Mas o que é um texto histórico? Uma organização semântica destinada a dizer o outro: uma estruturação associada à produção (ou manifestação) de uma ausência. (CERTEAU, 2021, p. 56).
Com as palavras inquiridoras de Certeau, queremos dar as boas-vindas a você, leitor da Revista de História da Educação. Estamos iniciando 2023, um ano já demarcado por eventos intensos no âmbito social, cultural e político. O Brasil desperta para um tempo de (re)construção de políticas públicas em diferentes áreas e, em especial, destacamos os campos da Educação e Ciência. Após anos de interrupção no financiamento de revistas científicas, em 2023, a Revista de História da Educação volta a contar com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para os investimentos necessários para sua editoração e manutenção. Nos últimos anos, em função de todo um contexto de falta de investimentos na produção científica no país, a Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE) vinha mantendo e suprindo com recursos próprios as atividades vinculadas à editoração do periódico.
O ano de 2023 é também um período para a reconstrução de um ambiente democrático, com liberdade e valorização da Universidade, em especial, no âmbito científico e educacional no nosso país. Periódicos científicos como a Revista História da Educação se colocam no papel de contribuir, por meio de um trabalho sério e rigoroso, na difusão de pesquisas histórico-educacionais que nos permitam disseminar os conhecimentos da área, e, para além disto, convidar a pensar sobre a educação em tempos pretéritos, iluminando de modo crítico o presente.
O trabalho de editoração é acompanhado pela participação de uma miríade de pesquisadores que contribuem como autores, avaliadores e leitores. E, à medida em que avançamos na produção do conhecimento científico, complexificando as análises e os saberes na História da Educação, é desejável que possamos contribuir para a constituição de políticas públicas e práticas educativas coerentes com os tempos em que vivemos.
A História da Educação é um estar entre-dois, como refere Felgueiras (2008) ou, como explicou Nóvoa (1996) há algum tempo, trata-se de uma dupla possibilidade que demanda “novos entendimentos do trabalho histórico e da acção educativa”, pois
O mínimo que se exige de um historiador é que seja capaz de reflectir sobre a história da sua disciplina, de interrogar os sentidos vários do trabalho histórico, de compreender as razões que conduziram à profissionalização do seu campo académico. O mínimo que se exige de um educador é que seja capaz de sentir os desafios do tempo presente, de pensar a sua acção nas continuidades e mudanças do trabalho pedagógico, de participar criticamente na construção de uma escola mais atenta às realidades dos diversos grupos sociais (NÓVOA, 1996, p. 417).
A construção de uma escola e mesmo de uma prática educacional atenta aos desafios nos tempos pós-pandêmicos que possa fazer frente a lógicas como aquela do desempenho meritocrático e da concorrência, nos instiga a desejar que o trabalho do historiador da educação possa suscitar reflexões sobre o humano e seu processo educativo no tempo. Nesta direção, retomamos as palavras de Michel de Certeau (2021) que nos inspira ao refletir que
O trabalho histórico, inclusive em seu aspecto de erudição, não se limita, portanto, a reunir objetos encontrados, mas incidem essencialmente sobre a correlação entre eles. Ao combinar a multiplicação dos vestígios (papel da erudição) e a invenção das hipóteses ou de pertinências (papel da teoria), ele instaurou um sistema de relações: mediante tal procedimento é que ele produz o conhecimento de um passado, ou seja, de uma unidade (biográfica, ideológica, econômica, etc.) já superado (ainda mesmo que haja “sobras” disso, retiradas de outros sistemas). (CERTEAU, 2021, p.56).
Nos movimentos de pesquisa, com e a partir de um problema, consultamos arquivos, selecionamos e reunimos documentos, ordenando-os, analisando-os, reescrevemos, revisamos os problemas do presente, esculpimos evidências, articulando, produzindo inteligibilidades, narrando a partir dos referenciais teórico-metodológicos que nos embasam. E assim, constituímos os saberes histórico-educacionais que partilhamos em diferentes seções ao longo de 2023. Outro historiador, Georges Duby (1999) pergunta: “Para que escrever a história, se não for para ajudar seus contemporâneos a ter confiança em seu futuro e abordar com mais recursos as dificuldades que eles encontram cotidianamente?” E, afirma: “O historiador, por conseguinte, tem o dever de não se fechar no passado e de refletir assiduamente sobre os problemas de seu tempo” (DUBY, 1999, p. 09).
Diante dessas questões, ao lado da publicação escrita dos artigos, resenhas, documentos e traduções, a revista também incide nos leitores. Como adverte Chartier (1998), a leitura produz significados e tal prática contará com apropriação e invenção. A comunidade leitora, no caso aqui, especificamente, os pesquisadores interessados na área da História da Educação, têm liberdade para subverter o escrito. Ela pode refletir e esperar contribuições nas suas investigações. A leitura não é uma prática passiva, mas eivada de incursões, contradições, descobertas e pertencimentos. A escolha e seleção dos textos, que compõem esse editorial, foi pensada em contemplar a socialização e publicização de elementos investigativos da área historiográfica educacional, portanto, direcionada a um público leitor que deseja avançar e aprofundar diferentes pesquisas acadêmicas.
E, com tal intuito, desejamos que o conjunto de pesquisas aqui apresentado nos permita pensar/refletir no contemporâneo, complexificando e aprofundando nossos saberes. Boa leitura!