEE; VAN VLACK, 2018) desta emoção com a autoeficácia docente (Quadro 3). Ao comparar o efeito dos resultadas da emoção raiva mensurada em um nível mais geral (e.g., relacionada ao ensino e alunos) e a um nível específico (e.g., turma), verifica-se que no primeiro caso uma correlação negativa moderada (r = -0,35) (BURIĆ; FRENZEL, 2019) e, no outro caso, uma correlação negativa baixa (r = -0,17) (TAXER; FRENZEL, 2015). Importa referir que, no caso da associação positiva da raiva com a autoeficácia (β = 0,38), essa última foi mensurada em relação a dimensão gestão de sala de aula (LEE; VAN VLACK, 2018). Além disso, é de referir que o efeito é baixo nos casos da emoção raiva em relação aos pais e colegas, tendo em conta várias dimensões da autoeficácia docente (estratégias instrucionais, gerenciamento da aula e envolvimento do aluno) (BURIĆ; FRENZEL, 2019). Novamente, efeitos pequenos e significativos podem surgir em amostras de grandes dimensões, como é o caso. Para concluir, importa também mencionar que a raiva tende a predizer negativamente a autoeficácia docente futura (βT2= -0,108; βT3= -0,144), contudo, a autoeficácia não prediz a raiva em medições futuras (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020).
Discussão
A presente revisão sistemática teve como objetivo examinar a relação entre as emoções discretas e a autoeficácia docente. A revisão sistemática de literatura resultou em sete estudos, de abordagem quantitativa. O número restrito de estudos que foram incluídos na revisão, a partir dos critérios de inclusão sobre a relação entre as emoções do professor (na perspectiva discreta) com a autoeficácia docente, parece sugerir a natureza ainda exploratória desse campo de pesquisa. Esses estudos de abordagem quantitativa, foram de desenho transversal, em sua maioria, e apresentaram uma qualidade moderada a alta a partir da avaliação pela ferramenta AXIS.
O conjunto destes estudos suportam, de uma forma moderada, a relação entre algumas emoções discretas dos professores e as crenças de autoeficácia docente. Tal como proposto pelo modelo CHEN (2021), esta relação pode ser de diferentes naturezas. Assim, nalguns estudos as emoções emergem como antecedentes e noutros como consequentes da autoeficácia docente; um estudo evidenciou a natureza bidirecional desta relação. Esses resultados dão suporte ao modelo TEM (CHEN, 2021) e estão de acordo com o modelo teórico de Bandura (1997) sobre as emoções serem uma fonte informação para as crenças de autoeficácia.
Os estudos abordaram diferentes emoções discretas, tendo sido a raiva a emoção discreta mais investigada. Para além disso, as emoções positivas são menos estudadas. O interesse pela emoção raiva pode resultar do fato da emoção raiva ser uma das emoções discretas que os professores mais experienciam no processo de ensino (FRENZEL, 2014; SUTTON; WHEATLEY, 2003). Também segundo Schirmer (2015), o número de emoções negativas experienciadas pelas pessoas é, em geral, maior do que o número de emoções positivas. No entanto, as emoções positivas são importantes para o bem-estar psicológico dos indivíduos (FREDRICKSON, 2001), sendo que, no contexto educativo, a experiência de emoções positivas no processo de ensino-aprendizagem (e.g., prazer) pode contribuir para menores níveis de burnout (FRENZEL; PEKRUN; GOETZ; DANIELS; TRACY; BECKER-KURZ;
KLASSEN, 2016), sendo assim relevante também investigá-las.
No que diz respeito à relação entre emoções positivas e as crenças de autoeficácia docente, os resultados sugerem que há uma associação positiva entre as duas. Esses resultados são consistentes com a ideia de que as emoções positivas podem promover recursos psicológicos (FREDRICKSON, 2001), por exemplo, crenças de autoeficácia docente. Para além disso, ao acreditar em suas capacidades para alcançar determinados objetivos educacionais, o professor pode experienciar emoções mais positivas (BORRACHERO; BRÍGIDO; COSTILLO; BERMEJO; MELLADO, 2013), ou experienciar menos estados emocionais negativos (BANDURA, 2012). Esse resultado é relevante para o processo educativo, afinal, experienciar emoções positivas e elevadas crenças de autoeficácia docente podem contribuir para o ensino de qualidade (PITKÄNIEMI, 2017). Os professores com crenças positivas de autoeficácia docente estão mais propensos a utilizar estratégias de ensino voltadas para o aluno, quer dizer, adaptam a aula para atender as suas necessidades, além de terem uma maior tolerância com alunos indisciplinados (ZEE; KOOMEN, 2016). Assim, ao experienciar e expressar emoções positivas (e.g., orgulho), o professor pode contribuir para a aprendizagem do aluno e despertar o prazer em aprender, afinal, as emoções podem contagiar outras pessoas (PEKRUN, 2014).
No que diz respeito à relação entre as emoções negativas e as crenças de autoeficácia docente, os resultados sugerem uma relação negativa entre estas emoções e a autoeficácia docente e vice-versa, exceto para a emoção raiva. Aliás, a emoção raiva é aquela mais estudada, mas também com resultados mais contraditórios. Os resultados contraditórios podem emergir do fato dos autores utilizarem diferentes instrumentos de medida, o que pode ocasionar a mensuração de aspectos diferentes do mesmo constructo. Para além disso, nos vários estudos, quer a emoção raiva quer a autoeficácia docente foram medidos em diferentes níveis de especificidade; por exemplo, autoeficácia docente mensurada em relação ao ensino geral, mas as emoções mensuradas ao nível específico de turma; e, para além disso, a autoeficácia docente foi estudada tendo em conta diferentes dimensões do trabalho do professor. Todos estes aspetos podem ter influenciado os resultados e a força das relações detectadas (ZEE; KOOMEN, 2016). Por exemplo, no estudo no qual a raiva se relacionou positivamente com a autoeficácia docente (LEE; VAN VLACK, 2017), os pesquisadores investigaram a autoeficácia docente em relação à capacidade do professor na gestão de sala aula. Já nos estudos em que a raiva se associou negativamente com a autoeficácia docente (e.g., BURIĆ; FRENZEL, 2019; BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020), essa última foi mensurada em relação a várias dimensões, tais como autoeficácia para engajar o aluno ou para se relacionar com os pais ou colegas. É possível que as crenças de autoeficácia para interagir com os alunos difiram das crenças sobre gestão de sala de aula na sua associação com diversas emoções discretas, como a ansiedade. Portanto, são necessárias mais investigações para aprofundar estas relações, atendendo a instrumentos de medidas e aspectos contextuais.
No que diz respeito à natureza da relação das emoções do professor com a autoeficácia docente, é de referir que o único estudo longitudinal incluído na revisão sistemática, revelou que as emoções de fato possuem uma relação com a autoeficácia docente, sendo esta não uma relação bidirecional, mas sim, assimétrica. Com efeito, as emoções negativas (e.g., desesperança) têm um maior efeito negativo nas crenças de autoeficácia docente e a autoeficácia docente tem efeito mais positivo nas emoções positivas, nomeadamente alegria e orgulho. Apenas a emoção desesperança teve uma relação recíproca com a autoeficácia docente (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020), já que a emoção desesperança teve um efeito negativo nos níveis futuros de autoeficácia docente e vice-versa.
Em particular, o efeito negativo que as emoções discretas negativas (tais como, raiva, exaustão e desesperança) têm na crença de autoeficácia futura estão alinhados com o modelo de Bandura (1997), de acordo com o qual os estados emocionais transmitem informações somáticas (BANDURA, 1997), que podem aumentar ou diminuir as crenças de autoeficácia (TSCHANNEN-MORAN; WOOLFOLK HOY; 2007). Em outras palavras, o professor ao avaliar as suas capacidades sobre ensinar e envolver todos os alunos no processo de ensino, pode confiar nesses estados emocionais, como a ansiedade, influenciando as suas crenças de autoeficácia docente. É possível que esse estado emocional possa atuar como um indicativo de mau desempenho pela interpretação do indivíduo (AIRSLAN, 2019).
Finalmente, é de referir que não há ainda uma resposta definitiva sobre qual a melhor perspectiva para estudar as emoções, se segundo uma abordagem discreta ou segundo uma abordagem dimensional (STUPNISKY; HALL; PEKRUN, 2019). Entretanto, os resultados da presente revisão, sugerem que a associação entre as emoções discretas e a autoeficácia docente diferem para algumas emoções discretas. Assim, compreender o papel de diversas emoções dos professores na construção das crenças de autoeficácia docente em uma perspectiva discreta pode ser relevante (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020). Afinal, cada emoção pode ter efeitos e causas específicas (LENCH; FLORES; BENCH, 2011), impactando de maneira diferente o comportamento, no que se refere, a sua organização, motivação e regulação (IZARD; ACKERMAN, 1993).
Implicações, limitações e direções futuras
Os resultados desta revisão fornecem evidências preliminares de que algumas emoções discretas do professor podem ser antecedentes, consequentes ou ter relações recíprocas com a autoeficácia docente. Nesse sentido, será importante que os gestores educacionais invistam em formações profissionais que tenham como tema estratégias e habilidades emocionais, bem como as crenças de autoeficácia docente, podendo melhorar a capacidade emocional dos professores (CHEN, 2019), contribuindo para o seu bem-estar (ZEE; KOOMEN, 2016) e para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem (PITKÄNIEMI, 2017).
Apesar dos estudos incluídos na presente revisão serem avaliados como de qualidade moderada a alta, algumas limitações necessitam ser evidenciadas. Em todos os estudos, a amostra foi de conveniência e composta por participantes em sua maioria do gênero feminino. O tamanho da amostra não foi justificado em nenhum dos estudos. Aliada a esses fatos, a população de interesse envolveu em sua maioria professores de países europeus. Diante desses aspectos, não é possível uma generalização dos resultados encontrados. Assim, em relação a pesquisas futuras, a partir das limitações reportadas, aconselha-se a promoção de pesquisas transculturais, tanto transversais como longitudinais, com o intuito de explorar diferentes emoções discretas em relação a autoeficácia com a utilização de diferentes abordagens qualitativa e quantitativa. Afinal, as emoções podem ser influenciadas pela cultura (SCHIRMER, 2015).
Em relação ao método, os estudos incluídos utilizaram-se, exclusivamente, de abordagem quantitativa para verificar a relação entre as emoções e a autoeficácia docente. Entretanto, os estudos de abordagem qualitativa, por exemplo, por meio de observações ou entrevistas, podem fornecer informações relevantes sobre os tipos de emoções vivenciadas no cotidiano de sala de aula (CHEN, 2021) e suas relações com as crenças de autoeficácia docente. O desenho longitudinal só foi realizado em um estudo, quer dizer, os estudos de natureza transversal prevaleceram, o que não permite uma esclarecer sobre a direção da relação entre diferentes emoções discretas e autoeficácia docente. Além disso, o instrumento do tipo autorrelato foi utilizado para mensurar as emoções e autoeficácia, o que pode proporcionar respostas socialmente desejáveis e/ou até mesmo imprecisões de memória.
Tal como reportado, os resultados relativos à emoção raiva divergem nos estudos, apontando para a necessidade de mais estudos, para aprofundar estes aspetos. A emoção raiva é uma das emoções negativas mais experienciadas pelos professores no cotidiano de sala de aula (FRENZEL, 2014) e pode ser desencadeada em sala de aula pelo comportamento dos alunos (SUTTON; WHEATLEY, 2003). Tendo em conta o seu efeito negativo na satisfação no trabalho e exaustão emocional (BURIĆ; FRENZEL, 2019), valerá apena estudá-la mais em pormenor, nomeadamente em contextos específicos, mais ainda quando a raiva parece predizer autoeficácia futura (BURIĆ; SLIŠKOVIĆ; SORIĆ, 2020). Além disso, os resultados do estudo de Burić e Frenzel (2019) apontam que a raiva do professor experienciada em relação aos pais, colegas de trabalho e sistema educacional não prejudicam as suas crenças de autoeficácia docente (em várias dimensões, tais como: estratégias instrucionais; gerenciamento da sala de aula; envolvimento do aluno). No entanto, poderá ser necessário aprofundar os estudos em diferentes contextos. Em contraste, será também importante compreender como outras dimensões da autoeficácia docente podem influenciar nas diferentes facetas/dimensões das emoções. Afinal, a demanda profissional da docência envolve múltiplas tarefas, que não apenas as voltadas para o processo de ensino e gerenciamento em sala de aula, tal como, a colaboração com os pais ou colegas de trabalho (SKAALVIK; SKAALVIK, 2007), sendo que, tal como referem Skaalvik e Skaalvik (2010), a autoeficácia docente pode ser investigada em uma perspectiva multidimensional (ensino; adaptação do ensino às necessidades individuais dos alunos; motivação dos discentes; manutenção da disciplina dos alunos; cooperação com os colegas e os pais dos discentes; formas de lidar com as mudanças e desafios). Assim, aconselha- se que em futuras pesquisas possam ser exploradas várias dimensões da autoeficácia docente, a fim de verificar se essas dimensões se associam significativamente com as diversas emoções discretas do professor, ou mesmo se as emoções estão associadas de forma distinta a cada uma das dimensões da autoeficácia.
Finalmente, é de referir que no presente estudo de revisão de literatura foram utilizados alguns critérios que podem ter ocasionado a exclusão de estudos relevantes sobre a temática. Primeiramente, foram incluídos apenas estudos publicados em periódicos revisados por pares e na língua, inglesa portuguesa e espanhola, o que pode ter ocasionado um viés de publicação, linguagem e cultural. Estudos em outros formatos (e.g., teses) e publicados em outras línguas podem não ter sidos verificados. Segundo, apesar da busca dos estudos terem sido realizadas em importantes bases de dados na área da educação e psicologia, a falta de busca em outras bases de dados pode ter ocasionado à ausência de algumas investigações. Diante das limitações indicadas, futuras pesquisas podem ampliar o idioma, formato dos estudos e bases de dados investigadas.
Conclusões
Tanto quanto sabemos, esta é a primeira revisão sistemática focada na relação entre as emoções discretas do professor e a autoeficácia docente na área da educação. Apesar de sua natureza exploratória, este estudo adiciona evidências que as emoções têm uma relação significativa com a autoeficácia docente, porém essa relação pode variar de acordo com a emoção discreta investigada. O único resultado longitudinal, sugere que, a princípio, quanto mais emoções negativas o professor experiencia, mais informação ele terá que poderá afetar negativamente as suas crenças de autoeficácia docente. Em contrapartida, possuir elevadas crenças autoeficácia docente, sobre a sua capacidade em realizar as atividades educacionais, pode contribuir, posteriormente, para o professor experienciar mais emoções positivas. Em conclusão, esta revisão sugere a importância de investigar as emoções do professor em sua abordagem discreta e em diversificadas culturas com o intuito de analisar como diferentes emoções discretas, se relacionam com a autoeficácia docente. Finalmente, estudos que explorem diferentes emoções discretas em relação a vários domínios da autoeficácia docente podem ser promovidos.