O presente artigo pretende realizar uma revisão de literatura acerca dos estudos produzidos na temática dos processos de escolarização dos imigrantes italianos que se instalaram no Brasil, sobretudo, a partir do final do século XIX. Portanto, este é um trabalho de pesquisa do tipo estado da arte que visa inventariar a produção existente sobre o tema. Os estudos serão mapeados em duas direções: quantitativos e analíticos.
Os estudos de estado da arte são importantes e necessários para que se tome conhecimento da configuração de determinado campo de pesquisa, do interesse dos pesquisadores nesse campo e para que se identifiquem lacunas que ainda não foram preenchidas pela historiografia da educação e que, portanto, podem indicar novas abordagens para uma temática, neste caso a da escolarização dos imigrantes italianos no Brasil. Com isso, não se diz que devem ser desconsideradas as pesquisas anteriores; muito pelo contrário, elas devem ser a base para eleger um novo problema dentro de uma mesma temática.
A imigração italiana para o Brasil foi intensa, sobretudo a partir das décadas finais do século XIX. Os imigrantes recém-chegados saíram de uma Itália recém-unificada e se dirigiram para diversos estados do Brasil, com predominância nas regiões sul e sudeste do país. Os números da imigração italiana para o Brasil são apontados por Franco Cenni (2011), que registra que a Itália transferiu para o Brasil, em menos de vinte anos, mais de um milhão de pessoas.
Conforme Santos (2010), a crise estabelecida na Itália após a sua unificação foi o que impulsionou a imigração. Primeiramente, imigraram pessoas do norte da Itália e, posteriormente, já no século XX, do sul daquele país. Isso se deu devido à industrialização do norte italiano, que deixou o trabalho artesanal sem espaço para seus produtos. Conforme a autora, o maior número de imigrantes ocorreu em fins do século XIX e início do XX. Esse contingente de italianos organizou instituições que os atendessem em vários aspectos, dentre elas aquelas relacionadas à educação e a escolarização, surgindo, nesse contexto, as escolas. Barausse e Luchese (2017) atentam para o fato de que houve uma heterogeneidade dessas iniciativas. Para os autores, diversos foram os atores que se dedicaram a promover a escola étnica. Na mesma direção, uma das tipologias de escolas étnicas foi a das escolas italianas subsidiadas pelo governo italiano, organizadas em diversos países para os quais italianos emigraram, entre eles o Brasil. Alguns estudos já foram realizados acerca dessas instituições no Brasil, no entanto, ainda não há um mapeamento desta produção ao nível nacional.
Nesse sentido, esta pesquisa foi realizada em dois momentos, com metodologias de buscas diferentes, mas que se complementam e possuem em comum o mesmo objetivo: mapear os estudos existentes sobre as escolas italianas no Brasil e as iniciativas escolares e educacionais dos grupos imigratórios italianos. Existem inúmeras nomenclaturas para definir a busca de estudos acerca de uma determinada temática, tais como: revisão de literatura, estado da arte, revisão sistemática, revisão de literatura teórica, entre outros. Azevedo (2016) identifica e define algumas dessas. Para esta pesquisa, importa mencionar que o objetivo dessas revisões é encontrar e dialogar com a produção existente sobre a temática, segundo a definição de Ferreira, que identifica dois momentos nessas pesquisas:
Um, primeiro, que é aquele em que ele (o pesquisador) interage com a produção acadêmica através da quantificação e de identificação de dados bibliográficos [...] Um segundo momento é aquele em que o pesquisador se pergunta sobre a possibilidade de inventariar essa produção [...] (FERREIRA, 2002, p. 265).
Desta forma, este estudo contempla as duas etapas da descrição de Ferreira (2002): a primeira, de quantificação da produção, e a segunda, de inventariação da produção, agrupando-a em categorias e as analisando.
Para organizar as discussões propostas, dividiu-se o texto em três itens. O primeiro traz um panorama das pesquisas que relacionam imigração e escolarização; no segundo item analisa-se a produção de teses, dissertações, livros e artigos publicados em periódicos especializados. O terceiro item, no que lhe concerne, debruça-se sobre os trabalhos publicados em anais de eventos. Por fim, as considerações finais trazem aspectos analíticos do texto.
IMIGRAÇÃO ITALIANA E ESCOLARIZAÇÃO
No âmbito dos estudos acerca da temática da história da imigração italiana, as relações entre pesquisadores brasileiros e italianos têm sido intensas nos últimos anos, demonstrando que pesquisadores das duas partes do Atlântico interessaram-se pelo tema. O excerto abaixo explica o interesse pela temática:
O interesse histórico nos processos educacionais e de identidade dos migrantes italianos surgiu na Itália nos anos 90, a partir de um impulso que os historiadores em emigração e da educação tentaram dar à dinâmica que envolvia a sociedade italiana. No entanto, as contribuições sobre esse tema permaneceram bastante esporádicas e desconhecidas. No contexto de iniciativas de caráter transnacional promovidas por historiadores e antropólogos italianos e brasileiros na década de 1990, com o apoio da Fundação Agnelli, orientadas a enriquecer a estrutura de conhecimento sobre a história da (e/im) migração italiana no Brasil, o espaço a dedicação ao processo educacional envolvendo (e/im) migrantes italianos no Brasil ficou praticamente à margem: intervenções esporádicas de Moretto Ribeiro e Petrone destacaram a falta de interesse dos migrantes na educação e na escolarização (ASCENZI et al., 2019, p. 228, tradução nossa).
Como explicam os autores, as primeiras pesquisas estiveram mais ligadas a outros campos do conhecimento e menos à história da educação desses imigrantes. No específico das escolas italianas no exterior1, alguns primeiros estudos de pesquisadores italianos, como os de Floriano (1974), Salvetti (2002) e Ciampi (1998), foram importantes para mostrar como foram significativas essas iniciativas, os números delas, assim como as leis que as regeram em diferentes períodos. Ainda, nos últimos anos, nota-se um crescimento significativo de estudos sobre a temática. Esse aumento poderia ser explicado também pelo contexto de intercâmbio acadêmico no que diz respeito à internacionalização das pesquisas e de trabalhos conjuntos de alguns pesquisadores mais recentemente, como explica Ascenzi et al. (2019):
Nos últimos anos, um grupo transnacional ítalo-brasileiro bilateral vem se desenvolvendo [...] O grupo transnacional desenvolveu uma agenda de trabalho real, partindo do pressuposto de que estudos sobre processos educacionais e escolares no contexto migratório brasileiro não podem se limitar à preparação de contribuições isoladas ocasionais para eventos internacionais (ASCENZI et al, 2019, p. 238-239, tradução nossa).
Inúmeras produções foram efetivadas a partir dessas aproximações internacionais de pesquisa, tais como dossiês em periódicos, livros e capítulos, assim como congressos e eventos a partir de uma rede de relações e pesquisas formada nos últimos anos. Os autores acima mencionados explicam o desenvolvimento dos estudos sobre o processo de escolarização e de educação do grupo étnico italiano:
O Grupo de História da Educação, Imigração e Memória (GRUPHEIM), afiliado ao CNPq e à Universidade de Caxias do Sul e chefiado por Terciane Ângela Luchese, desenvolve pesquisas articuladas com pesquisadores de diversas afiliações institucionais, relacionadas ao tema em diferentes estados do Brasil e na Itália. Ao todo, esses estudos lançam luz sobre as diferentes formas pelas quais a escolarização foi constituída por iniciativas étnicas italianas, na configuração do fenômeno migratório em diferentes estados brasileiros (ASCENZI et al, 2019, p. 230, tradução nossa).
Outros grupos de pesquisas, assim como pesquisadores individuais, também se dedicam a analisar as relações entre imigração e escolas e/ou educação. Um primeiro levantamento foi feito por Ascenzi et al. (2019) na introdução do dossiê Migrations and History of education in a transnational view between Italy and Brazil in 19th and 20th centuries (Migrações e História da educação em uma visão transnacional entre a Itália e o Brasil nos séculos XIX e XX). A partir desse primeiro levantamento realizado por Ascenzi et al. (2019), a presente pesquisa aprofundará o mapeamento para descrever as categorias de estudos que surgiram das pesquisas encontradas. Como escreve Azevedo (2016), uma série de critérios claros e objetivos é necessária para realizar uma revisão de estado da arte. É necessário definir uma metodologia de trabalho que dê conta dos objetivos propostos e explicar esse percurso metodológico.
Desta forma, na primeira etapa deste estudo, foi realizado um levantamento de livros, teses, dissertações e artigos de periódicos. A partir das pesquisas encontradas, foi realizada uma análise quanto ao recorte temporal, ao lócus da pesquisa, às fontes utilizadas, aos temas e aos campos que emergem a partir desses estudos. Na segunda etapa, procurou-se por textos publicados em anais de eventos da área da História da Educação, pois, de maneira geral, os artigos publicados em anais de eventos não estão indexados em banco de dados e repositórios on-line. Nesse sentido, foram visualizados os anais de alguns eventos importantes para a área da História da Educação, tanto em nível local e nacional quanto eventos internacionais. O objetivo foi perceber um crescimento ou não da temática nos eventos acadêmicos. Na sequência deste texto, serão detalhados todos os procedimentos metodológicos do presente estudo, assim como a análise da produção encontrada.
TESES, DISSERTAÇÕES, ARTIGOS E LIVROS
Neste primeiro bloco, a produção encontrada refere-se a diversas modalidades de publicação: teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos de periódicos e livros, físicos e e-books. Assim, identificar essa produção requisitou metodologias de busca igualmente diversas.
No que diz respeito aos livros, a busca foi mais difícil de ser efetuada por não haver bancos de dados específicos para indexação destes. Assim, efetuou-se a procura através do Google Acadêmico e Google Books, Academia.edu, além da leitura atenta das referências encontradas nos artigos que indicaram a produção de livros.
Assim, com essa procura, foram encontrados 09 livros específicos sobre a temática estudada. Não foram considerados os textos publicados como capítulos em livros que abordam de forma geral outras temáticas. Também não foram considerados os livros oriundos de dissertações de mestrado e de teses de doutorado, pois esses estudos estão inventariados no item das teses e dissertações. Foi necessário ter o cuidado de não repetir as publicações em várias categorias. Dos nove livros, quatro foram publicações individuais (PRADO, 2001, 2020; BONILHA, 1970; MASCHIO, 2013); Os outros cinco são publicações organizadas por pesquisadores conceituados no estudo da imigração e educação que recolheram artigos sobre diversas regiões e estados do Brasil (LUCHESE, KREUTZ, 2011; LUCHESE, 2014; LUCHESE, 2018; LUCHESE et al., 2021; LUCHESE, MALIKOSKI, 2021).
Quanto às teses, as dissertações e aos artigos publicados em periódicos especializados, a metodologia utilizada para o mapeamento dessa produção deu-se da seguinte maneira: primeiramente, foram selecionados os termos a serem usados como palavras-chave - “escolas italianas”, “escolas étnicas italianas”, “escolas italianas no exterior”, “escolas de imigrantes”, “escolas de imigração”, “imigração italiana e escolarização”, “imigração italiana e educação”. É interessante mencionar que a escolha desses descritores foi realizada após a leitura de muitos trabalhos da área e também a partir de estudos para entender como realizar uma revisão bibliográfica o mais completa possível. Além disso, ao longo do levantamento, os descritores foram sendo atualizados na medida em que se considerou necessário. Em um segundo momento, após encontrar e selecionar os trabalhos, estes foram lidos na íntegra e categorizados conforme será explicado na sequência.
A busca de teses e dissertações foi realizada nos seguintes bancos de dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações2 (BDTS) e Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES3. Na sequência, pesquisou-se por artigos completos nos seguintes repositórios nacionais e internacionais: Scientific Electronic Library Online4 (Scielo), Web of sciense5, SciVerse Scopus6 e Portal de Periódicos da Capes7. Os descritores mencionados acima foram inseridos nesses bancos de dados em três idiomas: português, inglês e italiano.
As teses e dissertações foram objeto de análise do citado estudo de Ascenzi et al. (2019), em que se realiza um primeiro levantamento referente a trabalhos de pós-graduação publicados nos estados brasileiros. Segundo os autores:
No que diz respeito à investigação sobre escolas étnicas italianas no contexto brasileiro, foram apresentadas seis teses de doutorado: Luchese e Rech sobre o Rio Grande do Sul, Maschio sobre o Paraná, Rodriguez sobre Minas Gerais, Correa sobre São Paulo e Otto sobre Santa Catarina. Também existem estudos de mestrado, como os de Mimesse e Franchini sobre São Paulo, Pagani sobre o Rio de Janeiro e Dos Santos Virtuoso sobre Urussanga, no estado de Santa Catarina. Algumas pesquisas foram desenvolvidas por Norberto Dallabrida sobre Santa Catarina (ASCENZI et al, 2019, p. 230, tradução nossa).
Nesta pesquisa foram encontradas mais três teses de doutorado além das citadas: uma sobre a cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais (TEIXEIRA, 2016), outra que se refere à cidade de Araraquara, no estado de São Paulo (TEIXEIRA, 2011) e uma última que estuda a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul (CASTRO, 2021). Além disso, acrescentaram-se, no mapeamento, seis dissertações: Cavalieri (2011) e Nicácio (2007), sobre o estado de Minas Gerais; Silveira (2007), sobre São Paulo; Thoen (2011) e Timm (2013), que estudaram algumas regiões do Rio Grande do Sul e, por fim, Vendramini (2003), sobre Santa Catarina. Dessa forma, totalizaram-se 09 teses e 11 dissertações na temática.
Quanto aos artigos publicados em periódicos, do ponto de vista quantitativo, foram considerados 81 artigos produzidos no espaço de tempo entre 1997 e 2022. Esse número, possivelmente, não é a totalidade daqueles que foram publicados. Seguramente uma revisão sistemática tem os seus limites, que vão desde a inserção das publicações nos bancos de dados até a escolha dos descritores adequados. Desse modo, esse mapeamento, apesar de exaustivo e com base em uma metodologia da revisão sistemática, não tem a pretensão de abranger a totalidade dos artigos publicados. No entanto, foram consultados os principais e mais importantes repositórios digitais nacionais e internacionais. Além disso, foi utilizada uma gama de descritores que possibilitam um panorama significativo da produção referente à temática das escolas italianas no Brasil. Teixeira (2006) alerta que as pesquisas de estado da arte não podem ser finitas, pois elas estão em construção permanente. Assim, o que se propõe é analisar, até o momento, uma temática específica dentro de um recorte geográfico e temporal.
Após encontrar os artigos, a próxima etapa foi organizá-los e descrevê-los cada um, a fim de sistematizar os dados e possibilitar a análise. As categorias escolhidas para a análise foram quatro: o recorte temporal, o lócus das pesquisas encontradas, as fontes e as abordagens investigadas. É necessário mencionar que alguns dos estudos não tratam somente da imigração e das escolas italianas, mas da imigração de uma forma geral, dentre as quais a italiana, e, entre os aspectos analisados, está aquele relacionado à escolarização, motivo pelo qual foram arrolados neste mapeamento.
Quanto ao recorte temporal, os estudos selecionados abrangem desde o período da grande imigração em massa para o Brasil até 1950. No entanto, o maior número maior de pesquisas referem-se ao final do século XIX e aos primeiros quinze anos do XX. Esse é um período muito significativo na história das escolas italianas no exterior, com várias políticas, regulamentos e legislações para essas instituições. A partir da política externa italiana da época, entre o final do século XIX e o início do XX, houve uma série de medidas e providências para o incremento das escolas italianas no exterior. Com isso, o número de escolas e os subsídios também aumentaram. Houve também um esforço maior em fiscalizar essas escolas, o que gerou um vasto conjunto documental dessas instituições. Isso condiciona um número significativo de estudos.
O período referente aos anos pós 1930, que seguem a nacionalização do ensino, também concentra um número mais elevado de estudos. Foi uma fase de profundas mudanças na escolarização brasileira e, sobretudo, para as escolas étnicas. Nesse período, também, foi produzida muita documentação, como relatórios de inspetores escolares, circulares e outras recomendações para o funcionamento das escolas, quais normas deveriam ser seguidas e quais eram proibidas. Tudo isso originou documentos que, na atualidade, estão salvaguardados em instituições de guarda e preservação e são utilizados como fontes para pesquisas histórico-educacionais. Além disso, no período do fascismo italiano houve um incentivo para a reabertura de algumas escolas que foram fechadas. Encontra-se nessas razões a explicação para a existência de mais estudos ligados à época, seja pela disponibilidade de mais fontes, seja por um número maior de escolas que foram reabertas.
O segundo ponto de interesse nessa produção levantada refere-se ao recorte geográfico das pesquisas. Interessou saber que estados e regiões do Brasil possuem estudos que dizem respeito à temática da imigração italiana e a escolarização. Verificou-se que, em sua totalidade, as pesquisas abrangem as regiões sul e sudeste do país. Em parte, essa produção explica-se pelo grande fluxo de imigrantes italianos que essas regiões receberam, onde, por consequência, foram criadas e mantidas associações italianas, como escolas e sociedades, possibilitando um número maior de pesquisas. Decerto que em cada um dos estados houve características específicas que possibilitaram um maior ou menor número dessas escolas, mas, regra geral, em um estado com mais presença de italianos, é natural e consequente uma presença de escolas igualmente maior.
Referente especificamente aos estados, São Paulo é onde se encontram mais estudos sobre essas instituições, embora ainda sejam poucos se comparados com a relevância e o número de escolas italianas em São Paulo, o estado brasileiro que mais recebeu imigrantes de origem italiana. Outro estado em que há muitos estudos publicados em periódicos é o Rio Grande do Sul. Nos estados de Santa Catarina e Paraná há igualmente um grupo de pesquisadores interessados na temática. Os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, embora em uma quantidade bastante menor, também possuem estudos consolidados sobre a organização desses espaços. Nas demais regiões do país, não foram encontradas pesquisas sobre o processo de escolarização dos imigrantes italianos e sobre as escolas étnicas italianas.
A partir desse panorama da distribuição das pesquisas nas várias regiões do país e da leitura dos anuários das escolas italianas no exterior8, nos quais se percebe que houve escolas italianas em outras regiões do Brasil além da sul e da sudeste, fica visível que ainda há muito a ser pesquisado sobre a presença dessas instituições escolares no Brasil. De todo o universo das escolas que existiram subsidiadas pelo governo italiano, não se pode dizer que já se tem um conjunto de estudos que abrangem um mapa mais completo da realidade brasileira. Ainda que em menor quantidade, os anuários apontam que houve uma imigração italiana direcionada para as regiões norte e nordeste do país e para essa população também foram subsidiadas escolas italianas pelo governo italiano. No entanto, a historiografia da educação ainda não lançou atenção a essas instituições escolares que certamente foram importantes no contexto local. Desta forma, se aponta aqui uma temática lacunar que pode ser explorada por futuros pesquisadores interessados.
O terceiro item analisado neste levantamento diz respeito às fontes utilizadas pelos pesquisadores. Uma variedade de documentos é possível de ser utilizada para estudar a temática, tanto documentos produzidos no Brasil como na Itália. No entanto, observa-se que alguns conjuntos de fontes predominam como mais utilizados do que outros. Um conjunto de fontes de que os pesquisadores lançaram mão, sobretudo no estado do Rio Grande do Sul, foram os álbuns comemorativos da imigração italiana. Embora essas publicações não tratem especificamente de escolas, é possível obter nelas informações que são relevantes. A história oral e as memórias dos imigrantes italianos e seus descendentes constituem outro grupo de fontes bastante utilizado pelos pesquisadores para compreender o percurso educacional desse grupo étnico. Os livros didáticos produzidos pelo governo italiano e utilizados nas escolas italianas, não somente no Brasil, mas também em outros países, foram utilizados como fontes pelos estudiosos da temática, ainda que em uma proporção mais tímida. A imprensa italiana no Brasil, na forma de jornais, periódicos e revistas, representa um conjunto de documentos que compõem o quadro das fontes utilizadas.
Outro agrupamento de documentos utilizados como fontes de pesquisa é aquele formado por documentos oficiais do governo brasileiro que abordam, de alguma maneira, aspectos que dizem respeito aos italianos e descendentes. De forma geral, foram mobilizados relatórios e mensagens dos presidentes das províncias, relatórios dos inspetores escolares e diretores de ensino em alguns estados, ofícios e requerimentos da instrução pública, documentos oficiais dos governos estaduais, mapas de frequência escolar, reformas políticas e educacionais, atas de inspeção de exames finais e registros de cartórios. Todos esses documentos foram utilizados não somente para compreender o percurso das escolas étnicas italianas, mas, principalmente, para estudar o percurso escolar dos imigrantes italianos e seus descendentes em instituições públicas brasileiras. A legislação brasileira a respeito das escolas étnicas é um aspecto que foi pouco explorado, tanto do ponto de vista temático quanto da utilização das fontes. Explicar do ponto de vista legislativo como as escolas étnicas, e não somente as italianas, foram tratadas pelo poder público e pela legislação escolar vigente na época ainda é uma lacuna existente.
Os documentos oriundos das sociedades de mútuo socorro, como atas de reuniões, estatutos, fichas de sócios, embora em uma quantidade pequena se levar-se em conta o número de sociedades que existiram, foram usados para compreender como se organizavam essas sociedades e como as escolas foram criadas dentro delas, qual era a sua organização interna, número de sócios, atividades e eventos que desenvolviam, qual era o perfil dos italianos em determinadas localidades e cidades. Os documentos internos das escolas, tais como exercícios escolares dos alunos, planejamento de aulas, cadernos escolares, são mais difíceis de serem encontrados e os estudos com essas fontes são numericamente inexpressivos.
Outras tipologias de fontes aparecem em menor número, mas são igualmente importantes para auxiliar a compreender o fenômeno das escolas italianas na sua complexidade, tais como relatórios de viajantes e fotografias. Arquivos particulares de instituições de ensino, como escolas confessionais ligadas a congregações religiosas, foram utilizados para perceber como os italianos e descendentes tiveram seu percurso escolar também nessas instituições. As fontes italianas são também utilizadas na temática, seu uso teve um crescimento significativo nos últimos anos com o incentivo à internacionalização da pesquisa e trocas entre pesquisadores italianos e brasileiros. Alguns estudos foram elaborados a partir dos dados contidos nos annuari delle scuole italiane all’estero. Em menor quantidade, alguns pesquisadores recorreram aos documentos produzidos pelos representantes consulares, por professores que atuavam nas escolas, além de correspondências entre a diplomacia italiana e os presidentes das associações italianas no Brasil e entre o governo italiano e o brasileiro.
O quarto e último ponto de análise dessa produção são as abordagens que emergiram no grande tema da imigração italiana e escolarização e/ou educação. Os 81 artigos selecionados foram agrupados em algumas categorias no que se referem as suas temáticas. Desta forma, para um conhecimento mais aprofundado das temáticas que emergiram, sistematizou-se a produção em 12 categorias, as quais foram assim nomeadas: 1) escolas italianas per se, 2) livros didáticos e livros de leitura, 3) saberes e culturas escolares, 4) professores, 5) imigração italiana e educação, 6) guias para a imigração, 7) análise das escolas através dos jornais, 8) as escolas e as iniciativas ligadas às associações italianas, 9) as memórias dos imigrantes, 10) fontes para o estudo das escolas italianas, 11) a inserção da língua portuguesa e as escolas públicas com estrangeiros e, por fim, 12) a nacionalização do ensino. Decerto que essa não é a única maneira de sistematizar essas pesquisas, mas uma das possibilidades. Outros pesquisadores com os mesmos dados poderiam construir esses arranjos de outra forma, mas aqui, neste texto, escolheram-se as categorias com base no que os dados apontaram como significativo. Nesse sentido, concorda-se com Moraes (2003) que a multiplicidade de análises possíveis de serem construídas com um mesmo conjunto está alinhada com os pressupostos teóricos de que o pesquisador irá fazer uso.
Uma parte significativa dessa produção teve como foco principal a análise das escolas italianas per se, ou seja, o levantamento e a história das escolas étnicas italianas em variadas regiões. Esses estudos se dedicam a analisar de uma forma mais geral sobre as escolas italianas9.
Outra abordagem de interesse crescente nos últimos anos diz respeito aos livros didáticos e aos livros de leitura utilizados nessas escolas. Estes eram aprovados e enviados pelo governo italiano às escolas no Brasil e distribuídos nas escolas étnicas subsidiadas ou produzidos no contexto local. Esses livros hoje são utilizados como importantes fontes para a pesquisa histórico-educacional e podem ser encontrados em algumas bibliotecas, arquivos e centros de pesquisa italiana, como em alguns acervos no Brasil, em menor quantidade que na Itália. A partir disso, alguns pesquisadores debruçaram-se a estudar essa produção, seja do ponto de vista da análise do conteúdo e da intencionalidade veiculada nesses materiais, seja do ponto de vista da produção e da circulação dos livros no Brasil10.
Nessa mesma lógica, alguns estudos foram produzidos acerca dos saberes e das culturas escolares, o que se ensinava e o que se prescrevia nas instituições. Os estudos no âmbito da cultura escolar também se enquadram nesta categoria. Ainda que não seja fácil encontrar fontes que permitam uma investigação no interior dessas instituições, alguns pesquisadores conseguiram materiais de atividades escolares, tais como exercícios escolares, e puderam delinear alguns elementos do que se esperava do ensino nessas instituições escolares étnicas11.
Mais um ponto de análise é aquele referente a quem ensinava nessas escolas: quem eram os professores? de onde vieram? Se foram enviados da Itália ou não? Qual era a formação? De modo geral, ainda se tem poucos estudos sobre o perfil dos professores que atuavam nessas instituições. A análise do papel desempenhado pelo corpo docente italiano no exterior é um assunto de estudo particularmente significativo para destacar os muitos aspectos que caracterizaram a história das escolas étnicas italianas no exterior e no Brasil em particular12.
Alguns estudos referem-se à temática mais ampla da imigração italiana e educação, buscando compreender quais as formas de educação e escolarização utilizadas pelos italianos nos anos que seguiram à chegada dos imigrantes no país. Nessa produção, são abordadas as escolas de congregações religiosas, escolas étnicas comunitárias, as quais não eram necessariamente subsidiadas pelo governo italiano, mas, sim, mantidas por outras instituições, e que atendiam as demandas educacionais dos imigrantes e seus descendentes. Fica claro, assim, que as escolas italianas ou as escolas para os imigrantes não foram homogêneas. Uma variedade de iniciativas foi produzida pelos e para os imigrantes italianos e cada uma delas merece ser analisada dentro da sua especificidade, sem menosprezar o contexto em que foram criadas e organizadas13.
A análise de guias e advertências produzidas na Itália para preparar os imigrantes italianos que se destinariam para o exterior é uma temática que vem sendo explorada nos últimos anos14. A análise das instituições escolares italianas através de jornais italianos é outra vertente de estudos15. O papel das associações italianas na criação e no desenvolvimento das escolas é outra abordagem recorrente16. Mais um viés são as memórias e as lembranças acerca das escolas étnicas italianas17. As fontes para a análise dessas escolas foram também objeto de um estudo18.
Outro bloco de estudos diz respeito à inserção da língua portuguesa nas escolas étnicas italianas, as quais tinham por base o ensino em língua italiana. Desse modo, alguns pesquisadores concentraram-se em analisar a inserção e o ensino do idioma português nessas instituições. Na mesma categoria, outro ponto de interesse dos pesquisadores tem sido a procura pela escola pública ao invés da escola étnica, assim como a relação entre o surgimento das escolas públicas e o consequente declínio das étnicas italianas19.
Por fim, a nacionalização e o consequente fechamento foram umas das questões problematizadas na temática maior das escolas étnicas italianas. Com a política nacionalista de Getúlio Vargas, as escolas étnicas foram alvo de controle e o fechamento foi inevitável. Decerto que alguns estados sentiram mais os efeitos da nacionalização do ensino, sobretudo justamente aqueles que receberam muitos imigrantes. Assim, várias são as pesquisas sobre a temática da nacionalização das escolas étnicas italianas20.
Com base neste levantamento realizado e sua análise, foi possível compreender que há ainda muito a ser estudado sobre essa temática, bem como lançar luzes sobre consolidadas pesquisas já existentes.
Na próxima fase da pesquisa, a atenção foi voltada para os trabalhos apresentados e publicados nos principais eventos da área da História da Educação.
APRESENTAÇÕES REALIZADAS EM EVENTOS CIENTÍFICOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS
Os eventos, congressos, seminários, encontros e simpósios na área da História da Educação foram outro foco deste levantamento, porém com um objetivo diferente. Para os eventos científicos, a intenção foi perceber o crescimento dos estudos acerca da relação entre a imigração italiana e as formas de educação, dentre as quais a escolarização. Foram pesquisados os anais e os resumos dos seguintes eventos: Encontros da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE), Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE), Encontros anuais da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa (ANPED nacional) e os encontros da Internacional Standing Conference for the History of Education (ISCHE). Havia a intenção de consultar os anais de outros dois eventos, Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação (COLUBHE) e Congresso Ibero-americano de História da Educação (CIHELA), porém não foi possível o acesso on-line aos anais dos mesmos. Quanto aos demais eventos, foram analisados os anos em que foram localizados os anais disponibilizados digitalmente, o que quer dizer que não foi possível abarcar todos os anos dos eventos, ainda que o material tenha fornecido um panorama do que se elucida neste texto, a saber, a temática das escolas italianas no Brasil. A escolha por quais eventos analisar foi pautada em critérios que abrangessem os principais eventos da área da História da Educação e estivessem diversificados entre eventos com abrangência local, nacional e internacional.
Para esta etapa, a metodologia de busca não foi baseada por descritores e palavras-chave, mas sim pela leitura dos títulos e cadernos de resumos de todos os eventos, e, posteriormente, a leitura na íntegra dos trabalhos selecionados na primeira etapa. A opção por não realizar a busca por palavras-chave decorreu-se da característica da publicação dos anais dos eventos, por não estarem indexados em repositórios, mas sim publicados em diversos sites e em diversos formatos. Assim, ao realizar a leitura dos títulos e abstracts, o levantamento ficaria mais completo.
Muitos dos textos encontrados nos anais de eventos são produções já publicadas também em periódicos científicos, indicando um grupo de estudiosos dedicados à temática. Neste momento, não serão descritos esses estudos nem os autores, pois o objetivo foi perceber como a temática da imigração e escolarização tornou-se um eixo consolidado de estudos em muitos congressos acadêmicos.
Bastos (2002) disserta acerca dos espaços para a produção da área da História da Educação:
Nos últimos anos, ampliaram-se significativamente os espaços para produção em História da Educação no Brasil. Criaram-se grupos de pesquisa e/ou associações de pesquisadores em nível regional, estadual (ASPHE - 1995) e nacional (SBHE - 1999). Foram realizados congressos - nacionais e internacionais; aumentou a participação de pesquisadores brasileiros nos encontros anuais da International Standing Conference for the History of Education (ISCHE), tendo a SBHE filiando-se em 2000 [...] (BASTOS, 2002, p. 1).
O primeiro evento analisado foi os encontros da Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação. Bastos (2005) escreve acerca da trajetória da entidade, a primeira associação de pesquisadores em História da Educação constituída no país. Em dois de setembro de 1996, na cidade de São Leopoldo, foi oficialmente fundada aquela associação. O primeiro encontro de pesquisadores da Associação realizou-se no ano seguinte e foi criado um periódico intitulado “História da Educação” (BASTOS, 2005).
Até o ano de 2022 foram realizados 27 encontros21 dessa associação, sendo possível analisar todos os anos. Foram encontradas 29 apresentações referentes à temática da imigração e escolarização e/ou educação. Os trabalhos iniciam em 1997 com os estudos de Lúcio Kreutz sobre a temática. Importante destacar que por alguns anos, os eventos da ASPHE contaram somente com os estudos de Kreutz, um pesquisador pioneiro na temática. Assim:
Após os primeiros estudos, realizados por Lucio Kreutz, que investigou processos de escolarização étnica de migrantes alemães no estado do Rio Grande do Sul, nos últimos quinze anos, a atenção à história dos processos educacionais em diferentes contextos étnicos e culturais passou por grande expansão (ASCENZI et al., 2019, p. 230, tradução nossa).
A partir do ano de 2005, iniciaram na Asphe as contribuições de Terciane Luchese com os estudos específicos sobre o percurso escolar dos imigrantes italianos e seus descendentes. Por alguns anos, os estudos acerca do tema foram, assim, poucos e pontuais. A partir de 2009, percebe-se um aumento no número de trabalhos, inclusive alguns referentes a outros estados da federação. Além de Kreutz e Luchese, novos pesquisadores passaram a apresentar suas contribuições nos encontros da Asphe. Em 2015, durante o 21º encontro, a temática central do evento foi “Etnias, culturas e história da educação”, girando as palestras e conferências do evento em torno deste tema. Nos anos subsequentes, sempre houve trabalhos que envolviam a temática, sobretudo referentes a regiões do estado do RS. O quadro 1 mostra o número de trabalhos encontrados distribuídos por ano.
Ano | Trabalhos apresentados |
---|---|
1997 | 1 |
1999 | 1 |
2004 | 1 |
2005 | 1 |
2007 | 2 |
2008 | 1 |
2009 | 3 |
2011 | 1 |
2012 | 1 |
2013 | 2 |
2014 | 1 |
2015 | 4 |
2016 | 1 |
2017 | 3 |
2018 | 2 |
2019 | 1 |
2021 | 1 |
2022 | 2 |
Fonte: quadro elaborado pela autora, 2020.
O Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE) foi o segundo evento analisado neste levantamento. É promovido pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), fundada em 1999, e teve sua primeira edição no ano de 2000, ocorrendo desde então bianualmente. De acordo com Saviani et al. (2011), o número crescente de pesquisadores no campo da História da Educação exigia a ampliação dos espaços para discussões e, portanto, a criação de uma sociedade se tornava vontade comum. Até o presente momento, ocorreram 11 edições do evento, sendo possível ter acesso aos anais de nove edições.
No CBHE há um grupo de trabalho específico sobre gênero e etnia, assim grande parte dos trabalhos que envolvem imigração e educação encontram-se nesse GT. Mas há também apresentações que foram realizadas em outros grupos de trabalho do congresso, tanto individuais quanto comunicações coordenadas. O número total é de 31 trabalhos distribuídos durante todos os anos analisados. A partir desse mapeamento, notou-se um crescimento exponencial após 2011. Até então, eram registradas uma ou duas apresentações por edição, mas, daquele ano em diante, nota-se que é constante o aumento dos estudos que envolvem a temática. É claro que são poucos trabalhos se considerarmos o número total de apresentações em todo o evento, mas é necessário também considerar que se analisa uma temática muito específica nos estudos histórico-educativos, apenas uma das diversas vertentes. A partir de 2011, registra-se uma participação maior dos autores também em comunicações coordenadas. Ainda que em 2006 tenha havido uma comunicação coordenada, o aumento ocorreu depois de 2011; o ano em que houve mais trabalhos foi em 2017, no total de sete trabalhos, um deles em comunicação coordenada e os outros seis individuais. O quadro 2 ilustra melhor a distribuição das apresentações em cada ano.
Ano | Trabalhos apresentados |
---|---|
2000 | 02 |
2002 | 01 |
2004 | 02 |
2006 | 02 |
2011 | 04 |
2013 | 04 |
2015 | 04 |
2017 | 07 |
2019 | 05 |
Fonte: quadro elaborado pela autora, 2020.
Outro evento analisado foi o Grupo de Trabalho 02 de História da Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa (ANPED Nacional). Foram consultadas 17 edições do encontro no interstício de tempo entre 2000 e 2022 (com exceção do ano de 2010). Os encontros nacionais da ANPED iniciaram-se em 1978 e ocorreram anualmente até 2012, quando passaram a acontecer a cada dois anos. No ano em que não ocorre a nacional, são realizadas as regionais em cada uma das regiões do Brasil. De todos os anos analisados no GT 02, foi encontrado somente 01 trabalho apresentado, no ano de 2005.
O encontro da ANPED Nacional é um dos maiores eventos da área da educação no Brasil, composto por vários grupos de trabalho, agrega pesquisadores de todas as regiões do país e possui um GT específico para a História da Educação. Pelo levantamento realizado, observa-se que esse evento não abrange um significativo número de trabalhos sobre a temática das escolas étnicas (Quadro 3).
Por último, foram consultados os abstracts da Internacional Standing Conference for the History of Education (ISCHE) para perceber a partir de uma perspectiva internacional como a temática foi abordada ao longo dos anos. É necessário considerar que a ISCHE possui uma característica diferente dos demais eventos analisados. Há uma dimensão internacional e a temática da imigração é abordada a partir de várias perspectivas. Nos últimos anos cresce a abordagem a partir dos estudos transnacionais e da histoire croisée, e dentro de tais abordagens encontram-se os estudos sobre imigração e educação. A ISCHE possui, em cada uma das suas edições, grupos de trabalhos nessa temática nos quais está incluída a maioria dos trabalhos selecionados. A nomenclatura desses GTs não permanece a mesma ao longo dos anos, mas a essência sim.
Neste levantamento, foram levadas em consideração todas aquelas contribuições que abordam a relação entre imigração e educação com um propósito de conhecer toda essa produção, e dentro delas individualizar aquelas apresentações referentes às escolas étnicas italianas.
As conferências da ISCHE começaram a acontecer no ano de 1979 mantendo periodicidade anual. Dessa data até o presente momento foram realizados 43 encontros. Deles foi possível ter acesso on-line aos abstracts publicados a partir de 2007. Não são publicados anais com os textos completos. Por isso, foram lidos somente os resumos. Alguns artigos, depois, são publicados em forma de dossiê na revista Paedagogica Historica International Journal of the History of Education, onde é possível ter acesso aos textos na íntegra.
A busca e a análise dos anais do ISCHE revelaram também um crescimento exponencial de trabalhos em torno da temática escolarização e educação dos grupos imigratórios italianos a partir já de 2010. De 2010 a 2020, o ano que registrou o maior número de trabalhos foi 2017. Entre os GTs em que foram apresentados esses trabalhos inclui-se um grupo específico sobre imigração italiana e História da Educação, intitulado History of Education and Italian (im)migrants: a Complex History22, no qual foram discutidos cinco trabalhos. Ademais, há outros três GTs que englobaram trabalhos referentes à imigração, embora nem todos relacionados ao grupo dos italianos. O quadro 4 mostra a distribuição dos textos.
Ano | Trabalhos apresentados |
---|---|
2019 | 16 |
2018 | 10 |
2017 | 37 |
2016 | 11 |
2014 | 03 |
2012 | 04 |
2010 | 01 |
Fonte: quadro elaborado pela autora, 2020.
O número total de trabalhos encontrados entre os anos de 2010 a 2019 é de 81 apresentações, com um crescimento exponencial a partir de 2016. Dentro dessas 81, há 10 apresentações que envolvem o grupo étnico italiano e a relação com a educação e a escolarização institucionalizada.
O objetivo com este levantamento nos eventos acadêmicos não foi realizar uma análise completa dos eventos nem colocar a temática da imigração e da educação em percentual dentro das várias temáticas dos mesmos, mas sim analisar o desenvolvimento e o crescimento específico da temática mencionada.
Do ponto de vista quantitativo, o evento que mais possui estudos na temática é o ISCHE, mas há que se considerar a abrangência e a característica do evento. O que se pode notar a partir da análise dos quatro eventos descritos acima é uma maior atenção à temática da imigração italiana, assim como de outros grupos, e da escolarização, seja através das escolas étnicas italianas subsidiadas ou outras iniciativas escolares e/ou educacionais organizadas e geridas pelo grupo étnico dos italianos. Ademais, nota-se uma aproximação maior entre pesquisadores de diferentes nacionalidades, propiciada pela internacionalização da pesquisa por meio de programas e agências de fomento específicas. Assim, a esses estudos é conferido um olhar transnacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente texto teve como objetivo realizar um levantamento das pesquisas realizadas acerca da temática que interliga a imigração italiana e as formas de escolarização através de duas direções: uma analítica, que contemplou livros, teses, dissertações e artigos de periódicos, e outra quantitativa, que considerou os trabalhos publicados em anais de quatro eventos acadêmicos da área da História da Educação.
Foi possível, por meio desta análise, perceber a distribuição geográfica desses estudos, o que mostrou que, no que se refere ao Brasil, ainda há muito a ser explorado e estudado sobre as iniciativas escolares dos imigrantes italianos e seus descendentes. Sejam as escolas italianas financiadas pelo governo italiano ou outras instituições que atendiam a esse público, longe ainda estão de haver um mapa do quadro dessas instituições no Brasil. Os anuários das escolas italianas no exterior mostram a existência das escolas subsidiadas pelo governo italiano em várias localidades, as quais não foram formadas a partir da imigração e/ou da colonização, mas registraram a presença italiana, e são espaços potenciais para as pesquisas acerca da escolarização desse grupo étnico.
Além do aspecto geográfico, a revisão também analisou as fontes, o recorte temporal e as temáticas que despontaram a partir do grande tema da escolarização e da imigração italiana no Brasil, observando a produção de uma maneira aprofundada com base em categorias definidas. Conhecer essa produção foi de fundamental importância para a compreensão de como estão distribuídas as pesquisas no território brasileiro.
Ao analisar os anais de quatro eventos com uma abrangência local, nacional e internacional, notou-se que houve um exponencial crescimento da presença dessa temática nos mesmos. Esse crescimento no número de estudos pode ter relação com vários fatores. Um deles o incentivo à internacionalização da pesquisa, que possibilitou um contato maior entre pesquisadores de vários países e a organização de grupos de pesquisas transnacionais, além do acesso maior a fontes sobre as escolas italianas, preservadas na Itália, fenômeno também potencializado pelas cooperações internacionais da pesquisa.
Ao finalizar esta pesquisa de revisão que não tem a pretensão de ser definitiva, observou-se que nos últimos anos o interesse pela temática da escolarização dos imigrantes italianos cresceu se comparado às décadas anteriores, tanto nas publicações de periódicos especializados, livros, teses e dissertações quanto nos eventos acadêmicos. No entanto, há ainda muito que ser pesquisado acerca da trajetória escolar do grupo étnico e das escolas italianas, o que nos mostra possibilidades de estudos em diversas partes no Brasil e com variadas abordagens dentro da temática.