SITUANDO A TEMÁTICA
Segundo Soares (2004), até as décadas de 1950 e 1970 no Brasil, as discussões educacionais sobre o ensino da leitura e da escrita centravam-se mais na busca do melhor método para ensinar. Considerava-se então que o fracasso escolar na alfabetização estava relacionado a metodologias inadequadas. Nesse período, os métodos mais difundidos eram o global e o fonético.
No método global, ou analítico, considerava-se melhor iniciar a alfabetização por pequenos textos ou frases para que, a partir da visão global, se entendessem as partes (sílabas e letras).
No método fonético, ou sintético, propunha-se que, inicialmente, fosse promovido o aprendizado das letras, das sílabas e do som para, depois, incluir palavras, frases e textos. Nessa concepção, a aprendizagem da leitura e da escrita era fundada na cópia, na memorização e na associação entre grafemas e fonemas.
Como o centro da atuação era o método, o docente não era orientado a observar o processo de aprendizagem das crianças; assim, suas intervenções e orientações pedagógicas eram semelhantes para todas elas, em conformidade com os passos previstos no método adotado.
No início da década de 1980, juntamente com a luta pela ampliação de acesso à escola pública, as críticas ao fracasso da escola na alfabetização de crianças foram fortalecidas com a disseminação das ideias construtivistas.
[...] introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro e colaboradores. Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (MORTATTI, 2006, p. 10).
As pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) sobre a psicogênese da língua escrita provocaram grandes transformações nas concepções e nas práticas da alfabetização infantil no Brasil. Na revolução conceitual a que se refere Mortatti, a ênfase nos métodos de ensino é transferida para a compreensão do pensamento infantil sobre a leitura e a escrita. Ao mesmo tempo, a memorização e a realização de atividades mecânicas, conforme sequência estabelecida nas cartilhas adotadas em cada escola, cedem lugar para o estímulo à ação do sujeito cognoscente, conforme suas possibilidades de assimilação.
Na teoria de Piaget, então, um mesmo estímulo (ou objeto) não é o mesmo, a menos que os esquemas assimiladores à disposição também o sejam. Isto equivale a colocar o sujeito da aprendizagem no centro do processo, e não aquele que, supostamente, conduz essa aprendizagem (o método, na ocasião, ou quem o veicula) (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.30).
No entanto, os altos índices do fracasso escolar na alfabetização se mantiveram, levando a uma ampliação dos estudos nesse campo e à produção de novas concepções de ensino, nas quais se destacam críticas à proposta construtivista. As principais críticas incidiram sobre a transposição, para a sala de aula, dos processos de construção da leitura e da escrita, conforme explicitados na psicogênese da língua escrita, sem que os docentes tivessem conhecimento amplo da teoria, o que teria levado a práticas que desvalorizam o ato de ensinar. O abandono de métodos, com passos pré-estabelecidos, em favor da observação do processo de aprendizagem infantil, foi denominado como desmetodização da alfabetização porque incluía a crença de que o aluno aprenderia apesar dos métodos, desde que lhe fosse oportunizado contato com a língua escrita.
Na busca por superar o fracasso escolar no ensino da leitura e da escrita e fundamentadas nas contribuições da linguística, Tfouni (1995), Kleiman (1995) e Soares (1989; 1998; 2004) apresentaram novas contribuições ao ensino da leitura e da escrita, diferenciando o processo de letramento do processo de alfabetização. Segundo Soares (2004), embora sejam indissociáveis, esses processos são distintos: o termo alfabetização se restringe à habilidade de decodificar a língua, enquanto o letramento refere-se à inserção dos aprendizes nos usos sociais do ler e escrever.
Outra perspectiva teórica que contribui para o ensino e a aprendizagem na alfabetização é a psicologia histórico-cultural. Fundamentados nos estudos de Vigotski e colaboradores, os defensores dessa perspectiva frisam a intencionalidade do ensino, a mediação do professor e a efetiva participação do aluno para se apropriar do que lhe é ensinado. Vigotskii (2012) assevera que o ensino intencional voltado para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores gera saltos qualitativos que alteram radicalmente o conteúdo e a forma do pensamento da criança.
Na psicologia histórico-cultural, a linguagem escrita é entendida como instrumento de desenvolvimento psíquico. Antes de dominar a escrita simbólica, a criança percorre diferentes estágios, como os gestos, os desenhos, as brincadeiras e os rabiscos. Vigotskii (2012) e Luria (2012) confirmaram em suas pesquisas que esses estágios conduzem à futura escrita da criança.
Nesse sentido, o professor assume papel fundamental no processo de ensino: sua intervenção é imprescindível para garantir que a criança se aproprie da linguagem escrita como objeto cultural. De acordo com Tuleski e Chaves (2011, p. 218), “[...] devemos ensinar a técnica, a relação grafemafonema e ampliar seu universo vocabular, explorando em sala de aula diversas formas de narrativas escritas”. Para as autoras, é preciso lembrar que a linguagem escrita é um objeto de conhecimento cultural complexo, desafiador e repleto de convenções e arbitrariedades. O êxito de seu ensino depende de um professor preparado e de condições adequadas de trabalho.
Enfim, este breve histórico mostra que o campo da alfabetização das crianças no Brasil tem sido fértil em perspectivas teóricas, cujas influências aparecem em documentos curriculares, programas de formação docente e, consequentemente, nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas. Alguns problemas parecem ter sido superados e outros estão no centro das preocupações de educadores e pesquisadores, exigindo que, periodicamente, se façam a análise e a síntese das produções científicas e se identifiquem os aspectos que exigem maior investimento nesse campo de estudo.
MÉTODO
Com o presente levantamento, buscou-se entender como o campo da alfabetização tem sido estudado nos últimos anos no Brasil e apontar as concepções teóricas que sustentam os trabalhos publicados, os temas que foram objeto de análise, bem como as lacunas que exigem maior atenção dos pesquisadores.
O levantamento de publicações científicas sobre ensino e aprendizagem da leitura e escrita foi realizado com base em dois repositórios importantes: os artigos publicados entre os anos 2013 e 2017 no SciELO (Scientific Eletronic Library OnLine) e os documentos das reuniões 34ª a 38ª do GT 10 – Alfabetização, leitura e escrita contidos na página da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED).
A escolha dessas bases de dados explica-se por sua relevância no meio acadêmico e por conter publicações no formato de artigos, que primam pela concisão e pela submissão à revisão sistemática de pares.
Como a página da ANPED não permitia a busca por indexadores, a seleção foi baseada na leitura dos títulos contidos em cada seção dos trabalhos do GT 10. Do total de 84 artigos, 19 tratavam do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita em classes/séries de alfabetização. Muitos títulos não ofereciam informações suficientes do conteúdo, por isso foram lidos os resumos, atentando para os métodos e os resultados dos trabalhos. Descartando-se os textos voltados à Educação Infantil, Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos (EJA), foram selecionados 14 trabalhos.
O levantamento das produções no SciELO deu-se em duas etapas, com cruzamento de termos:
“Aprendizagem da leitura e escrita” e “crianças”: esse cruzamento resultou em 32 artigos. Após a leitura dos resumos, foram selecionados seis trabalhos cujos temas se relacionavam ao ensino e à aprendizagem da leitura e da escrita em séries de alfabetização. Os outros foram descartados porque não abordavam o tema do ensino ou aprendizagem de crianças.
Por meio do cruzamento das palavras-chave “letramento”, “leitura escrita” e “crianças”, foram identificados cinco trabalhos. Após a leitura dos resumos foram selecionados outros dois trabalhos, um dos quais também havia sido encontrado no repositório da ANPED. Um terceiro cruzamento foi feito com os termos “Alfabetização”, “leitura e escrita” e “crianças”, mas a busca não retornou resultados.
Dessa forma, foram incluídas sete publicações do SciElo na pesquisa.
Os trabalhos selecionados foram lidos na íntegra e os resultados estão apresentados na próxima seção.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
No quadro 1, apresentamos dados de identificação dos 21 trabalhos selecionados, 14 do repositório da ANPED e sete do SciElo: títulos, autores, origem da produção, instituição em que foram produzidos e ano de produção.
Título | Autor | Origem | IES e ano | |
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ANPED | ||||
1 | A alfabetização e sua relação com o uso do computador: o suporte digital como mais um instrumento de ensino-aprendizagem da escrita. | GLÓRIA, Julianna Silva; FRADE, Isabel Cristina Alves da Silva. | Tese | UFMG, 2011 |
2 | O conhecimento de letras e sua relação com a aprendizagem da escrita alfabética. | LEITE, Tânia Maria Soares Bezerra Rios. | Tese | UFPE, 2011 |
3 | A relação entre as práticas de alfabetização e as aprendizagens das crianças nos três anos iniciais do ensino fundamental em escolas organizadas em série e em ciclos. | CRUZ, Magna do Carmo Silva; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia. | Tese | UFPE, 2012 |
4 | Práticas de alfabetização e letramento: o fazer pedagógico de uma alfabetizadora bem sucedida. | SOUZA, Ivânia Pereira Midon; CARDOSO, Cancionila Janzkovski. | Dissertação | UFMT, 2012 |
5 | A concepção de leitura de professoras alfabetizadoras e a sua influência no ensino do ato de ler. | CORREIA, Joelma Reis. | Tese | UFMA, 2013 |
6 | Leitura, compreensão e produção textuais: progressão desses eixos de ensino de língua portuguesa no 1º ciclo. | OLIVEIRA, Solange Alves. | Artigo | UnB, 2013 |
7 | O desafio do “alfabetizar letrando” em sala de aula: um estudo de caso. | MELO, Terezinha Toledo Melquíades; MAGALHÃES, Luciane Manera. | Dissertação | UFJF, 2013 |
8 | O ensino da língua portuguesa na alfabetização inicial: tempos e contratempos. | MAGALHÃES, Luciane Manera; MULLER, Analina Alves de Oliveira. | Artigo | UFJF, 2015 |
9 | Da sala de Dona Benta para a sala de aula: contribuições para pensar a mediação da leitura literária na escola. | TRAVASSOS, Sônia. | Dissertação | UFRJ, 2015 |
10 | Os livros para o ensino inicial da leitura e da escrita utilizados como apoio na preparação das aulas: um estudo a partir de cadernos de planejamentos de uma professora alfabetizadora (1983-2000). | VIEIRA, Cícera Marcelina. | Dissertação | UFPEL, 2015 |
11 | Construções cotidianas de práticas de alfabetização e o ensino sistemático da escrita: elementos da formação continuada mobilizados por professoras. | GAMA, Ywanoska. | Tese | UFPE, 2015 |
12 | Práticas de alfabetização em turmas multisseriadas: estratégias docentes para lidar com a heterogeneidade de aprendizagens. | SÁ, Carolina Figueiredo de; PESSOA, Ana Cláudia Rodrigues Gonçalves. | Dissertação | UFPE, 2015 |
13 | Alfabetização emancipadora com crianças: “artesanar” leituras da palavramundo. | AIRE, Franciane Sousa Ladeira. | Dissertação | UFSJ, 2017 |
14 | Práticas de ensino de leitura literária nos anos iniciais: interações opacas, sentidos dissipados. | NASCIMENTO, Iracema Santos do. | Tese | FEUSP, 2017 |
SciELO | ||||
15 | Alfabetização: o olhar das crianças sobre o aprendizado da linguagem escrita. | GONÇALVES, Angela Vidal. | Dissertação | UFF, 2013 |
16 | A aprendizagem da escrita e a escolaridade materna. | FERREIRA, Amanda de Andrade; SILVA, Ana Carolina Francisca; QUEIROGA, Bianca Arruda Manchester. | Artigo | UFPE, 2014 |
17 | Fatores socioculturais envolvidos no processo de aquisição da linguagem escrita. | LEITE, Karoline Kussik de Almeida; BITTENCOURT, Zélia Zilda L. de Camargo; SILVA, Ivani Rodrigues. | TCC | Uni camp, 2015 |
18 | As práticas pedagógicas e o material didático do programa ler e escrever no 1º ano do ensino fundamental. | SANTOS, Tatiana Cristina. TASSONI, Elvira Cristina Martins. | Dissertação | Puc-Campi nas, 2015 |
19 | Conhecimento metalinguístico e aprendizagem da leitura e da escrita. | GAIOLAS, Mónica Sampaio; MARTINS, Margarida Alves. | Tese | ISPA, 2017 |
20 | Práticas de alfabetização com crianças de seis anos no ensino fundamental: diferentes estratégias, diferentes concepções. | MACEDO, Maria do Socorro Alencar Nunes; ALMEIDA, Ana Caroline; TIBÚRCIO, Ana Paula do Amaral. | Artigo | UFPE; UFSJ, 2017 |
21 | Intervenção mediacional na aprendizagem do braille: um estudo com crianças deficientes visuais. | DIONÍSIO, Ana Maria Pereira; VECTORE, Celia. | Dissertação | UFU, 2017 |
Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras com base em levantamento bibliográfico nos sites da ANPED e SciELo.
Das produções analisadas, 18 são oriundas de pesquisas realizadas em universidades federais, duas de universidades privadas e uma de um instituto universitário. Sete desses trabalhos são derivados de pesquisas de doutorado, nove de pesquisas de mestrado, um trabalho foi produzido como conclusão do curso de graduação e somente quatro foram elaborados como artigos científicos. Ou seja, dos 21 artigos selecionados, apenas quatro não resultaram de cursos de formação acadêmica, o que implica que essa produção tem marcas determinadas que precisam ser consideradas. Em sua maioria, os estudos foram desenvolvidos por pesquisadores iniciantes, caracterizando-se como pesquisas individuais sobre recortes específicos da temática e produzidos em tempo exíguo.
Somente um artigo (GAIOLAS; MARTINS, 2017) é internacional; os demais são oriundos das diversas regiões do Brasil, especialmente do Sudeste (doze pesquisas) e do Nordeste (sete pesquisas). A região Centro-Oeste está representada pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Na região Sul, uma pesquisa foi realizada na Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul (UFPEL). Nesse levantamento, não foram encontradas contribuições das instituições da Região Norte.
Levantamentos realizados por Ribeiro (2011), Goulart, Schwartz e Maciel (2015) e Lupassa (2015) também indicam que a maior produção está concentrada nas regiões Sudeste e Nordeste e que é expressiva a produção da UFPE na temática da alfabetização.
Constatamos que todas as autoras dos trabalhos selecionados para nosso estudo são mulheres. Uma hipótese de explicação para esse resultado refere-se à construção social dos papeis realizados por homens e mulheres na educação das crianças: comumente, a docência nas etapas de educação infantil e ensino fundamental tem sido assumida por mulheres. Conforme Zibetti e Souza (2007, p. 23), a responsabilidade de educar as crianças tem sido atribuída às mulheres: “[...] missão feminina desde o período de consolidação como profissão até os dias atuais em que se constata flagrantemente a maioria de mulheres nesta função”.
No Quadro 2, são apresentados, pela ordem do primeiro quadro, os referenciais teóricos utilizados nos respectivos trabalhos.
Ordem | Referencial |
---|---|
1 | Letramento e multimodalidades de Street; psicogênese da língua escrita de Ferreiro e Teberosky. |
2 | Psicogênese da escrita de Ferreiro e Teberosky. |
3 | Psicogênese da língua escrita de Ferreiro e Teberosky; Arroyo e a configuração das escolas. |
4 | Alfabetização e letramento: Magda Soares. |
5 | Bakhtin; Vygotsky; estudiosos da área de leitura, como Frank Smith, Josette Jolibert, Jeanette Jacob e Elie Bajard. |
6 | Alfabetização e letramento: Magda Soares e Chartier. |
7 | Alfabetização e letramento: Magda Soares. |
8 | Organização do tempo; base curricular nacional; alfabetização e letramento: Magda Soares. |
9 | Concepções de linguagem e sujeito em Benjamin e Bakhtin. |
10 | Cagliari; Magda Soares. |
11 | Certeau. |
12 | Psicogênese da língua de Ferreiro e Teberosky. |
13 | Filosofia da linguagem de Bakhtin e pedagogia crítica de Paulo Freire. |
14 | Perspectiva dialógica e interacionista: Jolibert; Bakhtin; Geraldi; e Soares. |
15 | Teoria da Enunciação de Bakhtin; Vygotsky. |
16 | Aquisição da escrita: Zorzi, Palangana e Spinillo. |
17 | Aquisição da linguagem: Cruz e Magda Soares. |
18 | Magda Soares e Colomer. |
19 | Barrera e Maluf; consciência morfológica e consciência sintática. |
20 | Green, Dixon e Zaharlich; Street e Heath. |
21 | Defectologia de Vygotsky e abordagem relativa à experiência da aprendizagem mediada (EAM) desenvolvida por Feuerstein. |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em levantamento nos sites da ANPED e do SciElo.
O referencial teórico mais utilizado é o conceito de letramento de Soares (2004), seguido pela psicogênese da língua escrita de Ferreiro e Teberosky (1985). Também foram localizados trabalhos fundamentados em Bakhtin (1988) e na Teoria Histórico-cultural.
Como comprovado por Ribeiro (2011) e Soares (1989), os estudos selecionados nesta pesquisa apresentam forte presença das áreas da Linguística e da Psicolinguística. As contribuições dessas áreas provocaram mudanças substanciais na concepção da aprendizagem da leitura e da escrita, especialmente as advindas do conceito de letramento. Nesse conceito é enfatizada a necessidade de se inserir, nos processos pedagógicos, as práticas sociais de uso da língua e também de se trabalhar com as diferentes competências linguísticas envolvidas nos usos da linguagem oral e escrita em diferentes contextos sociais.
Nas pesquisas apresentadas nas primeiras reuniões da ANPED, predomina o referencial teórico da psicogênese da língua escrita de Ferreiro e Teberosky (1985). Nas produções encontradas no SciELO, constatamos que nenhum referencial se destacou, caracterizando-se, assim, uma diversidade teórica. Isso nos leva a inferir que, no SciELO, predomina a abordagem multidisciplinar, enquanto na ANPED há maior ênfase na área da educação.
As metodologias utilizadas nos trabalhos selecionados variaram conforme os objetivos de cada pesquisa. É o que mostramos no Quadro 3.
Metodologia | |
---|---|
1 | Pesquisa qualitativa, com proposta de intervenção colaborativa, cujo intuito foi acompanhar uma turma de crianças de 6 anos em laboratório de informática de escola pública em Belo Horizonte, Minas Gerais, durante um ano, em várias situações que exigiam atividades de escritura e leitura na tela do computador. Os procedimentos utilizados foram os de observação, anotação, filmagem e entrevistas. |
2 | Pesquisa qualitativa para avaliação de 40 crianças de duas turmas nas seguintes atividades: ditado de palavras para verificação do nível de escrita, identificação de letras, nomeação de letras e produção de letras, em três momentos distintos do ano letivo. A análise dos dados foi realizada conforme categorias da psicogênese da escrita. |
3 | Estudo de caso. Participaram da pesquisa seis professoras: três de cada escola (seriada e ciclada), representando as três primeiras séries do ensino fundamental. Os procedimentos foram: (1) realização de uma atividade diagnóstica (escrita de palavras) com os alunos das três turmas do 1º ciclo, no início e no final do ano letivo; (2) análise documental das propostas curriculares de cada um dos municípios; (3) entrevistas com as professoras; (4) observações de aulas das professoras participantes da pesquisa. |
4 | Recorte de um estudo de caso de duas professoras atuantes em 1º anos de alfabetização. Foram realizadas observações de aulas nas duas salas selecionadas, em dias alternados dos meses de novembro e dezembro, entrevistas individuais com as professoras e todas as crianças. Analisou-se também o desempenho dos alunos em expressão oral e escrita. Nesse recorte, constam dados de apenas uma professora. |
5 | Pesquisa do tipo etnográfico na qual foram utilizados os seguintes instrumentos: entrevista semiestruturada com duas professoras, uma de cada ano, e análise do caderno de português de duas crianças. |
6 | Participaram nove professoras dos três anos do 1º ciclo de três instituições da Rede Municipal de Ensino de Recife. Foram realizadas oito observações de jornadas de aula completas em cada turma, totalizando 72 protocolos. Ao final do ano letivo, cada uma das docentes foi entrevistada. A análise de dados foi classificada como análise de conteúdo temático. |
7 | Pesquisa Interpretativa de cunho etnográfico. Foram realizadas 13 observações de aulas de português de uma turma do 2º ano do ensino fundamental entre os meses de agosto e dezembro de 2010. |
8 | Pesquisa qualiquantitativa. Os dados foram gerados de 10 observações consecutivas, realizadas em seis turmas do 1º ano do ensino fundamental de seis escolas públicas, das três redes de ensino: três da rede municipal, duas da estadual e uma da federal. As observações foram registradas por meio de notas de campo. |
9 | Pesquisa qualitativa. Foi analisada a interação dos alunos de uma turma de 1º ano do ensino fundamental (6/7 anos) com uma obra lobatiana. Foram adotados os seguintes procedimentos: observação participante em doze aulas de literatura da turma e entrevista com a professora. |
10 | Análise dos cadernos de planejamento de uma professora alfabetizadora entre os anos de 1983-2000. Entrevistas. Cruzamento de duas fontes: cadernos de planejamento e cartilhas. Mapeamento e identificação das cartilhas. |
11 | Participaram duas professoras alfabetizadoras que estavam na regência de turmas do 2º ano das séries iniciais do ensino fundamental da região metropolitana de Recife. Procedimentos: entrevistas, observação de inspiração etnográfica e entrevistas de autoconfrontação. |
12 | Procedimentos: a) observação de 12 jornadas completas de aula da prática docente; b) entrevistas semiestruturadas com a professora no início e no final da pesquisa e minientrevistas após as aulas; c) diagnose de leitura de palavras, de leitura de textos, de escrita de palavras e de produção de textos com o intuito de subsidiar a análise das estratégias docentes para lidar com os diferentes níveis de conhecimento presentes na classe. Os níveis de escrita das crianças foram analisados de acordo com a teoria da psicogênese da escrita e análise de conteúdo de Bardin. |
13 | Em colaboração com a professora, promoveram-se oficinas de alfabetização mediadas pelo artesanato, o principal instrumento metodológico da pesquisa. Foram realizados Círculos de “Artesanar” com quinze crianças do 1º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Além de entrevistas dialógicas com as crianças e com a professora foi realizada uma exposição dos artesanatos infantis. Como registros, a gravação em áudio e em vídeo, fotografias e notas de campo. |
14 | Observação das práticas de ensino de leitura literária em cinco turmas (1º ao 5º ano) entre os meses de abril e dezembro de 2014. Cada turma foi observada por uma semana letiva, durante todo o horário de aula. Além das práticas de sala de aula, foram observados os aspectos relativos à gestão e à estrutura escolar que interferem na didática e no ensino de leitura: formação de professores; espaço da biblioteca escolar, seu funcionamento e acervo disponível; gestão pedagógica, planejamento e trabalho coletivo; avaliação da aprendizagem. |
15 | A pesquisa foi realizada com 21 alunos de uma turma do 1º ano do ensino fundamental de uma escola pública federal do Rio de Janeiro, no ano de 2011. Foram realizadas observações participantes e também foram entrevistados alguns pais e a professora da turma. |
16 | Pesquisa observacional, descritiva e transversal, com participação de 30 crianças do 3º ano do ensino fundamental I e suas mães. Entrevistas com mães e avaliação da escrita das crianças. |
17 | O estudo contou com a participação de 18 pais ou responsáveis de crianças atendidas no Estágio de Leitura/Escrita do Curso de Fonoaudiologia de uma universidade pública. Consultas a prontuários das crianças e entrevistas semiestruturadas. |
18 | Observações de sala de aula registradas em diário de campo, entrevista com a professora e entrevistas com os alunos de 1º ano. |
19 | Participaram do estudo 28 crianças portuguesas do 1º ano do ensino básico. No início do ano foram aplicadas as provas relativas ao conhecimento metalinguístico e à consciência fonológica, morfológica e sintática. |
20 | Perspectiva etnográfica, envolvendo dois estudos realizados em Minas Gerais. A primeira pesquisa desenvolveu-se em 2010, na rede municipal de ensino de Tiradentes. O procedimento foi o da observação de sala de aula durante 47 dias. A segunda ocorreu, em 2013, na rede municipal de Juiz de Fora. O procedimento também foi o da observaçãodurante 45 dias ao longo do primeiro semestre letivo. O contraste entre os dois foi utilizado como estratégia de análise. |
21 | Foram organizadas 10 oficinas com cerca de 30 a 40 minutos cada, uma vez por semana. Pesquisa qualitativa, com observação participante e entrevista semiestruturada com a professora e com as mães. |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em levantamento nos sites da ANPED e SciElo.
Quanto às escolhas metodológicas, a maior parte das pesquisas se autodenominou de qualitativa; apenas duas denominaram-se quanti-qualitativas.
O principal instrumento de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada. No entanto, em vários trabalhos, foram utilizadas observações em sala de aula, organizadas de diferentes formas e com durações distintas. Em algumas pesquisas, foram adotadas intervenções em salas de aula.
Para além da entrevista e da observação, chama a atenção a diversidade de procedimentos para a produção dos dados: uso do computador, produção de artesanato e filmagem com autoconfrontação.
As professoras aparecem como as principais participantes, mas as pesquisas envolveram crianças com frequência, sugerindo a ampliação do olhar dos pesquisadores para os principais sujeitos do processo de alfabetização.
No que tange ao tratamento dos dados, predomina Bardin (1977) com sua teoria da análise de conteúdo.
Quanto às temáticas, os dados foram organizados em seis eixos temáticos, conforme Quadro 4.
Eixo temático3 | Autores | Nº de trabalhos |
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Leitura e Escrita | Gaiolas e Martins (2017); Aire (2017); Leite, Bittencourt e Silva (2015); Ferreira, Silva e Queiroga (2014); Gonçalves (2013); Correia (2013); Glória e Frade (2011); Leite (2011). | 08 |
Práticas Pedagógicas de Alfabetização | Macedo, Almeida e Tibúrcio (2017); Nascimento (2017); Sá e Pessoa (2015); Gama (2015); Santos e Tassoni (2015); Souza e Cardoso (2012); Cruz e Alburquerque (2012). | 07 |
Língua Portuguesa | Magalhães e Muller (2015); Oliveira (2013). | 02 |
Mediação | Dionísio e Vectore (2017); Travassos (2015). | 02 |
Planejamento | Vieira (2015). | 01 |
Letramento | Melo e Magalhães (2013). | 01 |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em levantamento nos sites da ANPED e SciElo.
Verificamos que, nos artigos que compõem o eixo temático Leitura e Escrita, predominou a questão da aprendizagem da escrita, com foco nos seguintes tópicos: influência da família no ato de aprender a escrever; percepção das crianças sobre a linguagem escrita; fatores socioculturais que envolvem o processo de aquisição da linguagem escrita; papel da aquisição do sistema fonológico no desenvolvimento do sistema ortográfico pela criança; tecnologia na educação como facilitadora na aquisição do SEA (Sistema de Escrita Alfabética).
Coincidindo com o que aponta Ribeiro (2011), os dados deste levantamento indicam que a maior preocupação dos autores na questão da alfabetização continua sendo a aquisição da escrita.
Dois trabalhos a respeito da leitura e da escrita referem-se à emancipação no ato de ensinar. Um deles é o de Gaiolas e Martins (2017), cujos objetos de pesquisa são o conhecimento metalinguístico e a aprendizagem da leitura e da escrita. Os resultados dessa pesquisa demonstraram que, quando o desenvolvimento cognitivo, a memória verbal e as habilidades da mãe são controlados, os resultados nas provas de consciência fonológica, morfológica e sintática são mais elevados. Outro é o de Aire (2017), que registra que o ato responsável diante da formação das palavras despertou, completou e até transformou a leitura do mundo das crianças de forma não mecanicista.
Leite, Bittencourt e Silva (2015) identificaram a influência de fatores socioculturais no processo de aquisição da linguagem escrita em uma amostra composta por pessoas com baixa escolaridade e baixa renda. As autoras averiguaram que muitos pais, embora tivessem relatado que possuíam em casa algum tipo de material de leitura, não eram referências leitoras: grande parte (44,4%) não tinha o hábito de leitura. Também averiguaram que os filhos tinham acesso à tecnologia, mas a mensagem pronunciada muitas vezes não era compreendida nem explicada pelos pais.
De forma semelhante, Silva, Ferreira e Queiroga (2014) buscaram investigar a relação do grau de instrução materno com a escrita das crianças. Concluíram que a aprendizagem da escrita em seus aspectos mais específicos, como o desenvolvimento do esquema narrativo, sofre influência de fatores sociais, como o da escolaridade materna.
Gonçalves (2014) teve por objetivo conhecer as concepções que crianças elaboram sobre o processo de alfabetização, antes e depois de serem alfabetizadas. Constatou que o aprendizado da leitura e da escrita altera os modos de pensar e os dizeres das crianças e que os conhecimentos específicos sobre o sistema de escrita lhes permitem realizar novas operações metalinguísticas e metacognitivas.
Correia (2013) é o único a tratar somente da leitura, analisando as concepções de leitura de professoras alfabetizadoras e sua materialização nos modos como ensinam a ler. Em suas conclusões, revela que as concepções de leitura dessas professoras exerciam grande influência na formação do conceito de leitura como treino, como ato de pronúncia, em vez de aproximar os alunos da concepção de leitura como atribuição de sentido e prática cultural.
Glória e Frade (2011) constataram que, ao usar o computador como um suporte de escrita, as crianças mobilizam saberes diferentes dos da escrita no papel, refletindo, por exemplo, que, para o uso da letra maiúscula, é necessário acionar a tecla caps lock. As autoras entendem que se faz necessário compreender o computador como um suporte multimodal.
Leite (2011) sugere que o conhecimento das letras não determina a compreensão do princípio fonológico da escrita alfabética, entretanto algumas habilidades de reflexão sobre os sons por parte de algumas crianças podem facilitar o processo de alfabetização, ao passo que outras crianças somente avançam à medida que alcançam o nível alfabético.
Quanto ao eixo Práticas Pedagógicas de Alfabetização, Cruz e Albuquerque (2012) analisaram a construção dessas práticas na perspectiva do letramento em sistemas de ensino organizados em série e em ciclos. Nas duas escolas, predominou a realização de atividades de forma coletiva e individual. Os autores destacam que as escolas apresentaram resultados semelhantes e que a metodologia empregada decorre das condições reais de desenvolvimento da prática de alfabetização.
Souza e Cardozo (2012), além das práticas de alfabetização, abordaram o tema do letramento. Consideraram que o sucesso da professora decorre de seu trabalho na perspectiva do letramento e destacaram algumas razões para isso: a ênfase no trabalho com textos que faziam sentido para os alunos e nos quais eles podiam reconhecer os propósitos da leitura e da escrita; o uso de variados textos, como parlendas, trava-línguas, poemas e músicas; a prática de antecipar conhecimentos sobre os textos lidos, interpretando-os e produzindo-os.
Gama (2015) analisou as relações entre a construção cotidiana de práticas docentes na alfabetização e a formação continuada vivenciada por professoras alfabetizadoras em uma rede pública municipal. O estudo possibilitou a percepção de como se dão as construções de escolhas didáticas e das crenças subjacentes das professoras e associou-as às contribuições da formação continuada e às trajetórias na rede de ensino. Mesmo quando não havia referência explícita à formação continuada, o vocabulário do contexto dos eventos de formação estava presente. O conjunto de saberes das professoras, singulares entre si e advindos das escolhas rotineiras, eram a representação do estilo de lecionar de cada uma.
Sá e Pessoa (2015), além do tema prática de alfabetização, consideram a heterogeneidade das aprendizagens. Esses autores identificaram três estratégias docentes para lidar com a heterogeneidade de aprendizagem das crianças: atividades diferenciadas realizadas coletivamente; atividades diferenciadas realizadas em grupo ou em duplas; atividades diferenciadas realizadas individualmente. As estratégias de diversificação de atividades e os modos de acompanhamento docente, flexíveis e atentos às diferenças individuais, tinham como pressuposto o atendimento à heterogeneidade de aprendizagens da turma. No entanto, eles notaram também que o critério de agrupamento das crianças para a realização das atividades em grupo e em duplas era guiado pelo princípio da homogeneidade e não se modificava conforme os objetivos das atividades propostas. A professora não parecia ter como pressuposto pedagógico que a mescla de níveis de aprendizagem a auxiliaria a se valer da heterogeneidade de conhecimentos para potencializar as aprendizagens infantis.
Nascimento (2017) investigou se as práticas de ensino de leitura literária nos anos iniciais do ensino fundamental na rede estadual paulista têm contribuido para formar leitores capazes de construir sentidos para os textos lidos. Os dados demostram que houve pouca variedade de atividades de ensino de leitura nas aulas de todas as turmas. Quase não houve tratamento de aspectos estilísticos ou de recursos expressivos contidos nos textos lidos. O autor menciona que havia a tentativa de realizar práticas inovadoras, mas a incorporação de novidades ou de práticas didáticas supostamente transformadoras acontecia em um esquema de ensino tradicional.
Santos e Tassoni (2015) examinaram como a proposta do material didático do Programa Ler e Escrever foi vivenciada pelos alunos e pela professora de uma sala de 1º ano do ensino fundamental em uma escola estadual de Campinas. Os resultados apontam o anseio dos alunos por compreender o funcionamento e a finalidade da escrita, o apoio fundamental do material didático para a aquisição satisfatória da linguagem escrita e também a importância da mediação. O fato de alguns alunos explicarem o que aprendiam sobre os costumes e a cultura indígena levou as autoras a inferir que a aprendizagem de conhecimentos relacionados a contextos e culturas diferentes atrai os alunos, levando-os a se reconhecer na realidade em que vivem e a se considerar parte da natureza e da cultura.
Macedo, Almeida e Tibúrcio (2017) tiveram como objetivo identificar as práticas de leitura e escrita com as crianças de seis anos no ensino fundamental. Concluíram que o trabalho das professoras contém semelhanças e diferenças, sendo centrado na apropriação do sistema de escrita e não difere das práticas já comuns aos anos iniciais. Nenhuma segue a proposta do livro, nenhuma ensina as múltiplas linguagens, nem prioriza o lúdico e a brincadeira nos processos de construção do conhecimento das crianças, pressupostos defendidos por estudiosos da infância.
No eixo temático Língua Portuguesa, Magalhães e Muller (2015) e Oliveira (2013) discorrem sobre como o tempo destinado ao ensino da língua tem sido empregado na alfabetização. Constatam que nem todos os eixos linguísticos são foco de atenção do professor alfabetizador e que a baixa produção de textos escritos e falta de atenção à oralidade permeiam o estudo da língua portuguesa nas escolas pesquisadas. Ambos apontam que há maior incidência de atividades de apropriação do sistema de escrita alfabética, que há predominância da leitura dos textos pelos professores e que há ausência de articulação com a compreensão da escrita. A produção textual individual é mais frequente durante as aulas do que a produção com o auxílio do professor.
Em relação ao eixo temático Mediação, Dionísio e Vectore (2017) e Travassos (2015) constatam a importância da mediação no desenvolvimento da leitura e da escrita e ressaltam que, com a mediação adequada, é possível obter sucesso na aprendizagem escolar. Desse eixo, o artigo 21 é o único que aborda a alfabetização de crianças com deficiência. O objetivo da pesquisa foi avaliar oficinas de intervenção mediacional na aprendizagem do Braille por crianças cegas em uma sala de educação especial de Uberaba. As autoras constataram que a proposta desenvolvida nas oficinas oportunizou que as crianças cegas criassem uma relação significativa entre leitura e escrita.
No eixo Planejamento, o único trabalho é o de Vieira (2015), que mapeou, entre os anos 1983 e 2000, os livros destinados ao ensino inicial da leitura e da escrita e usados como apoio na preparação das aulas. Analisando como esse uso aparecia nos cadernos de planejamento de uma professora alfabetizadora, concluiu que, nesses cadernos, há um modelo a ser seguido pela professora. Os planos de aula indicam que o processo de alfabetização está estritamente ligado à aquisição de uma técnica, efetivada por meio da memorização e repetição.
Por fim, no eixo Letramento, Melo e Magalhães (2013) buscaram entender como a alfabetização na perspectiva do letramento tem acontecido em ambiente escolar. Por meio da observação de atividades realizadas em sala de aula, as pesquisadoras identificaram a ênfase nos processos de alfabetização e letramento. Os dados foram gerados com base em observações e notas de campo e, por um lado, revelaram que a professora valorizava o processo de letramento e que fazia isso com competência. Por outro lado, porém, revelaram que o trabalho com a apropriação do sistema de escrita alfabética é menos sistemático.
A partir dos dados apresentados podemos afirmar, em concordância com Lupassa (2015) que as produções dos pesquisadores estão condicionadas ao contexto teórico do período em que foram produzidas e pela orientação filosófica que fundamentaram as investigações. Desta forma é possível verificar uma busca dos investigadores pelas práticas mais exitosas nos processos de ensino e, ao mesmo tempo, críticas ao que consideram problemas para a garantia desse êxito, a partir do referencial teórico de cada pesquisador.
Neste sentido, foi possível perceber o interesse dos pesquisadores por diferentes aspectos do processo de alfabetização, desde o contexto familiar e sociocultural das crianças, planejamento das professoras, métodos de ensino, até as relações pedagógicas em sala de aula.
Entretanto, assim como apontado por Ribeiro (2011) e Lupassa (2015) ainda há muito por se investigar nesse campo, considerando as necessidades de aprendizagem que ainda não são atendidas pelas escolas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste texto, por meio do levantamento e da análise de 21 artigos direcionados ao tema, buscamos entender como a alfabetização tem sido estudada nos últimos anos no Brasil e procuramos identificar as concepções e as perspectivas que sustentam a produção teórica na área, bem como lacunas que necessitam de maiores investimentos em termos de pesquisa.
Resumindo as características dos trabalhos analisados, podemos afirmar que as pesquisas sobre alfabetização estão concentradas nas regiões Sudeste e Nordeste, são realizadas por mulheres, em programas de pós-graduação de universidades públicas e ainda recorrem aos principais expoentes teóricos do campo desde os anos 1980: Ferreiro e Teberoski e Soares.
Quanto ao método, a maioria dos artigos são resultantes de pesquisas qualitativas, nas quais foram utilizados diferentes instrumentos de produção de dados, com predomínio de entrevistas. Professoras e crianças são as participantes privilegiadas nos estudos analisados.
A análise dos dados revela uma grande heterogeneidade temática. Quanto mais a alfabetização é explorada em sua complexidade, maior é a multiplicidade de enfoques e mais amplo o leque dos aspectos analisados nas pesquisas. Embora predominem pesquisas sobre a aprendizagem da escrita, o número significativo de trabalhos que se dedicaram a investigar as práticas pedagógicas na alfabetização aponta para um equilíbrio entre o olhar sobre a criança que aprende e sobre o professor que ensina, o que pode indicar uma superação da dicotomia entre ensino e aprendizagem no trabalho docente.
Tal dicotomia foi construída no processo de apropriação pelo campo escolar das contribuições de Ferreiro e Teberosky (1985), responsáveis pela transformação do olhar sobre a criança em processo de alfabetização. De passiva, dentro do processo de aprendizagem, a criança passou a ser observada e estudada em detalhes, analisada e respeitada como sujeito ativo (RIBEIRO, 2011). Entretanto, embora se tenha atribuído um papel ativo ao aluno como sujeito da própria aprendizagem, ao professor foi atribuído um papel passivo que tende a transformá-lo naquele que apenas acompanha o processo de aprendizagem da criança.
As contribuições dos estudos sobre o letramento, por meio da explicitação das competências linguísticas envolvidas no processo de alfabetização, bem como a defesa do professor como aquele a quem compete dirigir o processo de ensino, preconizada pela psicologia histórico-cultural, parecem ter contribuído para que os pesquisadores tenham buscado olhar para outros aspectos do processo de alfabetização. A preocupação passou a ser a de entender como se dá o processo pedagógico em sala de aula, que aspectos da linguagem são trabalhados pelos professores e que tipos de ferramentas e mediações são utilizados.
Em relação às lacunas, consideramos importante destacar o exíguo número de trabalhos que abordam a alfabetização de crianças com deficiência, o uso da tecnologia e a alfabetização em escolas do campo. Isso aponta para a necessidade de maiores investimentos nessas temáticas.
Destacamos ainda a ausência de estudos sobre a alfabetização em contextos de diversidade cultural, tais como as comunidades indígenas e quilombolas, e sobre a avaliação do processo de ensino e aprendizagem da língua escrita. Consideramos que essa ausência constitui as maiores lacunas a serem preenchidas por novas investigações.
Por fim, sugerimos que novas revisões sobre a temática incluam a produção em formato de livros. Tais veículos favorecem o acesso às produções de pesquisadores e grupos de pesquisa com experiência no estudo da temática e podem agregar análises históricas e de maior abrangência.