Este artigo identifica os principais fatores associados à evasão de curso no ensino superior, a partir da experiência da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), uma universidade de origem multicampi, cujos campi localizam-se nos três estados do Sul do Brasil. Seguindo o caminho indicado pela volumosa literatura sobre o tema, consideraremos as características socioeconômicas e familiares dos estudantes, seu desempenho acadêmico e aspectos relacionados à instituição (Baggi & Lopes, 2011; Morosini et al., 2012; Mellado et al., 2018; Santos & Real, 2020; De Paula, 2021; Klitzke Martins, 2022; Nierotka, 2021).
Nos últimos anos, o ensino superior passou por muitas transformações, como a expansão de suas matrículas e instituições e a mudança do perfil dos estudantes, principalmente pelo crescimento do número de discentes oriundos de escolas públicas, de baixa renda e de pretos, pardos e indígenas. Um conjunto de políticas públicas fomentou a ampliação do acesso e a maior democratização do ensino superior, como o Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Sistema de Seleção Unificado (SiSU), o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e as políticas de ação afirmativa, em especial a Lei de Cotas (Lei n. 12.711, 2012).
É verdade que ainda há fortes desigualdades de ingresso nos níveis mais elevados de ensino no país (Carvalhaes & Ribeiro, 2019; Senkevics & Carvalho, 2020; Carvalhaes et al., 2022), mas os avanços verificados ao longo das últimas décadas, no que tange o acesso ao nível superior, foram notáveis (Picanço, 2015; Salata, 2018).
Não obstante, de acordo com Fritsch et al. (2020), cerca de 50% dos ingressantes no ensino superior brasileiro desistem da graduação até seis anos após seu início, e apenas 37,10% concluem nesse mesmo período.
Além disso, inúmeros estudos têm mostrado que a evasão ocorre principalmente nos primeiros anos de universidade (Li & Chagas, 2017; Adachi, 2017; Ferrão & Almeida, 2018; Klitzke Martins, 2022; Nierotka, 2021). Ou seja, avançamos em relação ao acesso - apesar de também ainda muito limitado, em especial para as camadas mais baixas -, mas pouca atenção foi dada à questão da permanência. Com efeito, é de grande relevância o desenvolvimento de estudos que permitam identificar com maior precisão os fatores que levam os estudantes à evasão no ensino superior.
A bibliografia dedicada a essa temática no Brasil tem-se avolumado ao longo dos últimos anos (Adachi, 2017; Costa, 2018; Costa et al., 2018; De Paula, 2021; Nierotka, 2021; Teixeira & Quito, 2021; Santos et al., 2022; Klitzke Martins, 2022). Uma parte menor desses trabalhos, no entanto, utiliza dados que permitem análises longitudinais, que, sem dúvida, são mais adequadas para estudar fenômenos como a evasão (Costa, 2018; Costa et al., 2018; Santos et al., 2022; Klitzke Martins, 2022). É ponto comum entre os modelos teóricos dedicados a esse fenômeno o pressuposto de que a evasão é fruto de um processo, sendo apenas o ponto final de um desenrolar de fatores cujos efeitos se iniciam muito antes de o estudante decidir abandonar o curso e/ou a instituição. Nesse sentido, a utilização de dados e técnicas que permitam análises longitudinais é fundamental. Entre os estudos que o fazem, no entanto, há uma concentração em universidades federais localizadas em grandes capitais, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Este artigo, portanto, traz novidades ao realizar uma análise longitudinal a partir de dados da UFFS, uma universidade criada recentemente (em 2009), que se localiza fora dos grandes centros urbanos, que recebe, desde sua fundação, estudantes de perfil mais popular (80% são cotistas) e que conta com ingresso menos seletivo. Nesse sentido, acreditamos que os resultados aqui apresentados trazem elementos novos e relevantes para o debate acadêmico sobre o tema no país.
Além desta introdução, este artigo está organizado em mais cinco seções. Primeiramente, apresenta-se uma breve revisão da literatura recente sobre a evasão no ensino superior e os principais fatores a ela associados. Em seguida, é feita a contextualização da instituição analisada e situadas as questões e hipóteses de pesquisa. Na seção subsequente, são apresentados os dados e as variáveis utilizadas. A seção seguinte, por sua vez, apresenta o método adotado e os resultados obtidos. E, na última seção, aprofunda-se a discussão dos resultados e são explicitadas as conclusões deste estudo.
Revisão da literatura recente
A evasão no ensino superior é considerada pela literatura um fenômeno complexo e multidimensional, que atinge os sistemas universitários a nível mundial (Silva et al., 2007; Baggi & Lopes, 2011). Para Silva et al. (2007), a evasão estudantil no ensino superior deve ser encarada como um problema, já que as perdas dos estudantes que não concluem os cursos são traduzidas em desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos. Por outro lado, Ristoff (1999, 2021) e Li e Chagas (2017) ponderam que a evasão nem sempre deve ser vista nesse prisma, uma vez que poderia indicar apenas uma questão de mobilidade, entendida como a saída do estudante de um curso e o ingresso em outro da mesma ou de outra instituição.
Um conjunto de modelos teóricos sobre evasão e persistência no ensino superior tem influenciado os estudos brasileiros e forma a base de análises empíricas. A perspectiva de integração acadêmica e social de Vicent Tinto (2012), por exemplo, considera como determinantes de evasão e de persistência universitária aspectos internos da instituição (notas, atividades extracurriculares) e características familiares e individuais anteriores ao ingresso na universidade (Behr et al., 2020). A perspectiva de Bean (1980) e Bean e Metzner (1985) considera, além da integração acadêmica e social, aspectos relacionados à estrutura e organização institucional, como satisfação e compromisso com a instituição, além de fatores não institucionais, como as finanças e a influência de amigos nas decisões de evasão (Behr et al., 2020).
No contexto internacional, o estudo de Behr et al. (2020) fornece uma visão abrangente sobre o fenômeno da evasão no ensino superior. Por meio de levantamentos empíricos, principalmente no contexto de países europeus, os autores distinguem três dimensões dos fatores relacionados à evasão: nível nacional (tipo de cursos ofertados, desigualdades socioeconômicas), nível institucional (tipo de instituição, relação com professores) e nível individual (fatores demográficos, motivação).
Pascarella (1980) também se concentra na integração do estudante ao ambiente universitário, em que as interações dos estudantes com a instituição desempenham um papel fundamental na formação de experiências acadêmicas. No entanto, nem todas as interações são igualmente valiosas: interações informais com o corpo docente contribuem mais para comprometer os alunos com a instituição em que estão matriculados. A qualidade de tais interações depende, por um lado, das características individuais e familiares, e, por outro lado, das características do corpo docente e da instituição. A intersecção entre os alunos e as características institucionais moldam as decisões e realizações dos estudantes.
Já Braxton et al. (2004) argumentam que o engajamento social não é tão central para a persistência dos estudantes em comparação com as realizações acadêmicas. Isso se deve às múltiplas prioridades concorrentes que normalmente moldam a vida dos estudantes que frequentam instituições que não são grandes universidades de pesquisa. Portanto os autores sugerem que a qualidade e o tipo da instituição interagem com o histórico dos alunos para determinar quais experiências de nível universitário são mais importantes para os resultados de conclusão da graduação.
No contexto brasileiro, o estudo pioneiro realizado nas instituições públicas de ensino superior, em 1996, por uma Comissão Especial do Ministério da Educação e Cultura (Ministério da Educação e Cultura [MEC], 1996, p. 56), conceitua evasão como “a saída definitiva do estudante de seu curso de origem, sem concluí-lo”, podendo ser considerada em nível de curso, de instituição e de sistema. Entre os fatores associados à evasão, o estudo destacou: a) características individuais do estudante (escolha precoce do curso, motivação, trajetória escolar anterior); b) fatores internos às instituições (currículos desatualizados, projetos pedagógicos dos cursos); e c) fatores externos à instituição (dificuldades financeiras, falta de reconhecimento social da carreira).
Os estudos de revisão de literatura de Morosini et al. (2012) e Santos e Real (2020) destacam que existem diversas abordagens relacionadas à evasão, que envolvem principalmente as características dos estudantes antes do ingresso. Entre as causas da evasão, destacam-se os aspectos de ordem familiar e financeiros, de escolha do curso, de desempenho, de relação entre colegas e com a universidade, de prestígio dos cursos, de situação de trabalho e de aspectos relacionados à motivação e ao compromisso com o curso.
Entre os estudos desenvolvidos no âmbito das universidades federais brasileiras, o trabalho de Costa (2018) apontou, por meio de análise de sobrevivência com uma coorte de ingressantes entre 2011 e 2016, que a evasão ocorre mais frequentemente no segundo ano, na região Sul e nas universidades localizadas no interior, entre homens, autodeclarados pretos, ingressantes nas licenciaturas e em cursos noturnos; enquanto beneficiários de programas de assistência estudantil e de atividades extracurriculares apresentam menor risco de evasão.
A pesquisa realizada por Costa et al. (2018), por sua vez, analisou antecedentes de evasão e de retenção de um curso de Administração em uma universidade federal brasileira, no estado da Paraíba, com dados de ingressantes entre 2004 e 2009 e acompanhamento até 2013. A partir de análise de sobrevivência, os resultados identificaram uma influência importante do desempenho, em que estudantes com melhores notas estavam mais propensos a se formar em menos tempo. Enquanto isso, características individuais como “gênero”, “estado civil”, “idade de ingresso”, “escola pública ou privada na educação básica” e “raça” mostraram não ter influência no tempo para se formar.
Para o caso da UFRN, Santos et al. (2022) acompanharam um grupo de ingressantes em 2014 e sua trajetória após cinco anos, em 86 diferentes cursos de graduação. Por meio da técnica de análise de sobrevivência, os autores compararam cotistas e não cotistas, mostrando que, após cinco anos, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos na evasão de curso. Também mostraram que a evasão era maior nos primeiros anos do curso, e que, quanto maior o prestígio social e a concorrência dos cursos, menores eram as probabilidades de evasão.
A partir de uma coorte de ingressantes em 2014, na UFRJ, Klitzke Martins (2022) analisou fatores associados à evasão de curso por meio de dados longitudinais e análise de sobrevivência. Os principais resultados mostraram que os efeitos associados à escolha do curso e fatores educacionais - nota do Enem, curso de primeira opção, influência da nota de corte na escolha do curso e o coeficiente de rendimento acumulado (CRA) - eram maiores que os efeitos da origem social e das características demográficas dos estudantes. Os resultados também apontaram que os estudantes mais resilientes eram aqueles com alto desempenho na nota do Enem, e que os estudantes com baixo desempenho ao longo do curso apresentavam maior risco de evasão.
Alguns desses resultados são semelhantes àqueles encontrados nas pesquisas de Nierotka (2021), para o caso da UFFS, e De Paula (2021), para a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),1 em que os fatores relacionados aos cursos e à instituição têm um peso maior na explicação da evasão e da permanência nos cursos que os fatores de ordem socioeconômica. Além disso, o estudo de Klitzke Martins (2022) também trouxe indícios de que a reprovação nas disciplinas é uma questão importante a ser considerada. Outros estudos também convergem e apontam as reprovações como fator de risco para a evasão universitária, como Sales et al. (2016), Costa et al. (2018), Scher e Oliveira (2020) e Rotem et al. (2020).
De modo geral, a literatura nacional tem mostrado que características socioeconômicas dos estudantes não apresentam forte associação com a evasão (De Paula, 2021), uma vez que as variáveis indicadoras de desempenho, antes e depois do ingresso, e outras questões institucionais, como o tipo de curso e o apoio financeiro, parecem estar mais diretamente associadas ao fenômeno em questão.
No contexto da UFFS, por se tratar de uma instituição nova, interiorizada, cuja maioria dos estudantes são oriundos de escolas públicas, os índices de evasão (mais de 50%) e de reprovação nos cursos constitui um problema importante a ser enfrentado e mais bem compreendido (Nierotka, 2021). Considerando as particularidades da UFFS entre as universidades federais do país, principalmente quanto ao perfil dos estudantes, julgamos que este artigo pode preencher algumas lacunas no debate realizado por autores como Reis (2019), Vidi (2020), Scher e Oliveira (2020) e Nierotka (2021). Tais estudos não aprofundaram questões importantes acerca dos fatores associados à evasão, como as características de origem social dos estudantes, aspectos institucionais e de desempenho acadêmico (antes e depois do ingresso), trabalhados de forma conjunta e com técnicas apropriadas e dados longitudinais. Destacamos, então, como uma característica original deste estudo a análise longitudinal de uma coorte de ingressantes, por um período de seis anos, em uma universidade federal de perfil mais periférico e popular.
O contexto da UFFS, questões e hipóteses
Justifica-se a escolha da UFFS por ser uma instituição de ensino superior (IES) nova, criada em 2009, e que, devido às políticas de acesso e ações afirmativas implementadas desde sua criação, tem um perfil de estudantes formado por mais de 80% de cotistas de escola pública.
A universidade em questão é bastante peculiar por ser uma IES multicampi, interestadual e localizada em municípios pequenos e médios no interior dos três estados da região Sul, distantes até 500 quilômetros entre si e de suas respectivas capitais. Foi criada com cinco campi: Chapecó (SC), Laranjeiras do Sul (PR), Releza (PR), Cerro Largo (RS) e Erechim (RS). E, em 2013, foi criado o campus Passo Fundo (RS), para atender ao Programa Mais Médicos, com o curso de medicina. Atualmente a IES tem cerca de 8 mil estudantes de graduação, matriculados em aproximadamente 46 cursos de graduação, sendo quase 50% ofertado na área de licenciaturas.
Desde 2010, a UFFS utiliza o Enem como principal forma de ingresso. Até 2012, adotou como ação afirmativa a bonificação da escola pública, em que acrescentava à nota do Enem 10% para cada ano cursado em escola pública. A partir de 2013, ocorreu a adesão integral à Lei de Cotas, mas de modo a manter os altos percentuais já conquistados de egressos de escola pública (mais de 90%). Dessa forma, usou como referência para a reserva de vagas de escola pública o mesmo percentual de estudantes que cursam o ensino médio naquela rede, com base no Censo da Educação Básica do último ano em cada estado. Além disso, também reserva vagas para pessoas que cursaram ensino médio parcialmente em escola pública, e, a partir de 2014, aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (SiSU) e criou programas de acesso especial para indígenas, haitianos e estudantes do campo.
A partir da literatura estudada e com base no contexto da UFFS acima descrito, buscamos responder às seguintes questões:
O nível socioeconômico das famílias dos estudantes está associado à evasão de curso na UFFS? Qual a intensidade?
Em que momento do curso os ingressantes apresentam maior risco de evasão?
Quais características relacionadas aos estudantes, aos cursos e à instituição se encontram associadas à probabilidade de evadir ou permanecer nos cursos de graduação?
A escolha do curso e o desempenho dos estudantes (antes e depois do ingresso) influenciam a evasão de curso?
Como apresentado, a maior parte da literatura brasileira sobre o tema traz evidências de que o nível socioeconômico não explica a evasão de curso no ensino superior. Desde o trabalho de Mare (1981), sabemos que o efeito da origem social sobre as oportunidades educacionais tende a diminuir conforme caminha-se em direção aos níveis mais altos - e, portanto, mais seletivos - de ensino. Isso se deve, em grande medida, ao fato de que as análises não costumam incluir uma série de variáveis que intermedeiam parte do efeito da origem social sobre o sucesso escolar, como as habilidades cognitivas e não cognitivas dos estudantes, suas aspirações, a influência dos chamados “outros significantes”, e assim por diante. O que ocorre é que, ao analisar as transições mais avançadas no sistema de ensino, temos uma amostra cada vez mais homogênea dos estudantes em termos daquelas características não mensuradas, dada a forte seleção ocorrida nas etapas anteriores. Como resultado, já que uma parte significativa do efeito da origem social se daria por meio daqueles fatores, a tendência é de sua redução.
Possivelmente por essa razão - ou seja, por estarmos tratando de um público altamente selecionado em termos daquelas características quando lidamos com estudantes universitários - é que pesquisas anteriores têm verificado que o nível socioeconômico de origem apresenta pouco ou nenhum efeito sobre as chances de evasão no ensino superior.
No entanto, quase a totalidade desses estudos2 foram desenvolvidos em instituições federais de longa tradição, alto prestígio e localizadas em grandes capitais, nas quais os ingressantes são altamente selecionados. Já a UFFS é uma instituição totalmente localizada no interior, de criação recente e, desde o início, com uma política de acesso que busca ser mais aberta. Ou seja, trata-se de uma instituição menos seletiva do que aquelas para as quais esse tipo de estudo já foi realizado.3
Diante disso, trabalhamos com a hipótese de que, na UFFS, haveria maior associação entre características socioeconômicas dos estudantes e o risco de evasão de curso.
Dados e variáveis
Fonte de dados
Os dados aqui utilizados foram organizados a partir de bases de dados internas fornecidas pela Diretoria de Registro Acadêmico da universidade (DRA/UFFS), sem a identificação dos estudantes. O recorte desse estudo é apenas para a coorte de ingressantes no primeiro semestre de 2013 por meio do principal processo seletivo da IES, a nota do Enem.4 A abrangência deste estudo é de 1.391 ingressantes em 35 cursos de graduação em todos os campi, exceto Passo Fundo.5 Os dados permitiram acompanhar aquela coorte do primeiro semestre de 2013 (2013.1) até o segundo semestre de 2018 (2018.2), ou seja, por seis anos, o que abarca o período de integralização de todos os cursos.
Variáveis
A variável dependente utilizada neste estudo é a evasão do curso (0 = não evadiu; 1 = evadiu).6 As variáveis independentes são apresentadas na Tabela 1, com suas respectivas frequências.7 A Tabela 1 também apresenta o tempo médio de vida, ou seja, a mediana do tempo de sobrevivência para cada categoria.
Variáveis independentes | Frequência | Percentual | Tempo médio de vida (em semestres) |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino (cat. ref.) | 547 | 39,3 | 3,5 |
Feminino | 844 | 60,7 | 6,5 |
Raça/cor | |||
Brancos (cat. ref.) | 1.089 | 78,3 | 5,2 |
Negros* | 302 | 21,7 | 3,7 |
Faixa etária | |||
17 a 20 anos (cat. ref.) | 795 | 57,2 | 9,4 |
21 a 24 anos | 275 | 19,8 | 3,1 |
25 anos ou mais | 321 | 23,1 | 2,3 |
Nível socioeconômico (NSE) | |||
Alto (cat. ref.) | 460 | 33,1 | 5,1 |
Médio | 564 | 40,5 | 4,7 |
Baixo | 367 | 26,4 | 3,8 |
Grau acadêmico | |||
Bacharelado (cat. ref.) | 709 | 51,0 | 7,0 |
Licenciatura | 682 | 49,0 | 3,1 |
Turno | |||
Integral (cat. ref.) | 645 | 46,4 | 9,0 |
Noturno | 504 | 36,2 | 2,9 |
Matutino | 242 | 17,4 | 3,8 |
Apoio social | |||
Não (cat. ref.) | 1021 | 73,4 | 3,1 |
Sim | 370 | 26,6 | 54,5** |
Retorno educacional | |||
Alto (cat. ref.) | 402 | 28,9 | 8,0 |
Médio | 781 | 56,1 | 3,5 |
Baixo | 208 | 15,0 | 5,0 |
Primeira opção de curso | |||
Não (cat. ref.) | 99 | 7,1 | 1,8 |
Sim | 1292 | 92,9 | 5,2 |
Nota do Enem | |||
Baixa (cat. ref.) | 535 | 38,5 | 3,1 |
Média | 444 | 31,9 | 5,5 |
Alta | 412 | 29,6 | 7,4 |
Desempenho médio acumulado | |||
Até 5 pontos | 92*** | 13,4*** | 4,9 |
Acima de 5 pontos | 591*** | 86,5*** | 6,3 |
Total | 1391 | 100,0 | 4,7 |
Fonte: Elaboração dos autores com dados da pesquisa.
Notas: (*) Nesta categoria estão incluídos de forma predominante os estudantes autodeclarados pretos e pardos (20,3%) e outros, como amarelos, indígenas e não declarados (1,4%).
(**) No caso dos que recebem apoio social, a função de sobrevivência se estabiliza antes de encontrar a marca de 0,5, fazendo o tempo médio de vida assumir uma estimativa extremamente elevada.
(***) Para discentes que estavam cursando o sexto semestre.
De forma geral, a coorte aqui analisada é formada majoritariamente por mulheres (60,7%), brancos (78,3%) e jovens entre 17 e 20 anos de idade (57,2%). A maioria (92,9%) dos estudantes ingressou em curso de primeira opção. Quase 50% ingressaram em cursos de licenciatura, sendo a distribuição do turno de curso próxima a 50% em turno integral, e a outra metade, em turnos matutino ou noturno.
Com relação ao retorno educacional dos cursos, a maioria (56,1%) dos ingressantes está distribuída em cursos considerados de médio retorno no mercado de trabalho. Essa variável foi construída tendo como referência o trabalho anterior de Nierotka (2021), considerando o retorno econômico dos cursos, organizados em carreiras mais e menos rentáveis, conforme o retorno econômico no mercado de trabalho, com base na tabela salarial disponibilizada pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
A variável de apoio social, por sua vez, considerou se o estudante recebeu ou não alguma modalidade de auxílio financeiro da assistência estudantil, como transporte, moradia e alimentação, no período entre 2013 e 2018, independentemente do período de tempo recebido, valor e/ou modalidade de auxílio. Mais de 25% dos ingressantes foram atendidos com essa política na UFFS.
Em relação ao desempenho no Enem, os estudantes foram classificados de acordo com os tercis das notas obtidas pela coorte aqui estudada, distinguindo-os, portanto, em três estratos de desempenho acadêmico anterior ao ingresso na universidade.8
Este estudo também utilizou uma variável indicadora do desempenho acadêmico do estudante após o ingresso na universidade, identificada na Tabela 1 como desempenho médio acumulado. A fim de evitar os conhecidos problemas de state dependence e risk dependence9 para variáveis cujos valores variam no tempo (Singer & Willett, 2003), mensuramos o desempenho com dois semestres de atraso. Ou seja, essa variável diz respeito à nota acumulada dos estudantes até o ano anterior ao semestre considerado, indicando aqueles alunos com desempenho médio acumulado inferior a 5 pontos - numa escala de 0 até 10.10 No sexto semestre, 13,4% dos alunos estavam nessa condição.
Construção da variável de nível socioeconômico (NSE)
A fim de mensurar o NSE dos estudantes, tomamos como ponto de partida um conjunto de 23 variáveis provenientes de um questionário aplicado aos ingressantes da UFFS, assim como consta na Tabela 1A, no Apêndice. Buscando encontrar padrões que pudessem resumir as informações contidas nas 23 variáveis originais, fizemos uso de Análise de Correspondência Múltipla (ACM) (Le Roux & Rouanet, 2010). Conforme esperado, e expresso graficamente na Figura 2A (Apêndice), os resultados da ACM indicavam redução da inércia (variação explicada) a cada eixo ou dimensão adicionados.11 Selecionamos, então, os dois primeiros eixos, que, juntos, respondiam por 32% dos valores modificados da inércia.12 Na Tabela 1A, pode-se observar que todas as variáveis estavam positivamente associadas aos dois eixos selecionados.
O segundo passo da construção da tipologia de nível socioeconômico foi extrair as coordenadas dos estudantes em cada um dos dois eixos da ACM, e, então, utilizá-las como input para uma análise hierárquica de cluster.13 Como resultado, chegamos a três agrupamentos de estudantes14 que, em termos de NSE, demonstraram substantiva variação externa (entre grupos) e menor variação interna (dentro dos grupos).15 Composto por 666 estudantes, o primeiro grupo foi denominado como de “alto” nível socioeconômico. O segundo agrupamento, por sua vez, com 743 estudantes, é caraterizado por uma posição intermediária nos eixos, e, por isso, foi denominado como de “médio” nível socioeconômico. Por fim, o terceiro grupo englobava 473 estudantes concentrados nas coordenadas inferiores de ambas as dimensões, e, por isso, foi denominado de “baixo” nível socioeconômico.
Assim como pode ser atestado por meio das Tabelas 2A, 3A e 4A, disponíveis no Apêndice, a tipologia criada foi capaz de agrupar estudantes que compõem três tipos distintos em termos de nível socioeconômico.
Resultados
Tábua de vida, funções de risco e de sobrevivência
Para atender ao objetivo deste estudo, foi adotada a técnica de análise de sobrevivência em tempo discreto, mensurado em semestres. Conforme Singer e Willett (2003), o interesse na análise de sobrevivência consiste em estudar quando o evento ocorre e quais os fatores associados à sua ocorrência. Existem três principais características metodológicas que precisam ser definidas para a aplicação desse método: a ocorrência do evento, que indica o evento que está sendo estudado, ou seja, a variável dependente, definida neste estudo como a evasão de curso; o início do tempo, que é o ponto de partida inicial em que ninguém ainda experimentou o evento, mas todos estão elegíveis e correm o risco de experimentá-lo, que, neste estudo, é o semestre de ingresso na UFFS, em 2013.1; e a métrica do tempo, que é definida como uma escala na qual a ocorrência do evento é registrada. O tempo é mensurado de forma discreta, em semestres, do primeiro ao décimo segundo. Para caracterizar a distribuição dos dados, a técnica de análise de sobrevivência utiliza duas funções fundamentais: de risco e de sobrevivência.
A função de risco, denotada por h (t ij ),16 indica a probabilidade condicional de que o ingressante i experimentará o evento de evasão no período de tempo j, dado que não tenha experimentado em nenhum período anterior. À medida que as pessoas vivenciam o evento, ficam inelegíveis para vivenciar o evento em momento posterior, ou seja, abandonam o conjunto de riscos.
A função de sobrevivência, ao contrário da função de risco, fornece outra maneira de descrever a ocorrência do evento ao longo do tempo, acumulando esses riscos período a período, a fim de avaliar a probabilidade de um indivíduo “sobreviver” - não vivenciar o evento. Com a denotação S (t ij ),17 a função de sobrevivência indica a probabilidade de que o indivíduo i sobreviva após o período j.
Para fins de resumir a distribuição da ocorrência de eventos, apresentamos, inicialmente, a “tábua de vida”, que tem a finalidade de rastrear as “vidas” dos indivíduos desde o início do acompanhamento, em 2013.1, quando ninguém havia experimentado a evasão de curso, até o final da coleta de dados, em 2018.2 (Singer & Willett, 2003).
Semestre | T | Intervalo | Total (risk set) | Mortes (evasão) | Função de risco | Função de sobrevivência | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
2013.1 | 1 | 1 | 2 | 1.391 | 298 | 0,21 | 0,79 |
2013.2 | 2 | 2 | 3 | 1.093 | 168 | 0,15 | 0,66 |
2014.1 | 3 | 3 | 4 | 925 | 112 | 0,12 | 0,58 |
2014.2 | 4 | 4 | 5 | 813 | 86 | 0,11 | 0,52 |
2015.1 | 5 | 5 | 6 | 729 | 48 | 0,07 | 0,49 |
2015.2 | 6 | 6 | 7 | 683 | 36 | 0,05 | 0,46 |
2016.1 | 7 | 7 | 8 | 647 | 35 | 0,05 | 0,44 |
2016.2 | 8 | 8 | 9 | 612 | 20 | 0,03 | 0,42 |
2017.1 | 9 | 9 | 10 | 592 | 15 | 0,03 | 0,41 |
2017.2 | 10 | 10 | 11 | 577 | 17 | 0,03 | 0,40 |
2018.1 | 11 | 11 | 12 | 561 | 11 | 0,02 | 0,39 |
2018.2 | 12 | 12 | 13 | 551 | 9 | 0,02 | 0,39 |
Fonte: Elaboração dos autores com dados da pesquisa.
Ambas as funções são apresentadas na Tabela 2. Analisando a função de risco, observamos que o risco de evasão é significativamente maior nos dois primeiros anos, principalmente no primeiro (risco de 0,21) e no segundo (risco de 0,15) semestres. Ao chegar no sexto semestre, o risco já é bem menor (0,05). A partir da função de sobrevivência, então, verificamos que, ao final do primeiro ano, somente 66% dos estudantes haviam sobrevivido, e que, ao final de dois anos, apenas 52% dos estudantes não haviam experimentado o evento de evasão de curso. É possível calcular, também, que metade dos estudantes havia evadido depois de 4,7 semestres, sendo essa cifra, então, chamada de tempo médio de vida.
Portanto, assim como já verificado em outras instituições, também na UFFS o risco de evasão é muito maior no início de curso, e tende a diminuir no decorrer dos semestres.
Modelo estatístico
A fim de responder às nossas questões de pesquisa e testar a hipótese colocada anteriormente, trabalhamos com modelos de sobrevivência em tempo discreto (discrete-time hazard models). A partir desse tipo de modelo, é possível investigar quando certo evento ocorre para determinados indivíduos e quais fatores estão associados à sua ocorrência (Singer & Willett, 2003). Para tanto, modelamos o risco da ocorrência do evento investigado - neste caso, a evasão de curso - para o indivíduo i no período j, dado que aquele indivíduo não tenha experimentado o evento em nenhum período anterior. Também procuramos explicar o risco pelas variáveis independentes selecionadas. O modelo de sobrevivência em tempo discreto pode ser executado nos principais pacotes estatísticos a partir das já amplamente conhecidas rotinas de modelos logit18 (Powers & Xie, 2008).19 Neste caso, utilizamos o software Stata/BE v.17.
A especificação estatística do modelo base de sobrevivência em tempo discreto é:
Do lado esquerdo da equação, temos a versão transformada do risco. Quando escrevemos um modelo estatístico dessa maneira, a transformação usada é chamada de função de vinculação - a função que “vincula” preditores a resultados (Singer & Willett, 2003). O modelo de risco de tempo discreto nessa equação usa uma vinculação de logit. O objetivo da vinculação logit é obter uma combinação linear dos valores de covariáveis (que podem assumir qualquer valor entre ± ∞) e converter esses valores para a escala de uma probabilidade, ou seja, entre 0 e 1. A vinculação logit é adequada quando há apenas dois resultados possíveis para a resposta categórica: no caso, se o estudante evadiu ou não.
O lado direito da equação é composto por dois grupos de parâmetros, além da constante. No primeiro, temos uma série de α’s multiplicados pelos respectivos indicadores de tempo - normalmente um conjunto de dummies. No segundo grupo, temos os β’s multiplicados pelos respectivos preditores. Enquanto os α’s indicam o efeito do tempo, os β’s expressam a influência das variáveis independentes sobre o risco de evasão.20
Inicialmente foram executados 12 diferentes modelos, cuja composição e estatísticas de ajuste podem ser visualizadas na Tabela 5A (Apêndice).21 Com base na comparação do ajuste dos modelos, avaliamos ser adequado optar pelo Modelo 5, que incluía dummies indicadoras de tempo (semestres), um bloco de características adscritas dos estudantes, um segundo bloco de variáveis institucionais, a nota do Enem, a origem social e, finalmente, o desempenho médio acumulado dos estudantes na universidade. Optamos, assim, pelo modelo que incluía todas as variáveis da Tabela 1, mas sem interações; ou seja, um modelo que assumia que os efeitos das variáveis sobre o risco de evasão de curso não variavam ao longo dos semestres (pressuposto da proporcionalidade).
De todo modo, um aspecto relevante do modelo de sobrevivência em tempo discreto é a maneira como o tempo é especificado. O modelo inicialmente escolhido (Modelo 5) utilizava uma variável dummy para cada semestre, o que não impõe qualquer restrição à variação dos riscos em função dos semestres. Apesar de ser uma especificação mais robusta, ela é também menos parcimoniosa do que outras alternativas. Por essa razão, no Modelo 12, reproduzimos o Modelo 5 com uma especificação linear - e, portanto, mais restritiva - do tempo.22 Nesse caso, as estatísticas BIC e AIC indicam melhor ajuste aos dados do que o do Modelo 5.
Como pode ser visto na Figura 1, com somente um parâmetro, conseguimos um resultado muito próximo daquele obtido com o uso de 12 variáveis. Isso explica por que o último modelo se ajusta melhor aos dados, o que recomenda seu uso. A partir desse ponto, então, tomamos como referência o Modelo 12.
A Tabela 3 apresenta os coeficientes de cada uma das variáveis incluídas no Modelo 12, assim como seus testes de significância. Na coluna mais à direita, denominada Modelo 12F, há o modelo cheio, com todos os preditores. Antes, no entanto, nas colunas mais à esquerda, há versões menos completas daquele modelo, permitindo-nos analisar o comportamento de determinados coeficientes conforme as variáveis são adicionadas.23
Modelo 12A | Modelo 12B | Modelo 12C | Modelo 12D | Modelo 12E | Modelo 12F | |
---|---|---|---|---|---|---|
Tempo | -0,271*** | -0,271*** | -0,267*** | -0,256*** | -0,241*** | -0,281*** |
NSE (ref: alto) | ||||||
Médio | 0,036 | -0,03 | -0,1 | 0,006 | 0,075 | |
Baixo | 0,116 | 0,014 | -0,026 | 0,129 | 0,188* | |
Nota Enem (ref: baixa) | ||||||
Média | -0,321*** | -0,358*** | -0,292** | -0,260** | ||
Alta | -0,481*** | -0,479*** | -0,335** | -0,238* | ||
Sexo (ref: homens) | ||||||
Mulheres | -0,431*** | -0,378*** | -0,266** | |||
Idade (ref: 17-20 anos) | ||||||
21 a 24 anos | 0,431*** | 0,313** | 0,281** | |||
25 anos ou mais | 0,766*** | 0,608*** | 0,577*** | |||
Raça (ref: brancos) | ||||||
Negros | 0,158 | 0,295** | 0,254** | |||
Primeira opção (ref: não) | ||||||
Sim | -0,692*** | -0,671*** | ||||
Turno (ref: integral) | ||||||
Noturno | 0,194 | 0,13 | ||||
Matutino ou vespertino | 0,146 | 0,035 | ||||
Tipo (ref: bacharelado) | ||||||
Licenciatura | -0,014 | 0,067 | ||||
Retorno (ref: alto) | ||||||
Médio | 0,162 | 0,209 | ||||
Baixo | 0,025 | 0,073 | ||||
Apoio social (ref: sem apoio) | ||||||
Com apoio social | -0,929*** | -0,873*** | ||||
Desempenho médio acum. (ref: acima de 5,0) | ||||||
Nota acum. até 5,0 | 1,273*** | |||||
Constante | -1,106*** | -1,152*** | -0,866*** | -0,894*** | -0,395* | -0,587** |
N | 9 174 | 9 174 | 9 174 | 9 174 | 9 174 | 9 174 |
LL | -2 601 | -2 600 | -2 585 | -2 528 | -2 458 | -2 404 |
LR | 484,3 | 485,8 | 515,1 | 629,2 | 770,4 | 878,0 |
p | 0,000 | 0,000 | 0,000 | 0,000 | 0,000 | 0,000 |
Peudo-R² | 0,085 | 0,085 | 0,091 | 0,111 | 0,135 | 0,154 |
AIC | 5 205 | 5 208 | 5 182 | 5 076 | 4 949 | 4 844 |
BIC | 5 220 | 5 236 | 5 225 | 5 148 | 5 070 | 4 972 |
Fonte: Elaboração dos autores com dados da pesquisa.
Legenda: * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001.
O Modelo 12B traz, além da variável de tempo, somente a tipologia de NSE dos estudantes. Essa, como se sabe, é uma variável de grande interesse neste estudo. Verificamos que seus efeitos vão na direção esperada, de aumento dos riscos de evasão para estudantes do tipo médio e, principalmente, baixo. No entanto, o nível socioeconômico não apresenta efeitos significativos sobre o risco de evasão, mesmo quando as demais variáveis estão ausentes. No último modelo (12F), por exemplo, vê-se que o efeito de pertencer ao tipo socioeconômico “baixo” aumenta em 20,6% as chances de evasão em comparação com os estudantes do tipo “alto”,24 mas esse parâmetro não é estatistica- mente significativo.
O NSE, portanto, não pode ser incluído entre os preditores mais relevantes entre aqueles inseridos no modelo.
Os resultados mais consistentes que encontramos na Tabela 3 tornam muito evidente que: 1) notas mais altas no Enem reduzem significativamente as chances de evasão; 2) ser mulher reduz significativamente as chances de evasão; 3) ingressantes mais jovens apresentam chances substantivamente menores de evasão; 4) negros têm chances de evadir significativamente mais altas que brancos; 5) ter ingressado no curso como primeira opção reduz drasticamente as chances de evasão; 6) contar com apoio social tem grande efeito na redução das chances de evasão; 7) finalmente, ter baixo desempenho acadêmico eleva de maneira muito acentuada as chances de evadir.
Uma maneira mais interessante de apresentarmos os resultados, a fim de comparar o tamanho do efeito de cada uma dessas variáveis, é através de gráficos com as funções de risco ajustadas (fitted hazard function), que expressam o risco predito de evasão para diferentes grupos ao longo do tempo.25 As figuras 2, 3 e 4 apresentam esses gráficos dos preditores que demonstraram efeitos estatisticamente significativos em nosso modelo, além do nível socioeconômico.26
O padrão observado nessas figuras, conforme esperado, será sempre o mesmo: riscos decrescentes ao longo dos semestres. Isso porque o risco predito de evasão é muito maior nos primeiros semestres e diminui ao longo do tempo, conforme já constatado. O mais importante a ser observado, no entanto, é a distância entre as retas dos diferentes grupos - o que representa graficamente o efeito de cada variável sobre o risco de evasão. Quanto maior a distância entre as retas, maior seu efeito. E, quando as zonas sombreadas ao redor da linha não se cruzam, o efeito pode ser considerado estatisticamente significativo.
No caso do nível socioeconômico, as retas estão muito próximas, e os intervalos, quase sempre sobrepostos. Isso indica que o NSE dos estudantes exerce pouco efeito sobre o risco de evasão, e que ele não é significativo.27 Esse resultado, ainda que confronte a hipótese inicial deste estudo, é consistente com resultados de pesquisas anteriores, como Nierotka (2021), De Paula (2021) e Klitzke Martins (2022). Teceremos mais comentários sobre esse ponto na próxima e última seção deste trabalho.
Por outro lado, no que toca às notas do Enem, vemos que há uma distância maior entre a reta do grupo “baixo” e as retas dos grupos “médio” e “alto”. Por exemplo, no segundo semestre, o risco de evasão era de 0,14 para o grupo “alto”, e de 0,17 para o grupo “baixo”. É um efeito significativo, apesar de não se mostrar tão elevado. Em alguma medida, esse resultado converge com os resultados encontrados por Klitzke Martins (2022), no sentido de que, ao longo do tempo, os ingressantes com notas do Enem mais elevadas são mais persistentes.
O sexo, a idade e a raça dos ingressantes afetam significativamente suas funções de risco, como pode ser observado na Figura 3. No primeiro semestre, o risco de evasão para homens é de 0,21, enquanto para as mulheres fica em 0,17. Já no terceiro semestre, entre os homens, o risco é de 0,14, e, entre as mulheres, é de 0,11. Com relação à idade, quanto mais novo for o estudante ao ingressar na universidade, menor o risco predito de evasão. No segundo semestre, por exemplo, entre os que ingressaram com idade entre 17 e 20 anos, o risco de evasão era de 0,10, subia para 0,13 entre os que ingressaram com idade entre 21 e 24 anos, e chegava a 0,21 para os que tinham 25 anos ou mais no ato do ingresso. O resultado vai na direção de estudos anteriores, que também identificaram maior probabilidade de evasão entre homens e estudantes mais velhos (Sales et al., 2016; Li & Chagas, 2017; Costa, 2018; De Paula, 2021).
Por fim, em relação à raça, estudantes brancos apresentam riscos preditos de evasão menores que estudantes negros, mesmo quando mantemos constantes todas as demais variáveis in- cluídas no modelo. A título de exemplo, no terceiro semestre, o risco de evasão era de 0,11 para os estudantes brancos, e de 0,14 para os estudantes negros. Costa (2018) também identificou maior probabilidade de evasão entre estudantes autodeclarados pretos, enquanto Costa et al. (2018), De Paula (2021) e Klitzke Martins (2022) não encontraram associação entre raça e evasão.
Em resumo, as características adscritas (idade, sexo e raça) se mostraram significativamente relevantes como preditores da evasão.
Analisando agora a Figura 4, observa-se a enorme intensidade com que variáveis como a opção de curso, o apoio social e, principalmente, o desempenho acadêmico estão relacionadas com a evasão de curso na UFFS. Nesses casos, como se nota, o gap entre as linhas é muito grande, indicando a forte influência desses preditores sobre o fenômeno em análise.
Os estudantes que ingressaram no curso que escolheram como primeira opção apresentam risco predito de evasão consistentemente menor que os demais. Entre os que entraram no curso escolhido como primeira opção, o risco de evasão era de 0,18 no primeiro semestre, e de 0,15 no segundo; para os demais, essas cifras ficavam respectivamente em 0,29 e 0,24. No que corresponde ao apoio social, os ingressantes que receberam algum tipo de apoio e apresentam risco predito de evasão significativamente menor. Por exemplo, entre os que tinham apoio, o risco de evasão era de 0,11 no primeiro semestre, e de 0,09 no segundo; já entre os que não contavam com apoio, o risco era de 0,23 no primeiro, e 0,18 no segundo semestre. Ou seja, ter ingressado no curso que mais aspirava e ter contado com apoio social são fatores que reduzem substantivamente os riscos de evasão. Esses resultados vão ao encontro de outros estudos que também sinalizaram forte associação entre a evasão e o apoio social ou a escolha de curso (Costa, 2018; Sales et al., 2016; De Paula, 2021; Klitzke Martins, 2022).
Mas nenhuma variável apresenta efeito tão acentuado quanto o desempenho médio acumulado, expresso graficamente na enorme distância que separa as duas retas na parte inferior da Figura 4. Os estudantes cujo rendimento médio acumulado até o ano anterior chegava, no máximo, até cinco pontos sofriam riscos preditos muito maiores de evasão do que os demais. No terceiro semestre, enquanto os estudantes com média de até cinco pontos apresentavam risco de evasão de 0,28, entre aqueles com média acumulada acima de cinco pontos, o risco era de 0,10. Já no quinto semestre, quando o risco predito de evasão tende a ser mais baixo, no primeiro grupo o risco era de 0,19, e de apenas de 0,6 no segundo.
Portanto, mesmo quando controlamos os efeitos das demais variáveis do modelo, o desempenho acadêmico pretérito se mostrou extremamente relevante para predizer a evasão. Esses achados revelam a influência do rendimento acadêmico na permanência dos estudantes e se aproximam de alguns outros estudos que também encontraram resultados nessa direção (Costa et al., 2018; Rotem et al., 2020; De Paula, 2021; Klitzke Martins, 2022).
Em síntese, a Tabela 4 apresenta um resumo dos principais resultados e achados deste estudo, assim como as similaridades e diferenças com relação à literatura pregressa.
Principais resultados | Similaridades | Diferenças |
---|---|---|
1) NSE não interfere nas chances de evasão | Klitzke Martins (2022); Nierotka (2021) e De Paula (2021) | |
2) Notas altas no Enem reduzem chances de evasão | Klitzke Martins (2022) | |
3) Ser mulher reduz chances de evasão 4) Ingressantes mais jovens evadem menos | Sales et al., (2016); Li & Chagas (2017); Costa (2018) e De Paula, 2021 | |
5) Estudantes negros têm mais chances de evasão | Costa (2018) | Costa et al. (2018); De Paula (2021) e Klitzke Martins (2022) |
6) Ingresso na primeira opção de curso reduz chances de evasão | Klitzke Martins (2022) | |
7) Apoio social reduz chances de evasão | Costa (2018); Sales et al., (2016); De Paula (2021) e Nierotka (2021) | |
8) Baixo desempenho aumenta chances de evasão | Costa et al., (2018); Rotem et al., (2020); De Paula (2021); Klitzke Martins (2022); Nierotka (2021) e Scher & Oliveira (2020) |
Fonte: Elaboração dos autores.
Discussão dos resultados e conclusões
Os resultados alcançados fornecem importantes indicações de que, mesmo em uma universidade com o perfil da UFFS, o risco de evasão de curso é pouco influenciado pelo NSE dos estudantes.28 Por mais que, dentro da UFFS, seja possível encontrar certa heterogeneidade no que diz respeito ao perfil socioeconômico dos ingressantes - o que resta evidenciado pela tipologia aqui criada -, ele não se mostra um fator tão relevante a fim de predizer a evasão. Tal constatação vai na direção contrária de nossa principal hipótese de trabalho, mas está em conformidade com o que tem sido verificado em estudos desenvolvidos com base em dados de outras universidades do país (De Paula, 2021; Klitzke Martins, 2022).
Assim, por mais que a UFFS seja uma universidade com perfil menos seletivo do que aquelas para as quais esse tipo de estudo já foi realizado - a UFRJ, por exemplo -, é possível que o público que chegou a ingressar nela, depois de passar pelas inúmeras transições no nosso sistema de ensino, já seja altamente selecionado em termos de habilidades cognitivas e não cognitivas. Portanto, mesmo que a universidade receba alunos provenientes dos estratos mais baixos, é provável que estes não conformem uma amostra representativa do seu grupo de origem em termos daquelas habilidades, e talvez seja esse o mecanismo que explique por que o nível socioeconômico não se mostre uma variável tão relevante para explicar a evasão de curso.
Por outro lado, chama atenção a preponderância dos efeitos de variáveis indicadoras da trajetória dos estudantes após ou durante o ingresso na universidade. O efeito marcante da primeira opção de curso aponta para o papel da chamada “evasão voluntária”, que muitas vezes se dá em função da falta de identificação do aluno com o curso no qual ingressou. E o efeito do apoio social, por sua vez, mostra como políticas voltadas para a permanência dos estudantes no ensino superior podem ser muito eficazes em reduzir os riscos de evasão. Além disso, devemos mais uma vez destacar o efeito preponderante do desempenho acadêmico sobre os riscos de os alunos evadirem. Alunos com bom rendimento acadêmico dentro da universidade, a despeito de sua origem social e/ou de qualquer variável incluída no modelo, apresentam riscos preditos muito menores de evasão. Se, por um lado, isso indica que o baixo desempenho é um fator fortemente associado à evasão, por outro, instiga-nos a refletir acerca dos possíveis mecanismos que poderiam explicar essa relação.
A evasão, conforme há décadas argumenta a literatura (Finn, 1989; Tinto, 2012), deve ser compreendida como o ponto final de um processo mais longo que envolve um distanciamento tanto acadêmico quanto interpessoal entre os estudantes e a instituição de ensino. Nesse sentido, e dado que estamos utilizando controles como a nota no Enem - o que implica que, em certa medida, estamos comparando alunos que ingressaram na universidade com níveis semelhantes de habilidades acadêmicas -, a variável de baixo desempenho ao longo do curso poderia ser tomada como indicadora e/ou reflexo daquele processo de distanciamento. Nosso argumento aqui é que talvez não seja o baixo desempenho em si que engendre a evasão, mas sim que o baixo rendimento acadêmico já seja ele próprio um sintoma do processo do afastamento do aluno em relação ao curso. Consequentemente, a estreita relação que encontramos entre o desempenho acadêmico e a evasão revelaria não exatamente uma relação de causa e efeito entre uma e outra variável, mas, sim, distintas etapas de um mesmo processo cujo encadeamento talvez seja de difícil compreensão em um estudo quantitativo como este. Por essa razão, acreditamos que mais estudos qualitativos de fôlego sobre o tema sejam necessários a fim de compreendermos melhor os mecanismos que explicam o fenômeno da evasão no ensino superior.
Por fim, gostaríamos de destacar os efeitos significativos das características adscritas dos estudantes sobre seus riscos de evasão, em especial o efeito de raça. Nossos modelos mostraram que, na coorte de ingressantes da UFFS que analisamos, negros têm risco de evasão quase 30% maior do que brancos, sendo esse um resultado altamente significativo, mesmo quando os demais fatores mantêm-se constantes. Ou seja, ao contrário do que ocorre para o NSE, as evidências aqui reunidas apontam que a classificação racial está fortemente associada à evasão. Ainda, apontam também que essa associação não pode ser explicada pela origem social nem pelo desempenho acadêmico dos estudantes. Logo, parece que a raça, enquanto princípio de estratificação, continua a criar desigualdades mesmo entre estudantes que conseguiram ingressar no ensino superior, em prejuízo dos negros. Novamente, argumentamos que mais estudos em profundidade são necessários para que possamos compreender melhor os mecanismos por meio dos quais estes fatores - raça e evasão - se associam.
Como sugestão para a UFFS, este estudo indica a necessidade de continuidade e aprimoramento das políticas de assistência estudantil, uma vez que elas impactam de modo significativo nas chances de permanência dos estudantes, além de observar e intervir em questões relacionadas à melhoria do desempenho e retenção dos alunos, especialmente dos homens e dos autodeclarados negros.
Acreditamos, portanto, que os resultados aqui alcançados prestam importante contribuição para o debate nacional acerca do tema da evasão no ensino superior. Ao realizar uma análise de dados longitudinais de uma coorte de ingressantes em uma universidade de perfil distinto - menos seletiva do ponto de vista de seu ingresso, mais popular, do ponto de vista social, e mais periférica, do ponto de vista geográfico - daquelas em que estudos semelhantes já foram realizados no país, reforçamos algumas das principais ideias vigentes no debate sobre esse tema. Primeiro, porque, mesmo em uma universidade como a UFFS, o nível socioeconômico dos estudantes esteve longe de se mostrar um fator substancial na explicação dos riscos de evasão. E, segundo, porque constatamos mais uma vez que fatores como o desempenho acadêmico e a escolha do curso são fundamentais para predizer a evasão no ensino superior. Dessa maneira, esperamos ter contribuído para o acúmulo de evidências e conhecimento sobre um tema tão caro e cada vez mais relevante para a sociedade brasileira.