INTRODUÇÃO
Um público mais diversificado demograficamente e socioeconomicamente passou a ingressar na educação superior brasileira nas últimas décadas. A literatura sociológica esteve atenta ao processo de expansão (PRATES; COLLARES, 2014), às políticas implementadas para ampliação do acesso (HERINGER, 2014; SENKEVICS; MELLO, 2019) e aos padrões da desigualdade de oportunidades no setor (RIBEIRO, 2011; MONT'ALVAO, 2011). No entanto, o ingresso na educação superior é apenas o primeiro passo, o maior desafio se encontra na permanência dos estudantes e na conclusão do curso.
Alguns estudos já assinalam para a existência de altas taxas de evasão no ensino superior brasileiro, e indicam que as gerações mais recentes vêm enfrentando mais dificuldades para se graduarem (RISTOFF, 2013; SILVA FILHO et al., 2007; LOBO, 2012). Desta forma, para além do acesso, analisar evasão e permanência dos estudantes é importante tanto do ponto de vista da política pública como também para o conhecimento científico dos sistemas educacionais.
Este artigo apresenta um estudo de caso de uma universidade e mostra como os processos educacionais decorridos no ambiente universtiário seguem dinâmicas que merecem maior atenção e destaque. Pretendemos contribuir academicamente apresentando formas de pensar, medir e avaliar a evasão de estudantes no contexto do ensino superior brasileiro. Institucionalmente isso é desejável no plano tanto do sistema de ensino superior público como para a instituição específica estudada, porque sistematizamos processos que, ao fim, refletem sobre a gestão da instituição e o uso mais eficiente de recursos.
Na literatura internacional três conjuntos de fatores são apontados como relevantes para entender a evasão e conclusão da educação superior. O primeiro diz respeito a dimensões educacionais como o desempenho dos alunos antes da entrada na educação superior, e variáveis relativas ao processo de escolha da instituição (HILL, 2008; BELASCO, 2013; HOXBY; AVERY, 2013; MEROLLA, 2017). O segundo conjunto, destaca fatores associados às características dos indivíduos - gênero, cor/raça, classe, renda, escolaridade dos pais - que estariam associados com o percurso e resultados dos indivíduos antes e após o ingresso no nível superior (BUCHMANN et al., 2008; BOWEN; CHINGOS; MCPHERSON, 2009; GOLDRICK-RAB, 2006). Finalmente, o terceiro conjunto de fatores, destaca a importância da experiência dos estudantes enquanto frequentavam o ensino superior, especialmente a integração acadêmica formal - geralmente mensurada pelo desempenho dos estudantes durante os estudos - e o engajamento social (TINTO,1975, 2012; BRAXTON et al., 2004; CHARLES et al., 2009).
Esses fatores podem ser analiticamente distinguidos, mas, do ponto de vista empírico, são tratados como complementares. Embasado na referida literatura, o presente artigo analisa se fatores - educacionais e de escolha de curso, origem social e demográfica dos estudantes e integração acadêmica formal - estão associados com a evasão de curso nos três primeiros anos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Empregou-se o conceito de evasão de curso, que é a saída definitiva do estudante do curso de origem (LOBO, 2012).
Tratamos o processo de evasão do estudante como um problema necessariamente temporal, ou seja, os fatores que levam à evasão se acumulam ao longo do tempo ou só aparecem em um determinado ponto da trajetória (TINTO, 1975, 2012). Na linguagem de desenhos de pesquisa isso significa dizer que metodologicamente os estudos, idealmente, devem ser longitudinais e não transversais. A dificuldade de implementação de desenhos de pesquisa longitudinais é que eles demandam o acompanhamento detalhado da entrada de coortes de estudantes em sistemas e instituições de ensino superior. Se fazer inquéritos populacionais já não é uma tarefa trivial em um ponto no tempo, fazê-lo para o mesmo conjunto de pessoas repetidas vezes adiciona novas camadas de complexidade. Surveys tradicionais têm uma preocupação central de manter a representatividade da amostra em relação à população (HENRY, 1990). Isso se desdobra em preocupações na construção da amostra - taxas de cobertura, taxas de resposta, seleção de unidades de observação - e do questionário - qualidade da aplicação, confiabilidade e validade das questões inseridas (BARNETT, 1991; GROVES, 2009). Nas pesquisas longitudinais a necessidade de obter respostas dos mesmos indivíduos ao longo do tempo faz com que os problemas de representatividade da amostra sejam recolocados a cada nova rodada da pesquisa que segue tendo o desafio de não ter viés com o desafio adicional de não perder respondentes (SINGER; WILLET, 2003).
Nesta pesquisa contornamos esse tipo de problema através do uso de registros administrativos que podem ser definidos como dados que derivam da operação de sistemas de informação tipicamente oriundos de agências públicas (ELIAS, 2014). Normalmente, esses dados são coletados com o propósito de registrar transações na oferta de serviços (WOOLLARD, 2014). Os registros administrativos do sistema de matrículas da UFRJ são a fonte de informação de nossa pesquisa. Como as informações são geradas a partir do setor da universidade que faz o acompanhamento da situação acadêmica dos alunos, o problema do acompanhamento temporal dos respondentes, típico de pesquisas longitudinais é contornado, pois os próprios atos administrativos do cotidiano dos alunos (fazer a matrícula, trancá-la, cancelá-la) são nossa fonte de informação. Adicionalmente, a representatividade dos nossos dados é garantida por utilizarmos informação censitária e não amostral, isso é, tratamos o universo de alunos matriculados na universidade que entraram no primeiro semestre de 2014.
Além das informações oriundas dos registros administrativos do sistema de matrículas da UFRJ, também utilizamos variáveis provenientes do questionário socioeconômico que é produzido e aplicado pela instituição no ato da pré-matrícula do estudante. Esse instrumento apresenta altas taxas de respostas, principalmente quanto as variáveis de origem social e demográfica dos estudantes, e uma diversidades de questões como aspectos socioeconômicos, culturais, escolares, e de escolha e expectativas sobre o curso que não são encontradas nas bases de dados públicas e nacionais.
Essa estrutura de dados nos permite explorar as dimensões temporais do processo de evasão. Crucialmente, identificamos quando os estudantes correm maior risco de desistir dos cursos. Para responder questões relativas ao tempo, os modelos longitudinais de análise de sobrevivência, são considerados mais adequados (SINGER; WILLET, 2003), e aplicados mais frequentemente, para estudar a evasão em pesquisas internacionais. Em geral, esses estudos buscam não só saber “quando” ocorre a evasão ou conclusão do ensino superior, mas também, procuram identificar quais são os fatores associados a esses resultados e quando eles atuam (AMERI et al., 2016; LASSIBILLE; GÓMEZ, 2008; GURY, 2011).
No Brasil, os estudos que trabalham com modelagens longitudinais incluindo o tempo em suas equações para estudar a evasão na educação superior ainda são escassos. Portanto, esta pesquisa contribui para os estudos sobre ensino superior no Brasil ao adotar um desenho pouco mobilizado e uma análise de dados adequada para incorporar a estrutura dos dados (ver seção de métodos). Produzimos assim, evidências sobre os ingressantes no primeiro semestre de 2014 da UFRJ, e os padrões de associação de um conjunto de fatores individuais de origem dos estudantes, aspectos educacionais e de escolha de curso, e integração acadêmica formal para o estudo da evasão de curso.
Este artigo está dividido em sete seções incluindo essa introdução. A segunda seção contextualiza a educação superior brasileira e também a Universidade Federal do Rio de Janeiro. A terceira, traz uma breve revisão de literatura internacional e nacional. Na quarta parte do artigo descrevemos os dados, e na quinta o método utilizado na pesquisa. A sexta seção traz os resultados e discussões, e na sétima e última as considerações finais.
A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA E A UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Nas últimas décadas a educação superior brasileira passou por uma expansão sob vários aspectos, como: crescimento do número de instituições, aumento de vagas e de matrículas, entre outros (SANTOS et al., 2020). Durante os anos de 2003 até 2015, a expansão desse nível de ensino esteve relacionada à democratização do campus brasileiro. Nesse período, um conjunto de políticas e programas foram implementados, visando a inclusão de setores historicamente excluídos do ensino superior (RISTOFF, 2014).
Iniciativas como: o ProUni e o Fies ambos destinados à expansão do acesso ao ensino superior privado; o Enem/Sisu; o Reuni ; a adoção de políticas de ação afirmativa; a implementação da Lei n.º 12.711/12 nas Instituições federais de educação superior (Ifes) são tipicamente citadas como relevantes nesse contexto (SENKEVICS, 2021; ALMEIDA, 2015). Dentre essas medidas, daremos destaque ao Enem/Sisu, pois essa iniciativa modificou o acesso às Ifes e alterou a dinâmica do processo de escolha de curso, fator importante para pensar a desistência dos cursos e entender as trajetórias dos alunos depois de matriculados, como já assinalam alguns estudos (MEROLLA, 2017; ELLER; DIPRETE, 2018; NOGUEIRA et al., 2017).
O Enem foi criado em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para avaliar o desempenho dos alunos concluintes ou egressos do ensino médio. Além disso, seus resultados começaram a servir como forma de acesso à educação superior. Em 2009, o Ministério da Educação (MEC) propôs às Ifes que utilizassem o Enem como prova para seleção dos candidatos em vez de seus vestibulares próprios. Para isso, o MEC, por intermédio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), realizou uma reestruturação metodológica do exame para que ele passasse a cumprir seu novo fim (LUZ; VELOSO, 2014).
Junto a essas reformulações no Enem, foi estabelecido, em 2010, o Sistema de Seleção Unificada - Sisu. Instituído e regulamentado pela Portaria Normativa n.º 2, de 26 de janeiro de 2010, o Sisu é um sistema informatizado gerenciado pelo MEC para seleção de candidatos a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições públicas da educação superior dele participantes.
O referido sistema é estruturado em etapas sucessivas, as quais se constituem nas seguintes fases: I- oferta de vagas no Sisu pelas instituições participantes, disponibilizadas para inscrição dos candidatos; II- inscrição no Sisu dos candidatos que tenham participado do Enem a partir da edição referente ao ano anterior; III- seleção e classificação dos candidatos com base no desempenho no Enem, observados os pesos e as notas mínimas eventualmente estabelecidos pela instituição; IV- lançamento das vagas ocupadas no Sisu (BRASIL, 2010).
O Sisu pode ser descrito como um mecanismo de matching, ou seja, um jogo de ajustamentos entre as vagas ofertadas pelas instituições e os indivíduos que concorrem a elas (ABREU; CARVALHO, 2014). No período de inscrição, o estudante, em um intervalo de cinco dias, pode, a qualquer momento, acessar a plataforma do Sisu e escolher, por ordem de preferência, até duas opções de curso dentre os ofertados pelas instituições participantes do processo. A partir do segundo dia, o sistema utiliza as opções de cada estudante, “computando o matching” que lhes seria ofertado na etapa seguinte. Após algumas horas, o estudante, ao acessar a plataforma do sistema, recebe informações do “matching computado” (ABREU; CARVALHO, 2014).
Essas simulações possibilitam que o estudante saiba se seria selecionado em primeira chamada para se matricular na primeira ou na segunda opção de curso, ou se não seria selecionado. Nesse processo, ele pode observar, para cada uma das opções de curso, sua nota no Enem, a nota do último classificado e, ainda, sua posição no ranking (ABREU; CARVALHO, 2014). Esses ajustamentos acontecem quatro vezes: se o período de inscrição se iniciou em uma segunda-feira, o estudante receberá sinalizações das escolhas dos outros concorrentes diariamente de terça-feira até sexta-feira, último dia da inscrição (ABREU; CARVALHO, 2014).
Assim que o estudante anuncia a vaga a que vai efetivamente concorrer, o sistema, no último dia, computa um matching fundamentado na última lista de cursos anunciados pelo estudante e, com base nesse ajustamento, realiza ofertas de vagas. Se o candidato possuir nota para ser classificado em suas duas opções de curso, será selecionado apenas para a primeira, pois cada candidato concorre apenas à sua primeira opção de curso, passando a concorrer à segunda apenas se não conseguir vaga na primeira (BRASIL, 2010). Além disso, ao ser classificado e receber oferta de vaga, o estudante pode escolher aceitá-la ou rejeitá-la.
É importante apontar para a mudança na dinâmica de escolha de curso no processo seletivo provocada pelo Sisu, na medida em que, no vestibular tradicional o indivíduo se candidatava a um curso e depois realiza a prova na qual só era aprovado se alcançava o desempenho suficiente para passar (NOGUEIRA, et al. 2017). Já no Sisu, o indivíduo primeiro faz o Enem para obter uma nota e depois se candidata a dois cursos, como primeira e segunda opção (NOGUEIRA, et al. 2017).
Entendemos que é fundamental considerar a forma de acesso ao ensino superior para pensar a evasão dos estudantes dos cursos de graduação. Como aponta a literatura internacional (MEROLLA, 2017; ELLER; DIPRETE, 2018), os fatores pré-entrada no ensino superior são fundamentais para entender as trajetórias dos alunos depois de matriculados. Qual era seu desempenho pregresso? Como a instituição é escolhida, por conveniência, baixo custo, expectativa de altos retornos financeiros (AINA, 2011; HOXBY; AVERY, 2013)? Adiante, iremos operacionalizar algumas dessas dimensões e escrutina-las empiricamente para entender sua importância no processo de evasão da UFRJ.
Como as universidades federais dispõe de autonomia para optar pelo formato de seus processos seletivos, destacamos o contexto de mudanças no acesso à Universidade Federal do Rio de Janeiro. Até 2008, para entrar em 2009, a UFRJ ainda selecionava seus alunos por meio do tradicional vestibular. Esse exame se constituía em testes discursivos realizados em dois dias. As novidades do concurso de acesso aos cursos de graduação começaram a surgir no processo seletivo ocorrido em 2009 para ingresso em 2010. Naquele ano, a seleção passou a ser realizada em duas etapas: na primeira, exclusivamente eliminatória, a UFRJ adotou o Enem; na segunda etapa, a UFRJ deu continuidade à adoção do vestibular próprio.
Em 2011 a UFRJ estabeleceu políticas de reserva de vagas para alunos egressos da rede pública, a partir de um processo seletivo que combinou o resultado do Enem com o vestibular da instituição. No ano de 2012, a UFRJ determinou o término do vestibular e o acesso exclusivo aos cursos de graduação por meio do Enem / Sisu. Além disso, naquele ano, a instituição elevou para 30% o percentual de vagas reservadas para alunos de escolas públicas e a inclusão da renda familiar como segundo critério para disputar essas vagas. Porém, com a aprovação da Lei de Cotas nº 12.711, em 29 de agosto de 2012, todas as Ifes deveriam implantar imediatamente em 2013 a Lei, que previa a reserva de vagas de pelo menos 25% das vagas, com prazo de quatro anos para o cumprimento integral dessa lei, ou seja, 50% das vagas por curso e turno, reservadas para alunos que concluíram o ensino médio em escolas públicas (BRASIL, 2012).
A partir de 2014, a UFRJ já passou a reservar 50% das vagas de cada curso para as modalidades de ação afirmativa e os outros 50% para ampla concorrência. Assim, destacamos que a coorte de estudantes analisada neste artigo, ingressou apenas pelo Enem/Sisu e aproximadamente metade dos estudantes, dessa coorte, entrou por alguma categoria de cota, devido a sanção da Lei n° 12.711/12.
REVISÃO DE LITERATURA
Fatores associados à evasão na educação superior: o que a literatura internacional nos diz.
Existem diversos fatores associados à evasão na educação superior. Destacamos três linhas com forte presença na literatura: fatores educacionais e de escolha da instituição de educação superior; fatores associados às origens sociodemográficas dos estudantes; experiências dos estudantes dentro das configurações das Instituições de Educação Superior (IES).
A primeira linha analítica propõe que investigar as trajetórias educacionais dos estudantes e o processo de escolha, antes do ingresso na educação superior, auxilia na compreensão dos resultados educacionais futuros, tais como evasão e conclusão. Segundo Eller e DiPrete (2018) a distribuição de características dos ingressantes não é homogênea em uma série de fatores estruturantes da experiência educacional no ensino superior. Por exemplo, o desempenho educacional prévio dos estudantes é altamente associado com a conclusão do ensino superior (MEROLLA, 2017). As pesquisas destacam que estudantes de minorias experimentam, comparativamente, menor preparação acadêmica para o ensino superior, devido a qualidade no ensino básico e a falta de orientação, por parte da escola, comunidade e familiares, durante o processo de inscrição para a faculdade (BELASCO, 2013; HILL, 2008). A inexperiência dos estudantes menos favorecidos com os processos seletivos, e as expectativas não atendidas em relação à viabilidade de opções de faculdades, são fatores associados a maiores taxas de evasão (DEIL-AMEN; DELUCA, 2010; JENNINGS et al., 2015; PERNA, 2006).
Ademais, o processo seletivo das universidades pode influenciar nas escolhas, dado que o estudante tende a se autosselecionar. Em outras palavras, o estudante escolhe se inscrever em instituições que exijam pontuação nos exames de admissão compatíveis com o seu desempenho (MANSKI; WISE, 1983). Traduzindo para o caso brasileiro e da UFRJ, os estudantes, dependendo de suas notas no Enem, se candidatam ou não para determinadas instituições e cursos, através do Sisu. Suas escolhas podem influenciar os resultados futuros, de evadir ou completar a graduação, uma vez que não representam a primeira opção de curso ou a instituição desejada. Esse mecanismo de autosseleção pode indicar que o comportamento do aluno privilegia a realização da transição para o ensino superior independente do curso, uma vez que esse é escolhido a partir do que é possível de acordo com o desempenho acadêmico, o que nem sempre coincide com o desejado. Até onde pudemos identificar essa é uma via explicativa pouco acionada no contexto da pesquisa brasileira sobre evasão e conclusão do ensino superior. Adiante, iremos explorá-la como uma possível fonte para abordar os padrões empiricamente verificados da evasão de curso na UFRJ.
A segunda linha de estudos analisa de que maneira marcadores da origem social e demográfica dos estudantes, como gênero, cor/raça, classe ou posição socioeconômica da família estão associados aos resultados de evadir ou concluir o nível superior de ensino.
Quanto ao gênero, uma tendência percebida é a presença de hiato na conclusão do ensino superior que favorece as mulheres quando comparadas aos homens (BUCHMANN; DIPRETE; MCDANIEL, 2008). Atualmente, em muitos países, inclusive no Brasil, maiores proporções de mulheres do que homens concluem o ensino terciário (BUCHMANN; DIPRETE; MCDANIEL, 2008; MENDES et al., 2020). Entre os 30 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a vantagem predominante do sexo masculino na conclusão da faculdade desapareceu em todos, exceto em quatro países - Suíça, Turquia, Japão e Coréia (BUCHMANN; DIPRETE; MCDANIEL, 2008). Apesar das mulheres superarem os homens, em geral, pela sua representação numérica e também pela persistência no ensino superior, elas ainda se concentram em instituições de menor prestígio ou em áreas do conhecimento menos rentáveis (GERBER; CHEUNG, 2008).
Outro fator importante da origem dos estudantes, e que pode influenciar as desigualdades de resultados educacionais, é a cor/raça. As pesquisas internacionais apontam que a conclusão do bacharelado é estratificada racialmente, na medida em que brancos concluem com mais frequência a graduação do que estudantes negros (BOWEN; CHINGOS; MCPHERSON, 2009; ROKSA et al., 2007). Nesse sentido, Snyder et al. (2016) indicam que, nos EUA, 63% dos estudantes brancos concluem o bacharelado dentro de seis anos da entrada inicial na faculdade, enquanto o percentual de conclusão para negros é de 41%. Eller e DiPrete (2018) indicam que a discrepância em recursos acadêmicos e socioeconômicos na entrada da faculdade entre brancos e negros é um importante fator associado na explicação da lacuna racial nas taxas de conclusão do ensino superior nos EUA. Uma vez que ingressam na faculdade, estudantes brancos apresentam mais facilidade do que os negros em se integrarem socialmente e academicamente nas instituições. Isto acontece porque as vantagens de recursos acadêmicos e socioeconômicos são estruturadas racialmente, a favor dos brancos, o que a torna um fator explicativo importante para entender a desigualdade racial na conclusão do ensino superior (ELLER; DIPRETE, 2018).
Evidências também apontam que a posição socioeconômica da família (PSE), mensurado pela renda familiar e/ou pela escolaridade dos pais, está associada aos resultados de evasão dos estudantes na educação superior (GOLDRICK-RAB, 2006; ZARIFA et al., 2018). No caso das universidades públicas dos Estados Unidos, as pesquisas mostram que a relação entre educação parental e taxas de graduação permanece mesmo após controlar por outras características dos alunos (BOWEN; CHINGOS; MCPHERSON, 2009). Os estudantes pertencentes a famílias com baixo nível socioeconômico possuem probabilidades consistentemente maiores de evadir do que seus colegas oriundos de famílias privilegiadas (BOWEN; CHINGOS; MCPHERSON, 2009). Nas universidades europeias, estudantes de graduação com pais com a escolaridade menor do que o ensino superior, possuem maiores probabilidades de evadir (AINA, 2013; CONTINI et al., 2018). No Reino Unido a ocupação dos pais é estatisticamente significativa para explicar conclusão e evasão (JOHNES; MCNABB, 2004). No geral, os estudos fornecem evidências de que a categoria em maior risco de evasão é composta por estudantes com pais em posições socioeconômicas desprivilegiadas, ou seja, ter pais com menor escolaridade e menor renda aumenta a taxa de risco de abandono (AHLBURG et al., 2002).
Finalmente, os estudos focados nas experiências dos estudantes apontam que processos de integração entre indivíduo e instituição são fatores que estão associados à evasão e conclusão da educação superior. No campo da Sociologia, existem alguns modelos teóricos que buscam explicar a evasão na educação superior. A maioria dos modelos sociologicamente orientados compartilha da visão expressa por Spady (1970, 1971), que foi um dos primeiros modelos teóricos nessa literatura que propõem que a integração social desempenha um papel fundamental na interação com a satisfação e o compromisso institucional e, portanto, afeta a decisão de evadir. Entre os modelos que compartilham da visão de Spady, os mais extensivamente examinados e testados empiricamente são os de Tinto (1975, 1993) e Pascarella (1980), ambos desenvolvidos nos Estados Unidos (AINA, 2013).
Tinto (1975, 1993) refina e modifica o modelo colocado por Spady (1970, 1971) e argumenta que o processo de evasão pode ser visto como um processo temporalmente estruturado de interações entre o indivíduo e o sistema acadêmico e social da universidade, durante o qual as experiências do estudante se modificam continuamente levando a adatpações de seus objetivos e compromissos institucionais, de maneira que levam à persistência ou a formas variadas de evasão. O modelo de Tinto enfatiza as interações baseadas no processo entre os atributos individuais do aluno e as estruturas institucionais dentro da universidade, e o mecanismo que estruturaria a permanência seria a integração à comunidade escolar (TINTO, 1975; 2012)..
Pascarella (1980) também se concentra na integração do estudante com o ambiente universitário. Para esse autor, as interações dos estudantes com a instituição desempenham um papel fundamental na formação de experiências acadêmicas. No entanto, nem todas as interações são igualmente valiosas: interações informais com o corpo docente contribuem mais para comprometer os alunos com a instituição em que estão matriculados, levando-os a concluir seu curso. A qualidade de tais interações depende, por um lado, das características individuais e familiares (personalidade, capacidade, aspirações, família e ambiente doméstico etc.) e, por outro lado, das características do corpo docente e da instituição (tamanho, cultura, organização etc.). A intersecção entre os alunos e as características institucionais molda as decisões e realizações dos estudantes.
Seguindo nessa linha de estudos, Charles et al. (2009) se concentram nas diferentes experiências entre estudantes brancos, negros, hispânicos e asiáticos. Neste trabalho os autores argumentam que dois processos paralelos podem explicar a persistência estudantil: um processo predominantemente social pela qual os estudantes obtêm satisfação e tornam-se ligados à instituição, e um processo principalmente acadêmico de realização em que os alunos ganham boas notas e acumulam continuamente créditos na graduação. Os autores concluem que o engajamento social é mais preditivo do que conquistas acadêmicas nas decisões de não abandonar o ensino superior.
Braxton et al. (2004) apontam que as realizações acadêmicas são importantes para persistência na faculdade. Ao contrário de Charles et al. (2009), estes autores argumentam que o engajamento social não é tão central para a persistência dos estudantes. Isto se deve às múltiplas prioridades concorrentes que normalmente moldam a vida dos estudantes que frequentam instituições que não são grandes universidades de pesquisa. Portanto, os autores sugerem que a qualidade e o tipo da instituição interagem com o histórico dos alunos para determinar quais experiências de nível universitário - acadêmicas ou sociais - são mais importantes para os resultados de conclusão da graduação.
Revisão de literatura nacional: evasão na educação superior brasileira.
A evasão na educação superior brasileira não é um problema novo, porém, até o início da primeira década do século XXI não havia uma produção muito numerosa sobre essa temática no Brasil (BAGGI; LOPES, 2011). Nos últimos anos as pesquisas sobre o tema começaram a aparecer com mais frequência, provavelmente, por conta dos processos de mudanças no nível superior, tais como a expansão de instituições e matrículas e a implementação de políticas e programas para democratizar o acesso (MACIEL et al., 2019, SANTOS JUNIOR; REAL, 2017). Além disso, é possível observar que existem divergências conceituais e metodológicas na literatura nacional e que há lacunas não preenchidas nessa problemática (VITELLI; FRITSCH, 2016). A seguir, apresentamos de maneira não exaustiva alguns trabalhos com o objetivo de contextualizar nosso problema de pesquisa e sustentar que as contribuições do presente estudo são significativas para o estado de conhecimento sobre evasão na pesquisa nacional, sobretudo devido ao nosso desenho de pesquisa longitudinal, a modelagem estatística e os fatores analíticos apresentados acima.
A maioria dos estudos brasileiros seguem uma direção descritiva, transversal e exploratória do fenômeno, sem a mobilização de técnicas de estatística multivariada. A nível nacional, sabe-se que a taxa média anual de evasão de cursos presenciais, no período compreendido de 2000 até o ano de 2005 foi de aproximadamente 22% (SILVA FILHO et al., 2007). Existe um diferencial importante entre IES privadas (26%) e públicas (12%). Entre as regiões do Brasil, a região Norte é a que apresentou menor taxa de evasão anual no período de 2000 até 2005 (SILVA FILHO et al., 2007).
Apesar de menos recorrente, existem estudos de caso que analisam a evasão em instituições privadas. As evidências mostram que os estudantes que foram beneficiados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) possuem menos chances de evadir comparado com quem não foi beneficiado (FELICETTI; FOSSATTI, 2014). Além disso, a reprovação, o aumento nas mensalidades, a pendência nos pagamentos, e o aumento na idade relativa aumentam as chances de evasão (SILVA, 2013).
Na área de Ciência, Matemática e Computação e de Engenharia, Produção e Construção, a nível nacional, para e geração de ingressantes no ensino superior em 2009, a evasão de curso é maior nas instituições privadas do que nas públicas (SACCARO et al., 2019). Também, ser homem e ter mais idade diminui o tempo de vida do indivíduo no ensino superior, enquanto alunos contemplados com apoio financeiro apresentam uma maior permanência nos cursos (SACCARO et al., 2019).
Para o curso de administração, em uma universidade federal específica, o desempenho do aluno, o número de semestres do curso, o gênero, além da existência de reprovação e trancamento, são fatores que explicam tanto o tempo de permanência quanto o risco de evasão (COSTA et al., 2018). No entanto, as variáveis relativas à idade no ingresso, estado civil, cor/raça e a natureza da escola ne educação básica (pública ou privada) não demonstram influência no tempo de conclusão ou evasão (COSTA et al., 2018).
No caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um estudo para coortes de ingressantes em 2012 e 2013 mostrou que não há diferença substantiva na evasão entre negros e brancos, ou seja, brancos evadem tanto quanto negros (COSTA; PICANÇO, 2020). Além disso, quem tende a evadir mais são os homens, assim como ingressantes com cônjuge, com filhos, que trabalhavam no momento do ingresso, que eram do turno noturno e que tinham baixos índices socioeconômico e baixo capital cultural (COSTA; PICANÇO, 2020).
O presente artigo se diferencia desses trabalhos, na medida em que estuda uma coorte de ingressante na UFRJ mais recente, 2014, de forma longitudinal para acompanhar os estudantes ao longo da trajetória na graduação. Além disso, esta pesquisa aplica um modelo multivariado que considera o tempo em sua equação, estratégia que foi pouco mobilizada pelas pesquisas sobre evasão no Brasil para verificar o risco de evasão dos estudantes (COSTA et al., 2018; SACCARO et al., 2019; SILVA, 2013). Também, avançamos em analisar os efeitos de variáveis de escolha de curso, desempenho na entrada na UFRJ, que é a nota no Enem, além do desempenho ao longo da trajetória dos estudantes no curso, que é o Coeficientes de Rendimento acumulado por semestre. Até onde pudemos identificar, esses recursos foram pouco mobilizados na literatura brasileira sobre o tema, apesar de serem adequados, recomendados e altamente acionados em contextos de pesquisa semelhante nos debates sobre evasão em outros países.
Deste modo, as principais questões que esse artigo se propõe a investigar são: dado que a literatura internacional sobre a evasão destaca a importância de explorar as dimensões temporais do processo de evasão, queremos saber quando os alunos correm maior risco de evadir do curso. Tendo em vista os estudos que destacam que as realizações educacionais são amplamente determinadas pelas origens sociais das pessoas, perguntamos se os fatores de origem dos estudantes estão associados à evasão de curso na UFRJ. Levando em conta o atual processo seletivo adotado pela instituição (Enem/Sisu) e que a escolha do curso pode influenciar os resultados futuros, investigamos se fatores educacionais, como o desempenho no Enem, e de escolha de curso estão associados à evasão de curso e como seu efeito varia ao longo da trajetória dos estudantes na graduação. Pesquisas mostram que estudantes mais integrados academicamente, com bons desempenhos, possuem menores probabilidades de evadir, portanto, examinamos se a integração acadêmica formal está associada à evasão de curso na UFRJ, e como seu efeito varia ao longo da trajetória dos estudantes na graduação.
DADOS
A base de dados utilizada nesse estudo foi construída a partir dos microdados da coorte de ingressantes no primeiro semestre do ano de 2014 na UFRJ, fornecidos pela Divisão de Registro de Estudante (DRE-PR1) através de uma solicitação formal e um termo de comprometimento ético. A maioria das informações são coletadas através de um questionário socioeconômico produzido e aplicado pela instituição no ato da pré-matrícula, portanto, esses dados podem ser classificados como secundários, uma vez que não fomos nós que os criamos.O referido questionário é composto por 46 questões que abordam, entre outras informações, aspectos socioeconômicos, culturais, escolares, de composição familiar e de escolha e expectativas sobre o curso e sobre a instituição. Os estudantes são seguidos pelo número de matrícula desidentificado ao longo de sua trajetória dentro do curso. Salientamos que por conta da “máscara” nos dados não é possível identificar os alunos.1 O vínculo do estudante com a universidade em cada semestre pode ser classificado como: matrícula ativa, trancada, cancelada, cancelada por conclusão, rematrícula, aluno em intercâmbio e aluno em mobilidade acadêmica. A população desse estudo é composta pelos ingressantes no primeiro semestre de 2014. No total 4982 estudantes constam na base de dados. Porém, optamos por analisar apenas os cursos na modalidade presencial e do campus da cidade do Rio de Janeiro. Além disso, foi necessário excluir cursos de ciclo básico, para evitar a produção de viés na análise, pois possuem duração de no máximo 2 anos. Portanto, após retirar essas observações (496 casos), chegamos a um total de 4486 estudantes acompanhados ao longo de três anos.
A variável dependente utilizada nessa análise é a evasão do curso (persistiu ou evadiu). Operacionalizamos o conceito de evasão como o aluno que deixa o curso de origem por qualquer razão (LOBO, 2012). Essa variável foi construída através da combinação da variável de tempo que o indivíduo permaneceu no curso e a situação de matrícula em cada semestre. Consideramos evadidos apenas estudantes que tiveram suas matrículas no curso canceladas, exceto o cancelamento por conclusão de curso. Optamos por realizar o recorte de tempo até o 6° semestre, ou seja, os primeiros três anos das trajetórias dos estudantes, para agregar todos os cursos, independentemente de seu tempo de duração. Esse recorte se justifica por questões empíricas, para atender os pressupostos da modelagem estatística, mas, também é justificado pela literatura, dado que estudos internacionais e nacionais (SACCARO et al., 2019; SILVA, 2013; AMERI et al., 2016; LASSIBILLE; GÓMEZ, 2008; GURY, 2011) evidenciam que o risco de evasão nos primeiros anos do estudante é maior. Isso significa que os nossos dados são “censurados à direita”, ou seja, não sabemos se a partir do período que não observamos os mesmos fatores estruturam a evasão ou não. Todas as interpretações devem levar esses pressupostos em conta. Portanto, esse estudo analisa a evasão de curso de forma agregada para a coorte de 2014.1 da UFRJ.
Variáveis independentes. Diversos estudos destacam que fatores associados às características dos indivíduos - sexo, cor/raça, escolaridade dos pais - estão associados ao percurso e aos resultados dos indivíduos após o ingresso no nível superior (BUCHMANN et al., 2008; BOWEN; CHINGOS; MCPHERSON, 2009; GOLDRICK-RAB, 2006; ELLER; DIPRETE, 2018; AINA, 2013; etc.). Portanto, como variáveis de origem sociodemográfica dos estudantes utilizamos a cor/raça (brancos=0; pretos e pardos=1), o sexo (feminino=0; masculino=1), e posição socioeconômica da família (PSE), mensurado pela máxima escolaridade do pai ou da mãe dos estudantes (menos que o ensino superior=0; ensino superior=1). Levando em conta o atual processo seletivo adotado pela UFRJ (Enem/Sisu), e que o processo de escolhas no acesso ao ensino superior pode influenciar os resultados futuros (LARSEN et al., 2013; ZWICK, 2009; PERNA, 2006; MEROLLA, 2017), utilizamos como variáveis que representam os fatores educacionais e de escolha de curso a informação “se foi a primeira opção de curso” (sim=0; não=1) e “se a nota de corte determinou a escolha do curso” (não=0; sim=1), bem como, a nota no Enem dividida em cinco níveis de desempenho separados a partir dos quintis. Pesquisas mostram que estudantes mais integrados academicamente, com bons desempenhos, possuem menores probabilidades de evadir (TINTO, 2012; BRAXTON et al., 2004; BENNETT, 2009; SUHRE et al. 2007; ARAQUE et al. 2009; BELLOC et al. 2010). Portanto, como proxy de integração acadêmica formal do estudante no curso, utilizamos o Coeficiente de Rendimento acumulado (CRa) por semestre dividido em cinco níveis separados a partir dos quintis. O CRa é o aproveitamento global de um aluno, mensurado pela média ponderada das notas finais obtidas em cada disciplina tendo como peso o número de créditos (horas-aula) que a disciplina confere. Ter um CR bom implica conseguir bolsas, estágios, oportunidades na instituição, o que pode influenciar as experiências dos estudantes após entrar na universidade. Uma variável de curso, que contempla uma combinação de 45 cursos da UFRJ , foi adicionada no modelo como controle para heterogeneidade.
Outras variáveis independentes, oriundas do questionário socioeconômico, foram testadas nas análises estatísticas descritivas e multivariadas como: idade, tipo de escola frequentada no ensino médio, se tinha filhos, se trabalhava no momento de ingresso e se precisou mudar de cidade para estudar. Essas variáveis não foram estatísticamente significativas em nenhuma de nossas análises, e a inclusão dessas no modelo diminuiria nossa população por conta de dados faltantes.
Na Tabela 1, apresentamos estatísticas descritivas da coorte analisada. Quanto ao perfil geral dos estudantes, para as características individuais cor/raça, sexo e PSE da família, essa coorte está distribuída em aproximadamente 50% para cada categoria das referidas variáveis. Já para os fatores de escolha de curso, ou seja, os estudantes que disseram que não foi a primeira opção de curso e que a nota de corte “sim” afetou a escolha do curso, ficou em aproximadamente 25%.
Quanto as taxas de evasão e persistência dos estudantes, para as variáveis da PSE da família e sexo, o teste estatístico mostrou que há uma pequena diferença de 4 pontos percentuais entre as categorias de cada variável (masculino x feminino, Pvalor = 0.003; ensino superior x<que o ensino superior, Pvalor = 0.002). Para variável cor/raça não foi observado diferença entre as categorias brancos x pretos e pardos (Pvalor = 0.564). Para as variáveis de escolha de curso, o teste estatístico indicou uma diferença de 18 pontos percentuais entre as categorias “não x sim”(Pvalor = 0.000). Também, para as variáveis da nota no Enem e do CRa, percebemos diferenças entre os percentuais das categorias (Pvalor = 0.000) . Aqui temos um indicativo inicial que há maior variação na evasão entre as variáveis que chamamos de “educacionais e de escolha de curso” do que entre as variáveis de origem social e demográficas. Na sessão de resultados iremos avaliar se esta conclusão se sustenta a partir de um exercício multivariado.
Perfil geral | Evadiu até o 6° semestre | Persistiu | Totais linhas | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
PSE da família | Ensino Superior | 2,237 | 51.51 | 658 | 30.60 | 1,492 | 69.40 | 2,150 | 100% |
< Ensino Superior | 2,106 | 48.49 | 709 | 35.31 | 1,299 | 64.69 | 2,008 | 100% | |
Cor/raça | Brancos | 2,241 | 53.38 | 711 | 33.04 | 1,441 | 66.96 | 2,152 | 100% |
Pretos e Pardos | 1,957 | 46.62 | 605 | 32.46 | 1,259 | 67.54 | 1,864 | 100% | |
Sexo | Masculino | 2,161 | 48.16 | 731 | 35.61 | 1,322 | 64.39 | 2,053 | 100% |
Feminino | 2,326 | 51.84 | 692 | 30.85 | 1,551 | 69.15 | 2,243 | 100% | |
Primeira opção de curso | Sim | 3,335 | 74.94 | 904 | 28.37 | 2,283 | 71.63 | 3,187 | 100% |
Não | 1,115 | 25.06 | 504 | 46.93 | 570 | 53.07 | 1,074 | 100% | |
A nota de corte afetou a escolha do curso | Sim | 1,133 | 25.46 | 514 | 47.24 | 574 | 52.76 | 1,088 | 100% |
Não | 3,317 | 74.54 | 894 | 28.18 | 2,279 | 71.82 | 3,173 | 100% | |
Nota do ENEM - quintos de desempenho | 1 (Baixo) | 884 | 19.71 | 268 | 30.32 | 616 | 69.68 | 884 | 100% |
2 | 941 | 20.98 | 328 | 34.86 | 613 | 65.14 | 941 | 100% | |
3 | 955 | 21.29 | 357 | 37.38 | 598 | 62.62 | 955 | 100% | |
4 | 906 | 20.20 | 293 | 32.34 | 613 | 67.66 | 906 | 100% | |
5 (Alto) | 800 | 17.83 | 177 | 22.13 | 623 | 77.88 | 800 | 100% | |
Coeficiente de Rendimento acumulado por semestre - quintos de desempenho | 1 (Baixo) | 1,383 | 30.97 | 885 | 63.99 | 498 | 36.01 | 1,383 | 100% |
2 | 749 | 16.77 | 176 | 23.50 | 573 | 76.50 | 749 | 100% | |
3 | 841 | 18.84 | 153 | 18.19 | 688 | 81.81 | 841 | 100% | |
4 | 687 | 15.39 | 90 | 13.10 | 597 | 86.90 | 687 | 100% | |
5 (Alto) | 805 | 18.03 | 116 | 14.41 | 689 | 85.59 | 805 | 100% |
Fonte: UFRJ / DRE/PR1. Elaboração própria.
MÉTODO
Para incorporar o tempo no estudo da estruturação da evasão e aproveitar o desenho longitudinal da pesquisa utilizamos um método de análise de sobrevivência em tempo discreto. Esta estratégia de modelagem é utilizada para estimar o tempo até a ocorrência de determinado evento (SINGER; WILLETT, 2003). Estes modelos são adequados para investigar se o evento ocorre, quando ocorre e os fatores associados à ocorrência ou não ocorrência do evento e sua heterogeneidade temporal.
Singer e Willett (2003) apontam três características metodológicas que precisam ser definidas para realizar uma análise de sobrevivência: o evento alvo cuja ocorrência está sendo estudada, o início do tempo, que é um ponto de partida inicial quando ninguém no estudo experimentou o evento alvo, e a métrica para o tempo, que é uma escala significativa na qual a ocorrência do evento é registrada. Nesta pesquisa, o evento alvo é a evasão do curso, a ocorrência do evento é a transição da situação de matrícula no curso para “cancelada”, o início do tempo é a entrada na universidade - coorte de 2014.1, e a métrica do tempo da ocorrência do evento é registrada por semestre. Logo, na linguagem destes modelos o tempo é tratado com uma métrica discreta.
Métodos de sobrevivência se diferenciam de técnicas estatísticas tradicionais pois fornecem uma maneira de analisar simultaneamente os tempos da ocorrência do evento e da não ocorrência do evento. Isto é feito através da função de risco e da função de sobrevivência. A ocorrência do evento em cada período discreto é conhecida como risco. Denotado por h (tᵢⱼ), o risco de tempo discreto é a probabilidade de que indivíduo i experimente o evento no período j, dado que ele não o experimentou em nenhum período anterior. A condicionalidade garante que o risco represente a probabilidade de ocorrência do evento entre os indivíduos elegíveis para experimentar o evento naquele período. À medida que as pessoas experimentam o evento, elas abandonam o conjunto de risco e não são elegíveis para experimentá-lo em períodos posteriores. Devido a esta condicionalidade, a probabilidade de risco para o indivíduo i no período j avalia seu risco exclusivo de ocorrência de evento nesse período (SINGER; WILLETT, 2003). A função de risco auxilia na identificação de períodos de tempo especialmente arriscados, ou seja, quando é mais provável que o evento ocorra. Além disso, mostra se o risco aumenta, diminui ou permanece constante ao longo do tempo.
Aliada à função de risco, a função de sobrevivência fornece outra maneira de descrever a distribuição da ocorrência do evento ao longo do tempo. Ao contrário da função de risco, que avalia o risco único associado a cada período, a função de sobrevivência acumula esses riscos de ocorrência, período por período, para avaliar a probabilidade de um indivíduo selecionado aleatoriamente “sobreviver”, ou seja, não experimentar o evento. A função de sobrevivência é definida como a probabilidade de o indivíduo i sobreviver ao período j. Para que isso aconteça, o indivíduo não deve experimentar o evento de destino no j-ésimo período ou em qualquer período anterior (SINGER; WILLETT, 2003). É importante apontar que no início da observação do processo, quando ninguém ainda experimentou o evento, todos estão sobrevivendo e, por definição, seu valor é 1. Com o tempo, à medida que os eventos ocorrem, a função de sobrevivência diminui.
Para saber o risco entre a ocorrência do evento em cada período do tempo e os preditores, usamos regressões logísticas para regredir o indicador do evento (variável dependente) nos indicadores de tempo (dummies de tempo) e os preditores selecionados (variáveis independentes) no conjunto de dados no formato período pessoa, também conhecido como formato longo dos dados. Isso significa que as observações são aninhadas nos indivíduos e repetidas nas linhas pela quantidade de tempo que o indivíduo permanece sob observação.
É importante destacar que o modelo base de risco em tempo discreto invoca uma suposição comum, porém restritiva: que cada preditor tenha um efeito idêntico em todos os períodos estudados. Essa restrição, conhecida como suposição de proporcionalidade, estipula que o efeito de um preditor não depende da duração do respondente no estado inicial. No entanto, é possível que o efeito de um determinado preditor não seja estável ao longo do tempo, assim, um modelo não proporcional pode ser mais adequado. Esse foi o caso desta pesquisa.
As interações do tempo com os preditores são justificadas pelas análises bivariadas e através de estatísticas de ajuste (SINGER; WILLETT, 2003). A quebra da suposição de proporcionalidade, pode ser feita incluindo interações estatísticas adicionando um termo de produto cruzado a um modelo que já inclui os principais efeitos do componente de forma que os fatores associados ao evento possam variar ao longo do tempo. Nossas análises exploratórias bivariadas mostraram que, dos preditores analisados aqueles que não seguiram medidas proporcionais no tempo foram: primeira opção de curso, a nota afetou a escolha do curso, Enem e CRa, portanto, para estes adicionamos interação com o tempo. A equação abaixo representa a nossa opção de modelo:
O principal efeito de tempo é representado por D₁ a D յ e a interação entre X₁ e o tempo é representada pelos termos X₁ D₁ a Xյ a Dյ.
RESULTADOS
Como mencionada na seção de método, as funções de risco e de sobrevivência permitem verificar os dois lados do fenômeno, a ocorrência do evento que mostra os momentos mais arriscados de evasão do curso, e a não ocorrência do evento que mostra a proporção dos estudantes que sobreviveram. A ferramenta fundamental para resumir a distribuição da população na ocorrência do evento é a tábua de vida, uma tabela que rastreia as histórias de eventos de indivíduos desde o início de contagem do tempo, quando ninguém ainda experimentou o evento alvo, até o final da coleta de dados. A Tabela 2 apresenta uma tábua de vida para a coorte de estudantes que ingressaram na UFRJ em 2014.1.
SOBREVIVÊNCIA | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Tempo | Intervalo | Total | Mortes | Sobrevivência | Erro padrão | [95% Int. Conf.] |
1 | 1 2 | 4486 | 358 | 0.9202 | 0.0040 | 0.9119 0.9278 |
2 | 2 3 | 4128 | 328 | 0.8471 | 0.0054 | 0.8362 0.8573 |
3 | 3 4 | 3800 | 179 | 0.8072 | 0.0059 | 0.7953 0.8184 |
4 | 4 5 | 3621 | 97 | 0.7856 | 0.0061 | 0.7733 0.7973 |
5 | 5 6 | 3524 | 332 | 0.7115 | 0.0068 | 0.6980 0.7246 |
6 | 6 7 | 3192 | 129 | 0.6828 | 0.0069 | 0.6690 0.6962 |
RISCO | ||||||
Tempo | Intervalo | Total | Falha acum. | Risco | Erro padrão | [95% Int. Conf.] |
1 | 1 2 | 4486 | 0.0798 | 0.0798 | 0.0042 | 0.0718 0.0883 |
2 | 2 3 | 4128 | 0.1529 | 0.0795 | 0.0044 | 0.0711 0.0883 |
3 | 3 4 | 3800 | 0.1928 | 0.0471 | 0.0035 | 0.0405 0.0543 |
4 | 4 5 | 3621 | 0.2144 | 0.0268 | 0.0027 | 0.0217 0.0324 |
5 | 5 6 | 3524 | 0.2885 | 0.0942 | 0.0052 | 0.0843 0.1046 |
6 | 6 7 | 3192 | 0.3172 | 0.0404 | 0.0036 | 0.0337 0.0477 |
Fonte: UFRJ / DRE/PR1. Elaboração própria
Os resultados da tabela 2 mostram que os semestres com maiores riscos de evasão no período de tempo analisado são o primeiro e o segundo, configurando o primeiro ano do estudante na universidade, e o quinto semestre. Quanto a sobrevivência, percebemos que ao final do primeiro ano 84% dos estudantes, da coorte analisada, permaneceram nos cursos de origem, e no final do 6° semestre 68% continuaram nos cursos.
Tanto estudos internacionais quanto nacionais (SACCARO et al., 2019; SILVA, 2013; AMERI et al., 2016; LASSIBILLE; GÓMEZ, 2008, GURY, 2011) evidenciam o alto risco de evasão no primeiro ano do curso, portanto, percebemos que a UFRJ segue no sentido das evidências já encontradas por outros pesquisadores. Esse resultado assinala para uma espécie de período de “degustação” do curso e ambiente universitário por parte dos alunos, uma vez que aproximadamente 15% dos estudantes evadem ainda no primeiro ano, é relevante investigar como as condições de escolha de curso e o formato de entrada na universidade estruturam a evasão.
Como essa é uma coorte que ingressou na universidade via processo seletivo Enem/Sisu, esse nos parece um resultado importante, uma vez que o Sisu induz a uma escolha adaptativa do aluno a partir de sua nota, e não a escolha antecipada como ocorria com o vestibular. A alta evasão no início do curso sinaliza que as escolhas dos estudantes podem ser feitas com duas referências: entrar ou não na universidade, e só posteriormente em qual curso entrar, como mostraremos nas próximas análises.
O pico de risco de evasão no quinto semestre nos pareceu contraintuitivo. Por meio de exploração descritiva, temos conjecturado a hipótese de que o alto risco de evasão no quinto semestre pode estar relacionado com um processo que surge administrativamente (nos dados) pelas regras da instituição (cancelamento de matrícula e outros processos), a exemplo do acúmulo de semestres trancados que resulta no cancelamento da matrícula.
Análise multivariada
Para conhecer se o risco entre a ocorrência da evasão no tempo está associado com a origem dos estudantes, fatores educacionais e de escolha de curso e integração acadêmica formal, realizamos uma análise multivariada aplicando o modelo de sobrevivência em tempo discreto. O processo de modelagem resultou em 11 modelos em que adicionamos grupos de variáveis e escolhemos o melhor modelo de acordo com o Critério de Informação de Akaike (AIC), como mostra a tabela 3. Destacamos que a tabela com os coeficientes do modelo final se encontra no anexo desse artigo, bem como os testes de pós-estimação.
Modelo 1 |
Modelo 2 |
Modelo 3 |
Modelo 4 |
Modelo 5 |
Modelo 6 |
Modelo 7 |
Modelo 8 |
Modelo 9 |
Modelo 10 |
Modelo 11 |
|
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
AIC | 9491812 | 9479091 | 9284950 | 9267834 | 8107544 | 7878265 | 7878313 | 7858264 | 7860819 | 7857950 | 7730043 |
Fonte: UFRJ / DRE/PR1. Elaboração própria
Deste modo, o modelo escolhido e os resultados apresentados a seguir são do modelo 11, o qual contém as dummies de tempo, a PSE da família, cor/raça, sexo, interação do tempo com a variável “nota de corte afetou a escolha do curso”, interação do tempo com a primeira opção de curso, interação do tempo com o quintil da nota no ENEM, interação do tempo com o quintil do CR acumulado por semestre e a variável de dummies de cursos para controle de heterogeneidade. Para facilitar a interpretação transformamos os coeficientes em risco predito, com base no cálculo de probabilidades preditas ajustados através do comando margins do Stata (LONG; FREESE, 2014).
Ressaltamos que os resultados do risco predito de evasão para as variáveis cor/raça, sexo e PSE da família, foram apresentados como associações proporcionais no tempo. Ao adicionar as interações das dummies de tempo com os preditores primeira opção de curso, a nota afetou a escolha do curso, Enem e CRa, foi possível verificar e, portanto, ler, os resultados dos riscos preditos de evasão para essas variáveis em cada semestre.
Os fatores de origem social e demográfica dos estudantes estão associados à evasão de curso na UFRJ?
Por meio das variáveis de cor/raça, sexo e PSE da família, podemos verificar se há indicativos de desigualdades de resultados de acordo com a origem social e demográfica dos estudantes. O gráfico 1 mostra o risco predito de evasão de curso segundo a cor/raça, controlando pelas demais variáveis independentes. Observamos que os estudantes brancos apresentaram um risco levemente maior de evadir do curso do que os estudantes pretos e pardos. No entanto, a pequena diferença entre os riscos preditos dos grupos não é estatisticamente significativa em nenhum ponto no tempo, conforme verificado nos testes de pós-estimação (teste: t1= -0.006; t2 =-0.008; t3= -0.005; t4= -0.003; t5= -0.008; t6= -0.005; Pvalor>0.05). Esse resultado indica que brancos evadem tanto quanto pretos e pardos, e vai na mesma direção de outros estudos brasileiros que não acharam relação direta da cor/raça na evasão dos estudantes dos cursos (COSTA et al., 2018; COSTA; PICANÇO, 2020).
Quanto ao sexo, controlando pelas demais variáveis, as mulheres apresentaram um risco levemente maior de evadir do curso do que os homens, como mostra o gráfico 2 . No entanto, a pequena diferença entre os riscos preditos dos grupos não é estatisticamente significativa em nenhum ponto no tempo, conforme verificado nos testes de pós-estimação (teste: t1= -0.006; t2 = -0.008; t3= -0.005; t4= -0.003; t5= -0.008; t6= -0.005; Pvalor>0.05 ). Assim, para essa coorte da UFRJ os achados indicam que mulheres evadem tanto quanto homens.
A posição socioeconômica da família mensurada pela máxima escolaridade dos pais é apresentada no gráfico 3. Controlando pelas demais variáveis, estudantes com pais com menos que o ensino superior (<ES) apresentaram um risco de evadir do curso muito próximo dos estudantes com pais com ensino superior (>=ES). A diferença entre os riscos preditos dos grupos não é estatisticamente significativa em nenhum ponto no tempo, conforme verificado nos testes de pós-estimação (teste: t1= -0.005; t2 = -0.007; t3= -0.004; t4= -0.003; t5= -0.007; t6= -0.005; Pvalor>0.05). Ou seja, para essa coorte na UFRJ, não há uma associação direta da posição socieoconômica da família e a evasão de curso.
Esses resultados apontam pouca presença de diferença entre as categorias das variáveis de origem sociodemográfica dos estudantes, as quais não eram estatisticamente significativas. Eles devem ser interpretados levando em conta tanto os extensivos controles que utilizamos, bem como a seletividade socioeconômica na entrada de uma universidade que adota processo seletivo concorrido. Como a UFRJ é uma universidade seletiva, uma hipótese é de que a seleção social tenha ocorrido na entrada da instituição, ou seja, na transição do ensino médio para o ensino superior, ou até mesmo nas etapas educacionais anteriores.
Esse tipo de resultado é conhecido na sociologia da estratificação educacional que indica que as origens sociais influenciam cada uma das transições educacionais de maneira diferenciada (MARE, 1980, 1981). Nesse sentido, Shavit e Blossfeld (1993) apontam que os sistemas educacionais se abrem da base para cima, de forma que as coortes vão sucessiva e lentamente avançando dentro da hierarquia educacional. Porém, os maiores níveis educacionais permanecem razoavelmente exclusivos, o que faz com que verdadeiros gargalos sejam criados na transição para o nível superior (SHAVIT; BLOSSFELD, 1993). Esse processo é simultaneamente estatístico e social, uma vez que cria populações mais homogêneas de acordo com diversas dimensões sociodemográficas e educacionais.
Outra hipótese, que é preciso considerar, é que a UFRJ aderiu integralmente em 2014 a Lei de Cotas. A reserva de 50% das vagas, segundo a Lei, pode ter garantido que um público mais diversificado socioeconomicamente e racialmente passasse pelo “filtro” do acesso à instituição.
Os fatores educacionais e de escolha de curso estão associados à evasão de curso na UFRJ? Esse resultado varia ao longo da trajetória do estudante na graduação?
Antes de ingressar na universidade existe um processo educacional e de escolha que pode influenciar os resultados futuros (PERNA, 2006, HOXBY; AVERY, 2013; MEROLLA, 2017). Deste modo, analisamos a associação da evasão de curso com as variáveis “a nota de corte afetou a escolha do curso”, “primeira opção de curso” e o quintil de desempenho no Enem, controlando pelos demais fatores.
O gráfico 4 aponta que os estudantes que disseram que a nota de corte afetou a escolha do curso apresentaram um risco maior de evadir se comparado com aqueles que disseram que a nota de corte não afetou a escolha. Observamos que a diferença entre os grupos foi maior ao final do primeiro ano do estudante no curso, ou seja, no segundo semestre (t2). Conforme verificado no teste de pós-estimação, a diferença entre os grupos foi estatisticamente significativa em todos os semestres exceto no 6° (teste: t1= 0.049; t2 = 0.079; t3= 0.024; t4 = 0.034; t5= 0.062; Pvalor<0.01; t6= 0.012; Pvalor>0.05).
Quanto a variável primeira opção de curso, percebemos, no gráfico 5, que o risco da evasão foi maior para aqueles que disseram que o curso não foi a primeira opção, comparado com aqueles que disseram que o curso foi a primeira opção, controlando pelos demais fatores. Conforme o teste de pós-estimação, a diferença entre os grupos foi estatisticamente significativa em todos os semestres exceto no 3° e no 6° (teste: t1= 0.066; t2 = 0.092; t4 = 0.030; t5= 0.050; Pvalor<0.01; t3= 0.013; t6= 0.014; Pvalor>0.05). Observamos que a associação foi maior no primeiro e segundo semestre.
Assim, essas variáveis de escolha de curso nos dão indicativos quanto ao processo seletivo utilizado pela UFRJ no período analisado, ou seja, o Enem/Sisu. Alguns estudos já sinalizaram que o Sisu modifica a dinâmica de escolha de cursos (NOGUEIRA et al., 2017). No Sisu, o estudante primeiro realiza o Enem e só depois de saber a nota se candidata a uma primeira e segunda opção de curso. Nesse sentido, Nogueira et al. (2017) colocam que através das simulações feitas na etapa inicial do Sisu o estudante testa suas possibilidades de ser aprovado em determinados cursos e instituições. Portanto, o sistema, mesmo que indiretamente, estimula o ajuste de preferências originais ao que é possível mesmo que não seja o curso ou a instituição desejada (NOGUEIRA et al., 2017). Deste modo, o alto risco de evasão no primeiro ano do curso, daqueles que a opção do curso não foi a primeira e que a nota de corte afetou a escolha, sinaliza que, possivelmente, entrar na universidade foi mais importante para essa coorte de estudantes do que onde entrar.
Quanto ao desempenho no Enem, o gráfico 6 mostra que os estudantes que tiveram maior risco de evadir, no primeiro ano do curso, foram aqueles com o desempenho no Enem nos 2°, 3° e 4° quintis, comparado com aqueles que tiveram desempenho baixo, ou seja no 1° quintil, e alto, no 5° quintil. No primeiro ano apenas as diferenças entre os riscos preditos do 2° para o 1° quintil e do 5° para o 4° quintil foram estatisticamente significativas (Pvalor <0.05).
É interessante notar que, no primeiro ano dos estudantes nos cursos, aqueles que tiveram desempenhos menores no Enem, ou seja, no 1° quintil, apresentaram um baixo risco de evasão, próximo ao daqueles com desempenho alto, no 5° quintil. Uma hipótese para esse resultado, segundo a literatura, é de que os alunos com pontuações mais baixas têm poucas oportunidades de mobilidade/escolha de outra disciplina de estudo, o que os leva a atribuir maior valor ao seu lugar na universidade (MAY; BOUSTED, 2004).
Percebemos que os riscos preditos das categorias de desempenho se modificaram ao longo dos semestres e que, após o primeiro ano, aqueles com desempenho no 5° quintil apresentaram menores riscos de evadir dos cursos.
Portanto, observamos que a associação dos fatores educacionais e de escolha de curso com a evasão de curso são maiores do que a relação das origens sociais e demográficas dos estudantes. Os resultados da análise multivariada indicaram que, controlando pelas demais variáveis, os fatores educacionais e de escolha de curso estariam associados à evasão de curso da coorte analisada, principalmente no primeiro ano do estudante. Novamente nos remetemos ao Sisu e sua indução da lógica de escolha dos cursos. Destacamos que a mudança no processo seletivo não foi acompanhada por mudanças curriculares nos cursos, que seguem com a mesma estrutura prévia à implementação do novo processo seletivo (Enem/Sisu). É importante salietar que os alunos fazem suas escolhas de forma iterativa e adaptativa. Ao entrar na universidade, encontram na maioria das vezes cursos estruturados em carreiras e disciplinas de forma rígida, o que pode contribuir para a evasão no início do curso.
A integração acadêmica formal está associada à evasão de curso na UFRJ? Esse resultado varia ao longo da trajetória do estudante na graduação?
Para analisar a evasão no nível superior de ensino, sabemos que é importante distinguir as experiências dos estudantes dentro do sistema acadêmico e social das instituições (TINTO, 2012). O sistema acadêmico é composto por características ligadas diretamente a educação formal dos estudantes nos cursos, como o coeficiente de rendimento, a frequência, etc. Já o sistema social possui características informais, como a relação pessoal e o envolvimento entre os membros da instituição, principalmente o contato relacional entre alunos em locais de encontro dentro da universidade. Deste modo, a integração acadêmica dos estudantes está ligada diretamente com as características formais do sistema e a integração social com as características informais (TINTO, 2012).
O estudante integrado socialmente não necessariamente está integrado academicamente e vice-versa. Por exemplo, um estudante pode estar integrado no sistema social da universidade, ter boa relação com os colegas e funcionários da instituição, participar de grupos específicos organizados pelos seus pares, e ainda assim evadir por não estar integrado academicamente, ou seja, não conseguir manter frequência, boas notas, etc. (TINTO, 2012). No entanto, é importante destacar que o impacto da integração acadêmica e da integração social não necessariamente é simétrico, depende muito de cada instituição de ensino superior (BRAXTON et al., 2004). Porém, manter um nível de desempenho adequado no sistema acadêmico, na maioria das instituições de ensino superior, é a condição formal mínima para a permanência do estudante.
Desta forma, nesse estudo priorizamos a mensuração da integração acadêmica formal, uma vez que não foi possível obter informações sobre a integração social dos estudantes. Assim, esta foi mensurada pelo coeficiente de rendimento do estudante acumulado por semestre (CRa).
O gráfico 7 mostra que os estudantes com CRa baixo (1° quintil) apresentaram risco maior de evadir em todo período analisado, comparado com os estudantes nos demais quintis de desempenho. A verificação pelo teste de pós-estimação indica que a diferença entre o risco predito do 1° quintil para os demais quintis é estatisticamente significativa (Pvalor <0.05).
Esse resultado demonstra que na coorte e no tempo analisado, os estudantes que possuíam coeficiente de rendimento acumulado por semestre (CRa) nos quintis superiores, eram aqueles que apresentaram menores riscos de evasão de curso. Ter um CRa bom implica em conseguir bolsas, estágios, oportunidades na instituição, o que pode influenciar nas experiências dos estudantes após entrar na universidade.
Diversos estudos tomam o rendimento acadêmico dos estudantes como uma proxy de integração acadêmica formal e apontam que quanto mais altas as notas do aluno, durante os estudos universitários, menor o risco de abandono (BENNETT, 2009; SUHRE et al., 2007; ARAQUE et al., 2009; BELLOC et al., 2010).
Também, as pesquisas destacam que as primeiras realizações acadêmicas dos estudantes influenciam significativamente a probabilidade de abandono, em outras palavras, estudantes têm maiores probabilidades de continuar na universidade se obtiverem boas notas logo no início (BELLOC et al., 2010; BENNETT, 2009; MONTMARQUETTE et al., 2001; PASCARELLA; TERENZINI, 2005).
No entanto, é preciso ter cautela quanto ao CRa estar de fato associado as dificuldades ou não de acompanhamento do curso ou se é mediado por outros fatores que não foram observados: aprendizagem, motivação, integração social, etc. Além disso, existe a limitação de que o pico de risco no quinto semestre pode estar captando um processo que surge administrativamente (nos dados) pelas regras da instituição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo mostrou que, nos três primeiros anos dos estudantes, o risco de evasão do curso é maior no início dos cursos e depois no quinto semestre. A análise multivariada revelou alguns resultados contraintuitivos. Estudantes brancos evadem tanto quanto os pretos e pardos. A diferença entre o risco predito de evasão das mulheres não era estatisticamente significativa comparada com os homens. Os estudantes com pais com menos que o ensino superior apresentaram risco de evadir do curso próximo dos estudantes com pais com ensino superior. Portanto, de forma agregada para essa coorte de estudantes da UFRJ, a origem social e demográfica dos estudantes não se mostrou associada à evasão de curso. Uma possível extrapolação para os resultados dos riscos preditos da evasão de curso segundo a origem social e demográfica dos estudantes, seria o gargalo criado na transição para o nível superior. Também, é preciso considerar que a UFRJ aderiu integralmente em 2014 a Lei de Cotas. A reserva de 50% das vagas, segundo a Lei, pode ter garantido que um público mais diversificado socioeconomicamente e racialmente passasse pelo “filtro” do acesso à instituição.
Os fatores educacionais e de escolha de curso, se mostraram associados à evasão, principalmente no primeiro ano. O risco de quem reportou que a nota de corte afetou a escolha do curso era maior do que o risco daqueles que disseram que a nota de corte não afetou a escolha. Também, o risco dos estudantes que disseram que o curso não foi a primeira opção, era maior do que aqueles que o curso foi a primeira opção. Quanto ao quintil de desempenho no Enem, os estudantes que apresentaram menores risco de evadir, no primeiro ano do curso, foram aqueles com o desempenho no 1° quintil e no 5° quintil. Este resultado se modificou ao longo dos semestres analisado e mostrou que os estudantes com alto desempenho (5° quintil) foram mais resilientes que os demais. Outra variável que se mostrou associada com a evasão de curso foi o Coeficiente de Rendimento acumulado (CRa) que foi utilizada como proxy de integração acadêmica formal. Os estudantes com CRa baixo apresentaram um risco maior de evadir do que aqueles com CRa nos quintis superiores.
Destacamos que os resultados verificados nesse artigo decorrem de um estudo de caso de uma coorte de estudantes da UFRJ, e não podem ser extrapolados para outras coortes e instituições. Assim, alertamos que todos os resultados devem ser interpretados como típicos da instituição. Como não há nenhuma referência para as taxas que calculamos serem comparadas é impossível afirmar se as estatísticas calculadas neste trabalho são típicas ou raras. Na linguagem de estudos de caso (GERRING, 2007), não podemos afirmar se o contexto estudado é típico, diverso, extremo, desviante, influente. Contra-argumentamos que essa questão - conhecida como um problema sobre a validade externa do estudo - é contrabalanceada pela alta qualidade dos dados, ou seja, validade interna, desenho da pesquisa (dados longitudinais, raramente disponíveis no contexto da pesquisa brasileira) e disponibilidade da mensuração de variáveis que apontam para mecanismos importantes na estruturação da interrupção e continuidade dos estudos em uma grande universidade de pesquisa.
Também, assinalamos que a técnica de modelagem permitiu apenas a realização de uma análise agregada de todos os estudantes nos cursos. Deste modo, para estudos futuros, é necessário averiguar como estes fatores afetam a evasão de forma desagregada, uma vez que existem diferentes cursos de graduação, e a heterogeneidade que permeia a instituição não foi conhecida.
Mesmo com essas limitações, nossa análise nos permite fazer algumas considerações referente à coorte analisada. Encontramos uma evasão precoce, no primeiro ano do curso, que pode estar funcionando, por parte do aluno, como um período para experimentar como funciona o curso e a universidade e decidir permanecer ou desistir do curso. Como os fatores educacionais e de escolha de curso mostraram influências maiores no primeiro ano do estudante, nossa hipótese é de que o processo de escolha de curso, através do atual formato de acesso à universidade, possivelmente, esteja estruturando uma evasão precoce nos cursos. Mesmo que indiretamente, o Enem/Sisu induz a uma escolha adaptativa do aluno a partir de sua nota, e não a escolha antecipada como ocorria no vestibular. Estes resultados apontam que ganhos de eficiência no sistema como um todo, que podem ter ocorrido com a adoção do Sisu - redução de custos para os estudantes, centralização da seleção - são contrabalançados pela perda de eficiência no nível da instituição.
Com base nos resultados, algumas indicações podem ser feitas. Em primeiro lugar, a maior parte da energia deve ser colocada em estabelecer precauções/medidas de redução da evasão nas fases iniciais dos cursos, porque é aí que as questões da evasão e da transferência dos alunos são mais pertinentes.
Outra questão a ser considerada, para tentar melhorar a integração acadêmica formal do estudante, é realizar a adequação curricular nos primeiros semestres dos cursos. Algumas pesquisas internacionais mostram que diversas instituições de ensino superior tentam evitar problemas - como o excesso de demandas no início do curso, muitos exames, muito material para estudo - oferecendo melhores condições aos alunos, reformando os currículos, oferecendo cursos de transição para compensar lacunas educacionais e disponibilizando mentores e tutores para o primeiro ano (LARSON et al., 2013; HEUBLEIN, 2014).
Enfim, essas são apenas algumas sugestões entre muitas que podem ser estudadas de acordo com o caso de cada instituição de educação superior para diminuir a desistência do curso e aumentar a diplomação dos estudantes. Juntamente com a criação e a implementação de medidas para reduzir a evasão, é fundamental considerar o monitoramento e a avaliação do impacto dessas iniciativas.