A família tem figurado como pano de fundo dos discursos que enfocam tanto o sucesso como o fracasso das crianças na escola e tem sido apontada como fonte estimuladora da produtividade e do ajuste escolar. No sentido inverso, ela tem sido responsabilizada por estar distante da vida estudantil dos filhos, funcionando como fonte de desestímulo, desinteresse e desvalorização da educação (PARO, 2007).
O suporte parental é uma expressão multidimensional utilizada para descrever várias formas de atuação, nas quais referências significantes - nesse caso, os pais1 - influenciam o comportamento das crianças nas atividades do cotidiano (BEETS; CARDINAL; ALDERMAN, 2010; COLEMAN; MCNEESE, 2009). No Brasil, apesar da escassez de resultados empíricos relacionando o suporte parental a variáveis do contexto familiar e a crianças dessa faixa etária (ANDRADA et al., 2008), pesquisas têm evidenciado que esse tipo de suporte influencia de forma decisiva a vida acadêmica delas (ANDRADA et al., 2008; JEYNES, 2007).
Reforçando essa linha de raciocínio, os resultados do Program for International Student Assessment - Pisa - 2009 (OECD, 2010) são ilustrativos de que os alunos de quinze anos de idade cujos pais leram livros com eles, durante o primeiro ano do ensino fundamental, alcançam pontuações significativamente mais elevadas nos testes do que aqueles cujos pais não tinham esse hábito. Outros achados também estiveram associados ao desempenho da leitura no Pisa e envolveram os pais nas seguintes atividades: falar sobre coisas que os filhos fizeram durante o dia; contar histórias para eles; brincar com o alfabeto; discutir livros, filmes ou programas de televisão; fazer as refeições principais juntos e passar o tempo apenas conversando com eles. Entretanto, a diferença é mais significativa na variável que envolveu a leitura, se comparada com as variáveis relacionadas às outras atividades.
No cenário mundial, o Brasil ocupa os 412º, 386º e 405º lugares em Leitura, Matemática e Ciências, respectivamente (OECD, 2010), e a dificuldade de aprendizagem é um dos motivos para a procura de atendimento psicológico na rede pública de saúde (D'AVILA-BACARJI; MARTURANO; ELIAS, 2005). Assim, a tentativa de elaborar estratégias para prevenção das dificuldades de aprendizagem, promovendo estimulação ambiental e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo de crianças em transição para a primeira série, torna-se, por si só, um marco e revela a importância crucial dos ambientes próximos a elas.
Embora o suporte contínuo dos pais faça parte do interesse da criança e do adolescente, o envolvimento com as tarefas escolares e com a escola declina à medida que os filhos crescem (SIMON, 2001). Nessa perspectiva, algumas inquietudes impulsionam a investigação de como os pais/cuidadores percebem o suporte parental proporcionado aos filhos e de como se configura esse fenômeno para esses atores, adultos, com ações vitais na construção do desenvolvimento da criança e do adolescente.
Entende-se que o conhecimento sobre como os pais concebem o suporte oferecido aos filhos, advindo dos resultados desta pesquisa, pode auxiliar no desenho de projetos e programas de intervenção que trabalham com pais com o objetivo de maximizar os mecanismos de proteção e diminuir os fatores de risco para o desempenho acadêmico. A presente investigação mostra-se relevante uma vez que poderá trazer mais compreensão sobre como pais concebem o suporte oferecido aos filhos e seus resultados poderão auxiliar na apreensão dos aspectos dos contextos de desenvolvimento de meninos e meninas do primeiro ano do ensino fundamental. Tais resultados poderão nortear profissionais da educação na elaboração de programas de suporte parental que estimulem cuidados mais adequados na orientação das crianças.
Nesse prisma, os educadores podem trabalhar de maneira interdependente com os pais, considerando os cuidadores como agentes ativos do processo, e não como déficits ou sobrecarga para as escolas. Então, a partir dessa proposição, surge o interesse em investigar quais são as concepções sobre suporte parental dos pais de crianças do primeiro ano do ensino fundamental.
Método
Participantes e contexto
Os participantes da pesquisa foram 97 pais, não necessariamente casais, de crianças que frequentaram o primeiro ano do ensino fundamental de uma escola de educação básica municipal situada na capital do estado de Santa Catarina. É importante sublinhar que a ampla maioria dos participantes são os pais biológicos das crianças, com exceção de uma tia e uma avó. O grau de escolaridade da referida amostra é em sua maioria de ensino fundamental (32,0%) e médio (25,8%) e o rendimento mensal varia entre dois e quatro salários mínimos. Em muitos lares, a mãe é a única provedora financeira.
A escola possui 504 alunos pertencentes à comunidade local e também de outros bairros da cidade, conforme dados oferecidos pela secretaria escolar. Vários alunos são oriundos de lugares distantes da cidade; os pais procuram vagas nessa escola porque trabalham no mesmo bairro, o que favorece o acompanhamento das crianças até a instituição. A instituição foi escolhida para a pesquisa por constituir uma referência em virtude de sua organização, de sua disciplina e de seus resultados acadêmicos. A proximidade em relação a duas universidades possibilita que essas instituições de ensino superior desenvolvam seus projetos didático-pedagógicos e de formação continuada, auxiliando professores e alunos da escola pesquisada.
Os informantes para este estudo foram incluídos intencionalmente, configurando uma amostra não probabilística. Os critérios de inclusão preconizavam que os pais tivessem filhos matriculados no primeiro ano do ensino fundamental.
Instrumentos
Um questionário com perguntas abertas foi elaborado e apresentou duas questões. A primeira, "O que seu filho precisa para ter um bom desempenho no 1.º ano do ensino fundamental?", investigou as expectativas dos pais com relação ao desempenho escolar das crianças. A segunda, "Como você pode contribuir para que ele(a) tenha um bom desempenho no 1.º ano do ensino fundamental?", buscou averiguar o suporte parental como fenômeno de promoção para o aprendizado acadêmico no início dessa fase escolar. Para identificar as variáveis relacionadas à composição sociodemográfica das famílias pesquisadas, foi aplicado um questionário com as variáveis clássicas da Sociologia: escolaridade dos pais, renda familiar e sexo dos pais.
Procedimentos2
A aplicação dos instrumentos ocorreu no segundo semestre de 2013 durante a reunião de pais, a partir do horário de entrada (18h30), agendada para a entrega das notas do bimestre. À medida que chegavam, eles eram convidados a participar da pesquisa. Os pais responderam os questionários enquanto aguardavam sua vez para conversar com a professora. A pesquisadora permaneceu no local fazendo monitoria para esclarecimento de dúvidas durante a coleta. Os participantes foram identificados como P1, P2, P3... P97.
Tratamento e análise de dados
O questionário foi analisado sob a perspectiva da abordagem qualitativa, de acordo com as técnicas de investigação da análise de conteúdo proposta por Bardin (1999), que proporcionaram buscar as expectativas dos pais sobre o desempenho acadêmico das crianças e a concepção deles sobre o suporte parental oferecido aos filhos, envolvendo os seguintes procedimentos: organização do material e sistematização das ideias, categorização dos dados em unidades de registros e tratamento dos dados. As inferências e as interpretações, obtidas das unidades de registros dos informantes, foram transformadas em elementos temáticos. As expressões com sentidos idênticos ou similares foram agrupadas em categorias.
A categorização foi também trabalhada por um juiz, de modo a medir a fidelidade da classificação. Então, foram elaboradas planilhas e foi contabilizada a frequência de cada palavra, cujo cômputo gerou a média do índice de concordância entre juízes em relação ao total de componentes de cada categoria. Os valores, interpretados pelo Índice Kappa (Kappa = n. de concordâncias/n. total de concordâncias + n. de discordâncias), indicaram o nível de anuência entre pesquisadora e juiz. Nesse caso, os valores atribuídos por ambos encontravam-se dentro do intervalo entre 0,80 e 1,00, considerados quase perfeitos (COHEN, 1960).
Resultados e discussão
A análise do material coletado gerou quatro categorias para a primeira pergunta do questionário. Os pais esperam que seus filhos se desenvolvam psicossocial e cognitivamente, sejam disciplinados e tenham as habilidades sociais necessárias para frequentar o 1.º ano do ensino fundamental. Para cada categoria, foi elaborada uma definição com base no discurso dos pais. Todas estão registradas no Quadro 1.
Quanto à categorização das expectativas que pais têm sobre ter uma criança no 1.º ano do ensino fundamental, observou-se que a dimensão do desenvolvimento cognitivo é percebida como o armazenamento de informações; é tudo o que a criança descobre e aprende: "Ele precisa prestar atenção para aprender o que a professora ensina (P6)". Nessa categoria, os discursos revelaram ser imprescindível que a criança não faça barulho durante a explicação da matéria para que a aprendizagem seja efetiva: "Sempre digo para ela ficar quieta e participar da aula, aí com certeza ela vai aprender (P38)". Assim, para os participantes, prestar atenção no assunto ensinado é o que vai levar o filho a adquirir o conteúdo dado.
A disciplina é concebida como um fenômeno que implica compromisso no cumprimento dos deveres, das obrigações, das regras e dos ordenamentos. Esses ingredientes são apontados quando é dito que é muito importante ter "hora para fazer as tarefas. Ela chega em casa e já vai para o banho; depois janta e faz os deveres (P23)".
A categoria relativa ao desenvolvimento psicossocial é concebida como um estado afetivo que inclui satisfação com as necessidades básicas, felicidade e ausência de preocupação. Assim, proteção e suprimento das necessidades básicas parecem ser fundamentais na concepção dos pais pesquisados. Para dar esse suporte, há esforço pessoal conforme registrado por P3: "Faço hora extra para dar tudo o que ele precisa, quero que ele tenha todo o tempo para estudar e ser feliz".
Os pais que compõem essa amostra acreditam que, para ter um bom desempenho escolar, seus filhos precisam ter boas maneiras, principalmente no trato e na atenção para com os colegas de turma. Na categoria relativa às habilidades socioemocionais, a solidariedade e a cooperação foram apontadas como fundamentais e são ilustradas nos discursos de P45 e P18, respectivamente: "Digo para ela para dividir o lanche com os coleguinhas e ajudar eles"; "Acho que não é só estudar, mas também se comportar de forma boa, ser gentil com os amiguinhos, ser companheiro e ajudador e ter bom relacionamento com a professora".
Os componentes de cada categoria foram listados e sua frequência foi computada, em números absolutos. Os escores mais altos estiveram relacionados ao desenvolvimento cognitivo e agregaram valores maiores para a importância de prestar atenção ao conteúdo dado na escola. A Tabela 1 especifica as diferenças entre as categorias e mostra, mais detalhadamente, os escores relativos à frequência atribuída aos componentes de cada uma delas.
A segunda pergunta do questionário gerou também quatro categorias, apresentadas no Quadro 2, com suas respectivas definições. Os pais apontaram a importância do suporte parental no processo cognitivo, na orientação e na supervisão da criança, na proteção e no bem-estar dos filhos e nas habilidades no trato com as pessoas.
Com relação à categoria que se refere ao processo cognitivo, observou-se que pais veem a importância de oferecer suporte parental para que seus filhos consigam ter êxito no ano acadêmico. Há empenho em estimular a criança, promovendo interesse pelas tarefas escolares: "Ajudo nas tarefas. Acho que é importante saber ler e escrever e por isso fico dizendo que ele tem que prestar atenção nas aulas. Espero que ele goste de aprender a ler (M29)". Essa categoria é percebida e caracterizada como um processo que envolve os pais na estimulação do uso da concentração para adquirir, entender, organizar e armazenar informações e seu acompanhamento nas atividades escolares e auxílio no desempenho escolar das crianças.
Nessa categoria, ficou registrada a preocupação com a transição da educação infantil para o ensino fundamental: "Fico pedindo para ele prestar atenção nas aulas. Acho que a concentração é o que parece ser o maior desafio nesse 1.º ano, porque antes eles tinham mais tempo para brincar e agora as coisas são diferentes (M41)".
A orientação parental é concebida como um fator importante para o desenvolvimento acadêmico dos filhos: "Tento insistir para ela ser responsável, respeitar colegas e professores e ter interesse no aprendizado. Ajudo a fazer os deveres. Tento dar exemplo, fazendo o que é correto. Primeiro eu tenho que dar exemplo (P27)". Essa categoria é percebida como a supervisão dos pais visando à criação de regras e à promoção de responsabilidades no cumprimento dos deveres, das obrigações e dos ordenamentos, pautados também no exemplo pessoal.
Quanto ao suporte socioemocional, observou-se que pais procuraram apoiar os filhos oferecendo proteção a possíveis riscos e provendo o bem-estar da criança, que, na concepção deles, inclui a satisfação das necessidades básicas: "Ofereço várias oportunidades boas na vida, mostro coisas diferentes e tento aproximá-las com o ensino. Acompanho o desenvolvimento dele na escola (P40)".
No que diz respeito às habilidades sociais, os participantes enfatizaram ser fundamental que haja suporte em relação às boas maneiras, à atenção e à consideração para com outras pessoas: "Os pais devem ser os primeiros a dar exemplo. Aliás, a educação vem de casa. Os professores fazem a parte deles e os pais precisam fazer a sua. Minha filha deve ser educada e tratar bem a todos. Ensino que ela tenha bom relacionamento com a professora e os colegas (P7)". As habilidades sociais estão pautadas por comportamentos de boas maneiras, respeito, ancorados no suporte parental para o que é certo e errado.
A Tabela 2 apresenta os escores relativos à frequência atribuída aos componentes de cada categoria, estabelecida com base nas respostas à segunda pergunta. Os escores relacionados à orientação parental foram os mais altos e estão ligados ao exemplo pessoal - ser um pai exemplar.
Constatou-se que os pais concebem o suporte parental como a participação, a presença e o envolvimento dos pais nas atividades concernentes ao desenvolvimento cognitivo, à disciplina, às habilidades sociais e ao desenvolvimento psicossocial da criança: "Eu dialogo com ela e estimulo as brincadeiras em família. Acompanho nos deveres de casa e procuro acompanhar seu desempenho escolar. É importante oferecer estímulos por meio de atividades lúdicas (P9)". Para os participantes desta pesquisa, os pais devem empenhar-se para que seus filhos estejam concentrados para aprender, cumpram seus deveres e obrigações, obedeçam a regras e ordenamentos, estejam satisfeitos e felizes e tenham uma boa relação com as pessoas.
Nessa amostra, os participantes concebem alguns comportamentos para suporte parental, tais como o processo que envolve a estimulação da criança, a supervisão de regras e o cumprimento das obrigações, a promoção do bem-estar da criança e o suporte parental para a compreensão do que é certo e errado, com vistas a um desempenho acadêmico positivo. Eles demonstraram a necessidade de acompanhar e estimular a aprendizagem, o cumprimento de regras com base no próprio exemplo, oferecer apoio e orientação, visando à proteção contra riscos, perigos ou perdas, ser parceiros da escola e ensinar comportamentos de boas maneiras, respeito e atenção às pessoas.
Ainda é possível pensar na relevância de considerar que pode haver convergência entre os cuidadores quando se trata do processo de socialização e educação da criança. Para os pais investigados, ser mãe ou pai significa pôr em prática um projeto vital educativo, no qual ambos investem intensamente em nível pessoal e social, assumindo a responsabilidade de dar sentido e conteúdo à vida em família.
Considerando a característica da amostra desta pesquisa, infere- -se que o modelo cultural do pai emocionalmente distante, que suporta economicamente a família, parece estar sendo substituído pelo modelo cultural do "novo pai", mais envolvido com os filhos e emocionalmente aberto, quer para as crianças, quer para a cumplicidade com a companheira, no quesito educação dos filhos. Nesse modelo cultural, os pais surgem comprometidos com a vida da sua família de maneira muito mais profunda do que aquelas que caracterizaram o envolvimento dos seus próprios pais (GABRIEL; DIAS, 2011; MEINCKE; CARRARO, 2009). Pode-se sugerir que os homens, hoje em dia, talvez confrontados por pressões crescentes em vários domínios (familiar, cultural, etc.), estão mais envolvidos na vida familiar (BOSSARDI et al., 2013). Tal envolvimento tem estado presente nas tarefas domésticas e nos cuidados prestados aos filhos quando adotam atitudes e comportamentos mais adequados em termos emocionais e mais ajustados a uma relação mais próxima com seus filhos e mais igualitária com suas companheiras (CONNELL, 2006).
Verificou-se ainda que os pais dão ênfase ao desenvolvimento cognitivo de seus filhos. Vale destacar a importância das expectativas dos pais quanto ao desenvolvimento escolar dos filhos. Uma análise mais detalhada dos fatores considerados no envolvimento parental, realizada em um estudo de meta-análise dos resultados quantitativos de 25 pesquisas sobre o tema, revelou que a aspiração/expectativa dos pais sobre o desempenho acadêmico dos filhos foi o fator que obteve as mais fortes correlações com o desempenho, quando comparada ao resultado obtido entre envolvimento parental e desempenho acadêmico (FAN; CHEN, 2001). Essa constatação aponta a importância dada pelos pais à escola e ao desenvolvimento acadêmico.
Evidências empíricas assinalam que o suporte parental tem correlação significativamente positiva entre a escolaridade dos pais e o desempenho escolar da criança. Pais mais escolarizados estão mais inclinados a oferecer suporte parental para seus filhos e as expectativas escolares dos pais estão atreladas a seu nível de escolaridade (ANDRADA et al., 2008, 2009; SHRINER; MULLIS; SHRINER, 2010). É esperado que os filhos tenham uma escolaridade semelhante àquela de seus pais e é desejável que eles a ultrapassem (ARROYO, 2009).
Assim, quanto mais elevado o nível de escolaridade dos pais, mais capacidade existe para prestar um auxílio eficaz em casa e enfatizar o valor da educação, que pode ser um fator importante para o progresso e para a ascensão social, de acordo com esforços e habilidades individuais. Neste trabalho, constatou-se que apenas 11 participantes têm curso superior; a maioria concluiu apenas o ensino fundamental ou tem o ensino médio completo. Apesar desse nível de escolarização, eles demonstraram valorizar significativamente os componentes das categorias desenvolvimento e processo cognitivo.
É possível, portanto, que existam outros fatores, não detectados por esta pesquisa, que levaram os participantes a essa valorização. Parece que a ênfase em valores relacionados à educação é característica cultural disseminada no macrossistema brasileiro, já que os pais brasileiros veem na educação uma oportunidade para que seus filhos alcancem melhores empregos e salários e consigam ascender socialmente, minimizando as desigualdades para as futuras gerações da família (RIBEIRO; NEDER, 2009). O valor dado à educação e à escola como recurso para alcançar status social pode ser o motor da ênfase na promoção do desenvolvimento das habilidades cognitivas.
Verificou-se que, além de valorizarem a dimensão do desenvolvimento cognitivo, os pais também oferecem recursos que podem auxiliar na obtenção de bons desempenhos acadêmicos. Os resultados sobre suporte parental mostraram que os participantes oferecem recursos, tais como livros e jogos educativos, compatíveis com as preocupações relativas ao desenvolvimento na sala de aula.
Embora a desvantagem econômica represente um desafio ao suporte parental, nessa amostra a maioria dos participantes, pertencentes à classe social popular (DUARTE; LEAL, 1998), se esforça para oferecer recursos que estimulem e promovam o desenvolvimento cognitivo dos filhos. As limitações impostas por condições financeiras desfavoráveis conduzem a poucas possibilidades de estimulação intelectual, tais como disponibilidade de materiais (brinquedos, livros, lugar para estudo), passeios pagos (museus, parques de diversões, teatros), além de outros itens necessários ao desenvolvimento infantil.
Pesquisas têm revelado que filhos de pais com poder aquisitivo frequentam a escola por mais tempo, tendo um currículo com mais anos de escolaridade (ESTEVES, 2009; FERREIRA; MARTURANO, 2002). Nesse caso, os participantes enfatizaram que seus filhos devem ter "bom rendimento em sala de aula, gostar de ler livros, fazer as tarefas. Compro brinquedos com números e letras, livros e jogos educativos e mostro a importância da escola (M37)" e parecem esforçar-se por prover os recursos necessários ao bom desenvolvimento acadêmico.
A revisão da literatura aponta a família como fonte de estímulos para a aquisição de novos conhecimentos favorecendo o desenvolvimento de habilidades necessárias para a compreensão de leitura (GUIDETTI; MARTINELLI, 2009; SANTOS; MARTINELLI; MONTEIRO, 2012; FAN; WILLIAMS; WOLTERS, 2012). Assim, é válido considerar, entretanto, que, embora a renda familiar não esteja ligada diretamente à valorização do desenvolvimento cognitivo, essa variável tem mostrado efeito indireto sobre o desempenho cognitivo na escola quando associada aos recursos do ambiente familiar tais como disponibilidade de brinquedos, livros e revistas (FERREIRA; BARRERA, 2010).
Ademais, a desvantagem econômica pode ser acentuada pela baixa escolaridade (RIBEIRO; NEDER, 2009) e esses dois fatores têm sido apontados como variáveis de risco ao desenvolvimento. Porém, nessa amostra, as condições de vida parecem não afetar as expectativas e o suporte que os pais oferecem a seus filhos.
Vale salientar que o suporte parental não se limita apenas a oferecer uma atmosfera econômica estável. O envolvimento dos pais precisa estar presente em outros aspectos da vida em família, tais como organização familiar, adoção de regras, rotinas para as atividades da criança, participação mais efetiva na vida escolar dos filhos e, principalmente, engajamento em um suporte emocional adequado à criança (MARTURANO; FERREIRA, 2004).
Os pais estão envolvidos com a criança, exercendo múltiplas atividades com os filhos - no estabelecimento de horários mais rígidos e na responsabilidade dos cuidados, mesmo quando trabalham fora de casa durante todo o dia (CRAIG, 2006). Nessa amostra, os recursos do ambiente familiar confirmam que os pais impõem horários para as atividades cotidianas. As crianças têm regras e horários e os pais acompanham as atividades escolares dos filhos - reuniões na escola, acompanhamento de cadernos e notas, supervisão do estudo e das lições, como se verifica no discurso de P29: "Procuro estar sempre presente nas reuniões da escola. Acho muito importante dedicar tempo para ajudar nos deveres. Em casa leio sempre e isso é para despertar o gosto pela leitura". Além da supervisão e do acompanhamento acadêmico, os pais investem tempo para fazer atividades com os filhos, principalmente conversar sobre como foi o dia na escola, brincar, ouvir a criança e os assuntos que ela traz. Vale enfatizar que o relacionamento "pais-criança" e o ambiente de suporte à aprendizagem desenvolvido no lar são apontados como fatores promotores do sucesso escolar (ANDRADA et al., 2009; BENETTI et al., 2013; MARTURANO, 2006).
O suporte parental mais efetivo leva os pais a aproximarem-se mais da escola e dos professores e essa interação próxima e positiva pode afetar a satisfação docente e levar os profissionais de sala de aula a darem mais atenção aos alunos provenientes dessas famílias, havendo maior propensão para que esses professores identifiquem, precocemente, problemas que possam inibir a aprendizagem, prevenindo o insucesso acadêmico e evitando, entre outras coisas, a evasão escolar dessas crianças (SCHNEIDER; KEESLER; MORLOCK, 2010). As crianças que se beneficiam de relações de apoio por parte de seus pais adaptam-se mais favoravelmente a novos ambientes sociais, onde mostram possuir competências sociais com os adultos e com os pares (WISE; KING, 2008) e competências de aprendizagem autorregulada (LEE; HAMMAN; LEE, 2007).
A participação ativa dos pais, em contato direto com os filhos, em casa, em atividades de aprendizagem, tem sido reportada como sendo duas vezes mais preditiva de sucesso acadêmico do que a renda familiar; também alguns programas intensivos, que orientam como desenvolver suporte parental, tiveram efeitos que foram dez vezes maiores do que os demais fatores envolvidos no processo de alcançar melhor desempenho escolar (CREECH, 2009; KRISTJÁNSSON; SIGFÚSDÓTTIR, 2009). Notadamente, ao examinar o impacto conjunto da escola e da família sobre atitudes e desempenho escolar, os processos familiares foram considerados mais potentes na produção de mudanças do que processos escolares (ROCHA-SCHMID, 2010).
É importante realçar que o perfil dos pais cujas crianças têm sucesso acadêmico exibe características abordadas nesta pesquisa e envolve os seguintes elementos: a) estabelecimento de rotina na família, incluindo hora para deitar e levantar, bem como jantar com a criança; b) assistência nas tarefas escolares; c) monitoramento de outras atividades relativas ao contexto escolar; d) encorajamento da leitura, da escrita e de conversas/discussões entre os membros da família (MORGAN; NUTBROWN; HANNON, 2009; SWARTZ et al., 2011).
Com relação a esta pesquisa, pode-se afirmar que seus participantes proporcionam suporte parental adequado e, consequentemente, um ambiente protetivo para seus filhos. Eles participam da vida escolar das crianças, oferecem cuidados em um ambiente seguro e estável, estimulam a intelectualidade e ainda estão de acordo quanto à condução e às diretrizes a serem utilizadas na orientação da criança.
Entretanto, como limitação deste estudo, é possível que a predominância da dimensão relacionada ao desenvolvimento cognitivo tenha recebido influência do contexto da coleta de dados, já que os questionários foram respondidos na escola durante a entrega das notas do boletim. É importante ainda que futuros estudos investiguem se existem diferenças entre o suporte parental oferecido para meninos e meninas.
Considerações finais
Como provedores de suporte parental, os pais desempenham um papel crucial no modo como a criança se desenvolve e vivencia novos contextos de desenvolvimento. Então, se faz necessária a criação de ambientes favoráveis para o desenvolvimento da criança. O espaço interior e o exterior da casa são os primeiros ambientes que propiciam aquisições de experiências e interações com os membros da família. Nesses espaços estão a disponibilidade e a qualidade dos recursos (brinquedos, objetos, material para leitura e desenho, estimulação dos pais, engajamento em atividades, brincadeiras e jogos com seus filhos). Dessa forma, a casa torna-se o ambiente que mais favorece e estimula o desenvolvimento da criança.
A transição do aluno para o ensino fundamental é uma tarefa de desenvolvimento familiar para a qual principalmente os pais têm que se reorganizar. É um momento de exigências relacionadas a novas tarefas e adaptações e o suporte parental é imprescindível para a promoção do funcionamento e do bem-estar pessoal de cada membro da família.
As formas de controle e disciplina parental sobre os filhos refletem- se no número de decisões que os pais tomam, na quantidade de supervisão que exercitam e no número de regras que impõem aos filhos. Sem dúvida, o que os pais fazem com os filhos em casa é muito mais importante do que qualquer outro fator aberto à influência educativa. Disciplina, combinada com níveis de apoio parental elevados, parece ser uma preocupação dos pais para que os filhos tenham um bom desempenho na escola.
Entretanto, é prudente enfatizar que o suporte parental também pode beneficiar outras pessoas e outros ambientes, que vão além do lócus doméstico e da sala de aula e envolvem os professores, a escola, os próprios pais, assim como outras crianças da família. A comunidade, por sua vez, também recebe os benefícios do suporte parental, já que crianças ajustadas à escola geralmente apresentam comportamentos adequados no entorno da casa e da escola. Independentemente do nível socioeconômico e de escolaridade, todas as famílias podem fazer suporte parental para que as crianças alcancem progresso e sucesso na vida acadêmica.