Introdução
A psicanálise emerge no modelo da interpretação dos sonhos, por Freud (1856 – 1939), disposta a decifrar os seus enigmas e disfarces. Ele percebeu que o inconsciente se manifesta nas arestas, nas frinchas ou nos momentos em que a mente afrouxa os controles sobre o consciente, sendo os sonhos um desses instantes privilegiados. Por isso, passa a analisar os diversos sonhos relatados por seus pacientes como uma matéria-prima da arqueologia mental. No livro Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen (Freud, 2003), ele procura fazer esse experimento avançar, disposto a analisar também as manifestações semelhantes que ocorrem na criação de um romance. Trata-se do livro que lhe foi sugerido por Jung, denominado Gradiva, uma fantasia pompeiana (Jensen, 1993), do romancista alemão Wilhelm Jensen (1837-1911). O autor conta uma história que tem como ponto de partida o encontro de uma peça de mármore do tempo áureo da Grécia antiga. Segundo Freud (2003, p. 101), o baixo-relevo está no Museu Chiaramonti do Vaticano (nº 644), tendo sido restaurado e interpretado por Hauser. Juntando com outros fragmentos que estão no museu de Florença e Munique, dariam 2 relevos identificando 3 figuras que representam as Horas: as deusas da fertilidade e do orvalho.
O personagem principal da novela, Norbert Hanold, um arqueólogo do norte da Alemanha, ao fazer uma de suas viagens a Roma encontra uma pequena peça de mármore que o deixa encantado com a imagem da mulher ali representada e a nomeia imediatamente como Gradiva, que, na tradução do latim, significa aquela que avança. Consegue uma cópia de gesso e guarda como um fetiche em seu escritório, numa cidade universitária da Alemanha, para contemplá-la periodicamente. Nela, aparece a cena de uma mulher jovem, caminhando e vestida com uma túnica comprida, em que ficam à mostra os seus pés adornados por sandálias e com um dos passos graciosamente na posição vertical. Seduzido pela forma do passo de Gradiva ilustrado no baixo-relevo, Hanold procura desesperadamente localizar a pessoa que o fascinou, desenvolvendo sonhos e delírios que o levam às ruínas de Pompeia, cidade situada a 22 km de Nápoles, na Itália, que foi sepultada pelo vulcão Vesúvio em 79 d.C.
É uma história que narra os encontros e desencontros do personagem até chegar à figura real que representa Gradiva, na sua imaginação, denominada Zoé Bertgang. Há no romance um processo de descrição de um recalque da libido amorosa direcionada às mulheres e a sua posterior cura. Talvez esse aspecto tenha chamado a atenção de Freud pela semelhança com o tratamento analítico-terapêutico, bem como a relação com a “arqueologia” das ruínas de Pompeia, metáfora essa que permeia as explicações freudianas dadas ao inconsciente pela psicanálise e que o levaram várias vezes à Itália. Além disso, Freud teria visto nessa metáfora o passo de crescimento da psicanálise em relação aos métodos e técnicas adotados anteriormente no tratamento dos pacientes. Bem sabemos que tais métodos terapêuticos eram extremamente invasivos, causando muito mal-estar nos atendimentos, por isso aos poucos ele substituiu a hipnose e a sugestão pela associação livre, como regra fundamental da psicanálise.
A influência do discurso psicanalítico nas mais diversas práticas do saber é notória. Sempre atentos aos deslocamentos criados pelo discurso da psicanálise, a extensão do impacto do caso relatado no romance foi tanta que os Surrealistas transformaram Gradiva na sua musa inspiradora. Salvador Dalí chegou a apelidar a sua esposa Gala de Gradiva (Brasil, 2020, p. 51) e a pintar um quadro em sua homenagem, conforme vemos abaixo.
Tal situação é possibilitada também à filosofia da educação por várias “coincidências”, como as que ocorrem a partir da assimilação da obra original, de Jensen (1993), nas interpretações oferecidas por Freud e Derrida. Afinal, como bem salienta Mendes (2005, p. 53): “A psicanálise vai além das fronteiras do consultório, incidindo e tentando interferir nos mais diversos campos do saber”. Primeiramente, é preciso convir que o transporte da ficção do campo literário para o território da filosofia e educação não é algo estranho à sua tradição. Muitos filósofos e educadores foram também romancistas, como é o caso de Jean-Jacques Rousseau, Albert Camus ou Jean-Paul Sartre. Porém, o desafio é como dar esse passo de maneira interdisciplinar, juntando literatura, psicanálise, filosofia e educação?
Para potencializar melhor a compreensão, certamente é preciso encontrar uma porta de entrada para aflorar a reflexão sobre um tema tão controverso. Vemos essa possibilidade quando Jacques Derrida (1930-2004) analisa a apropriação de Freud do livro de Jensen sob o prisma do seu quase-conceito de “mal de arquivo”. Depois de assinalar que o passo da Gradiva fala de si mesmo, ele adverte que “Hanold sofre do mal de arquivo” (Derrida, 2001, p. 126). Ou seja, o personagem principal passa pelos mesmos sonhos, delírios e (des)encontros do mal de arquivo da psicanálise e de outras áreas do conhecimento que precisam da história para se autocompreender. Por isso, acreditamos que sua busca contém os sabores e dissabores semelhantes aos enfrentados pela filosofia e educação ainda hoje. Afinal, ela também é desafiada na modernidade, pelos ditames da ciência positiva, a obedecer a um regramento técnico-metódico que se compreende como a única forma de vínculo e acesso à realidade, por um lado, ou a recair na pura fantasia do delírio espectral, por outro.
Ora, se a filosofia não tivesse historicamente tentado sair desse dilema não teria sido acordada do seu “sono dogmático”, como sugere Kant (1980), por exemplo. Tal sono transcendente levou-a a acreditar na “metafísica da presença”, como critica Derrida (2004; 2017), no império da unidade habitado por essências, substâncias, necessidades e eternidades. Mas que passo a relação entre filosofia e educação pode dar inspirada neste livro?
Guiados na metáfora do passo de Gradiva, pretendemos no artigo abordar alguns dos atuais desafios para a filosofia da educação na formação de professores, tentando decifrar também os seus enigmas porquanto inserida nos arquivos dos cursos de licenciatura. Vamos procurar inicialmente fazer uma inserção no tema a partir do conflito das duas interpretações do romance, por Freud e Derrida. O objetivo é desocultar o que Derrida propõe à interpretação freudiana, pelo desejo de memória provocado no mal de arquivo. Por fim, como passagem do sonho-delírio ao real, mas também como forma de não perder o encanto, averiguar que passo a filosofia da educação pode dar movida no rastro de Gradiva.
A Gradiva de Freud e Derrida
A análise de Freud (2003) no seu livro Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen parte da constatação da dedicação exclusiva de Hanold ao mundo da ciência, neste caso a arqueologia. Ela está centrada no aspecto de como o arqueólogo se relaciona com a sua libido, por conta de que no início do romance “[…] de maneira um tanto diversa de um ser humano comum: não se interessava por mulheres vivas” (Freud, 2003, p. 50).
Em função desse compromisso com a ciência, ele não percebe a relação do delírio de Gradiva com a mulher real, que na verdade era sua vizinha e por isso Freud (2003, p. 45) considera “Gradiva como um estudo psiquiátrico”. Sua primeira iniciativa foi voltar-se para a prática, buscando semelhanças com o passo das mulheres no dia-a-dia da sua cidade. Chegou a ter uma impressão positiva em um caso, mas como não conseguiu comprovar a cena, acabou desistindo. Um sonho lhe provocou um delírio, motivando-o a visitar Pompeia. Nesse aspecto há uma proximidade entre os sonhos e delírios, pois eles “[…] surgem de uma mesma fonte – do que é reprimido” (Freud, 2003, p. 67). É claro que a viagem estava a serviço dessa alucinação, mas para Hanold ainda se fazia presente a sensação de que esta seria uma viagem a trabalho. Sem dúvida que o motivo inconsciente era que em Pompeia ele poderia dar seguimento à obsessão de encontrar Gradiva.
O personagem central da novela teria sofrido, portanto, um processo de recalque das suas emoções ao se dedicar totalmente ao universo da ciência, o que o inviabiliza de ter um relacionamento saudável com as mulheres. Freud percebe que o interesse exclusivo pela sua profissão o fez enxergar tudo sob o prisma arqueológico, ou seja, a pouco se interessar pela vida. Por isso a sua dificuldade de aceitação e quase ojeriza aos casais alemães que vêm passar as suas núpcias junto às ruínas de Pompeia. Aos poucos, porém, ele se distancia do aprisionamento ao mundo prosaico da ciência e passa a estabelecer relações menos idealizadas com Gradiva. Essa mudança de percurso provoca um novo relacionamento com a sua profissão e, consequentemente, com a ciência que lhe é tributária, pois “Nesse estado de espírito, sua fúria voltou-se até mesmo contra a ciência de que era servo fiel”, diz Freud (2003, p. 70). E, mais adiante, constata que: “Inibida a compreensão interna (insight) dos motivos da viagem empreendida sob o comando do delírio, seus interesses científicos, que deveriam ser estimulados pelo novo ambiente, também ficaram tolhidos” (Freud, 2003, p. 74).
Gradiva participa até certo ponto dos delírios de Hanold, tanto aparecendo quanto desaparecendo de sua frente de forma misteriosa, às vezes fazendo alusões a refeições que teria feito com Hanold há dois mil anos atrás em Pompeia (época da erupção do Vesúvio que a soterrou), etc. O comentário de Freud é pertinente para compreender esta estratégia adotada pela musa, semelhante ao do analista na psicanálise: “Assim, em suas palavras a jovem, por um lado, mantém-se fiel ao papel que lhe foi dado pelos delírios de Hanold e, por outro lado, alude às circunstâncias reais a fim de despertar no inconsciente de Hanold a compreensão delas” (Freud, 2003, p. 90). Esse jogo prossegue até o ponto em que Gradiva lhe revela que, na verdade, ela não era a reencarnação da peça de mármore, mas a sua vizinha de infância. Porém, esse retorno vem carregado não só de amor, como é o caso de uma paixão, mas também de revelações, como o fato de que ela o acusa de ser um “arqueópterix”, uma espécie de réptil voador da época dos dinossauros. Traduzindo, poderíamos dizer que Norbert é um dinossauro seduzido pela arqueologia e que, portanto, só enxergava Gradiva pela peça morta.
Sua investigação, porém, o conduziu de volta à vida, uma vez que o seu delírio passava do morto (o baixo-relevo) à busca de reviver algo morto, mas sem dialogar com a vida. E assim, conclui Freud:
O processo de cura é realizado numa reincidência no amor, se no termo ‘amor’ combinamos todos os diversos componentes do instinto sexual; tal reincidência é indispensável, pois os sintomas que provocaram a procura de um tratamento nada mais são do que precipitados de conflitos anteriores relacionados com a repressão ou com o retorno do reprimido, e só podem ser eliminados por uma nova ascensão das mesmas paixões
(Freud, 2003, p. 95).
Freud percebeu a subserviência exclusiva com que Hanold se dedicou à ciência da arqueologia, o que lhe causou o recalque das emoções, fato esse que o levou a Pompeia atrás da origem da figura encontrada no baixo-relevo. Diferentemente, a Gradiva, de Derrida (2001), é analisada sob o espectro do mal de arquivo, reflexão que aparece no Post-Scriptum do seu livro Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Nesse ponto, Derrida está preocupado com o âmbito da promessa do arquivo, com a sua abertura ao devir constante, uma vez que há uma falha a ser preenchida na sua impressão histórica. Isso permite ao arquivo abrir-se para o futuro e à promessa.
Derrida tem consciência da crise da metafísica, mas percebe a presença dos seus resquícios na obra de Freud. Quando teve contato com a obra freudiana, Derrida (2017) já havia publicado a sua Gramatologia, o que o levou a perceber as contribuições da filosofia sob o prisma do traço, em que os fantasmas habitam os espaços da escritura: “A escritura seria basicamente espaçamento, inscrevendo e dispondo traços num espaço produzido pelo próprio processo de diferir” (Birman, 2007, p. 291). E isso lhe foi permitido na medida em que procura mostrar, a partir de uma análise de sua obra, que a escritura faz parte da estrutura do psiquismo, pois Freud chegou a comparar o inconsciente com várias metáforas, sendo que as mais importantes foram a da máquina de escrever e o bloco mágico. Por isso, viu na psicanálise a materialização da sua filosofia, em que “[…] as narrativas seriam produções de seus fantasmas e esses regulariam o processo de interpretação que empreendiam” (Birman, 2007, p. 293-294). A lógica espectral permite ir além da metafísica, quebrando assim a dicotomia de que haja um dentro e um fora, pois o fantasma é uma entidade que não se limita nem ao inteligível e nem ao sensível. Chega a sugerir nesse sentido uma revisão do logocentrismo, uma vez que a filosofia se consolidou, com Sócrates, como um registro alicerçado no fonocentrismo, ou seja, na fala e não na escrita, dado que Sócrates nada escreveu.
Segundo Derrida (2001), é preciso ir além da análise freudiana do romance, pois a sua noção de arquivo ainda está marcada por resquícios metafísicos, no objetivo de encontrar uma impressão primeira, literal, o que, na visão kantiana, seria como encontrar “a coisa em si” do fenômeno (Kant, 1980). Por isso, “Freud pretende ainda trazer à luz uma origem mais originária que a do espectro” (Derrida, 2001, p. 125), ou seja, transcender a representação do fantasma em direção ao que o gerou. E isso representa uma iniciativa ligada a um projeto mais amplo de Derrida, de repensar os fundamentos da psicanálise, como ele mesmo comenta numa entrevista dada à Elisabeth Roudinesco:
‘O amigo da psicanálise’, em mim, desconfia não do saber positivo, mas do positivismo e da substancialização de instâncias metafísicas ou metapsicológicas. As grandes entidades (eu, isso, supereu etc.), mas também as grandes ‘oposições’ conceituais, sólidas demais, e portanto tão precárias, que se seguiram às de Freud, como por exemplo o real, o imaginário e o simbólico etc, ‘a introjeção’ e ‘a incorporação’, me parecem carregadas (e tentei demonstrá-lo mais de uma vez) pela inelutável necessidade de alguma ‘diférance’ que apaga ou desloca suas fronteiras. Priva-as em todo caso de todo rigor. Não estou nunca portanto pronto a seguir Freud e os seus no funcionamento de suas grandes máquinas teóricas, em sua funcionalização
(Derrida; Roudinesco, 2004, p. 208-209).
A busca de Freud nesse sentido seria a de ir adiante inclusive em relação ao romancista, bem como em relação à própria ciência objetiva da arqueologia, enfim é uma investigação à procura do arquivo na sua forma original, ou seja: “Um arquivo sem arquivo, ali onde, totalmente indiscernível da impressão de sua marca, o passo de Gradiva fala de si mesmo” (Derrida, 2001, p. 126). É nesse ponto que Hanold se desencanta com a sua ciência, pois compreende que “[…] ele ensinava uma intuição arqueológica sem vida” (Derrida, 2001, p. 126).
Hanold era versado em decifrar enigmas, desde os mais indecifráveis, até os mais enigmáticos, e viaja a Pompeia disposto a “[…] reencontrar seus traços, os traços do passo de Gradiva” (Derrida, 2001, p. 126-127). É no momento em que encontra a peça que compreende também como Pompeia pode voltar a ter vida, pela sua memória, que lhe desperta uma “pulsão” ou “pulsão íntima”. É uma busca, sublinhada por Freud, do literal, da impressão primitiva, a arkhê, em síntese: “Ele sonha fazer reviver” (Derrida, 2001, p. 127) o passo que Gradiva teria deixado nas cinzas de Pompeia, como se fosse uma assinatura.
No entanto, Derrida (2001, p. 127) argumenta contra a busca metafísica pela unicidade que o “seu preço é infinito”. E mais, é “incomensurável onde é inencontrável”. E que toda esta obsessão só pode ser sonhada a posteriori, por isso infere: “A memória fiel de uma tal singularidade só pode ser entregue ao fantasma” (Derrida, 2001, p. 128). Há, portanto, uma dívida no arquivo, uma “falta de saber”, um mal de arquivo na origem e esse é o segredo que a literatura, emancipada das Sagradas Escrituras, quer revelar: “o segredo inviolável de Gradiva”, que é comum ao sentimento de Hanold, de Jensen e Freud, entre outros, conclui Derrida (2001, p. 128).
Quando reflete sobre a função da pulsão de morte sobre o arquivo, vai inferir também que: “Ela trabalha para destruir o arquivo: com a condição de apagar, mas também com vistas a apagar seus ‘próprios’ traços – que já não podem desde então ser chamados ‘próprios’” (Derrida, 2001, p. 21). A pulsão de morte age no coração do arquivo, deixando margem para a memorização, a repetição, a reimpressão e, nesse sentido, conclui que a própria repetição, a lógica da repetição e, inclusive, “[…] a compulsão à repetição é, segundo Freud, indissociável da pulsão de morte” (Derrida, 2001, p. 23). É a pulsão de morte (tânatos) que ocasiona o mal de arquivo, pois ela destrói a sua presencialidade, o seu ser, deixando como herança o porvir, o seu vir-a-ser constante, com diversas lacunas a serem preenchidas pelos que o interpretam. Ora, enquanto discute os arquivos da psicanálise em seu livro, Derrida (2001, p. 119) percebe que “[…] no momento em que a psicanálise formaliza as condições do mal de arquivo e do arquivo ele próprio, repete a mesma coisa à qual resiste ou que faz de objeto”. Ou seja, ao retornar à origem do reprimido, Freud repete com seu gesto (terapêutico) o mesmo motivo que levou à diáspora judaica (trauma), um desejo de voltar à origem, à arkhê primitiva, algo metafísico, que transcenderia o aqui e agora2.
Assim, o arqueólogo ou o historiador não se relaciona com as fontes do passado de maneira intocada, mas a partir dos achados, dos restos ou dos cacos da história, ocasionados pelo mal de arquivo. Derrida transfere assim a noção de pulsão de morte, própria da psicanálise, para entender a noção de arquivo com o intuito de mostrar que ela age no campo do eros, no que foi construído e documentado através da história. Como bem salientam Trevisan, Azevedo e Rosa (2021, p. 5): “A compulsão à repetição está presa à pulsão necrófila e, portanto, à destruição do arquivo, o que institucionaliza o mal de arquivo no coração do monumento”. Essa é a distinção básica entre a noção de arquivo, tal como nos legou a tradição (como lugar de poder e comando, mas também como o ambiente onde ficavam os arcontes) e o conceito de mal de arquivo, introduzido por Derrida (2001). Aliás, segundo ele, não são forças separadas, eros e tânatos estão entrelaçados e isso afeta a compreensão que temos no campo das ciências sociais e humanas, pois não temos acesso pleno a dados do passado. O arquivo da história que nos foi legado deixa muitas arestas, muitas frinchas e por isso a interpretação será, então, sempre permeada por fantasmas, impressões, representações próprias do mal de arquivo. Um exemplo típico é a destruição dos arquivos feita pelos nazistas durante a Segunda Guerra, que nos remete até hoje aos problemas do negacionismo do holocausto3.
A comparação com a história de Hanold-Gradiva reflete sobre um “mal de arquivo” que estaria presente também na filosofia da educação, uma vez que ela também necessita da história para a sua autocompreensão. Cremos que estes aspectos, que apresentam uma possível falha ou falta, um vazio que a leva à possibilidade de transformação, mas também à adoção de saídas repetitivas. Estas podem ser rotinas essenciais de manutenção da vida e, ao mesmo tempo, alheias à pulsão criadora de vida. E isso merece uma reflexão, pois, caso tais situações rotineiras, no sentido patológico, persistam, deveriam ser combatidas no campo da educação de modo geral e, na filosofia da educação de maneira especial.
A Gradiva na Filosofia da Educação
A filosofia da educação não é prescritiva, mas sim orientadora do processo de ensinar e aprender. Enquanto as políticas educacionais e o currículo se preocupam com “o que ensinar” e as metodologias e técnicas buscam as melhores alternativas de “como ensinar”, a filosofia da educação se pergunta sobre o “para quê” fins, metas ou horizontes estamos querendo educar. Os fins incidem sobre os outros componentes do processo educativo, facultando com que a educação tenha a intencionalidade como característica do ato educativo, deixando para trás os fantasmas do voluntarismo, da doutrinação, do espontaneísmo e da sua própria instrumentalização. Por isso a filosofia da educação atua no sentido disruptivo, em relação aos preceitos meramente instrumentais ou ingênuos no trato do conhecimento pedagógico, para auxiliar no autoesclarecimento (pedagógico) de educandos e educadores. Assim, entre as possíveis contribuições da filosofia da educação está a de revisar o pensamento pedagógico no seu relacionamento com o passado, fazendo a crítica da ideia de arquivo como algo ultrapassado ou fossilizado no seu acontecer. E sim, entendendo-o como algo vivo, que precisa ser contextualizado no seu devir histórico.
Tal é o enfrentamento que propomos fazer em relação à compulsão à repetição a que nos referimos, a qual pode ocorrer por conta da institucionalização da própria filosofia da educação nas ementas das disciplinas e no arquivo dos currículos das licenciaturas, que reforçam dicotomias ultrapassadas entre teoria e prática. Embora haja grandes progressos nos debates teóricos, infelizmente a sua incorporação nos currículos das licenciaturas ainda está aprisionada por vezes a fórmulas repetitivas, abstratas e sem vida. É bem aquilo que ocorre com a educação de modo geral, descrita por António Nóvoa (1999, p. 13) como vítima da dicotomia teoria e prática, isto é, “[…] do excesso das linguagens dos especialistas internacionais à pobreza dos programas de formação de professores”, ou então cativa “[…] do excesso do discurso científico-educacional à pobreza das práticas pedagógicas”.
Não raro a filosofia da educação, bem como os fundamentos de modo geral, está situada entre as primeiras disciplinas com que os alunos têm contato nas estruturas curriculares dos cursos de licenciatura. E isso porque, confundida com a visão linear e historicista do saber, a filosofia da educação deixa de ser viva e atuante nas diversas interfaces e trocas que pode estabelecer com os conhecimentos das demais ciências da educação.
Um exemplo consta no estudo realizado por Bernadete Gatti, no Brasil, entre os anos 2008-2009, nos currículos e ementas de licenciaturas em pedagogia, língua portuguesa, matemática e ciências biológicas. Gatti (2010) constata aí que a área dos fundamentos da educação é responsável por cerca de 43% da carga horária desses cursos, junto com as disciplinas variadas e gerais, denominadas de “outros saberes” e as “atividades complementares”. Além disso, ela apresenta nesse artigo alguns quadros (Tabelas 8, 9, 10 e 11) em que os fundamentos da educação aparecem em primeiro plano, dicotomizando teoria e prática na formação de professores, o que leva a autora a sugerir que:
A formação de professores profissionais para a educação básica tem que partir de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos necessários selecionados como valorosos, em seus fundamentos e com as mediações didáticas necessárias, sobretudo por se tratar de formação para o trabalho educacional com crianças e adolescentes
(Gatti, 2010, p. 1375).
Esse é um fantasma a ser combatido, uma vez que, o fato de estar localizada nos fundamentos não significa que a filosofia da educação deva transitar da primazia da teoria para a da prática simplesmente, o que repete a dicotomia teoria e prática sem oferecer uma solução. Não se pode esquecer nesse ponto a contestação de Heidegger à famosa afirmação da 11ª tese de Karl Marx sobre Feuerbach, a de que os filósofos até agora só interpretaram e não mudaram o mundo. Heidegger vai responder que a filosofia é essencial em qualquer conceito de mudança sociopolítico, incluído aí o conceito de Marx de uma sociedade sem classes. E, para haver a transformação, seria preciso desenvolver uma nova interpretação, como afirma Heidegger, quando fala em contraposição a essa tese de Karl Marx (Martin Heidegger..., 2007).
Além disso, uma vez que a filosofia é a experiência do pensamento sobre o próprio pensamento, como isso vai ocorrer às expensas do contato com outras dimensões do conhecimento pedagógico? Por isso, seria interessante que ela pudesse ocupar um espaço no movimento dos currículos dos cursos, compreendida como ação-interpretação ao mesmo tempo. E não situada logo no início dos cursos, como se existisse aí um “segredo” a ser revelado. Tal posição ainda respira os resquícios da metafísica, ligada à busca da arkhê, do princípio imperante que a eleva, como já referia Habermas (1989), à categoria de “juíza da cultura” e não de intérprete hermenêutico e dialogante em pé-de-igualdade com as outras ciências.
Desse modo, seria preciso rever a posição que ocupa a filosofia da educação no currículo dos cursos de licenciaturas, o que já a predispõe a ser uma disciplina interpretada próximo de um “vestígio arqueológico”. Por se tratar de uma má compreensão do arquivo, porquanto inserida nos fundamentos históricos e filosóficos da educação, não significa que a filosofia da educação deva ser confundida com um conhecimento fossilizado. Pelo contrário, é nesse campo que ela pode ser justificada como um discurso vivo para o tempo presente, pois está sempre sendo atualizada com a renovação de conceitos que ressignificam a sua relação com a tradição. Menos ainda, a ser um item corolário somente da prática curricular, renunciando a sua função interpretativa no vir-a-ser constante do real. O silenciamento do debate nesse sentido tem contribuído para a emergência de discursos refratários à reflexão sobre os fundamentos da educação, quando ficam apenas focados no fazer e não na teoria que estrutura e informa a prática. No caso da filosofia da educação, o vácuo da reflexão sobre o seu lugar na discussão teórico-prática da educação de modo geral, e na inserção do currículo de modo especial, tem dado margem a propostas do seu encurtamento no campo das licenciaturas à pós-graduação.
Certamente isso vem colaborando, entre outros fatores, para o baixo nível de conclusão desses cursos e, além disso, para os números negativos de crescimento no país desses mesmos cursos (Gatti, 2010, p. 1361). Esse panorama requer uma nova interação teoria e prática, que se traduz numa outra compreensão referente à posição que ocupa a filosofia da educação na arqueológica dos saberes da formação para a docência. E isso gera a necessidade de ir mais além, de avançar as suas metas, sentimento esse compartilhado por Charlot (2020, p. 11) em relação ao campo da educação como um todo, quando comenta:
Se não formos capazes de ir além do atual ‘estudar para ter um bom emprego mais tarde’ e educar nossos filhos como membros de uma espécie responsável pelo estado atual e futuro do mundo, será muito difícil escapar desses surtos de barbárie que já estamos vendo e cujas novas formas nos são anunciadas com orgulhos pelo pós-humanismo.
Vislumbramos nesse debate potentes desafios para a filosofia da educação e a tradição humanista presente em diversos campos das licenciaturas que requerem alguns questionamentos: que passo a filosofia da educação pode avançar inspirada no contexto do mal de arquivo? Considerando que o passo da Gradiva corresponde à passagem do sonho-delírio ao real e, como vimos a partir de Derrida, isso não ocorre senão mediado por fantasmas, que fantasmas precisam ser enfrentados na relação filosofia da educação com a sua inserção nos currículos das licenciaturas? E mais, como dar esse passo sem perder o encanto?
A filosofia da educação entre fantasmas do mal de arquivo
Em relação ao seu encurtamento ou exclusão dos currículos, podemos mencionar que, ainda nos anos 90 do século passado, quando as teorias da educação dividiam os educadores no Brasil e no mundo, elas eram muito debatidas e tinham um espaço privilegiado nos currículos dos cursos de formação de professores, das licenciaturas à pós-graduação. Porém, a crítica que veio a seguir, propôs que a rivalidade fosse deixada de lado, afinal “[…] não se pensa mais a educação a partir de ‘correntes’ e ‘tendências’ que limitam e dividem, mas sim de acordo com horizontes e perspectivas que somam e incluem” (Trevisan, 2006, p. 24). Assim, em vez de dividir e opor, antes as teorias da educação deveriam nos unir e aglutinar, compreendo a força dos grandes paradigmas do conhecimento e a evolução das imagens de mundo. No entanto, desde que se chegou a certos consensos – como o compromisso da educação com a democracia, por exemplo, como já aconselhavam grandes educadores como John Dewey, Anísio Teixeira e Paulo Freire ‒, elas passaram a ser desacreditadas, gozando de pouco prestígio e espaço nos currículos das licenciaturas à pós-graduação. Sendo assim, a filosofia da educação deveria complementar esse passo, que implica o afastamento das fórmulas ossificadas e sem vida, que a amarram a tendências e correntes que se chocam, mas sem conseguir a superação do real em direção à abertura para novas tarefas e experiências do pensamento.
Ademais, a mudança da relação da pedagogia tradicional para a pedagogia nova, ou seja, uma que mantinha um conceito de autoridade forte e outra que se abre para um conceito que incorpora a democracia nas decisões, colocou um desafio de ora em diante aos sistemas de ensino, que implica aliar métodos participativos e inclusivos sem a perda de coordenação das ações pedagógicas. Ou seja, como bem classifica Charlot (2019, p. 167), equacionar a relação entre “desejo” e “norma”; no entanto, o que temos hoje nas teorias da educação é uma “bricolagem pedagógica e práticas híbridas”.
Para não ficar preso nas armadilhas dessa crise, além da recuperação desse debate seria necessário completar o passo a ser dado pela filosofia da educação, no qual ela não deveria se prestar a produzir somente diagnósticos da conjuntura social e política. A filosofia da educação se confundiu historicamente com o papel crítico de análise de época nas ciências sociais, o que lhe conferiu uma capacidade crítica ímpar. Porém, só a crítica da cultura não basta hoje, no mundo hipersombrio em que vivemos, assolado por catástrofes e tragédias a todo momento. É preciso que a filosofia intervenha no debate de uma maneira mais consistente, acionando a sua instância descritiva, compreensiva e normativa ao mesmo tempo. Portanto, poderia fazer sentido desenvolvendo uma visão prospectiva do todo do ponto de vista ético e social conjuntamente. Assim, não se contentaria em catalogar as patologias sociais, seus sintomas e mutações exclusivamente, o que por si só já é muito importante. Mas, indo além, poderia sugerir novas formas de alento a um mundo desesperançado, ou seja, não se ater a diagnósticos de época tão-somente, e sim, também propor alternativas de bem viver.
Uma das saídas propostas é recuperar a discussão sobre temas e problemas próprios do mundo humano comum e que envolvem a totalidade explorando a sua função ético-social, como é o caso da discussão sobre as catástrofes e tragédias. Afinal, como refere Paviani (2016, p. 18) a partir de Eric Weill: “A história da filosofia é a história da recusa da violência pela razão”. Esta não é uma situação estranha ao que vínhamos abordando, dado ser o pano de fundo que espelha o romance de Hanold e Gradiva – as ruínas da catástrofe de Pompeia.
Filosofia da educação como busca arqueológica de saberes
A proposta delineada até aqui conduz a reflexão a desenvolver um olhar interno às suas tradições, mesmo que contaminadas pela pulsão de morte do mal de arquivo. Nesse mergulho podem ser encontradas muitas pérolas, conforme testemunha Hannah Arendt (2008, p. 222) sobre o trabalho do narrador na obra de Walter Benjamin,
Como um pescador de pérolas que desce ao fundo do mar, não para escavá-lo e trazê-lo à luz, mas para extrair o rico e o estranho, as pérolas e o coral das profundezas, e trazê-los à superfície, esse pensar sonda as profundezas do passado – mas não para ressuscitá-lo tal como era e contribuir para a renovação de eras extintas.
Benjamin vai dizer que o processo de destruição e de decadência, que leva à ruína pode ser também um processo de cristalização em corais e pérolas. Assim é com o pensamento, ao se produzir a si mesmo nas lacunas do tempo, protagonizadas por catástrofes e tragédias, podendo permitir, no mergulho hermenêutico do passado, ressurgir “fragmentos do pensamento”. Nesse ponto, seria interessante um novo mergulho arqueológico na história da filosofia, buscando aportes que permitam à filosofia da educação contribuir para repensar a nossa relação com as catástrofes e tragédias, e ainda, com a elaboração do trauma, presente na noção de mal de arquivo, conforme Solis (2014, p. 375) a interpreta:
Mal de Arquivo estabelece como nome um jogo com o contexto histórico contemporâneo, o contexto dos ‘desastres que marcaram o fim do milênio’, no qual estão em discussão os Arquivos do Mal, arquivos durante tanto tempo interditados, desviados, dissimulados, quando não destruídos. Por exemplo, a prova dos horrores praticados pela dominação nazista e o holocausto; os atuais genocídios (diariamente, eles são noticiados) promovidos constantemente pelas intensas guerras em vários lugares do mundo, em geral incentivados pelos interesses escusos das potências interessadas em petróleo, venda de armas etc.; a perseguição aos Estados fora da lei, com a política intervencionista americana, a instituição da globalização etc.
A catástrofe é uma ameaça que hoje paira sobre toda a humanidade em função da pandemia da COVID-19 e dos efeitos do aquecimento global, entre outros motivos, e, desse modo, a filosofia da educação reflete sobre o para quê educar, em qual direção poderia caminhar a humanidade.
Embora a elaboração do trauma seja da ordem do singular, o que requer o cultivo da resiliência, podemos refletir sobre o fato de que a catástrofe, sendo um ponto de ruptura no curso natural dos eventos, é também um novo começo, uma reviravolta em nossas vidas atribuladas. A perda das referências e dos instrumentos de medida, que tínhamos habitualmente, gerador do trauma, chama a atenção para elementos que não estávamos vendo ou mesmo dimensionando de forma adequada anteriormente. Por isso, urge pensar a catástrofe não como signo de um encerramento, mas como possibilidade de um aprendizado e elevação cultural – e isso ilustra o passo de Gradiva –, talvez como um ponto de viragem a fornecer uma nova paisagem. Se compreendermos a calamidade nesse sentido, podemos estar mais preparados e não ser surpreendidos como se fosse a primeira vez. Desse modo, a filosofia da educação pode contribuir para gestar um modelo de formação sensível à prevenção de catástrofes e tragédias, bem como na elaboração do trauma, tendo como parâmetro de compreensão as narrativas da literatura de testemunho e as iniciativas referentes às experiências da arquitetura de destruição ‒ o holocausto.
Para dar conta de tarefas tão hercúleas, dispomos dos saberes interdisciplinares que a literatura e psicanálise, filosofia e educação indicam sobre o assunto, apostando nos saberes da prevenção – como o saber prevenir e o saber expressar –, para não cair na banalização da dor do outro. Em geral, os saberes em voga no campo da educação pouco se referem a esses tópicos, sendo a formação acadêmica dos professores pautada, em larga medida, no saber-fazer (pedagogia das competências), deixando entrever lacunas e desafios importantes para o processo pedagógico de ora em diante. Ou seja, cumpre repensar os saberes da docência, tendo em vista o “saber-expressar” a catástrofe e o “saber-prevenir”, ou “saber-evitar”, sob a contribuição interpretativa, expressiva e normativa da filosofia da educação.
E também, pensar na necessidade de uma nova modernidade, menos preocupada com a relação de dominação técnica e conceitual da natureza, e, sim, com o desenvolvimento de valores caros à vida democrática, os valores socioemocionais ou relacionais, como a sensibilidade, o acolhimento, a empatia, a resiliência, a cooperação e a formação; esta última entendida, em uma das suas melhores definições, como o trabalho constante de autoformação. Afinal, se a vida não é feita somente de obrigações, temos ainda o direito a desfrutar do lazer, da cultura, do acesso aos bens e ao legado cultural da humanidade, bem como a lutar por consensos construídos democraticamente na vida pública.
Conclusão
O artigo procurou repensar a contribuição da filosofia da educação inspirada no livro Gradiva, de Jensen, segundo a interpretação de Freud-Derrida. A análise de Freud alerta para o risco de se perder nos ditames da ciência positiva, obedecendo a um regramento técnico-metódico simplesmente. Foi isso que levou Hanold a cair na pura fantasia do delírio espectral que o conduziu em busca de Gradiva na cidade de Pompeia, embora ela sempre estivesse vivendo há poucos metros de sua casa. Com Derrida, percebemos ser preciso dar o passo de Gradiva, mas sem recair no encanto da busca da sua impressão primeira, almejada por Freud, pois tal iniciativa está contaminada por uma visão metafísica do saber. Diferentemente, como o mal de arquivo está no coração do arquivo, o filósofo infere que as narrativas são permeadas por produções de seus fantasmas, os quais regulam o processo de interpretação.
A partir dessas reflexões, percebemos que tais questões ainda impactam a filosofia da educação, na medida em que sua posição, no arquivo dos cursos de formação de professores, ainda está presa a posições metafísicas da ordem do saber, como arkhê e não como movimento de ação-interpretação constante. No sentido de contribuir com o debate, inspirados no passo de Gradiva, sugerimos então um horizonte mais alargado a enfrentar, qual seja, repensar a posição que ocupa a filosofia da educação nos currículos dos cursos de licenciatura. Para que ela possa situar-se nesse novo contexto, ou seja, no movimento do currículo de maneira mais produtiva, esse passo deveria ser complementado com mais algumas adições, tais como resistir à tendência a servir apenas de diagnóstico de época e aventurar-se em novos temas e problemas emergentes do contexto contemporâneo, como o tema das tragédias e catástrofes. Dessa forma, indicamos a necessidade de fazer um novo mergulho na sua tradição em busca de novas pérolas, as quais venham a reinscrever a sua participação na ordem da escritura dos cursos de licenciatura. Tais iniciativas poderiam assegurar à filosofia da educação, como referendam Dalbosco e Mühl (2020, p. 266), “[…] o papel de contribuir para que as pesquisas educacionais façam a imersão investigativa na tradição cultural e pedagógica passada”.
Uma vez que, pela sina do mal de arquivo, as áreas que necessitam da história para se autocompreender apresentam espaços na escritura do discurso pedagógico – ausências, fantasmas, repetições –, melhor seria se pudessem, igualmente, ser traços que sinalizam novos horizontes da reflexão pedagógica. Em vista disso, o passo que propomos aventa a possibilidade da libertação do estado em que a filosofia da educação é colocada, por vezes, nos currículos dos cursos de formação de professores. Além disso, visa a traçar possibilidades ou promessas para enfrentar os fantasmas do mal de arquivo, sem perder a sua potência e graça características.
Se não vamos encontrar respostas a desafios tão complexos, acreditamos que a vinculação dos temas e problemas em pauta com a tradição humanística já significa um certo avanço na discussão. Acreditamos, desse modo, colaborar na formação ética e estética dos atuais e futuros educadores e na sua valorização como categoria profissional, que está muito defasada, refletindo a respeito da posição que ocupa a filosofia da educação nos currículos dos cursos de licenciatura à pós-graduação, percebendo, como sugere Derrida (2017, p. 17), “o brilho do além-clausura”.