Introdução
Esta pesquisa1 foi realizada no estado de Pernambuco e visou analisar a participação cidadã através do Movimento Ocupa (MO), realizado por estudantes com fins de estabelecer o diálogo com o governo frente às questões educacionais.
O campo de pesquisa circunscreveu-se junto ao movimento dos estudantes universitários e ao movimento secundarista, participantes do Movimento Ocupa. Contribuíram para este trabalho as representações do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Pernambuco (UPE), a União dos Estudantes de Pernambuco e a União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas. Para fins de distinção das falas dos sujeitos da pesquisa, utilizaremos a letra S para a representação dos estudantes secundaristas e a letra U para a dos estudantes do ensino superior. A problemática que define nossa questão de pesquisa indaga: qual a contribuição do MO para o desenvolvimento do diálogo com o poder público como resposta ao enfrentamento das questões educacionais contemporâneas do estado? Procedemos às entrevistas semiestruturadas presenciais, gravadas e por e-mail.
Iniciamos as reflexões sobre as políticas educacionais contemporâneas no estado de Pernambuco, contextualizando as políticas dos anos 1980 e as políticas gerenciais iniciadas no Brasil, a partir da Reforma Administrativa do Estado nos anos 1990. Em seguida, tratamos do MO e de sua pauta de reivindicações junto à Educação, considerando que a ocupação foi a dimensão encontrada para o desenvolvimento do diálogo com o poder público. Analisamos a dimensão teórica do diálogo a partir da racionalidade dialógica conceituada por Habermas (2012) como base de percepção do fenômeno estudado. Consideramos que o MO impôs a ocupação em instituições como forma de ação e enfrentamento às questões educacionais e que tal estímulo propiciou o desenvolvimento da participação da sociedade. Algumas conquistas alcançadas e o fenômeno resistência fortaleceram o movimento na mediação com o Estado.
As Políticas Educacionais do Estado Gerencial e a Retórica da Participação
O processo histórico, ocorrido nos séculos XX e XXI, evidencia novas formas de ação da política em reforço ao mercado no âmbito da globalização. Esse fato demonstra a reorganização do capitalismo com a reorientação do modelo administrativo do estado em diferentes experiências nacionais. Observamos a passagem do modelo burocrático aos modelos do Estado participativo nos anos 1980 e ao modelo do Estado gerencial na contemporaneidade.
No Brasil, o modelo do Estado participativo da década de 1980 teve o objetivo de consubstanciar a prática no âmbito da deliberação popular nas políticas públicas e, em especial, nas políticas educacionais. Esse modelo expressou ações governamentais em que os conceitos de democracia, participação e soberania popular orientavam as discussões de uma sociedade defendendo o protagonismo do sujeito para definir as ações do estado. Bobbio (2007) nos elucida que a cidadania política, ao se expressar através da democracia, situa-se no exercício da soberania popular. Na década de 1980, testemunhamos a proliferação de movimentos sociais na luta pela ampliação dos direitos sociais sonegados pelo estado e, nessa discussão, Gonh (2008) assinalou ganhos sociais com a atuação desses movimentos. Há de se considerar, no entanto, que, no Brasil dos anos 1980, o papel da sociedade civil organizada foi pujante, no sentido de pleitear a ressignificação do papel do estado na luta pela ampliação de direitos, em que, contrariamente ao esperado pela sociedade civil, intensificaram-se as proporções neoliberais em escala mundial na década seguinte. Nesse sentido, as proposições sociais de um projeto alternativo de sociedade, articuladas com os movimentos populares da sociedade civil, estão mais frágeis (Silva, 2003).
Na década de 1990, não obstante a Reforma Administrativa do Estado, a democracia e a participação foram reafirmadas nas novas relações econômicas de caráter globalizado, porém estavam na contramão do projeto participativo de estado dos anos 1980. A emergência do estado mínimo restringe os espaços e participantes da democracia (Dagnino, 2004). Além disso, o caminho da deliberação pública está distante de concretização nos padrões da Educação empresarial. A democracia e a participação dos anos 1990 identificam o cidadão como ser consumidor e contribuinte, ressignificando a participação social como técnica de gestão e fortalecendo a ideologia neoliberal (Cavalcanti, 2011a). A tecnocracia arroga que a política pertence aos técnicos. A voz do cidadão não é ouvida, e seu engajamento não é relevante para influenciar os mecanismos globais que orientam suas vidas (Pinzani, 2013).
Os anos 1990 apresentam um modelo do Estado, consubstanciado pelo capital transnacional contrapondo os direitos individuais aos direitos coletivos e, por efeito, ratificando a desigualdade social. Nesse percurso, a nova organização capitalista continua a prezar por cidadania e participação e, apesar da polissemia dos termos, a conotação difere entre um e outro modelo e nos propósitos públicos.
A nova lógica do Estado evidencia dimensões que valorizam a eficiência, a competitividade e a regulação, a fim de consubstanciar orientações internacionais que entendem a Educação como meio substancial para fortalecer o mercado. O movimento de mundialização e reformas liberais, nos novos contornos da contemporaneidade, seguem uma pauta de adesão, tendo o Brasil assentido, passando a ter interesses congruentes com os demais países signatários. Esse projeto preocupa-se com a diminuição de gastos dos estados, incentiva as privatizações, a reestruturação produtiva e desenvolve práticas alinhadas com as organizações multilaterais de políticas fiscais e monetárias. O Estado minimizou o investimento social e, com isso, os direitos sociais. O investimento público se desloca para o fortalecimento do mercado, o mérito individual encontra-se baseado na liberdade concorrencial, que possibilita competitividade através de estratégias de gestão, empoderamento e liderança para tal fim.
Neste cenário, os conceitos de democracia, participação e cidadania passam a conviver com valores não mais coletivos. Para Cavalcanti (2015, p. 27): “[...] a Educação não foge da regra e cumpre seu papel na lógica neoliberal reproduzindo certa concepção de sociedade e de cidadania a partir da ética utilitarista, do individualismo, da exclusão e competitividade”. É importante o que as experiências têm trazido como renovação ao debate sobre democracia, no entanto:
Ese debate se caracteriza hoy por una gran disputa de proyectos políticos que, usando los mismos conceptos y apelando a discursos parecidos, son de hecho completamente distintos. Nos referimos, de un lado, a lo que denominaremos el proyecto democrático participativo, y de otro, al proyecto neoliberal de privatización de amplias áreas de las políticas públicas que se acompaña de un discurso participacionista y de revaloración simbólica de la sociedad civil (entendida como tercer sector). Ciertamente, entre uno y otro existe también el espacio para el desarrollo de proyectos autoritarios que respetan sólo formalmente las instituciones democráticas (Dagnino; Olivera; Panfichi, 2006, p. 11-12).
Os autores identificam, em tal projeto, a apropriação do discurso da participação com revalorização simbólica da sociedade civil, no entanto, nesses espaços, apesar da presença de instituições democráticas, poderão desenvolver-se em projetos autoritários. Para Fiori (2007), a cidadania e a democracia, como expressões políticas, são trabalhadas no âmbito do capital, acompanham tal lógica e apresentam limites. Ampliando a reflexão:
Deste redesenho proposto para reforma do Estado, pinçamos duas tendências: por uma, o Estado se retira da execução, mas permanece com financiador e avaliador das políticas sociais estas agora ofertadas por distintos agentes privados, configurando o tem sido identificado como a propriedade pública não-estatal; pela outra, ainda que a atividade ou serviços permaneçam sob a propriedade do Estado passam a ser geridos pela lógica de mercado, aqui identificado como a esfera do quase-mercado (Adrião; Peroni, 2009, p. 109).
O Estado, ao se retirar, em parte de sua intervenção à sociedade, continua a exercer sua regulação e avaliação obedecendo aos fundamentos financeiros internacionais. A dimensão da cidadania proposta é a de cliente passivo, proposta inversa à dimensão de cidadania do Estado participativo.
O atual discurso da Educação é possuidor do neotecnicismo. Na prática, traduz-se na gestão eficaz e na organização pedagógica associadas às novas tecnologias, bem como às dimensões da responsabilização, meritocracia e privatização, expressas na reforma empresarial das redes escolares. Esse discurso traduz processos de gestão verticalizados que: “[…] permitem elevar o grau de controle sobre os profissionais da Educação, a título de garantir a obtenção de metas e índices nas avaliações externas, definindo os objetivos, a avaliação, a forma e o conteúdo da escola” (Freitas, 2014, p. 1.092). Especifica o autor que o modelo empresarial:
[...] parece encantador no sentido de que ele permite responsabilizar pelo mérito e, ao final de contas, demitir quem não apresenta resultados. É um atalho tentador. Assumem que a transferência dessas relações competitivas para dentro da escola levaria a uma melhoria da qualidade. No entanto, o ambiente educativo é diferente do ambiente de mercado. O mercado é uma área competitiva onde ganhar e perder são consequências naturais do lance dado, mas na Educação só deve haver ganhadores (Freitas, 2016, p. 146, grifo nosso).
Reforça o autor na sua exposição o sentido da regulação das políticas educacionais no modelo gerencial; no entanto, acredita que há possibilidade do estabelecimento da crítica valorizando a responsabilização participativa, e não a verticalizada como se encontra no modelo.
O modelo gerencial foi introduzido no Brasil na década de 1990 com a Reforma Administrativa do Estado, no Governo de Fernando Henrique Cardoso. A tese desta reforma foi defendida pelo então ministro Bresser Pereira cujo marco oficial se expressou na publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado - PDRAE (Brasil, 1995). Para Pereira (2003, p. 25): “À medida que a proteção dos direitos públicos passa a ser dominante em todo o mundo, foi-se tornando cada vez mais claro que era preciso refundar a república, [...] que a democracia e a administração pública burocrática [...] precisavam mudar”. Pereira (1997) justifica os benefícios da lógica gerencial ao anuir que a diminuição das responsabilidades do Estado, por meio de privatização, terceirização e publicização, resulta em ganhos para os setores público e privado (não estatal). Sob esse entendimento, os programas de desregulamentação elevam os mecanismos de governança, ou controle de mercado, o que provoca competitividade internacional e consequentemente autonomia financeira e administrativa. A governabilidade, para Pereira (1997), concretiza-se por instituições públicas que garantem ações de interesses do Estado legitimadas pela democracia representativa e participativa para reprodução da ideologia dominante. A apropriação do termo objetiva fins de legitimação para apoiar uma cartilha aos ensejos de Hayek (1983) que localiza a liberdade nos valores de mercado e desresponsabilização dos Estados. A sociedade civil passa a ser o ator principal nas democracias contemporâneas para promover, consolidar e reproduzir a própria reforma - do estado e do mercado (Pereira, 2002).
A polissemia do termo participação existe na contemporaneidade. No estado gerencial, o termo ancora-se no texto de Bresser Pereira, que, por sua vez, reforça sua legalidade nos fundamentos da Constituição de 1988. No entanto, a participação em tal modelo está distante da participação entendida como divisão de poder social, inerente aos princípios do estado participativo dos anos 1980. O fundamento dominante, que vem sendo criticado (Freitas, 2006) apresenta propósitos de legitimação e governabilidade no modelo do estado gerencial. Por esta razão, o fundamento da participação cidadã, ancora-se na autonomia humana, na contramão e para além do modelo gerencial.
Movimento Ocupa: por uma agenda de diálogo estimulada na Educação de Pernambuco no século XXI
Refletir sobre Movimento Estudantil (ME) e sobre o Movimento Ocupa no contexto do Estado gerencial e da crise de paradigma vigente significa vislumbrar campos de análise: Estado, sociedade e a dinâmica dos movimentos para construir os princípios de governabilidade. Por este entendimento, buscamos Gonh (2008), a fim de contextualizar sua percepção sobre a contribuição dos movimentos sociais neste construto. Para a autora, movimentos sociais são ações sociais coletivas com natureza sociopolítica e cultural que oportunizam à população uma forma organizada de expressar suas demandas. Por sua vez, esta organização se estabelece por estratégias de ação que se concretizam através da denúncia ou em ações exercidas direta ou indiretamente. Os movimentos sociais constroem propostas e, através da ação coletiva, evidenciam resistência às atividades de exclusão e injustiça, o que desperta a noção de pertencimento social de seus participantes. A identidade do movimento encontra-se na objetivação de sua causa. Assim, um determinado movimento social, ao buscar alternativas de mobilização com proposições de políticas públicas, está construindo as bases de sua intervenção participativa e resistindo no campo de reivindicação social.
A história do ME apresentou caráter cíclico e evidenciou reivindicações pontuais ao longo do seu percurso no Brasil. A pauta de ação expressa, ao longo de seu tempo histórico, gira em torno de situações que exteriorizam desigualdade sócio-político-econômica e autoritarismo na raiz dos processos de desenvolvimento da Educação.
No Brasil, o ME resistiu à ditadura militar, além de concretizar engajamento nas mobilizações pelas Diretas Já e no movimento Fora Collor, e também se envolveu na luta contra as privatizações, típicas do neoliberalismo. No período militar, a União Nacional dos Estudantes (UNE) sofreu retaliação e, como consequência, teve sua sede incendiada, além de receber do governo decreto de ilegalidade, só sendo revertido em 1985 no bojo do processo de redemocratização do país. Nesse período, o MO tomou às ruas em apelo ao impeachment do presidente Collor, em cumprimento ao compromisso contra corrupção e pelo movimento de redemocratização das Diretas Já. Na ocasião, os estudantes foram identificados na impressa nacional e internacional como os caras pintadas com reconhecimento do valor do movimento. Na mesma proporção de envolvimento, o Movimento Secundarista (MS) acompanhou a trajetória do ME através de ações como mobilização para formação de grêmios estudantis (1980), com participação em encontros nacionais do ME com enfoque nos problemas políticos e sociais brasileiros dentre outras atividades. O MS, assim, intensificou-se com a fundação da União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (UMES), com a União Paulista de Estudantes Secundaristas (UPES) e com União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).
O Movimento Ocupa é fruto do roteiro de ação do ME e do MS e assumiu proposta de enfrentamento ao vasto efeito da corrupção no país, consequência da investida neoliberal que invadiu a política educacional nos anos 1990 no Brasil. Na medida em que ocupou prédios e instituições educacionais, objetivou desenvolver o estímulo ao diálogo em ação de ocupação. A ocupação foi o sentido encontrado para se fazer ouvir no processo de execução da racionalidade sistêmica nas políticas educacionais e gerenciais. No Brasil, nos anos de 2016, o MO se caracterizou por enfrentar a política educacional e, em Pernambuco, envolto por um conjunto de ações, exerceu a ocupação de instituições educacionais de forma direta e indireta.
A crise que envolve os setores da política brasileira é vasta. São inúmeras as propostas do governo que expressam supressão dos direitos dos cidadãos brasileiros acrescida à crise ética que aponta corrupção na classe de políticos e nos setores governamentais e empresariais do país. Para exemplificar, citamos a reforma trabalhista, a reforma política, a operação denominada Lava Jato com base no desvio de recursos públicos, os projetos de privatizações, entre outras. Percebemos ainda que, os projetos relativos ao setor da Educação, como, o projeto de reforma do ensino médio2, o Projeto de Lei nº 193/2016, que prevê a escola sem partido3, estão repercutindo de forma exaltada em setores e organização da sociedade civil. O projeto Escola Sem Partido recebe apoio de movimentos ligados aos setores conservadores da sociedade brasileira e crítica de setores progressistas. Sobre esta questão, Frigotto (2017), ao refletir sobre a proposta de uma nova concepção de escola descolada da base da liberdade de expressão e pensamento, alerta que a manutenção desse sistema anula o poder político dos Estados nacionais e o transfere para os grandes grupos econômicos sob a hegemonia do capital financeiro. É notável que as proposições neoliberais, que reafirmam os princípios de governo, têm causado ampla reação social na sociedade brasileira.
A sociedade vem exercendo seu poder de mobilização no Estado, a exemplo do MO. Citamos o Movimento Ocupe em Brasília e o Movimento Ocupe Estelita4 em Recife. Ao exercer o poder de mobilização, a discussão de propostas é, sem dúvida, inevitável e se constitui em exercício dialogal nos espaços públicos. O momento é paradoxal, porque, na mesma intensidade que proliferam os projetos autoritários de governo, crescem as mobilizações sociais envolvendo movimentos sociais, centrais sindicais, movimentos estudantis, entre outros. Neste contexto tenso, o MO encontrou espaço de mobilização na crítica das políticas educacionais em desenvolvimento no estado.
No Brasil, em 2015, o MO iniciou sua atuação em São Paulo, ocupando 180 escolas em resposta à reestruturação da rede de ensino pretendida pelo governo. Em 2016, o MO iniciou ação de ocupação nas universidades públicas em todas as capitais, com roteiro de enfrentamento à Proposta de Ementa Constitucional (PEC 241), cuja moção foi a de limitar os gastos do governo para os próximos 20 anos no Brasil. Esses movimentos foram articulados na base dos representantes dos estudantes secundaristas e universitários, com participação de inúmeras representações e movimentos sociais, a exemplo dos Centros Acadêmicos (CA), Diretório Acadêmico (DA), Diretório Central dos Estudantes (DCE), União Nacional dos Estudantes (UNE), União dos Estudantes de Estados Brasileiros, União Brasileira dos Estudantes (UBES), Grêmios Estudantis, Movimento de Casa de Estudante, União de Juventudes, Marcha Mundial de Mulheres, Observatório dos Movimentos Sociais da América Latina, Coletivos, Sindicatos, Associação de Docentes, entre outros. Em Pernambuco, as ocupações seguiram organização do ME nas instituições educacionais, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Faculdade de Direito do Recife e Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). As ocupações ocorreram em diferentes centros acadêmicos e em todas as regiões do Estado.
Com o objetivo de analisar o MO em Pernambuco e a participação cidadã, decorrentes do diálogo estabelecido na Educação com o governo estadual, a partir dessas ocupações, esclareceremos a contribuição do movimento, como resposta ao enfrentamento da política educacional. Por participação cidadã, entendemos seu conceito de acordo com Cavalcanti (2015), assim como a dimensão da democracia, que exerce mediação entre o estado e a sociedade.
Iniciamos a pesquisa sondando sobre a objetivação do MO. Para a estudante secundarista S: “[…] o movimento surgiu na primavera de 2015, logo essas ocupações ficaram conhecidas como Primavera Secundarista”. Nesse sentido, a ação ocupou mais de mil escolas durante meses no Brasil. A mobilização contestava a reorganização do ensino, no caso de São Paulo, que objetivava fechar escolas e transferir estudantes na rede pública com o argumento da necessidade de separar os ciclos fundamental I, fundamental II e ensino médio com vistas a melhoria do desempenho. Logo o MO foi encontrando espaços em diferentes regiões do Brasil com pauta específica em cada unidade da federação.
Ainda no relato, a partir da experiência em São Paulo, a ocupação nas escolas foi a forma organizada que os estudantes encontraram para se contrapor à proposta do governo estadual na medida em que promovia espaços públicos de diálogo com a gestão educacional e com os poderes públicos constituído nas esferas legislativa e judiciária. As ocupações apresentaram mobilização forte dos estudantes através de organização em redes sociais, não só para informar e formar opinião pública, como para mobilizar a efetivação de assembleias deliberativas. Os objetivos das assembleias nas ocupações eram o de definir e avaliar os rumos do movimento. Além das assembleias na instituição ocupada, foram planejados diferentes tipos de atividades que variavam desde a organização de infraestrutura na ocupação5 às atividades culturais, de avaliação e à reavaliação do movimento. O MO, nesse sentido, potencializou a ação na capacidade de exercer a crítica de forma coletiva.
Em 2016, o ME aderiu ao enfrentamento contra a PEC 241, bem como em outros movimentos de caráter reivindicatório no governo Temer. Para tal, receberam apoio de movimentos sociais e sindicais para mobilização em roteiro fora do estado nas ações expressas do Movimento Ocupe Brasília. No Ocupe Brasília, a motivação foi o acompanhamento do processo de votação do impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff, como forma de posicionar-se contra o impeachment. A estudante U relatou a pressão recebida dos policiais federais neste momento:
Fomos para a votação do impeachment da Presidenta Dilma em abril e vimos todos os deputados votando pela família, pelo cachorro, pelo tio, […] votaram por todos menos pela sociedade. […] Fomos bombardeados de uma forma terrível. Fomos recebidos com bomba, muita bala e com muito gás lacrimogêneo. Foram momentos de terror, foi uma repressão […].
O relato coincide com o noticiado pela imprensa na época, evidenciando o momento de confronto civil e militar. Essa ação comprova que as instituições do Estado-nação, incluindo a militar, estão empenhadas em coibir ações populares que reagem aos movimentos contrários sob o pretexto de manutenção da ordem. Nesse sentido, o diálogo no estado de repressão não se estabelece.
A reforma do ensino médio (EM), idealizada pelo Ministério da Educação, provocou nova reação dos estudantes e setores da sociedade brasileira bem como a criação do Projeto de Emenda Constitucional - PEC nº 241/55. Foram mais de 550 universidades no Brasil e mais de 1.200 (hum mil e duzentas) escolas secundárias ocupadas no Brasil. Sobre a reforma do ensino médio, a estudante S assinala: “[…] a reforma do EM retrata um modelo de ensino que sucateava ainda mais a Educação básica tirando matérias importantes como Filosofia, Artes, Educação Física e Sociologia da grade obrigatória”. Para a representação dos estudantes secundaristas, o novo modelo proposto apresentava no mínimo três problemas: 1) não corrigiria os problemas que afetam o EM; 2) a proposta foi realizada sem estabelecer diálogo com os estudantes; 3) a nova proposta foi planejada de forma a conduzir a entrada dos estudantes para utilização de mão-de-obra no mercado de trabalho. Para os secundaristas, o governo de Michel Temer ameaça sucatear a Educação básica no Brasil com medidas impostas “[…] por um Ministro da Educação que não representa os estudantes” - alega a estudante S. A proposta da reforma do EM brasileiro, em 2017, desconsidera a proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 cujo proposição possibilitava uma formação com novas perspectivas formativas. A Lei 13.415/2017 limita as potencialidades desse nível de ensino e promove dupla proposição que envolve o ensino propedêutico e ensino profissional, o que de certa forma, descuida das finalidades do EM contidas na LDB/1996.
Contra a Proposta de Emenda Constitucional PEC nº 241, que estabeleceu limites aos gastos com a Educação, saúde, e outros serviços públicos, o MO em Pernambuco iniciou ação na Universidade de Pernambuco (UPE), começando pelos campi do interior do estado. A UPE foi a primeira universidade do estado a ser ocupada pelos estudantes. Para a estudante S: “A ocupação foi longa, com uma apropriação simbólica da reitoria por alguns dias”. A partir da ocupação da UPE, seguiram outras ocupações em universidades públicas e particulares no estado. Sobre a ocupação da UPE, relata a estudante U:
A gente conseguiu ocupar Petrolina, Nazaré da Mata, Garanhuns, Palmares. Em Serra Talhada, só não OCUPOU, porque o Campus é pequeno. O Campus Santo Amaro e a reitoria foram os nossos principais espaços. […] Precisávamos de força para o Campus Santo Amaro. Este tem cinco unidades de ensino, inclusive a Faculdade de Ciências Médicas - FCM. É um espaço de difícil diálogo e a gente conseguiu OCUPAR […]. Foram 72 dias de OCUPAÇÃO. […]. Fizemos uma assembleia na quadra da Escola Superior de Educação Física - ESEF com mais de mil estudantes. A gente conseguiu envolver muita gente inclusive aquelas pessoas que nunca se interessavam por movimento estudantil. […]. Isso foi o que teve de grandioso.
A estudante evidencia as dificuldades do campus Santo Amaro em termos de diálogo com o ME e que o MO proporcionou uma ampliação das bases de resistência com a participação dos estudantes. A avaliação aponta um resultado positivo de mobilização e de ocupação. O MO manteve interlocução com o governo, com instâncias do poder legislativo, com a sociedade e com instâncias públicas para intermediação na negociação da agenda educacional, a exemplo do Poder Judiciário. Segundo a estudante S, o MO tinha vida orgânica própria:
Existia, nas escolas e universidades, uma organização incrível, os próprios estudantes se organizavam e criavam comissões para cuidar de suas escolas e universidades, os próprios estudantes cozinhavam, limpavam e organizavam palestras, rodas de debates e oficinas.
Toda a estrutura interna do MO requereu movimento de organização, mobilização e inter-relação com outros movimentos de diferentes categorias sociais e profissionais. A estudante S, ao analisar as formas de articulação no MO com as entidades representativas para sua organização, relata que: “A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) tiveram de ter uma logística enorme para acompanhar as ocupações e para conseguir doações para as escolas e universidades ocupadas”. Nesse sentido, a UNE e UBES articularam-se com outras entidades, a exemplo da União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES), a União dos Estudantes de Pernambuco (UEP) e Central Única dos Trabalhadores (CUT), a fim de conseguir apoio ao MO em diversas frentes. Colaborando com tal percepção, informa a estudante U:
O MO tem representações estaduais, representações municipais e representações das unidades de ensino, e cada universidade tem o seu Diretório Acadêmico (DA) e tem o seu Diretório Central dos Estudantes (DCE). Dentro de Pernambuco, a gente tem a União dos Estudantes de Pernambuco (UEP), a União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (UMES), que cuida do movimento secundarista como um todo e, para além, a gente tem a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), que fez toda articulação a nível nacional. Todos os direcionamentos vinham da UNE e da UBES […]
O MO ampliou suas atividades para fortalecer o momento de resistência e para conduzir as questões que se apresentavam objetivamente e, com isto, envolveram as entidades de representação na base de articulação e apoio à ação. Nesse sentido, esclarece a estudante S: “Foi realmente um movimento lindo, os estudantes como sempre se organizaram em um dos momentos de crise do país para reivindicarem seus direitos”. Continua S: “[...] infelizmente, a repressão também foi grande, principalmente nas escolas. Alguns institutos federais também foram ocupados”. A expressão lindo exalta que os objetivos estavam sendo cumpridos, mas tiveram de enfrentar a coibição por parte do estado. Completa a estudante U: “[…] conseguimos mostrar que os estudantes foram capazes de se organizar, que os estudantes, de fato, protagonizaram a luta e que eles não irão ficar calados com os retrocessos que vêm sendo impostos”. Essa argumentação chegou a ser replicada através de faixas, cartazes, palavras de ordem do movimento e nas notícias veiculadas na imprensa em que os estudantes explanavam: lutar não é crime. Os estudantes enfrentaram dificuldades, como as pressões do governo, da mídia, da força repressiva dos policiais militares, a supressão de recursos infraestruturais e pressão psicológica externa. A análise da estudante S para tais dificuldade evidencia que: “[…] foi muita força de vontade […] todos estavam unidos […] as entidades […], os familiares e professores […]”. A estudante U destaca que, do ponto de vista interno, na organização, havia vida apesar de o trabalho ter sido gigantesco. Destaca que o item convivência com o outro deixou grande aprendizado em termos do aprender a conviver, não só por questões eminentemente humanas e emocionais, como do ponto de vista da pluralidade de ideias advindas de forças políticas diversificadas no movimento. Nesse sentido, o aprendizado incorporou a dimensão do aprender a consensuar culminando com as deliberações objetivas do momento. Esta dimensão é esclarecida por Habermas (2012) na importância das formas de diálogo presentes na teoria do agir comunicativo. O diálogo como mediação de um acordo apresenta a primazia do melhor argumento. Nessa lógica, a intersubjetividade, fruto do diálogo e da racionalidade comunicativa, propicia o reconhecimento do outro, o aprendizado com o outro, o entendimento de sujeitos, culminando, na prática com o consenso e deliberação coletiva. O movimento participativo gera aprendizado no campo de ação na base comunicativa dialógica. Para Fonseca (2008), o MO acaba cumprindo papel de formação que é necessário a toda relação humana. Conviver com a pluralidade, discutir o entendimento prudentemente no âmbito da racionalidade dialógica não é fácil, até porque nossa sociedade ainda se encontra imatura para o exercício participativo.
Avaliando os resultados do MO, analisa a estudante S que não houve conquista no sentido de barrar a PEC 241/55, tampouco conter a reforma do EM; no entanto, a pressão do movimento conseguiu manter algumas conquistas. No campo da reforma do EM, por exemplo, a conclusão é a de que houve ganho na manutenção das disciplinas de Filosofia e a Sociologia na grade curricular obrigatória. Relata, da mesma forma, que houve conquista no sentido de obter melhorias de infraestrutura em algumas escolas que estavam sucateadas. Para a estudante universitária U, o MO conquistou o passe livre para os cotistas do campus Mata Norte; abertura de agenda na Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) para tratar do Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), entre outras. E continua esclarecendo U que o MO: “[…] não se cala diante dos retrocessos. Esse é o momento em que os estudantes devem se unir na luta, ir às ruas, ocupando os espaços públicos e dialogando com a sociedade”. Anuncia, ainda, que os resultados das avaliações do ME no tocante ao MO sobre a ação, em outras universidades do Estado, resultaram em saldo positivo, tanto do ponto de vista das universidades federais e dos institutos federais, quanto do ponto de vista das universidades particulares. O MO expresso pela estudante S:
Eu acho que a palavra União define bem o movimento para mim. A Educação nunca deveria ser vista como gasto, e sim como investimento. Chico César gravou uma música6 para os estudantes que ocuparam, então, sim, as ocupações foram incríveis [...]
Ao ser solicitada para deixar sua consideração final sobre o MO, à estudante S revela que o movimento serviu para mostrar sua força. A estudante pediu para concluir com a seguinte frase: “Secundarista, teu nome é povo na rua!”. Para a estudante S, o ME é sinônimo de estudante em movimento. Essa experiência de trabalho nos lembrou as observações de Fonseca (2008) em relação ao ME ao afirmar que, neste, as lutas demonstram que há predisposição a uma ideologia transformadora e libertária do mundo. A estudante U corrobora ao afirmar que, no MO, os estudantes não agiam de forma desordenada, nem praticaram atos de vandalismo ao patrimônio “O MO tinha uma pauta: debater e defender o que se conquistou […]”. O protagonismo juvenil exercido através da mobilização a partir do MO revelou a necessidade de buscar formas de diálogo, de expressão, de negociação e necessidade de entendimento nos espaços públicos para a construção das políticas públicas educacionais de forma coletiva em resposta aos projetos e ações autoritárias do governo.
Junto à política pública gerencial, em diferentes níveis de governo e com diferentes estratégias de mobilização de campo na reivindicação no setor da Educação, o MO não encontrou campo fértil ao diálogo, mas enfrentou a questão à sua maneira. Por esta razão, a necessidade de estimular espaço de diálogo a partir da ocupação das escolas, universidade e institutos foi o mecanismo encontrado para se posicionar e expressar suas demandas. Se essa assertiva é fato, também é verdadeiro que o campo estatal esteve protagonizando ações no campo da racionalidade sistêmica bem distante do diálogo com a sociedade - se assim não o fosse, não estaria confirmada a materialidade do movimento. Por esta agenda estimulada ao diálogo implementada pelo MO em Pernambuco, ponderamos que existem, no modelo gerencial, nuances de estado de exceção7, na medida em que se configura como espaço vazio de direitos. Para Arendt (1993), a modernidade ofusca as determinações políticas democráticas, porque, quando a política não se configura com a violência, ela é reduzida aos interesses da produção e da reprodução econômica das sociedades de consumo. Sob os argumentos de Arendt (1973), nos princípios federativos e participativos, o poder brota de maneira mais horizontalizada. A intencionalidade de proliferar um diálogo no campo da Educação demarca a posição e a disposição dos nossos jovens estudantes por mudança e transformação.
Na razão do entendimento participativo em Arendt, Habermas (2012) apresenta a razão comunicativa na base de construção dos espaços públicos democráticos e assinala a importância da ação dialogal na promoção do direito fundamental de acesso à justiça e da efetivação da cidadania.
O Movimento Ocupa e a Sua Contribuição ao Desenvolvimento da Participação Cidadã: anúncios da racionalidade dialógica na Educação?
A racionalidade produzida pelos efeitos da mundialização do capital anuncia um conjunto discursivo de ações hegemônicas descritas na parceria público/privado. No Brasil, o consentimento aos novos padrões na Educação se deu a partir da anuência à Declaração Mundial de Educação para Todos, ocorrida em Jomtien (1990). O estado brasileiro é signatário do Documento Internacional de Educação para Todos (UNESCO, 1990). Nestes termos, as políticas educacionais vêm sendo trabalhadas com o objetivo de proporcionar ação efetiva na Educação.
As relações de poder passam a se constituir sob os pilares de nova investida neoliberal no campo das políticas educacionais no Brasil, buscando readequações legais nos textos da Constitucional (Brasil, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN/9.394 - (Brasil, 1996) e no Plano Nacional de Educação. Em consonância com os textos nacionais, o Plano Estadual de Educação - 2015 a 2024 - (Brasil, 2015) recomenda a melhoria da qualidade da Educação em todos os níveis e a democratização da gestão do ensino público. O novo comando internacional para a Educação estabelece metas para melhoria de sua qualidade, imprimindo o conceito de qualidade a que se destina e, para tal, regula o índice da Educação, suas instituições e profissionais8. A face da regulação evidencia-se no campo do monitoramento e da avaliação. Na mesma proporção, as práticas participativas e estruturas horizontalizadas das instâncias públicas decisórias foram deslocadas da sociedade para o mercado de maneira verticalizada. Não há indicação de diálogo com a sociedade nas administrações públicas gerenciais.
É importante resgatar que, no Brasil, a luta dos sujeitos críticos obtiveram conquistas na área da Educação no período em que o Estado propunha uma modelo participativo nas ações educacionais. A hegemonia do novo modelo em contexto mundial foca na Educação que passou a contribuir para a indústria de serviços no mercado competitivo (Lima, 2005; Freitas, 2016; Adrião; Peroni, 2005; 2009, Cavalcanti, 2015).
Nestes termos, Lima (2005) reflete que a centralidade discursiva da modernidade remete à sociedade da aprendizagem e do conhecimento uma banalização e desproblematização da Educação e da cidadania, que se revela desprovida de significados. Elucida o autor o que verdadeiramente caracteriza a Educação globalizada: a influência da ciência econômica e da economia capitalista global nas políticas educacionais. O resultado é uma Educação globalizada adaptada à racionalidade econômica, tornando-se uma Educação contábil. O autor afirma que urge repensar criticamente a Educação com subsídios demoliberais. Pondera ainda que vivemos em modelo no qual foi restabelecida a democracia formal sob o atributo da modernização econômica e gerencial influente em diferentes estados e notadamente na União Europeia (EU) e alerta que a empregabilidade virou sinônimo de educabilidade. À luz de seu pensamento, a democracia formal é apanágio da modernidade influente nas agendas da Educação dos estados e da UE9. Para Lima (2005, p. 84):
Em todo o caso, a performatividade competitiva de feição utilitarista e mercantilista revela-se, no limite, um princípio contrário a uma Educação humanista e crítica, orientada para a solidariedade e o bem comum, colocando toda a pressão na adaptação individual, na adequação e no ajustamento em termos dos conhecimentos, das qualificações e, agora, das ‘competências’ que se exigem.
O autor descreve a face da Educação moderna por pedagogismo econômico e cultural e sustenta que a superação desse entendimento é exigência crítica de um projeto de Educação democrática, uma Educação que ressignifique o sujeito pedagógico conceitualizado como cidadão ativo que difere do cidadão homogeneizado e culturalmente indiferenciado pela globalização.
A abordagem da participação cidadã constitui dimensão sine qua non da formação dos processos da racionalidade dialógica essencial para protagonizar o ser no mundo diante das condições objetivas de vida tanto em suas vidas como em seus sistemas. No contexto do processo de formulação das políticas públicas educacionais, as determinações são sutis, mas evidenciam contradições. Trabalha-se a inclusão no cerne de uma sociedade extremamente excludente. Apela-se para a dimensão das competências e habilidades de formação para atender a um processo competitivo de mercado que potencializa os processos educativos para suas finalidades. Promove saberes técnico-profissional inibindo a capacidade da universalização do conhecimento. Estas características podem ser identificadas na base da legislação educacional no Brasil e ampliadas em proporções globais em cada experiência subjetiva de administração estatal.
É no diálogo idealizado na teoria de Habermas (2012) que se expressa a participação cidadã. O diálogo sentenciado na teoria habermasiana oferece condições de normatização e legitimidade nas ações governamentais na medida em que institui o direito constituído na base das ações compartilhadas a partir da intersubjetividade dos sujeitos que se comunicam. Por esta perspectiva, o poder ético-social é gerado sob as bases argumentativas da participação cidadã.
Habermas (2012) desenvolve o paradigma comunicacional, concebendo ação comunicativa como alternativas à superação da razão iluminista que encobre a dominação. Desta forma, propõe recuperar a categoria emancipação no contexto moderno e reascender o ideal da democracia com poder vinculado aos ideais de sobrelevação da ordem capitalista, estabelecendo no sujeito que age o aporte necessário de superação. No mundo da vida, reside a esfera da produção das significações éticas na qual a linguagem é o elemento que dá acepção aos símbolos e visões do mundo social. Por este conceito, a linguagem pertence ao campo do agir comunicativo. Cavaco (2008, p. 32) observa que:
[…] Reconhecer que a reflexão e o agir comunicacional são aspectos inerentes ao ser humanos significa admitir que todas as pessoas, independentemente do seu nível de escolaridade, são actores sociais, antes de mais porque são actores da sua própria vida e do seu processo de aprendizagem.
O agir comunicativo propícia um nível reflexivo para validação objetivando entendimento e deliberação para emancipação.
Gugliano (2004) reconhece na teoria habermaseana um aporte forte de validação do agir comunicativo. Salienta o limite entre os mecanismos de decisão do Estado e a formação da opinião pública coletiva, concluindo que o poder da decisão está no cidadão e não no estado. Reflete o autor:
Neste sentido, a proposição de um modelo democrático participativo no qual os cidadãos deliberam e controlam as políticas públicas conjuntamente com o Estado, significa um aperfeiçoamento do modelo democrático discursivo proposto originalmente por Jürgen Habermas na medida em que os canais comunicativos, representados nos diferentes tipos de fóruns de participação popular, desembocam num aprimoramento dos processos de decisão públicos e, consequentemente, fortalecem os cimentos de novas bases para a legitimação das ações do Estado (Gugliano, 2004, p. 276).
A legitimação das ações do Estado para o autor se encontra da decisão pública nos fóruns de participação popular. Nos termos de Lima (2005, p. 79): [...] “Uma democracia governada, e não uma democracia governante” é uma democracia de consumidores. Por esses termos, haverá sempre o risco com limite à execução das deliberações coletivas, a não ser que haja inversão dos termos e o cidadão seja a materialidade do estado. Para tal impasse, o autor aponta para os projetos de cogestão do Estado, o que não deixa de ser efeito do processo participativo. A manifestação das convicções à deliberação não foge aos princípios de diálogo, entendimento, consenso e deliberação coletiva, expressos na ação. Por meio dessas discussões há de se combinar as democracias representativas e participativas no aprimoramento das decisões na esfera pública (Lima, 2005; Gugliano, 2004).
Habermas (2012), ao discutir o conceito de Estado, toma como referência os movimentos populares que, desde o século XIX, insurgem-se contra as desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento econômico: “[…] o Estado é necessário como poder de organização, de sanção e de execução, porque os direitos têm de ser implantados, porque a comunidade de direito necessita de uma jurisdição” (Habermas, 2012, p. 171). No entanto, a forma do direito garante a organização e a segurança, mas não garante a legitimidade democrática do exercício do poder administrativo.
A teoria discursiva do Direito em Habermas (2012) pressupõe: o princípio da soberania popular; o princípio da ampla garantia legal do indivíduo; o princípio da legalidade administrativa e o princípio da separação dos poderes. A soberania popular, para este autor, observa que todo poder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos. Todo arcabouço axiológico é definido em condições iguais por sujeitos iguais. A ação instrumental é tratada como colonização no mundo da vida. No mundo de sistema considerado regulatório, os indivíduos são submetidos à dimensão assinalada pela ação estratégica. Nesse caso, destaca claramente que os resultados devem permear interesse unilateral, em que os atos de comunicação são providos de ameaças e influências, e que o objetivo não é o entendimento, mas o atendimento às suas finalidades (sistêmicas) (Habermas, 1993).
A pesquisa expressou as diferentes dificuldades encontradas pelo movimento estudantil frente às ações de repressão e ao atendimento das finalidades sistêmicas do estado. No Brasil, será preciso ressignificar os instrumentos de gestão das políticas educacionais da administração escolar. Há uma questão pontual sobre esta questão: a democratização da educação escolar vem apresentando diversos limites e dificuldades no processo das práticas participativas desde a década de 1980 (Santos, 2006; Bizerra, 2008; Arruda, 2011; Cavalcanti, 1999; 2011; 2015; Andrade; 2012; Botler et al., 2012). Se o projeto em curso do gerencialismo no final do século XX não permitiu o fortalecimento e o avanço do estado participativo, essa prerrogativa não condena a ausência de crítica ao modelo gerencial. Esses limites sinalizam que é indispensável analisar a participação cidadã, seus mecanismos e estratégias na construção sistemática de oportunidades de diálogo no espaço público, a fim de coletivamente construir políticas educacionais autônomas.
O MO configurou-se, neste contexto, como um espaço invadido para promoção de ideias e argumentos na pauta da Educação. Além disso, sinalizou a necessidade de condutas afirmativas de resistência com vistas ao desenvolvimento da cultura do diálogo. O MO, ao buscar agenda de negociação com o governo, tenta romper, de forma obstinada, a ação instrumental do governo. É verdade que a forma de enfrentamento sob as bases da ocupação está longe de se constituir como modelo espontâneo, democrático e participativo na elaboração de políticas públicas, no entanto, parafraseando os estudantes, configurou-se como uma forma de luta e expressão. Apesar da reorganização da agenda sobre as políticas educacionais orquestrada nessa pauta neomundializada, o MO, os movimentos sociais e outras expressões sociais encontram-se na correlação de forças para enfrentamento e reversão dessa lógica.
Para Cavalcanti (2016, p. 17): “[…] Nem tudo é mercado e até mesmo o é, se não levarmos em consideração o protagonismo do sujeito”. O MO, como expressão do ME, prenuncia a necessidade de desenvolver espaços públicos de diálogo e participação e protagoniza um caminho que, ao ser fortalecido no âmbito da racionalidade dialógica, favorecerá a crítica e a emancipação.
A Título de Conclusão
A discussão reflete os limites impostos pela participação nos domínios do gerencialismo, os seus resultados, as disputas de interesses institucionais e o desenvolvimento de projetos políticos diferenciados (Dagnino, 2002; Cavalcanti, 2011; 2015; Dagnino; Olivera; Panfichi, 2006; Dagnino; Tatagiba, 2007).
Por participação cidadã, entendemos seu conceito em acordo com Cavalcanti (2015), assim como a dimensão da democracia que exerce mediação entre o Estado e a sociedade. A democracia formal é atributo da modernidade, influenciando as agendas da Educação dos estados e servindo de reforço às orientações neoliberais contemporâneas.
O ME se configura como espaço educativo não formal inserido no processo de construção de cidadania no campo social, buscando estabelecer mediação com as propostas educacionais de governo. A mediação fundamentada na democracia pressupõe o protagonismo democrático no exercício da soberania popular. O modelo administrativo do Estado não possibilita proposições de políticas educacionais construídas coletivamente, mas no espaço público há possibilidade de revalidar regras sociais e revitalizar a sociedade em uma perspectiva de mudança. O MO estimulou esse espaço. A proposição da ocupação foi ação oportunizada ao estabelecimento do diálogo.
Ao que pese a complexidade que envolve o tema, as diversidades ideológicas e as divergências do campo democrático estiveram presentes no movimento ocupa, objetivando exercer ação crítica aos projetos e à intervenção do governo. O movimento obteve em sua avaliação um ganho positivo no que se refere ao enfrentamento, ao aprendizado e à superação de limites. Conquistas maiores poderão advir de tais práticas, se forem incorporadas à participação cidadã e à cultura de nossa sociedade.
O poder sistêmico tem obtido mais força no jogo da mediação; no entanto, poderão ser superáveis a depender da mobilização e da correlação de forças. Sintonizados com o sujeito crítico da pedagogia da autonomia freireana e com o agir comunicativo habermaseano, os movimentos estudantis hodiernamente buscam espaços democráticos para o diálogo no espaço público na perspectiva de inversão de valores. Nesse sentido, a resistência fortaleceu o movimento e a cultura participativa, além de algumas conquistas. A perspectiva é a de que a sociedade e suas organizações incorporem a concepção de diálogo e corroborem com processos portadores de superação.