INTRODUÇÃO
Os alunos das universidades enfrentam o grande desafio de estarem preparados para o mercado de trabalho atual. A exigência das organizações, em relação ao currículo profissional de um recém graduando, junto com o importante papel que a engenharia possui do ponto de vista econômico, de produtividade e de inovação na sociedade (BLACKIE et al., 2016), demandam maior atenção sobre a responsabilidade das Universidades nesse cenário.
Consequentemente, os métodos de ensino exercidos pelas Instituições de Ensino Superior (IES), possuem um impacto direto no processo preparatório do aluno para o mercado de trabalho. Björck (2021) destaca que abordagens de aprendizagem integrada ao trabalho podem aumentar a empregabilidade dos egressos, porém tais abordagens apresentam lacunas que precisam ser preenchidas. Uma delas é o fato de que os métodos de aprendizagem podem não integrar de maneira adequada a teoria lecionada na universidade com a teoria que é aplicada no local de trabalho, isso devido a faltas na passagem do conhecimento de como aplicar tais teorias em experiências reais.
Nota-se também que a pauta de discussão a respeito dos métodos de aprendizagem e ensino, que tem sido um dos principais tópicos na agenda global das IES desde a década de 90 (LETTS, 2019), traz consigo perspectivas de mudanças e transformação nos métodos de ensino para se tornarem cada vez mais baseados em abordagens práticas. Atreladas a uma preocupação constante de que o graduando não está sendo completamente preparado para o mercado de trabalho, uma vez que a sua capacidade de assimilar novos conhecimentos e aplicá-los não está sendo considerada efetiva (BLACKIE et al., 2016).
Em unidades curriculares essencialmente teóricas, a apreensão de conhecimento por parte de alunos tende a ser mais baixa do que aquelas que mesclam aulas expositivas com atividades de aplicação teórica. Uma composição entre o modelo puramente expositivo com o uso de estudos baseados em dados reais, tende a aumentar o interesse e a capacidade de apreensão de conhecimento por parte dos alunos (Glasser, 1999; Graham, 2010).
O universo de pesquisas em relação à métodos de ensino com abordagens práticas nas instituições de ensino superior é pouco explorado por parte das iniciativas acadêmicas de pesquisa segundo Alzahrani et al. (2021) e Zarpelon e Resende (2020). Zarpelon e Resende (2020) executaram no Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia durante o período de 2010-2017 um levantamento de todas as publicações relacionadas às aplicações de teorias da aprendizagem no ensino de Engenharia, com o foco na disciplina de Cálculo 1. O estudo demonstrou um acervo de artigos muito limitado e pouco explorado pela comunidade acadêmica em relação a outros temas abordados no congresso. Já o trabalho de Alzahrani et al. (2021) mostra que o número de artigos publicados que relacionam os temas atuais sobre qualidade (Qualidade 4.0 - envolvendo todos os conceitos de Gestão da Qualidade para a Indústria 4.0) com abordagens de aprendizagem em Instituições de Ensino Superior é inferior ao acervo levantado por Zarpelon e Resende (2020), mesmo considerando cinco bases de artigos globais (Google Scholar, Web of Science, Scopus, Ebsco e ProQuest). Isso evidencia que o número de trabalhos que trazem abordagens práticas para os métodos de ensino, é ainda menor, limitando-se muitas vezes à replicabilidade de abordagens que envolvem jogos para execução do ensino prático. Com isso, a presente pesquisa visa contribuir para uma resposta à seguinte questão de pesquisa: como promover uma aprendizagem baseada em casos reais em na disciplina de gestão da qualidade de um curso de engenharia?
A partir da problemática identificada, esta pesquisa teve como objetivo investigar a interação universidade-empresa em processos de ensino e aprendizagem em um curso de Engenharia, mediante a aplicação de um método de ensino experimental e ativo na disciplina de Gestão de Qualidade do curso de Engenharia de Produção na Universidade Federal de São Carlos - Campus Sorocaba, através de uma parceria entre uma Sistemista de Autopeças, também alocada em Sorocaba.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE ENSINO-APRENDIZAGEM
Para Ginter e White (1982), o aprendizado é resultado da atividade de observação do comportamento de outros indivíduos pertencentes a um mesmo contexto social, copiando tudo o que lhe parecer mais conveniente, ou seja, é um aprendizado no qual os indivíduos aprendem uns com os outros.
Kolb (1984) define aprendizagem como sendo o processo pelo qual o conhecimento é criado através da transformação de experiências, sendo esse tipo de processo de construção do aprendizado denominado aprendizagem experiencial. Ainda, segundo Kolb (1984), a aprendizagem deve se fundamentar no seguinte:
Focar-se no processo de adaptação e aprendizado em oposição ao conteudismo e à simplista busca por resultados: as ideias não são elementos de pensamento fixos ou imutáveis, mas são formados e reformados através da experiência. O aprendizado é um processo emergente no qual os resultados apenas representam um registro histórico e não o conhecimento futuro;
Ser um processo de transformação, sendo continuamente criado e recriado e não pode ser visto como uma entidade independente para ser adquirida e transmitida, sendo que o aprendizado é um processo holístico de adaptação ao mundo: o aprendizado é o processo central de adaptação do ser humano ao ambiente físico e social, gerando pontes conceituais através de situação da vida - como as vividas na escola e no trabalho - assim criando um processo contínuo e permanente de adaptação ao mundo;
Transformar experiência tanto objetiva, quanto subjetivamente: o aprendizado é o processo de criação de conhecimento que aborda não somente as mais avançadas pesquisas científicas, como também fatos mais simples como a descoberta feita por uma criança de que uma bola de borracha quica. O aprendizado é o resultado da transação entre o conhecimento pessoal e o conhecimento social.
Ainda, Kolb (1984) defende que a construção do aprendizado ocorre obedecendo à seguinte sequência de atividades, cujo conjunto é chamado de Ciclo de Kolb:
O indivíduo é apresentado a uma experiência no mundo real, conhecida e tida como experiência concreta;
O indivíduo analisa o fenômeno e reflexiona sobre o fato, passando à observação reflexiva;
O indivíduo abstrai o conceito e generaliza as ideias (conceituação abstrata);
O indivíduo transforma essas ideias em ações a serem testadas em situações reais (experimentação ativa) e que, se o fato generalizado for para ele significativo, passará a fazer parte do seu conhecimento, concretizando a aprendizagem.
Adicionalmente, Carvalho, Porto e Belhot (2001) tratam do ciclo de aprendizagem sob a lógica construtivista, segundo eles, a mais adequada para a educação em engenharia, constituindo-se das seguintes etapas:
Contextualização e justificativa: são apresentados, ao indivíduo, os conceitos a serem estudados, o porquê de estudá-los, contextualizando-os no meio em que o indivíduo vive. Também são apresentados os problemas que estão associados a eles e a relevância na resolução destes;
Conceitualização: nessa etapa são passados todos os conceitos relacionados com o assunto, sendo a fase na qual se valoriza a lógica, as deduções e as ideias. O indivíduo entra em contato com conceitos novos, mas que estão relacionados com outros conceitos adquiridos anteriormente;
Resolução e teste: nessa etapa os conceitos apresentados anteriormente são consolidados através de exercícios práticos, aplicações de problemas relacionados. São estimulados o desenvolvimento das habilidades e a criatividade do indivíduo;
Novas situações: nessa etapa o indivíduo aplica os conceitos consolidados em situações reais, desenvolvendo segurança na tomada de decisão, experiência, dando ao indivíduo condições de checar se a aplicação dos conceitos adquiridos na primeira etapa.
Os conceitos de ciclos e processos de aprendizagem de Ginter e White (1982), Kolb (1984) e Carvalho; Porto; Belhot (2001) podem sintetizados conforme o mostrado na Figura 01.
Pela Figura 01 é possível visualizar os processos de aprendizado segundo o Ciclo de Kolb (aprendizagem existencial), Ciclo de Ginter & White (aprendizagem social), o Ciclo Construtivista e a Abordagem Vivencial.
As experiências que o aluno possui ao decorrer de seus processos de aprendizagem são fundamentais para desenvolver as habilidades de análise crítica necessárias no exercício de suas profissões futuras (RUSNAKOVA e BACHAROVA, 2001).
De acordo com Feuerwerker (2002), o aluno internaliza conhecimento muito mais com a prática do que com os processos de aprendizado tradicional que fazem uso apenas da leitura, apresentação oral e apresentação visual (Figura 02).
Segundo March (2005), o saber tem se tornado mais extenso, com conhecimentos mais fragmentados e especializados, produzidos em velocidade a cada dia maior e, por conseguinte, com o atingimento de obsolescência também em períodos menores. O mesmo autor indica que essas características demandam algumas mudanças no processo de ensino-aprendizagem, qual sejam:
Centralização na aprendizagem: ensinar o estudante a aprender continuadamente;
Aprendizagem autônoma do estudante: o professor assume a função de tutor;
Aprendizagem baseada em resultados: a aprendizagem é desdobrada em competências genéricas e específicas;
Cooperação: os processos de ensino e aprendizagem se baseiam em trabalhos cooperativos entre estudantes e professores;
Conhecimento fluido e heterogêneo: a matriz curricular deve prever espaços para se trabalhar a multi e a transdisciplinaridade;
Avaliação estratégica: as avaliações devem estar integradas com as atividades de aprendizagem, de modo a se valorizar a avaliação formativa-contínua em detrimento da avaliação final-certificadora;
Valorização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC): utilização de plataformas multifuncionais e infraestrutura de transmissão de dados para viabilizar o aprimoramento dos processos de aprendizagem, pesquisa e avaliação, tais como proporcionar avaliações em tempo real, possibilitar a realização de projetos compartilhados etc.
Um método de aprendizagem que se utiliza dessas características é o da aprendizagem baseada em problemas, sendo que de acordo com Benjamin e Keenan (2006), trata-se de uma estratégia que promove a aprendizagem de maneira ativa, já que dá ao estudante o controle do processo. Utiliza-se um problema em aberto e não estruturado para disparar o processo de aprendizagem. Os estudantes analisam o problema, decidem o que devem saber e ganham conhecimento ao desenvolver as soluções apropriadas. O trabalho de grupo é parte importante dessa estratégia em que a partilha e a avaliação da aprendizagem formam um elemento essencial no desenvolvimento de soluções (BENJAMIN e KEENAN, 2006). De maneira geral, a aprendizagem baseada em problemas:
“[...] busca, junto com outras metodologias educacionais com base construtivista, responder a alguns dilemas colocados à educação profissional contemporânea, a saber: o aumento espetacular do volume de conhecimentos científicos e tecnológicos que devem ser ensinados aos estudantes durante a graduação e seu ritmo acelerado de obsolescência. Ela parece satisfazer alguns aspectos que a literatura recomenda para a educação superior, isto é, uma formação que integre a teoria à prática e o mundo acadêmico ao do trabalho, promovendo - além do domínio do conhecimento específico - o desenvolvimento de habilidades e atitudes profissionais e cidadãs” (RIBEIRO, 2008, p. 13).
Prince e Felder (2006) abordam métodos indutivos de aprendizagem que, de modo geral, podem ser analisados como métodos organizados como ciclos de aprendizagem. Em geral esses ciclos podem ter suas etapas de aplicação resumidas a partir das ações previstas para os módulos do STAR (Software Technology for Action and Reflection) desenvolvido pela Vanderbilt University Learning Technology Center (PRINCE e FELDER, 2006) e apresentadas na Figura 03.
Behrens (2006) demonstra que na metodologia de projetos, a partir de situações problema ou de problematização, o estudante investiga para produzir conhecimento próprio. Dessa forma, reúne “[...] as ações de refletir, dialogar, argumentar e criar a possibilidade de tomar o problema para desenvolver uma visão complexa e contextualizada da realidade” (BEHRENS, 2006, p.173).
Também tendo como componente a técnica da problematização, a metodologia da aprendizagem baseada em problemas, segundo a mesma autora, possibilita o desenvolvimento de atividades envolvendo a participação do indivíduo, discussões coletivas, críticas e reflexivas. Ela compreende o ensino com uma visão complexa que faz com que os estudantes convivam com a diversidade de opiniões, convertendo as atividades metodológicas em situações ricas e significativas para a produção de conhecimentos e a aprendizagem para a própria vida (BEHRENS, 2006).
Na aprendizagem baseada em problemas, os estudantes partem de um cenário real sem uma única resposta correta. A partir da análise de um problema, eles pesquisam uma alternativa e apresentam a solução recomendada. Essa experiência reproduz a situação em que os estudantes encontrarão quando forem ao mercado de trabalho (HSIEH e KNIGHT, 2008). De acordo com Postholm (2008), o trabalho em projetos, o trabalho de grupo e a aprendizagem baseada em problemas estão entre as metodologias de aprendizagem destinadas a substituir ou complementar as tradicionais aulas expositivas. Tais métodos de aprendizagem, aliados à ideia de interdisciplinaridade, têm estado presentes nas discussões que envolvem as práticas atuais de ensino e aprendizagem.
Ainda, segundo Richter e Paretti (2009), quando os participantes identificam e integram diferentes perspectivas ao trabalharem juntos na resolução de um problema, de forma que todos aprendam e possam remodelar seus comportamentos e suas práticas, ocorre a interdisciplinaridade. Isso, considerando-se um trabalho em projetos, segundo Grant et al. (2010), também auxilia no desenvolvimento de habilidades importantes para a inserção do estudante no mercado de trabalho.
Para Farias et al. (2015), os educadores utilizam metodologias problematizadoras para levar o educando ao contexto prático, confrontando-o com problemas reais ou simulados, minimizando a ocorrência de uma educação fragmentada. Essas metodologias, chamadas de Métodos Ativos de Educação (MAE), para que sejam considerados adequadas, devem ser (FARIAS et al., 2015, p. 146):
Construtivista: basear-se em aprendizagem significativa;
Colaborativo: favorecer a construção do conhecimento em grupo;
Interdisciplinar: proporcionar atividades integradas a outras disciplinas;
Contextualizado: permitir que o educando entenda a aplicação deste conhecimento na realidade;
Reflexivo: fortalecer os princípios da ética e de valores morais;
Crítico: estimular o educando a buscar aprofundamento de modo a entender as limitações das informações que chegam até ele;
Investigativo: despertar a curiosidade e a autonomia, possibilitando ao educando a oportunidade de aprender a aprender;
Humanista: ser preocupado e integrado ao contexto social;
Motivador: trabalhar e valorizar a emoção;
Desafiador: estimular o estudante a buscar soluções.
Ressalta-se que ao se considerar os MAE, devem ser considerados fundamentalmente dois atores: o professor e o estudante. De fato, de acordo com Farias et al. (2015), no uso de um MAE prepondera:
“[...] o professor que deixa de ter a função de proferir ou de ensinar, restando-lhe a tarefa de facilitar o processo de aquisição do conhecimento; e o aluno, que passa a receber denominações que remetem ao contexto dinâmico, tais como estudante ou educando. Tudo isto para deixar claro o ambiente ativo, dinâmico e construtivo que pode influenciar positivamente a percepção de educadores e educandos” (FARIAS et al., 2015, p. 145).
Percebe-se que para todos os modos de aprendizagem, a observação do ambiente e da experiência, seguidos da reflexão sobre o real para construção de conceitos e posterior aplicação, constitui o principal caminho para a construção do conhecimento e concretização do aprendizado. Em outras palavras, a fixação do conhecimento e a intensidade ou a capacidade de preensão do aprendizado, aumenta na medida em que obedecemos a sequência “conhecer - compreender - aplicar - sintetizar”: vemos o que ocorre à nossa volta e conhecemos o que se quer aprender; daí iniciamos um processo de compreensão através do entendimento do processamento de informações próprias e apropriadas de fontes externas; após de apreendido e compreendido o problema, planeja-se e aplica-se a resolução; e, finalmente, se o teste da aplicação for satisfatório adota-se como modelo que transmitido ao ambiente, quando o indivíduo interage com o meio e sintetiza o aprendido.
Pode-se concluir que a construção do aprendizado baseado na observação e reflexão sobre experiências reais é de fundamental importância para a formação de egressos qualificados.
Um movimento educacional iniciado por volta do ano de 1990 e inicialmente conhecido como STEM, colocou os MAE em evidência, notadamente aqueles baseados em projetos. Trata-se do movimento STEM Education que, ao redor do ano de 2008 passou a ser intitulado STEAM Education. Na seção seguinte esse movimento é detalhado.
OS MOVIMENTOS “STEM” E “STEAM”
A sigla STEM é formada pelas iniciais das palavras, em inglês, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (Science, Technology, Engineering, Mathematics), sendo apresentada como uma proposta inovadora no ensino de ciências, pois mostra-se como um conjunto de métodos e ferramentas que substituem o ensino meramente expositivo, por outro, um ensino interdisciplinar e baseado por projetos (PUGLIESE, 2017).
Mais recentemente, buscou-se a integração do movimento STEM com as Humanidades, mais especificamente com a área da Arte, originando o termo STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts, Mathematics).
Ensino interdisciplinar e baseado por projetos: Pugliese (2017) indica que a Arte no STEAM não deve ser mero acessório lúdico, mas devem ser usadas suas funções sensibilizadora, educadora, criativa, crítica ou estética e cita Radziwill et al. (2015) que defendem a incorporação de experiências significativas e a promoção de um ambiente rico para a aprendizagem através de uma abordagem de arte participativa. Para Blackley e Howell (2015) apud Pugliese (2017), o campo “Arte” inclui Sociologia, Psicologia, História, Artes Visuais, Filosofia e Educação na busca por um aprendizado mais efetivo e substancial. Ainda de acordo com Pugliese (2017), abordando o STEM, esse movimento pode ser abordado de quatro diferentes formas no ensino de Ciências, sendo eles:
Exclusivamente como Abordagem ou Metodologia: a aprendizagem ocorreria com a interação do objeto de estudo, mais ligado ao modo como ensinar Ciências, baseado no PBL (Problem Based Learning) e prototipagem, assim possuindo uma dimensão menor e restrita a uma abordagem de ensino de Ciências;
Como incremento de um Currículo de Ciências: neste caso, o currículo baseado no STEM incorpora Programação e conceitos da Engenharia e do Design, ainda possuindo uma dimensão menor e restrita a uma abordagem de ensino de Ciências;
Como Política Pública: visa criar um contingente de professores e profissionais STEM e direcionar os alunos para essas áreas. Pode estar vinculada ou não à escolha de um novo modelo educacional, ou seja, tratar-se-ia de uma política pública educacional com influência em outros domínios, como o currículo escolar, ou ser restrita apenas a ações de capacitação de professores STEM. Para Pugliese (2017), enquanto política pública, acaba englobando as outras duas representações: atua-se modificando o currículo e a metodologia para atingir determinados fins; e
Como Modelo Educacional do Ensino de Ciências: pode assumir o modelo Tradicional, de Redescoberta, Tecnicista, Construtivista, Sociocultural ou Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS), sendo que Modelos Educacionais são formulações de quadros interpretativos baseados em pressupostos teóricos utilizados para explicar ou exemplificar as ideias educacionais e servem de referência para se refletir sobre o fenômeno educativo em sua totalidade (PUGLIESE, 2017).
Entretanto, para Zeidler (2014) e Pugliese (2017), falta no modelo STEM a preocupação com as questões éticas e sociais da Ciência, bem como uma preocupação com a literalidade científica e a construção do conhecimento sobre a natureza da Ciência, faltando os aspectos socioculturais e socio científicos centrais para a formação de um senso de identidade científica que necessariamente implica a promulgação da responsabilidade moral.
O ENSINO DE GESTÃO DA QUALIDADE NA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO
Os autores Silva e Cecílio (2007) indicam a necessidade de aprender continuadamente para manter-se atualizado para o mercado de trabalho também exige dos professores e formadores a mesma postura de "rever conhecimentos, a pesquisar e a manter contatos com ambientes extraescolares, tendo em vista o ensino contextualizado" (SILVA e CECÍLIO, 2007, p. 76) e indicam a necessidade de aproximar a formação dos alunos de engenharia às necessidades da sociedade e estimular sua capacidade de desenvolver competências amplas que transpassam o ambiente de sala de aula.
Para Sigahi, Ferrarini e Borrás (2017), parece ser importante estreitar a relação universidade-empresa, para alimentar o processo de aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem desenvolvido pelos cursos de graduação no sentido de minimizar o deslocamento do que é ensinado com o que é demandado pelo mercado de trabalho.
De fato, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de Engenharia que estão regulamentadas pela Resolução CNE/CES n. 2, de 24 de abril de 2019 (BRASIL, 2019) e pela Resolução CNE/CES n. 1, de 26 de março de 2021 (BRASIL, 2021) dispõe-se no Art. 6o que nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) das Engenharias se faça:
“[...] estimular as atividades que articulem simultaneamente a teoria, a prática e o contexto de aplicação, necessárias para o desenvolvimento das competências, estabelecidas no perfil do egresso, incluindo as ações de extensão e a integração empresa-escola.
§ 3º Devem ser incentivados os trabalhos dos discentes, tanto individuais quanto em grupo, sob a efetiva orientação docente.
§ 4º Devem ser implementadas, desde o início do curso, as atividades que promovam a integração e a interdisciplinaridade, de modo coerente com o eixo de desenvolvimento curricular, para integrar as dimensões técnicas, científicas, econômicas, sociais, ambientais e éticas." (BRASIL, 2019, p. 3-4, grifo nosso).
Martins, Abreu e Simon (2018) descrevem uma escala de evolução do ensino superior, do atual (ESA) a um nível futuro no qual as características permitam que os alunos tenham maior autonomia no desenvolvimento de suas competências. Nesses momentos futuros de ensino estariam as práticas de, entre outras atividades, a busca pelo aluno de conteúdo tendo por base desafios tutoreados, a aproximação a empresas durante a formação do aluno com o desenvolvimento de desafios profissionais e a avaliação do aluno pela sociedade, mercado de trabalho e entidades regulatórias (MARTINS, ABREU e SIMON, 2018).
Também considerando o indicado pela Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) que indica que uma das competências fundamentais do engenheiro de produção é a de compreender os conceitos atrelados a área da Engenharia da Qualidade, sendo ela:
“Área da engenharia de produção responsável pelo planejamento, projeto e controle de sistemas de gestão da qualidade que considere o gerenciamento por processos, a abordagem factual para a tomada de decisão e a utilização de ferramentas da qualidade.” (Comissão de Graduação e referendado no GT de Graduação do Encep 08 e Enegep 08 - 16/10/08).
Em geral, há uma orientação por parte dos cursos de engenharia de produção em abordar todos os conceitos relacionados a Engenharia da Qualidade conforme as próprias diretrizes da ABEPRO. Esses conceitos relacionados à engenharia da qualidade podem ser organizados nas seguintes subáreas:
Gestão de Sistemas da Qualidade: “[...] conjunto de ações planejadas e executadas em todo o ciclo de produção (da concepção de um produto ao pós-venda), e que se estende à cadeia produtiva (fornecedores e clientes), com a finalidade de garantir a qualidade requerida e planejada para o produto, ao menor custo possível.” (TOLEDO et al., 2017);
Planejamento e Controle da Qualidade: o processo pelo qual se estabelece os objetivos de qualidade e seus respectivos meios para alcançá-los. Assim como, as definições do que deve ser controlado, quais os meios para mensurar e avaliar desempenho, com suas respectivas metas e ações contingenciais (JURAN, 1991);
Normalização, Auditoria e Certificação para a Qualidade: a adoção de abordagens apontadas por uma norma em processos para o desenvolvimento, implementação e melhoria da eficácia de um Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ), que são recorrentemente validadas e certificadas através de um órgão regulador ou até mesmo pelo cliente, com o objetivo de garantir a qualidade do produto (ABNT, 2015);
Organização Metrológica da Qualidade: para Toledo et al. (2017), este tópico consiste na compreensão do planejamento e execução de medidas metrológicas, para garantir a qualidade e replicabilidade dos processos produtivos. De forma a controlar a qualidade do produto, e assim atender requisitos e especificações do cliente, buscando sempre reduzir as variáveis nos métodos de medição e fabricação;
Confiabilidade de Processos e Produtos: todas as características de qualidade desde o projeto, seus processos envolvidos, o produto final e as próprias perspectivas do cliente, que juntas configuram a qualidade total de um produto e compõem o parâmetro de confiabilidade do mesmo (TOLEDO, 1994 apud TOLEDO et al., 2017).
Atrelado a esses conceitos, estão metodologias que procuram operacionalizar princípios de aprendizagem que possibilitem aos alunos fixarem todo esse conhecimento, habilitando-os a replicá-los futuramente em situações práticas. Estes princípios, estão diretamente ligados com os conceitos fundamentais de ensino e aprendizagem, com o intuito de consolidar todo o conhecimento no aluno. A seguir são apresentadas aplicações que buscam operacionalizar teorias aprendizagem no contexto do ensino da gestão da qualidade.
O método do uso de jogos é abordado por Fuzeto et al. (2017), destacando a possibilidade de os próprios alunos atuarem no desenvolvimento dos jogos de tabuleiro como parte do processo de aprendizagem. Essa abordagem demandou de uma abrangência maior do conteúdo ministrado ao longo da disciplina, que além dos tópicos de Gestão da Qualidade e suas respectivas ferramentas, contemplou também todo arcabouço teórico que está por trás da concepção e desenvolvimento de um jogo.
Uma adaptação do Problem-Based Learning (PBL) com a metodologia de jogos empresariais na disciplina de Ferramentas de Controle e Gestão da Qualidade foi apresentada por Martinez (2018) ao abordar o ensino da qualidade de acordo com a comunhão entre o método de aprendizagem e o acervo teórico relacionado.
A abordagem de Martinez (2018) foi estruturada em períodos de discussão dos grupos logo após a apresentação do conteúdo teórico, que ocorriam em um intervalo semanal seguindo o cronograma do Quadro 01. Cada grupo escolheu um produto, que seria simuladamente produzido em sala de aula, em que se exigiu a entrega de evidências do uso de ferramentas da qualidade que contemplava um dossiê completo das informações relevantes referentes à produção e utilização das ferramentas.
Os resultados, referentes à média geral da turma, foram relatados como satisfatórios em Martinez (2018). Já a perspectiva dos alunos sobre a metodologia, captada por um questionário, foi positiva para o aprendizado e para uma melhor compreensão da aplicabilidade dos conceitos na prática. Esses resultados de Martinez (2018) estão alinhados à abordagem de Feuerwerker (2002).
Uma abordagem muito semelhante à de Martinez (2018) é apresentada por Fabricio et al. (2018), mas com o foco de aprendizagem voltado para a filosofia Just-in-Time. Explorando conceitos de produtividade, que engloba Qualidade, mas sem um aprofundamento no tema Gestão da Qualidade de acordo com as diretrizes da ABEPRO (2021). O professor ainda assume o papel de responsável por ministrar a exposição teórica dos assuntos da disciplina, assim como o planejador de todo o método aplicado. A abordagem de Fabricio et al. (2018) proporciona uma participação mais ativa dos alunos, uma vez configurada a simulação de sistemas produtivos por parte dos próprios alunos, finalizada em um exercício de reflexão coletiva a respeitos das filosofias envolvidas no exercício.
Por fim, Santos et al. (2020) relatam uma abordagem familiar com o uso de jogos como método de aprendizagem. No caso, o jogo aplicado seguia o espectro dos jogos de Role Playing Game (RPG), com o intuito de aproveitar as características de alta flexibilidade e criatividade no processo de gamificação, utilizado para aplicar a metodologia de ensino ativa na disciplina de Gestão de Qualidade. Destacando o aluno como protagonista de seu próprio aprendizado e resultando em um desempenho satisfatório como projeto. A abordagem de Santos et al. (2020) é coerente com a proposta de Farias et al. (2015), que destaca a importância do cuidado personalizado que cada egresso necessita, e sintetiza os papéis do professor e estudante. O que leva a outro ponto importante que o trabalho apresenta, em que se buscou especificamente uma modalidade de RPG, nomeada como FIASCO, com o objetivo de trazer a mecânica em que o jogador é o próprio narrador de sua história. Uma vez que o docente não possui capacidade para narrar individualmente as histórias de uma turma de alunos inteira, ele pode assim assumir o papel de consultor e esclarecedor de dúvidas.
METODOLOGIA
A pesquisa desenvolvida é de caráter exploratório e caracterizou-se como uma pesquisa-ação, por se tratar de uma aplicação de dinâmica de processos de ensino e aprendizagem em um contexto de interação universidade-empresa.
A disciplina escolhida para aplicação dessa dinâmica ocorreu no 1º semestre de 2019 na disciplina de gestão da qualidade do 5º período do curso de engenharia de produção da Universidade Federal de São Carlos - campus Sorocaba. Já a parceira da universidade foi uma empresa sistemista de autopeças, também de Sorocaba.
Considerando o objetivo do trabalho, de investigar a interação universidade-empresa em processos de ensino e aprendizagem em um curso de Engenharia foram elaboradas duas proposições para nortear o desenvolvimento de ações conjuntas universidade-empresa. A primeira proposição trata do insucesso da parceria para aplicação educacional por motivos de ou falta de interesse do mercado, ou incompreensão quanto ao tempo de execução com um resultado fundamentalmente de formação e não de geração de ativo passível de exploração mercadológica para os envolvidos. Já a segunda proposição foi a de que os alunos se interessariam mais pelo conteúdo da disciplina se este fosse aplicado em casos reais durante o aprendizado teórico.
A pesquisa-ação foi conduzida de acordo com as recomendações de Gil (2002). Segundo este autor, este tipo de pesquisa consiste na concepção e realização de uma estreita associação de uma ação com a resolução de um problema, no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação estão envolvidos de maneira cooperativa e participativa. Observa-se que a essência do método da pesquisa-ação apresentado por Gil (2002) apresenta alinhamento consistente com a metodologia STAR de Prince e Felder (2006). Dessa forma, tomando as etapas da pesquisa-ação e adaptando-as para o escopo da pesquisa, desenvolveu-se as seguintes etapas de trabalho:
fase exploratória: nesta etapa definiu-se o interesse em realizar uma aproximação entre universidade e empresa, assim como definiu-se os responsáveis pela iniciativa;
formulação do problema: buscou-se entender a forma mais simples e concreta de inserir discentes inexperientes no ambiente complexo do mercado de trabalho identificando-se a oportunidade de proporcionar aos alunos, experiências práticas e reais do mercado de trabalho, no caso em específico deste trabalho, com ênfase na cadeia de fornecimento de autopeças;
construção de proposições: neste ponto, os responsáveis supõem que um projeto de extensão entre universidade e empresa, em que os discentes estariam envolvidos como partes executoras de um projeto, analisariam e solucionariam casos reais, além de serem apresentados à toda base teórica de Gestão da Qualidade, seria capaz de promover o aumento percentual de fixação e apropriação do conhecimento dos alunos;
realização do seminário: os responsáveis definem as diretrizes do projeto;
seleção da amostra: definiu-se a turma de alunos envolvidas no projeto e a equipe da empresa que estaria disposta a trazer os casos para análise, além da participação em palestras que apresentassem os desafios do cotidiano enfrentados no trabalho;
coleta de dados: monitoramento e coleta de todos os dados conforme as diretrizes do projeto, incluindo o desenvolvimento de questionários para cada grupo de participantes, buscando captar a perspectiva pós-projeto de cada parte envolvida;
análise e interpretação dos dados: avaliação dos alunos e envolvimento contínuo no desenvolvimento do projeto e estudo semanalmente, transformando toda a gama de dados coletada em informações relevantes para essa pesquisa;
elaboração do plano de ação: foram definidos os meios, os quais todo o planejamento seria executado, entre procedimentos, rotinas e formas de controle para garantir o sucesso da pesquisa;
divulgação dos resultados: resultados parciais foram divulgados para todos os membros envolvidos na medida que eram alcançados, para se obter envolvimento.
A avaliação do desempenho dos alunos foi realizada de maneira progressiva e consistiu em dez atividades avaliativas relacionadas a três tipos de atividades. O primeiro tipo envolveu aulas teórico-expositivas (Aula teórica I, Aula teórica II e Aula teórica III). O segundo tipo envolveu três cases (Case I, Case II e Case III) da própria empresa parceira sobre situações reais (Prévia do projeto, Parcial do projeto e Projeto final). Com exceção do projeto final, as demais nove atividades foram avaliadas simultaneamente pelo professor e pelo monitor da disciplina, sendo que aos desvios dos elementos esperados nos relatórios entregues foram explicitados na forma de feedback para os alunos. Já a avaliação da atividade Projeto Final foi executada a aplicação de um questionário na equipe da empresa parceira. O questionário apresentou três afirmações a respeito da percepção da qualidade dos projetos desenvolvidos pelos alunos, sendo elas: i) o projeto contribuiu positivamente para fomentar aprendizado e amadurecimento dos alunos; ii) os alunos atingiram os objetivos do projeto; e iii) os produtos obtidos pelo projeto foram satisfatórios. Os respondentes foram solicitados a apresentar o grau de concordância deles com essas afirmações que continham escala do tipo likert com opções discordo totalmente, discordo parcialmente, concordo parcialmente e concordo totalmente.
CASO DE INTERAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA NO ENSINO DE GESTÃO DA QUALIDADE
Buscando a aproximação dos alunos ao ambiente real de trabalho, bem como o maior relacionamento entre teoria e prática, buscou-se definir uma dinâmica em disciplina de gestão da qualidade de um curso de Engenharia de Produção de instituição pública de ensino e medir a contribuição dessa dinâmica no processo de aprendizado do ponto de vista dos discentes e da empresa participante.
A empresa participante foi uma transnacional de grande porte do setor metalmecânico de grande porte, que participou ativamente da dinâmica, seja no planejamento quanto na execução com o fornecimento de casos reais e possibilitando que alunos apresentassem o resultado do trabalho para a direção da empresa ao final do semestre letivo.
Inicialmente elaborou-se um plano de atividades que buscou, através da composição entre aulas expositivas e práticas, o acompanhamento constante do aluno e sua respectiva evolução com o aprendizado. Exigiu-se aos grupos de trabalho, a formulação de relatórios semanais cujo conteúdo deveria abordar questões específicas abordadas aos temas de cada aula, a evolução do projeto do trabalho final, o acompanhamento do cronograma, uma análise de cada membro do grupo que deveria ser realizada pelo seu respectivo líder, e por fim relatar o avanço entre as motivações de aproximação entre os integrantes de cada equipe. Sendo o monitor da disciplina responsável por realizar o acompanhamento de cada relatório e o direcionamento de cada grupo com relação ao projeto final, e o professor da disciplina responsável por monitorar todo processo.
Para a elaboração dos casos, a empresa forneceu todo o material e conteúdo, devidamente protegido pelos acordos legais entre as partes, que possuíam relação direta com os conteúdos abordados ao longo da disciplina. A sistemática adotada para a elaboração de cada caso, é exemplificada pela Figura 04 na qual se aborda o Case I que é o Caso da "Gaiola de Diferencial", em que se buscou casos reais da aplicação da metodologia 8D na investigação e solução dos problemas. Baseada na de trabalho que a empresa parceira possui como tratativa dos problemas em Qualidade, nove etapas sequências para exercerem um desdobramento eficiente sobre as ferramentas da Qualidade (5W2H, Diagrama de Processo, 3x5 Porquês, Ishikawa, FMEA, entre outras).
“O 8D é um método de análise e resolução de problemas que permite integrar ferramentas da qualidade em uma perspectiva de trabalho em equipe.” (Concepção principal do treinamento oferecido por parte da empresa parceira no projeto de extensão).
Dentre as demais metodologias para aplicação das ferramentas da Qualidade, o 8D foi escolhido não somente por fazer parte da filosofia da empresa parceira, mas também por instigar as habilidades investigativas e analíticas nos alunos de maneira mais ágil e sem necessitar de outras habilidades mais avançadas (Como por exemplo o Seis Sigma).
Outros dois casos foram elaborados considerando dados reais dos fornecedores da Sistemista: "Caso do ‘Cachimbo’" (Case II) - autopeça com manchas na superfície zincada e o "Caso da Engrenagem do Portador Planetário" (Case III). O primeiro abordou os processos de acabamento e tratamento superficial de uma autopeça de encaixe de eixo, que seguiu a mesma sistemática da Figura 04, mas com questões de reflexão e discussão direcionadas para o caso em específico. Já o segundo, apesar de ter seguido a mesma sistemática, foi feito durante a aula junto com o monitor da disciplina com o intuito de testar o conhecimento adquirido pelos alunos nos casos estudados anteriormente.
Um ponto importante, é que os casos práticos foram ajustados para promover uma experiência muito próxima da realidade que a empresa parceira proporciona aos funcionários de Qualidade Assegurada de Fornecedores (SQA - Supplier Quality Assurance). Sendo que dentro do grupo há um responsável pelo problema estudado, e deve-se investigar este problema através das ferramentas de gestão da qualidade. Uma vez identificada a causa raiz desse problema analisado, o grupo deve ser capaz de tomar ações que promovam a execução correta das ferramentas para que de fato o problema seja resolvido. Para melhor compreender a estrutura deste projeto, a Figura 05 ilustra todas as atividades planejadas e executadas.
Ao final deste fluxo, aplicou-se um questionário para os alunos e outro para o time de qualidade Sistemista de Autopeças, com o intuito de coletar informações qualitativas a respeito do projeto de extensão sob perspectivas diferentes: daqueles que elaboraram o trabalho realizado, e daqueles que receberam o trabalho.
Cada questionário possuía abordagens distintas, pois foi necessário evidenciar as perspectivas distintas relacionadas ao objetivo de analisar o projeto como um todo em relações às expectativas sobre o estudo. Sendo assim, o questionário direcionado aos alunos abordou os seguintes temas:
Estímulo ao aprendizado e engajamento profissional.
Estímulo à motivação ao aprendizado do conteúdo da disciplina.
Receptividade em relação ao método de ensino aplicado.
Capacidade de replicação do conteúdo.
Enquanto ao questionário aplicado aos membros da equipe de Qualidade da Sistemista de Autopeças, permitiu-se um espaço descritivo em relação aos benefícios observados que o projeto proporcionou para a empresa, além de evidenciar os temas:
Grau de preparação ao ambiente do mercado de trabalho que o projeto proporcionou aos alunos.
Nível de satisfação das entregas dos alunos.
Logo após o planejamento da disciplina elaborado em conjunto entre: Monitor da disciplina de Gestão de Qualidade, Docente da disciplina de Gestão de Qualidade, e o gerente do setor de Qualidade Assegurada de Fornecedores da Sistemista de Autopeças; elaborou-se o seguinte cronograma para a execução do projeto de extensão ao decorrer de um total de 10 semanas (Quadro 02).
Um ponto importante a se destacar, é que a elaboração do cronograma com alguns meses de antecedência em relação ao início das aulas, foi essencial para evitar conflitos de agenda entre as partes envolvidas empresa e universidade.
RESULTADOS
Realizou-se um acompanhamento do desempenho dos alunos ao longo da disciplina, monitorando as notas obtidas para cada atividade realizada. Conforme o Quadro 02, pode se observar que, a turma no geral, obteve um bom desempenho ao longo das atividades. Sendo importante ressaltar que o nível de complexidade e dificuldade das entregas também impactou diretamente o desempenho geral da turma. Como por exemplo: a primeira apresentação (09/05/2019), quando foram solicitadas muitas correções e melhorias nos trabalhos apresentados como forma de preparar os alunos para o nível de exigência que os membros avaliadores da empresa iriam cobrar na apresentação final.
Existem alguns pontos que chamam atenção no Quadro 02, como o desempenho nas atividades relacionadas à Palestra sobre Gestão da Qualidade, Case III e a Entrega parcial do projeto final. A queda de desempenho dos alunos na atividade de Apresentação Prévia do Projeto, justificou-se com um resultado preliminar do projeto insatisfatório (exigiu-se uma demonstração de esboço da ideia do produto e grande parte dos grupos não tinham definido qual seria essa ideia), uma vez que os grupos acabaram deixando para se dedicar ao projeto com maior afinco no final do curso. A segunda queda ocorreu devido ao fato de alguns grupos não terem entregado o relatório semanal por falta de organização e acabaram por terem sua nota zerada na atividade (Referente ao Case III). Esse resultado foi discutido com os alunos, que nesse processo de reflexão evidenciaram desconforto ao lado do sentimento de responsabilidade moral que assumiram ao fazerem uso da autonomia que lhes foi concedida. Logo após esse evento, os resultados mostraram uma recuperação coletiva, mesmo considerando-se a maior exigência na Parcial do projeto. E por fim na Entrega parcial do projeto final, determinou-se um nível de exigência bem alto (quanto ao conteúdo do trabalho, design, e aderência ao escopo inicial do projeto), que resultou em muitas correções e melhorias nos trabalhos apresentados como forma de preparar os alunos para o nível de exigência que os membros avaliadores da empresa iriam cobrar na apresentação final.
Ao final do projeto, foi possível analisar as respostas dos questionários em conjunto com o desempenho dos grupos de alunos, e obtivemos os dados mostrados no Quadro 03.
Enquanto o Quadro 04 mostra os dados obtidos referentes a percepção de qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos expressada pela equipe da empresa parceira.
Destacam-se duas observações realizadas por funcionários da Sistemista sobre os benefícios que a disciplina desenvolvida dessa forma trouxe para a empresa parceira:
“O projeto poderá disponibilizar acesso, com maior facilidade, as informações inerentes às ferramentas para gerir problemas de não-conformidade tanto ao fornecedor quanto ao time da Sistemista de Autopeças. Ele possibilitará um melhor entendimento entre as partes para uma melhor e rápida solução.” (Estagiário do setor de SQA da empresa parceira).
“Disseminação e padronização do conhecimento das ferramentas da qualidade na cadeia de fornecedores, além da centralização e acesso rápido às ferramentas.” (Eng.º Sênior do setor de SQA da empresa parceira).
Sendo assim, este trabalho obteve resultados positivos sob diversas perspectivas, além de promover um bom desempenho geral da turma da disciplina de Gestão de Qualidade. Os pontos mais críticos levantados após uma análise completa dos resultados, corroboram com os desafios de motivação e auto incentivo do aluno, para que eles fossem capazes de atingir os objetivos do projeto e trazerem resultados melhores na concepção do produto final. As médias dos grupos nas atividades evidenciam bem esse ponto, dada a queda de desempenho nas atividades as quais os pesos no método avaliativo eram maiores nos quesitos de proatividade a análise crítica dos participantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa realizou uma pesquisa-ação sobre o processo de ensino e aprendizagem da disciplina de gestão da qualidade do curso de engenharia de produção no contexto investigativo da interação universidade-empresa.
As entregas deste trabalho providenciaram a oportunidade de aproximar os alunos da prática cotidiana no setor de qualidade de uma empresa da indústria automotiva, evidenciando-se pelas observações dos profissionais dessa área, a eficácia da experiência quanto a esse fim. Pode-se afirmar que as expectativas do mercado geradas em relação ao domínio dos alunos sobre o assunto foram satisfatórias.
Os resultados permitem concluir que é possível estabelecer parcerias universidade-empresa que resultam em ações benéficas no âmbito do ensino de graduação em Engenharia ao longo do desenvolvimento das ações conjuntas.
Ainda sobre as proposições apresentadas na metodologia, tem-se que a empresa se mostrou disposta à referida parceria com foco na formação de egressos em Engenharia de Produção, sendo que aspectos relacionados a possíveis barreiras quanto ao tempo de execução e resultados esperados foram aspectos de incentivo ao processo, e não uma barreira. Complementarmente, os alunos se interessaram mais pelo conteúdo da disciplina mostrando autonomia e responsabilidade crescente enquanto corresponsáveis pela criação e construção de conhecimento ao longo da disciplina. A seguir são apresentadas outras contribuições alcançadas durante a pesquisa-ação para além das proposições apresentadas.
Outras contribuições alcançadas como síntese dos próprios resultados dessa pesquisa-ação durante o desenvolvimento da pesquisa-ação também foram identificadas e são apresentadas
A valorização do aluno como integrante ativo do processo de ensino-aprendizagem foi destacada. Isso foi alcançado ao se considerar o estudante como construtor de seu próprio conhecimento e do conhecimento coletivizado em sua turma de colegas de disciplina, especialmente em bacharelado de Engenharia e Engenharia de Produção, em que a interação entre teoria e prática tem ganhado destaque inclusive em função das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para as Engenharias (BRASIL, 2019; BRASIL, 2021). Essa contribuição também está alinhada com a proposta de Rusnakova e Bacharova (2001) em relação ao posicionamento destes de que as experiências dos alunos durante a aprendizagem contribuem para o exercício de suas futuras profissões.
O cenário desafiador apresentado pelos casos que exigiu interface entre a Engenharia de Produção e a Mecânica, promoveu um elevado interesse e comprometimento dos alunos na medida em que um cenário instigante de resolução de problemas baseado na prática foi instaurado. Os casos e o projeto final também contribuíram para criação desse cenário desafiador. O envolvimento dos profissionais de mercado ajudando o processo de aprendizagem com a entrega de dados, informações, contexto e problemas reais motivou os alunos na busca por soluções aos problemas propostos, gerando um círculo virtuoso e resultando na busca por mais conhecimento teórico sobre o tema da disciplina.
A realização de feedbacks constantes pelo monitor, docente e profissionais da empresa parceira sobre cada trabalho entregue apresentou-se como uma prática motivadora para a melhoria das entregas seguintes feitas pelos alunos. Esse processo de melhoria contínua dos métodos de estudo e análise dos casos, permitiu que considerações metodológicas e conceituais, bem como reflexões que não haviam sido consideradas em uma dada entrega de relatório parcial, pudessem ser aplicadas e consideradas na entrega posterior. Além disso, a autonomia e dedicação dos alunos na disciplina mostraram-se incentivadas com a permissão cedida a eles para se levantar questionamentos constantes sobre as propostas de projeto de cada grupo e de participar ativamente na resposta a questionamentos diversos, estimulando a reflexão sobre o próprio trabalho até então desenvolvido.
A empresa parceira considerou que o processo de aproximação e compartilhamento de expectativas antes do início das atividades em sala foi decisivo para o sucesso da parceria universidade-empresa. Por fim, foi possível vivenciar os desafios que envolvem a concepção de teorias de aprendizagem inovadoras no ensino superior. No entanto, dadas as limitações do próprio método da pesquisa-ação em relação à sua capacidade de generalização, pesquisas futuras podem ser realizadas no sentido de avaliar a abrangência dos achados nessa pesquisa para outras engenharias, além de outros cursos correlatos. Também se pode verificar e indicar políticas públicas que incentivem a interação universidade-empresa, de forma a buscar meios diversos para estimular o relacionamento entre teoria e prática ao longo de cursos de graduação numa realidade de professores que podem não possuir formação adequada para inserção nesse tipo de realidade. Ademais, pesquisas futuras também podem investigar o ensino online no ambiente de interação universidade-empresa sob a ótica de métodos de aprendizagem desenvolvidos com para o uso das tecnologias digitais.