Introdução
Este trabalho apresenta uma contribuição sobre sujeitos que foram caracterizados nas categorias ‘raça/cor’, aqui representados por ‘pretos e pardos’ e ‘sabe ler e/ou frequenta a escola’ presentes no Recenseamento de 1890 e que residiam na cidade de Cuiabá, Mato Grosso (MT). Desse modo, o estudo contribui com dados que ajudam a compreender o universo de homens negros e mulheres negras que tiveram contato e/ou acesso à instrução em Mato Grosso, no final do século XIX, sobretudo na capital da província de Mato Grosso. A esse respeito, documentos como o Recenseamento de 1890 e periódicos da época auxiliam no entendimento do cenário em que esses sujeitos construíram suas trajetórias, centrado em um recorte temporal que compreende o período entre os anos de 1857 e 1911, espaço cronológico que diz respeito aos últimos anos do Império e das primeiras décadas da República.
Dessa forma, o ano de 1857 foi definido como recorte inicial deste estudo, pelo fato de, na ocasião, o pardo Sebastião José da Costa Maricá, ‘professor de primeiro gráo’, da capital da província, ter requerido o pagamento de 300$ réis, correspondente ao excesso de ‘75 alumnos’ presentes em sua escola, conforme o Noticiador Cuiabano, de 28 de junho de 1857, ano I, nº 9, páginas 2 e 3. Além desse fato, o pardo Manoel Pereira Cuiabano foi nomeado Suplente de Inspetor Escolar para a Vila do Rosário, no ano de 1911, o qual marca, assim, o recorte final escolhido para o texto em tela.
Em Mato Grosso, ressalta-se que o referido período foi marcado pelos eventos que ajudaram a pôr fim ao processo de escravidão, como a atuação de alguns desses sujeitos em associações abolicionistas1, o fortalecimento e a ampliação da escola de Primeiras Letras, sobretudo as escolas femininas, bem como o surgimento da Escola Normal e o Liceu Cuiabano, instituições responsáveis pela formação de professores e de professoras para atuar na província2.
Com relação aos objetivos, escolheu-se, como objetivo central, apresentar o contingente de sujeitos caracterizados segundo a raça/cor preta e parda e que estiveram à frente da instrução pública e privada em Cuiabá/MT no final dos Oitocentos e início dos Novecentos. Dessa forma, construiu-se uma exposição a partir dos registros inscritos em fontes primárias, em especial nos jornais de época, sobre quem era e/ou onde estavam os pretos e os pardos na instrução pública/privada na região em questão, trazendo outras contribuições para a produção da historiografia da educação em Mato Grosso. Como objetivos específicos, optou-se, por um lado, por identificá-los mediante essas fontes, tomando o ‘nome’ como base e colocando-os na cena da historiografia, contrapondo uma certa invisibilização de seus perfis raciais na citada produção historiográfica em Mato Grosso. Por outro lado, procurou-se evidenciar uma ampliação de professores negros e professoras negras naqueles espaços na época em questão.
Nessa perspectiva, perguntou-se: qual era a extensão de homens negros e de mulheres negras que sabiam ler e/ou haviam frequentado a escola cuiabana nos Oitocentos? Quem eram esses homens negros e essas mulheres negras atuantes nas escolas públicas e/ou privadas na sociedade cuiabana? Em quais espaços esses homens negros e essas mulheres negras estiveram inseridos? Em quais linhas de frente? Para delinear questões que pudessem responder a essas perguntas, assinala-se que, na construção desta pesquisa, recorreu-se a periódicos mato-grossenses de época que estão hospedados nos sítios da Biblioteca Nacional (https://www.bn.gov.br/). Recorreu-se, também, ao Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional, o qual está ligado ao Instituto de Geografia, História e Documentação da Universidade Federal de Mato Grosso e que possui um acervo digital com diversos tipos de materiais digitalizados. Desse modo, nessa instituição, foi possível encontrar cinco periódicos (A Imprensa, A Situação, Escola, Neophyto e O Cruzeiro) hospedados nesse núcleo. Dentre eles, foram utilizados A Imprensa e Escola.
Nessa mesma linha, ressalta-se que, para coletar os dados da pesquisa, utilizou-se amplamente o Recenseamento de 1890, o que propiciou a realização do cruzamento dos dados, em busca de trabalhar, especificamente, com as categorias registradas nesse documento, a saber: nome, raça/cor, sabem ler e/ou frequentam a escola. A esse respeito, destaca-se que essas três categorias constituíram a base central para reunir os dados que foram utilizados na construção deste trabalho.
Metodologicamente, o estudo em tela filia-se às pesquisas bibliográficas e documentais. Dessa forma, no que corresponde à primeira, recorreu-se, principalmente, a estudos que constroem um olhar sobre instrução pública local, objetivando compreender o cenário posto sobre o tema estudado, a saber: Siqueira (2000), Paião (2006), Gomes (2009) e Miranda (2010). Nessa perspectiva, Lakatos (2003) destaca que esse tipo de pesquisa abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado e a sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi dito, escrito ou filmado sobre determinado assunto.
Com relação à pesquisa documental, Oliveira (2007 como citado em Sá-Silva, Almeida, & Guindane, 2009) destaca que esta utiliza materiais que ainda não receberam tratamento analítico. Para o autor, a pesquisa com documentos trata-se de um estudo direto de fontes científicas sem precisar recorrer a fatos do cotidiano. No que concordam também Sá-Silva et al. (2009), os quais assinalam que as fontes primárias constituem dados originais, a partir dos quais o pesquisador tem uma relação direta com os fatos a serem analisados. Sobre essa questão, Cellard (2008) ressalta que o trabalho com análise documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros.
Na perspectiva de Oliveira (2007 como citado em Sá-Silva et al., 2009), para este estudo, dentro das fontes primárias, reuniram-se os Relatórios de Presidentes de Província, de Diretores Gerais de Instrução Pública, os jornais de época e, principalmente, o Recenseamento de 1890. Nesse sentido, os Relatórios de Presidentes de Província são documentos que versam sobre todas as atividades desempenhadas no âmbito da província mato-grossense entre 1835 e 1930 e estão disponíveis no Portal Center for Research Libraries3. No caso dos Relatórios de Diretores de instrução pública, estes são documentos que abordam todas as atividades desenvolvidas no âmbito da educação em Mato Grosso, e, como se apontou anteriormente, o Recenseamento constitui-se um documento contendo dados censitários sobre a população urbana da cidade de Cuiabá.
Outro aspecto relevante na construção deste estudo foi a utilização do ‘nome’ como fio condutor. A esse respeito, Ginzburg (1991) enfatiza que o ‘nome’ é aquilo que distingue um indivíduo de um outro em todas as sociedades conhecidas. Para Ginzburg (1991, p. 175), “[...] as linhas que convergem para o nome e que dele partem, compondo uma espécie de teia de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido”. Neste trabalho, assinala-se que o tecido social, tal qual é compreendido pelo autor, é nomeado de sociedade cuiabana, que se constituiu por meio da burocracia administrativa, social e da vida privada, experienciada por homens negros e por mulheres negras na capital da província e depois do estado de Mato Grosso, no final do século XIX e início do século XX.
Dessa forma, ressalta-se que, na experiência da pesquisa utilizando o ‘nome’ como fio condutor, à medida que ele era encontrado nos jornais, abria-se o documento denominado ‘Recenseamento de 1890’ e digitava-se o nome na aba ‘localizar’; depois, clicava-se na tecla Enter, e ‘os nomes’ apareciam um após o outro. A seguir, tomou-se o nome ‘Dormevil’ como exemplo, o qual, após escrito no localizador e clicado na tecla Enter, apareceram os seguintes nomes, conforme evidenciado na Tabela 1.
Nº | Nome | Idade | Profissão | Raça | Estado civil | Instrução | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
SL | FE | ||||||
1 | Dormevil José dos Santos Malhado4 | 51 anos | Médico | Parda | Casado | Sim | Não |
2 | Dormevil de Figueredo5 | 2 anos | - | Branca | Solteiro | Não | Não |
3 | Dormevil Augusto Duarte6 | 10 anos | - | Branca | Solteiro | Sim | Sim |
Fonte: O autor a partir de dados coletados em Peraro (2005).
Nota. SL - os/as que sabiam ler, e FE - aqueles/aquelas que frequentavam a escola.
Se, na notícia do jornal, apontavam-se as qualificações do sujeito e/ou conforme o teor da referida notícia, ressalta-se que não era difícil descobrir de quem se tratava o fato narrado e/ou a notícia dada.
Sobre o médico Dr. Dormevil, foi possível colher e reunir informações a partir de diversas fontes, como jornais, Relatórios de Presidente de Província, livro da Inspetoria Geral das Aulas, na qualidade de fontes primárias, e em fontes bibliográficas, como livros, artigos que mencionaram parte da trajetória de Dormevil José dos Santos Malhado na burocracia pública e privada em Mato Grosso. Nesse sentido, o importante médico ocupou cargos de influência na província de Mato Grosso, a exemplo de: Diretor Geral de Instrução Pública, conforme o Relatório de Presidente da Província de Mato-Grosso de 1880; e de Inspetor de Hygiene, de acordo com A Província de Matto-Grosso, de 20 de outubro de 1889a.
No tocante à atuação de pretos e pardos na regência de escolas públicas e privadas, foi possível listar uma dezena de ‘nomes’ de homens negros e de mulheres negras, a partir do ano de 1857. Desse modo, foram esses sujeitos que atravessaram parte do século XIX, exercendo uma diversidade de tarefas e/ou funções, tendo como sucessores/sucessoras outros homens negros e outras mulheres negras, nas décadas finais do século XIX e no início do século XX. Diante disso, o presente texto está dividido em três partes. Na introdução, apresentou-se o cerne da pesquisa, o recorte temporal, os objetivos e as questões metodológicas. Na primeira parte, emergem questões que revelam percentuais populacionais absolutos, percentuais do perfil racial, centrando as atenções em pretos e pardos, sobretudo na faixa etária dos 20 a 39 anos, tendo as mulheres pardas como centro, e, por fim, dados que levam à compreensão de como a escola pública e privada cuiabana foi construída com a intensa presença de pretos e pardos. Na segunda parte, com base nos dados obtidos, apresenta-se ao público passagens de homens negros e de mulheres negras na instrução pública em Mato Grosso. Posteriormente, finaliza-se com as considerações finais.
Negros e educação no Mato Grosso no final do século XIX e início do século XX
No encaminhar dos últimos anos do século XIX, conforme Bissigo (2014), o Recenseamento de 1872 revelou que o Brasil possuía uma população de 9.930.478 habitantes7. Segundo o autor, esse contingente estava assim distribuído: brancos 38,1%, pretos 19,6%, pardos 38,2% e indígenas 3,8%8. De acordo com esses números, o Brasil possuía uma população com maioria negra. Em Mato Grosso9, conforme o Recenseamento de 1872, isso também não era diferente, pois, de acordo com o referido Recenseamento, 71,4% do total de habitantes da província correspondia a uma população não branca; da mesma forma, 69,8% para o município de Cuiabá e 70,7% para a parte urbana da mesma cidade, o que constituía uma população majoritariamente negra10. Logo no final do século XIX, os dados apontam que o Império e a província mato-grossense possuíam características semelhantes no que diz respeito a ter uma população de predominância negra.
Sobre essa questão, a Tabela 2, a seguir, mostra o quantitativo populacional geral e em percentuais, conforme as categorias raça/cor utilizadas no Censo de 1890, as quais correspondiam às duas freguesias que compunham a parte urbana da cidade de Cuiabá, denominadas de Sé e de São Gonçalo de Pedro II, naquele momento.
Nº | Freguesia | Brancos | Pardos | Pretos | Total |
---|---|---|---|---|---|
1 | Sé11 | 1880 | 3298 | 1227 | 6405 |
2 | São Gonçalo de Pedro II12 | 533 | 1128 | 266 | 1927 |
3 | Total | 2.413 | 4.426 | 1.493 | 8332 |
4 | Percentuais | 28,9% | 53,1% | 17,9% | 99,9% |
Fonte: O autor com base em Dutra (2017, p. 155).
Para além dos percentuais gerais contabilizados para as citadas categorias de raça/cor, construíram-se observações que correspondem à presença negra na instrução pública em Mato Grosso, a partir de 1857, com foco principal na cidade de Cuiabá, destacando os homens negros e as mulheres negras que estiveram na dianteira da escola pública e/ou privada mato-grossense, em funções como alunos, professores e gestores.
Dessa forma, para demonstrar esse cenário, faz-se necessário construir um olhar a partir de dados coletados no Recenseamento de 1890 que evidenciam que um contingente de homens negros e de mulheres negras presentes na população urbana da cidade de Cuiabá foram caracterizados como ‘sabiam ler’ e/ou ‘frequentavam a escola’. Nesse sentido, os dados registrados em periódicos mato-grossenses, a partir de 1857, apontaram o tipo de instituição escolar em que esse contingente esteve presente, fosse na escola pública ou privada. Desse modo, para revelar esse cenário, recorreu-se a Dutra (2017), que utilizou amplamente os dados apresentados no Recenseamento de 1890, para demonstrar que, percentualmente, a população negra era maioria na escola cuiabana.
No que diz respeito àqueles e àquelas que haviam tido algum tipo de contato com a escola, Dutra (2017) também constatou que, percentualmente, a população caracterizada como de raça/cor parda constituía o maior grupo em relação a brancos e pretos, entre aqueles e aquelas que sabiam ler e/ou haviam frequentado a escola13.
Na análise sobre as categorias raciais denominadas de ‘branca’, ‘preta’ e ‘parda’ presentes na escola cuiabana, destaca-se que o ápice no trabalho de Dutra (2017) está na questão de gênero. A esse respeito, o autor evidenciou que, na faixa etária de 20 a 39 anos, as mulheres de raça/cor parda superaram, em percentuais, os homens de raça/cor parda na instrução pública, na parte urbana da cidade de Cuiabá, conforme os dados da Recenseamento de 1890 apresentados na Tabela 3.
Nº | 20 anos | % | 30 anos | % | Total | % | |
1 | Homens | 93 | 26,4 | 77 | 21,8 | 170 | 48,2 |
2 | Mulheres | 107 | 30,3 | 75 | 21,3 | 182 | 51,7 |
3 | Total | 200 | 56,8 | 152 | 43,1 | 352 | 99,9 |
Fonte: O autor com base em Dutra (2017, p. 171).
As mesmas observações podem ser construídas em relação às mulheres consideradas de raça/cor preta e que residiam na Freguesia da Sé. Dessa forma, conforme Dutra (2017), esses dados só puderem ser constatados apenas na faixa etária dos 20 anos, como observa-se na Tabela 4.
Nº | 20 anos | % | 30 anos | % | Total | % | |
1 | Homens | 13 | 22,4 | 25 | 43,1 | 38 | 65,5 |
2 | Mulheres | 17 | 29,3 | 3 | 5,1 | 20 | 34,4 |
3 | Total | 30 | 51,7 | 28 | 48,2 | 58 | 99,9 |
Fonte: O autor com base em Dutra (2017).
A partir dessas observações, depreende-se que, à medida que se avançava para o final do século XIX, as mulheres tornavam-se maioria na escola cuiabana. Provavelmente, esse fato deveu-se ao regime de coeducação que, conforme Siqueira (2000), havia colaborado vigorosamente para a universalização e a democratização do ensino. Para a autora, ainda que em um movimento de mão dupla, a educação, por um lado, facilitou o ingresso de meninas em um espaço escolar mais ampliado; por outro lado, ofereceu à mulher um campo profissional mais amplo, pois caberia a ela lecionar em escolas tipicamente femininas e naquelas mistas, onde ela era preferida aos homens.
Nessa perspectiva, para responder ao objetivo central deste estudo, sobre a extensão da presença de pretos e pardos na instrução pública/privada em Mato Grosso, seguiu-se o ‘fio de Ariana’. Desse modo, a Tabela 5 traz a lume alguns dos nomes de homens negros e de mulheres negras, a partir de registros encontrados nos periódicos mato-grossenses, que frequentaram a escola pública e privada na cidade de Cuiabá. Desse modo, o Seminário Episcopal da Conceição, até 1874, figurou como a única escola secundária da província de Mato Grosso, localizado na capital. É importante destacar que as informações presentes nas colunas nome, ano, raça e escola, que compõem a Tabela 5, são centrais para compreender essa questão.
Nº | Nome | Ano | Raça | Professor/a | Escola | Série/ Classe |
1 | Agostinho Lopes de Souza | 1880 | Preta | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | 1º ano |
2 | Anselmo Liberato de Oliveira | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | 1º ano |
3 | Antonia Augusta Gaudie Ley | 1886 | Parda | - | 2ª escola de meninas da Freguesia da Sé | - |
4 | Antônio Pedro de Figueiredo16 | 1863 | Parda | Manoel Ribeiro dos Santos Tocantins | Escola de 2º Gráo | *17 |
5 | Antônio Pereira Catilina da Silva | 1863 | Parda | Corpo Docente do Seminário Episcopal da Conceição | Seminário Episcopal da Conceição | Philosofia Racional, História Eclesiastica |
6 | Antônio Pinto de Souza Leque | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Aulas Preparatórias |
7 | Augusto de Assis Monteiro | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | 2º ano |
8 | Bernardina Maria Elvira Rich | 1890 | Parda | - | 2ª escola de meninas da Freguesia da Sé | - |
9 | Candido Mariano da Silva | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | 2º ano |
10 | Carlos Barbosa Farias | 1872 | Parda | Corpo Docente do Seminário Episcopal da Conceição | Seminário Episcopal da Conceição | Latim Classe de Gramática |
11 | Celestino Vieira Nery | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Aulas Preparatórias |
12 | Dormevil José dos Santos Malhado | Parda | - | Escola Norma/Liceu Cuiabano | Pedagogia e Métodos | |
13 | Félix Bendicto de Miranda18 | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Ouvinte de diversas aulas |
14 | Francisco Antunes Muniz | 1889 | Preta | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Exames de preparatórios |
15 | Francisco de Assiz Pereira | 1872 | Parda | Corpo Docente do Seminário Episcopal da Conceição | Seminário Episcopal da Conceição | Latim Classe Francês |
16 | Francisco Ramos da Silva | 1875 | Parda | Benedicto Francisco de Paula | 1ª e 2ª escolas | 5ª/6ª |
17 | Francisco Vieira Nery19 | 1863 | Parda | Manoel Ribeiro dos Santos Tocantins | Escola de 2º Gráo | * |
18 | Francisco Ramos da Silva | 1875 | Parda | Benedicto Francisco de Paula | 1ª e 2ª escolas | 5ª/6ª |
19 | Jorgiana carvalho Viera | ?20 | Parda | - | - | - |
20 | João Alves Guerra | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | 2º ano |
21 | João Baptista da Silva Cuyabano | 1889 | Preta | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Exames de preparatórios |
22 | João Cancio da Cunha Pontes | 1875 | Parda | Benedicto Francisco de Paula | 1ª e 2ª escolas | 4ª/5ª |
23 | João Christião Carstens | 1895 | Parda | - | Atheneo Cuyabano | Externato para meninos na Sé |
24 | Joaquim da Silva Rondon | 1893 | Parda | - | Lyceu Cuiabano | Curso Normal |
25 | Joaquim Marcellino Martins | 1875 | Parda | Benedicto Francisco de Paula | 1ª e 2ª escolas | 1ª/2ª |
26 | José Patricio das Neves | 1889 | Preta | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Exames de preparatórios |
27 | Manoel Luiz Pereira | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Aulas Preparatórias |
28 | Manoel Rodrigues de Miranda | 1875 | Parda | Benedicto Francisco de Paula | 1ª e 2ª escolas | 3ª/4ª |
29 | Sebastião José da Costa Maricá21 | 1857 | Parda | - | Escola de Primeiro Grao da Capital | - |
30 | Solano Alves Pereira | 1889 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Exames de preparatórios |
31 | Thomé Ribeiro de Siqueira | 1880 | Parda | Corpo Docente do Lyceu Cuiabano | Lyceu Cuiabano | Ouvinte de diversas aulas |
Fonte: O autor com base em Noticiador Cuiabano (1857); A Imprensa de Cuiabá (1863); A Situação (1872, 1875); A Província de Matto-Grosso (1880a, 1889b).
Deve-se levar em consideração que os dados registrados na Tabela 5 informam passagens desses sujeitos desde a instrução elementar, o ensino secundário público e privado até a preparação daqueles que pretendiam frequentar o ensino superior e, ainda, aqueles que atuaram na docência na Escola de Primeiras Letras e Secundária.
Da presença de pretos e pardos como estudantes nas escolas públicas e privadas, na cidade de Cuiabá/MT, observou-se que os anos que se seguiram reservaram lugares de destaque para eles, principalmente na atuação como professores na instrução pública na província mato-grossense. Nesse sentido, o vice-presidente da província Barão de Diamantino, em 3 de maio de 1875, destacou que a Escola Normal costumava produzir vantagens, conquanto não compensasse ainda os esforços feitos em prol desta, mas que prometia ‘lisongeiros resultados’. Desse modo, pode-se dizer que, conforme as informações presentes na Tabela 5, quem produzia vantagens e lisonjeiros resultados eram as escolas públicas e privadas da cidade de Cuiabá, que tratava de instruir a mocidade para auxiliar na composição do futuro da província.
Sobre essa questão, o Inspetor Geral de Instrução Ernesto Camilo Barreto destacou, em relatório enviado ao presidente da província, Hermes Ernesto da Fonseca, que Antônio Pereira Catilina da Silva, “[...] um distincto filho do Seminário” (Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública, 1880, p. 16), sentava-se na ‘Cadeira de Minerva’ na Escola Normal. Ademais, anteriormente, o Presidente Barão de Diamantino já havia informado o quadro de professores da referida escola, e, entre eles, constava que Antônio Pererira Catilina da Silva lecionava a disciplina de ‘Grammatica e Analyse da respectiva língua nacional’. No tocante à atuação na escola pública de Primeiras Letras, Sebastião José da Costa Maricá, em 28 de junho de 1857, requereu o pagamento de 300$ (trezentos reis) pelo excesso de 75 alunos que ensinava na Escola de Primeiro ‘Grao’ da capital. Oriundo das escolas pública e privada em Mato Grosso, Felix Benedicto de Miranda foi anunciado pelo Dr. Dormevil José dos Santos Malhado como ‘distincto filho da escola normal’, o qual, em conjunto como outros mestres e mestras “[...] solícitos no cumprimento das obrigações que lhes impõe o cargo de mestres [...]”, integrava as escolas de Primeiras Letras da capital na década de 1880 (Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública, 1880, p. 16).
Desse modo, delineado o cenário sobre a presença de pretos e pardos nas escolas públicas e privadas da cidade de Cuiabá/MT, sobretudo como estudantes, a seguir, joga-se luz sobre ‘os lisonjeiros resultados’ que, como afirmou o Barão de Diamantino, tanto a Escola Normal como o Lyceu Cuiabano iam produzindo. A esse respeito, assinala-se que a Tabela 6, mais adiante, reflete a presença negra na trajetória da instrução pública como professores e professoras em Mato Grosso, entre os anos de 1857 e 1911.
A Escola Normal, o Liceu Cuiabano e os sujeitos do estudo
Para dar conta das nuances que evidenciam a passagem de pretos e pardos na instrução pública mato-grossense, duas instituições cumpriram papéis importantes na sua formação, a Escola Normal e o Liceu Cuiabano. Criada em 3 de fevereiro de 1874, a Escola Normal responsabilizou-se pela formação dos primeiros docentes em 1877; assim, por essa escola passou o pardo Félix Benedicto de Miranda. Quanto ao Liceu, este foi criado em 3 de dezembro de 1879 na gestão do Dr. Dormevil José dos Santos Malhado, que, conforme Siqueira (2000), era adepto do princípio da obrigatoriedade do ensino, empenhando-se em fazê-lo valer em Mato Grosso, especialmente no tocante ao ensino primário.
Nessa perspectiva, estabelecendo um diálogo entre este estudo e outras pesquisas brasileiras que respondem por passagens sobre o negro na instrução pública, aponta-se as contribuições de Silva (2000) e Fonseca (2007). Assinala-se que o texto em tela se assemelha ao trabalho realizado por Fonseca na produção de dados percentuais sobre a presença de pretos, pardos e cabras nas escolas mineiras entre 1820 e 1850. Nesse sentido, Silva (2000) traz a experiência do Professor Pretextato dos Passos e Silva na reivindicação de uma escola para meninos pretos e pardos na Corte. Desse modo, ressalta-se que, no trabalho da autora, é possível indicar semelhanças entre os caminhos construídos no entorno de uma escola vivenciados por Pretextato na Corte e os vivenciados por homens negros e mulheres negras na instrução pública/privada em Mato Grosso. Destaca-se que a diferença entre o trabalho em curso e o texto de Silva (2000) é que, ao passo que o Professor Pretextato constrói uma via crucis ao requerer a permissão para a criação de sua escola, nas trajetórias de pretos e prados construídas em Cuiabá, observou-se, conforme os documentos, que estes sujeitos não encontraram óbice22 à sua inserção, atuação e permanência na instrução pública mato-grossense.
Nessa mesma linha, outros estudos sobre o negro na instrução pública no Brasil podem ainda ser apontados, a saber: Barros (2005), sobre escolarização da população negra em São Paulo; Pinto (2006), o qual lança um olhar sobre a imprensa negra no século XIX; e Cruz (2009), que trata de questões educacionais do negro no Maranhão dentro do sistema escravista. Para somar a essa questão, observe-se a Tabela 6.
Nº | Nome | Idade | Profissão | Raça | Estado civil | Nacionalidade | Instrução | |
SL | FE | |||||||
1 | Agostinho Lopes de Souza | 30 | Professor | Preta | Solteiro | Brasileiro | Sim | Não |
2 | Bernardina Maria Elvira Rich | 18 | Professora | Parda | Solteira | Brasileira | Sim | Não |
3 | Felix Benedicto de Miranda | 33 | Professor | Parda | Casado | Brasileiro | Sim | Não |
4 | Antônia Augusta Gaudie Ley | 21 | Professora | Parda | Viúva | Brasileira | Sim | Não |
5 | Sebastião José da Costa Maricá | 66 | Professor | Parda | Casado | Brasileiro | Sim | Não |
6 | Jorgiana Carvalho de Oliveira | 19 | Professora | Parda | Solteira | Brasileira | Sim | Não |
Fonte: O autor com base em Peraro (2005).
Nota. Para a categoria ‘Instrução’, os dados foram informados em duas siglas: SL - os/as que sabiam ler, e FE - aqueles/aquelas que frequentavam a escola.
A esse respeito, a Tabela 6 foi construída a partir de dados retirados do Recenseamento de 1890; assim, o documento registrou um professor de raça/cor preta e cinco de raça/cor parda. Dentre estes, apenas o Professor Sebastião José da Costa Maricá não teve a sua formação na Escola Normal de Cuiabá, uma vez que os demais passaram por lá. Além disso, há exceção também com a professora Jorgiana Carvalho de Oliveira, que residia na Freguesia de São Gonçalo de Pedro II, e os demais residiam e atuavam na Freguesia da Sé.
Nessa perspectiva, aventa-se que esses dados que revelam a presença de homens negros e de mulheres negras na docência podem ser maiores, a assertiva pode ser confirmada em Paião (2006), que apresentou o perfil de 17 professoras atuando em escolas privadas na Província de Mato Grosso, no século XIX, lançando luz sobre a sua raça/cor. Dessa maneira, observou-se que duas delas foram caracterizadas como pardas, Bernardina Maria Elvira Rich e Jorgiana Carvalho de Oliveira. Paião (2006) destacou também a professora Izabel Perpétua de Mesquita, a qual havia sido caracterizada como sendo de raça/cor branca no Censo de 1890, mas, conforme a autora, e ao referir-se ao registro de óbito de Izabel de Mesquita, destacou que “[...] tem-se ‘nela uma mulher de cor morena’” (p. 80, grifo nosso). Sobre essa questão, a Figura 1 mostra a Professora Normalista Bernardina Maria Elvira Rich, oriunda da educação mato-grossense, jornalista e escritora, conforme assinalou Paião (2006).
Assim sendo, a partir das observações feitas anteriormente, reforça-se a tese de que o número de professores negros e de professoras negras residentes e/ou atuantes na cidade de Cuiabá, no século XIX, constituía-se de um quantitativo maior. À vista disso, os dados coletados a partir dos Relatórios de Presidentes de Províncias, dos periódicos de época e em obras que respondem pela construção da história de educação em Mato Grosso demonstram que, para além dos dados do Recenseamento de 1890, outros sujeitos integraram a instrução pública cuiabana/mato-grossense como regentes e/ou gestores de escolas públicas ou privadas, como mostra a Tabela 7.
Nº | Nome | Idade | Profissão23 | Raça | Estado civil | Nacionalidade | Instrução | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
SL | FE | |||||||
1 | Antônio Pereira Catilina da Silva24 | 55 | Professor | Parda | Casado | Brasileira | Sim | Não |
2 | Dormevil José dos Santos Malhado25 | 51 | Professor | Parda | Casado | Brasileira | Sim | Não |
3 | José Joaquim dos Santos Ferreira26 | 60 | Professor | Parda | Solteiro | Brasileiro | Sim | Não |
4 | Felippe Liberato | 61 | Professor | Parda | Solteiro | Brasileira | Sim | Não |
5 | Bento Severiano da Luz27 | 35 | Professor | Parda | Solteiro | Brasileiro | Sim | Não |
6 | Thomé Ribeiro de Siqueira28 | 36 | Professor Voluntário | Parda | Casado | Brasileira | Sim | Não |
Fonte: O autor com base em Peraro (2005), no Relatório do Vice-Presidente de Província (Mato Grosso, 1872), no jornal A Província de Matto-Grosso (1880b, 1889c) e Paião (2006).
Nota. SL - os/as que sabiam ler, e FE - aqueles/aquelas que frequentavam a escola.
Assim, os dados coligidos a partir de informações registradas nas fontes citadas ampliaram o número de docentes negros de seis para 12. Ao levar-se em consideração as questões relativas à educação não formal, outros sujeitos poderão ser incluídos, como é o caso de Adão da Costa e Faria e Bento José Rodrigues, que desenvolviam atividades de profissionalização por meio dos ofícios dos mestres em oficinas localizadas na cidade de Cuiabá, no ano de 1879. Adão da Costa e Faria29, por exemplo, era mestre das oficinas de correeiros, selleiros e secção de sapateiros30 e comandava 19 operários e um aprendiz. No mesmo ano, Bento José Rodrigues31 atuava como mestre da oficina de serralheiro e comandava 14 operários e um ‘mandador’32. A esse respeito, destaca-se que a ampliação da partição de homens negros e de mulheres negras na educação mato-grossense seguiu até 1911, ano limite imposto para a construção deste texto.
Sobre essa ampliação do número de professores negros e de professoras negras nas escolas de instrução pública e privada em Cuiabá, é importante que se busque entender o que Fonseca (2007, p. 20) chamou de “[...] uma invisibilidade dos negros [...]”, em pesquisa na historiografia da educação brasileira. Segundo o autor:
Há um padrão de tratamento em relação aos negros na historiografia educacional brasileira e sua principal característica é a promoção da invisibilidade dos membros deste grupo racial. Isto se manifesta nos trabalhos de história da educação através de uma afirmação explícita ou velada de que, no Brasil, ‘os negros não freqüentaram escolas’ (Fonseca, 2007, p. 8, grifo do autor).
Fonseca (2007) destaca que, em geral, essa afirmação é dirigida para uma caracterização dos períodos em que vigorou a escravidão e tem como pressuposto básico a ideia de que, nesse sistema, a relação entre negros e as escolas só poderia ser pensada em termos legais para que os escravos frequentassem essas instituições33, as quais foram interpretadas sem levar em conta a possibilidade de sua relação com a população negra (Fonseca, 2007). Sobre essa questão, as fontes têm revelado uma extensão de pretos e pardos ‘letrados’ na capital da província de Mato Grosso e que, possivelmente, utilizaram-na para ascender socialmente. Ademais, deve-se levar em consideração que a província de Mato Grosso possuía, principalmente, uma população mestiça e bastarda. Como assinalou Silva (1995), “[...] ‘foi a disponível para responder as necessidades de povoamento e defesa da fronteira’” (p. 177, grifo nosso), e que, possivelmente, pudesse ser uma característica importante e favorável a presença de pretos e pardos nas escolas cuiabanas.
Insistindo sobre ‘uma invisibilidade negra’ na historiografia da educação brasileira, percebeu-se que, em algumas obras que tratam da história da educação em Mato Grosso, a categoria ‘raça/cor’ não foi utilizada como um dado importante. Nesse viés, observou-se que, ao trazer contribuições sobre a instrução pública de Mato Grosso, Siqueira (2000) fez referência aos homens e às mulheres que trilharam experiências na construção da educação mato-grossense, recorrendo a dados do Recenseamento de 1890; entretanto, notou-se que a questão de raça/cor não foi objeto de seus questionamentos.
Desse modo, o nome de homens que foram caracterizados como sendo de raça/cor parda pelo referido Recenseamento aparecem nos textos de Siqueira (2000), sendo eles Dormevil José dos Santos Malhado, Felix Benedicto de Miranda e Sebastião José da Costa Maricá. Em conformidade com o Recenseamento de 1890, esses homens negros integravam o grupo racial construído por pardos, conforme a investigação do Censo realizado naquela ocasião. Assim sendo, notou-se que todos esses homens foram invisibilizados, quanto aos seus perfis raciais, na maioria das obras que tratam da historiografia da educação em Mato Grosso. Sobre Dormevil José dos Santos Malhado34, os trabalhos no campo da História também o trazem, mas sem citar seu pertencimento étnico-racial, assim como Antônia Augusta Gaudie Ley, Antônio Pereira Catilina da Silva e outros.
Para culminar a construção deste estudo sobre a presença de pretos e pardos na instrução pública mato-grossense, entre 1857 e 1911, ressalta-se que, se os sujeitos referenciados anteriormente deixaram suas contribuições na e para a historiografia da educação de Mato Grosso, com o avançar da pesquisa até o ano de 1911, observou-se que alguns desses sujeitos35 permaneceram nas lides, e outros pretos e pardos que foram referenciados no Recenseamento de 1890 os sucederam e ampliaram a sua presença, seja na docência, seja na gestão dos trabalhos relacionados à instrução pública na província/estado em questão. A esse respeito, os Relatórios de Instrução Pública, entre 1892 e 1911, pontuam questões como nomeação/exoneração, abertura e/ou propriedade de escolas privadas tendo, sobretudo, pardos na linha de frente.
O Relatório de Instrução Pública de Mato Grosso de 1892 do Diretor Pedro Gardes informou que o Professor Antônio Pereira Catilina Silva atuava com a disciplina de Gramática Portuguesa, no Externato do sexo feminino, do estado de Mato Grosso, tendo sua nomeação no dia 8 de abril de 1889 (Gardes, 1892). Ademais, Dona Bernardina Maria Elvira Rich e Dona Antônia Augusta Gaudieley eram professoras efetivas de escolas primárias localizadas na capital, e Félix Benedito de Miranda havia se aposentado em 26 de junho de 1890. Na seara do que se chama de sucessão e/ou ampliação da presença de pretos e pardos na escola cuiabana, Pedro Gardes (1892, p. 6) informou que, entre as escolas “[...] que se recomendaram aos estimados pais de família [...]”, estava a escola do cidadão Joaquim da Silva Rondon36, localizada na Freguesia de São Gonçalo, e, na Freguesia da Sé, a do cidadão Chirstian Carstens, que se sugere tratar-se do pardo João Christião Carastens.
É provável que João Christião Carstens tivesse transformado sua escola em um externato e tomado como parceiro Januário da Silva Rondon, dando o nome de Antheneo Cuyabano. Dessa maneira, como afirma O Matto-Grosso (1895), o Atheneo Cuyabano teria sido inaugurado em 17 de maio de 1894; assim, aventou-se a possibilidade de que a referida escola pudesse ter sido um externato para meninos, e que, por desentendimento, a parceria entre esses professores tivesse sido rompida em 23 de fevereiro de 1895.
Encaminhando a questão em que se aponta que homens negros desempenharam função na gestão educacional em Mato Grosso, no final do Império e no início da República, assinala-se que, depois da memorável passagem do Dr. Dormevil José do Santos Malhado na Diretoria Geral de Instrução Pública, entre 1880 e 1884, no Relatório de Instrução Pública de 1892, Pedro Gardes informou que o Professor Antônio Pereira Catilina37 exercia o cargo de Diretor do Externato do sexo feminino do estado de Mato Grosso. Assim, outros homens negros desempenharam atividades na Inspetoria Escolar em várias localidades38 de Mato Grosso, seja como inspetor ou substituto. Sobre o ensino público em Mato Grosso, o Diretor Pedro Gardes apresentou sete causas responsáveis pela sua má situação em 1892, apontando, entre elas, a falta de inspeção. Desse modo, ressaltou que:
As escolas estão de baixo da inspeção dos inspetores escolares, ora esse cargo é gratuito e seu exercício rouba tempo necessário para outras ocupações, donde resultam os inspetores raramente visitarem as escolas e contentarem se em passar o atestado de freqüência do professor quando este lhe apresenta o mapa mensal da escola (Gardes, 1892, p. 5).
Nesse sentido, para o ano de 1892, no relatório, foram apresentados 37 nomes de inspetores conjuntamente com seus respectivos substitutos. Em 1902, conforme o Relatório de Instrução Pública fornecido por seu diretor, Januário da Silva Rondon, o cidadão João Chistião Carnstens havia sido exonerado do cargo de Inspetor Escolar da Cidade de Corumbá, por ato da Presidência do Estado, em 7 de maio do mesmo ano (Rondon, 1902). A esse respeito, é possível que o exonerado tenha tido a oportunidade de mudar de profissão, pois, em concordância com O Matto-Grosso (1905), João Christião Carstens atuava como advogado e consignatário na cidade de Corumbá, na Rua 15 de Novembro, nº 10.
Januário Rondon foi recenseado em 1890, com 22 anos, profissão ‘Min. Tra’39, aluno do seminário, solteiro, católico e sabia ler. Nesse viés, indaga-se: é possível que o recenseado pudesse tratar-se de Januário da Silva Rondon, o professor, inspetor substituto da Freguesia de São Gonçalo de Pedro II e diretor de Instrução Publica de Mato Grosso, entre 1903 e 1906? Dessa forma, com relação ao perfil racial, assinala-se que ambos possuem a mesma filiação. Sobre essa questão, um fato que auxilia na possibilidade de Januário Rondon e Januário da Silva Rondon tratar-se da mesma pessoa é o trabalho da professora Maria da Glória Sá Rosa, a qual trabalhou com as memórias da Professora Clarice Rondon, filha de Januário da Silva Rondon. Durante uma entrevista, Clarice Rondon referiu-se ao Professor Januário da Silva Rondon da seguinte forma: “Eu tinha quatro anos e só me lembro de meu pai pelas fotografias. ‘Como era primo do Marechal Rondon, parecia muito com ele, moreno, alto, bigode espesso, cabelo liso’” (grifo nosso)40. Nesse sentido, os relatórios da Diretoria Geral de Instrução Pública de Mato Grosso, correspondentes aos anos de 1903 a 1905, foram assinados por Januário da Silva Rondon.
Findo o marco temporal escolhido para este estudo, destaca-se que o Relatório de Instrução Publica de 1911, na sessão ‘nomeações’, indicou o cidadão Manoel41 Pereira Cuiabano para o cargo de Suplente de Inspetor Escolar na vila do Rosário, por ato do governo do estado, em 11 de junho daquele ano.
Considerações finais
A construção deste texto expôs a inserção, a permanência e o protagonismo de professores negros e de professoras negras na cidade de Cuiabá, durante parte dos anos Oitocentos e início dos Novecentos. Nesse sentido, este trabalho tratou de ‘patentear ao público’ a presença de pretos e pardos nas escolas cuiabanas, fosse pública ou privada, apontando caminhos para a construção de outras pesquisas e/ou estudos em outras frentes. Desse modo, assinala-se que ainda é necessário destrinchar a participação desses sujeitos no processo formativo desenvolvido na Escola Normal e no Liceu Cuiabano - escolas públicas secundárias fundadas em Mato Grosso. Outra questão está no desenvolvimento de estudos que possam evidenciar a atuação das professoras negras nas escolas de Primeiras Letras, a exemplo do que fez a pesquisadora Nailza Barbosa Gomes (2009), ao construir a trajetória da Professora Bernardina Maria Elvira Rich.
Outrossim, é notória a participação dos sujeitos apresentados neste estudo no desempenho de múltiplas funções na burocracia administrativa da província/estado de Mato Grosso, sobretudo na gestão da educação mato-grossense. No tocante a essa questão, os Relatórios de Presidentes de Província e de Diretores de Instrução Pública constituem-se terrenos férteis, e aponta-se, ainda, o Arquivo Público de Mato Grosso como celeiro para a construção desses estudos. Destaca-se que algumas passagens apontam que homens negros e mulheres negras integravam uma intelectualidade mato-grossense e/ou cuiabana, uma vez que os jornais de época se constituíam como veículos de circulação de ideias, informações e opiniões dessa ou daquela facção política, como chamou Sena (2006), e um símbolo da modernidade, conforme Pinto (2018).
Sobre os homens negros e as mulheres negras que participaram do processo de construção de uma intelectualidade mato-grossense, explicita-se discursos do Professor Sebastião José da Costa Maricá, em 1864, na ocasião da distribuição de prêmios aos seus alunos ocorrida na data de 9 setembro daquele ano, conforme A Imprensa de Cuiabá (1864), e no discurso pronunciado pelo Dr. Dormevil José do Santos Malhado, por ocasião da inauguração do Liceu Cuiabano, em 1880, e ainda a participação da Professora Bernardina Maria Elvira Rich na construção do Grêmio Júlia Lopes e da Revista Violeta. A esse respeito, deixou-se uma ponta solta, indicando um caminho para pesquisas futuras que possam dar conta de revelar a participação de pretos e pardos em uma intelectualidade mato-grossense. Assim sendo, patenteemos ao público.