Talvez uma das poucas certezas que nos permitem expressar na atualidade é que vivemos tempos... incertos. Vivemos um tempo no qual são frequentes e sistemáticos os questionamentos sobre certezas, verdades, interpretações - as metanarrativas - sobre o passado e o presente do universo, da terra, das sociedades humanas, do ser humano, bem como aquelas referentes a prognósticos lineares sobre o futuro.
Alguns diagnosticam que estaríamos vivendo uma nova era - a da pós-modernidade (LYOTARD, 1993) -; para outros(as),1 a modernidade não teria sido superada, e seu avanço não implicaria ruptura (HABERMAS, 1990); ou que a pós-modernidade seria apenas "um estado de espírito, mais do que uma realidade cristalizada (ROUANET, 1987); outros(as) enfatizam, ainda, que viveríamos uma época de transição (GATTI, 2005, p. 3).
No plano de produção do conhecimento, enfoques metateóricos e teorias são revistos: os prefixos "neo" e "pós" batizam correntes de pensamento contemporâneas que se entrechocam para oferecer a interpretação dominante de nossa época: pós-estruturalismo, pós-feminismo, pós-colonialismo, neomarxismo, neogramscianismo, entre muitos outros. Por vezes, a ruptura é assignada pelo adjetivo "crítico": a Pedagogia crítica, o multiculturalismo crítico são algumas das variadas formas de diferenciar o "tradicional" do contemporâneo, o passado do futuro neste labirinto de produções teóricas e propostas políticas atuais. O conhecimento anterior é relegado à condição de "tradicional" e propõe-se a ruptura de fronteiras disciplinares, do organizado, e parte-se para o uso do conceito de caos.
Essa produção teórica, que tenta flagrar e refletir sobre a complexidade de nossos tempos, parece-me, e a outros (CARLSON; APPLE, 2000), não apenas abundante como... complexa, intensamente abstrata para ser apreendida visando sua aplicação, dado o uso de novos termos e conceitos, seu emprego com múltiplos sentidos - veja-se, por exemplo, o termo "identidade", tão em voga nos debates sobre diversidade. Cada novo texto se inicia com uma introdução sobre os sentidos dos termos usados - diferença, diversidade, cultura, hibridismo, entre outros -, e, ao fim e ao cabo, chega-se à conclusão que são polissêmicos, polifônicos. Ou então criam-se "novos" neologismos.
Para nós, educadores e pesquisadores que frequentamos o "chão da escola", aí incluindo a pós-graduação, o fato de termos que destrinchar essas novas tendências (alguns falam em modismos) no campo das ciências humanas e sociais, incluindo a educação, solicita-nos grande investimento de tempo e energia, não somente porque tais debates têm estado pouco atentos à sua implementação nas práticas cotidianas e nas políticas, mas também porque estão sendo, majoritamente, produzidos e escritos nos idiomas ocidentais de países hegemônicos e referem-se, muitas vezes, a suas situações peculiares. Daí as observações de Barbosa Moreira (2001) quando destaca a distância entre a sofisticação teórica e seu impacto na prática escolar:
[...] o discurso [sobre currículos e multiculturalismo] elaborado no Brasil, nos anos 90, por seu caráter complexo e abstrato e pela escassez de proposições que oferece para os profissionais da educação, não chegou ainda a nortear novas práticas e reformas. (p. 118)
Além disso, essa ebulição não permanece circunscrita ao campo do conhecimento e do discurso, mas é instigada por e instiga outras práticas sociais, políticas e culturais: novas formas de comunicação e informação, novos arranjos familiares, novos movimentos sociais, novas religiões, novas formas de expressão artística, novas propostas educacionais etc. Parodiando Marx, "tudo o que parecia sólido e 'tradicional' se desmancha no ar".
E no meio desse burburinho inebriante, estamos nós educadores e pesquisadores. Mais do que isso: somos chamados a construir o "novo mundo", ou melhor, o "novo futuro para a humanidade", pois somos um dos "especialistas" que resta da modernidade a educar as jovens gerações. E é unânime, mesmo em tempos de incerteza, a posição central da educação em época de crise. Como dar conta dessa missão, já que o passado "se desmancha" no ar? Haveria algo de honrado, digno, "verdadeiro" no acúmulo de conhecimentos da humanidade que precedeu, e convive com esses tempos complexos e que poderíamos comunicar como legado às jovens gerações que estamos educando? Ou nossas incertezas são tão intensas que nos dificultam ou impedem amealhar um legado honrado e digno para as jovens gerações? Ou desistimos dessa função da educação escolar, aquela de sistematizar e transmitir conhecimentos acumulados pela humanidade que nos precedeu e por aquela que é nossa contemporânea? Selecionar, sistematizar, organizar e propor um núcleo de conhecimentos e práticas educacionais às novas gerações seria cometer o pecado do "universalismo"? Como partilhar do relativismo epistemológico, na formulação curricular para a educação, "sem esvaziar a educação de conteúdo"? (SACRISTÀN, 1996, p. 50).
Compartilho da posição daqueles que assumem, a despeito das intensas críticas que possamos efetuar à modernidade, que também acumulamos um legado cultural, ético, político e social que cabe também a nós, adultos, ser comunicado às jovens gerações que constroem sua crítica e superação. Desse legado destaco nossa comunidade humana a ser respeitada, bem como o direito de todos a uma educação escolar democrática e de qualidade, incluindo os bebês. Voltarei a eles adiante.
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