Considerações iniciais
Neste artigo destacamos a história do movimento nudista/naturista, abordando as maneiras pelas quais a sua expansão lidou com a manutenção e a construção de diferentes representações sobre as mulheres no Brasil.
Por base empírica, utilizamos revistas nudistas publicadas no Brasil durante a década em questão. Stephen L. Harp (2014) evidencia a importância desse tipo de publicação na divulgação das ideias e das práticas naturistas nas primeiras décadas do século XX em vários países. Elas apresentavam o nudismo e suas benesses à saúde, à moralidade e à felicidade de seus praticantes. Ainda faltam estudos para auferir o impacto dessas publicações em variados aspectos culturais de então. Gonçalo Junior (2009) afirma que no Brasil essas revistas tiveram, em suas palavras, “vida efêmera” (JUNIOR, 2009). O articulista menciona a existência de 10 títulos que circularam durante a década de 1950; nas análises que seguem localizamos as revistas Naturismo (05 exemplares), Saúde e Nudismo (11 exemplares), Nudismo e Beleza (01 exemplar), Sol e Alegria (01 exemplar), Vida e Alegria (01 exemplar) e Nudismo (01 exemplar). Comumente, cada fascículo possui em torno de 40 páginas, e raramente alguma delas não exibe fotos em preto e branco ou coloridas de diferentes tamanhos. Os exemplares de Saúde e Nudismo foram localizados no acervo da Biblioteca Nacional, e os demais foram adquiridos pela autoria em lojas de livros usados e colecionadores. Desse universo empírico composto de 20 números que foram lidos e avaliados, cinco foram citados textualmente para a construção das reflexões que propomos.
O recorte temporal foi escolhido considerando o período de circulação dessas publicações no Brasil, acima mencionado. Carlos Herold Junior et al. (2018) verificam que a produção e a circulação dessas revistas no período em tela sofreram grande vigilância e até mesmo perseguição por parte das autoridades policiais. Obrigar sua venda em envelopes, apreender exemplares nas bancas e até processar judicialmente os editores foram ações que evidenciam o impacto gerado por essas revistas. Esses fatos devem ser compreendidos tendo em mente que “os anos 1945 a 1964 significam muito para a história do Brasil em geral e para as relações de gênero em particular” (Carla Bassanezi PINSKY, 2014, p. 15), significado esse que pode ser visto na veemência dessas perseguições.
É importante ter claro que essa tensão em torno das revistas nudistas no Brasil dava-se, principalmente, pelas imagens que nelas eram publicadas. Herold Junior et al. (2018) analisam que as inquietações sobre as revistas nudistas giravam em torno das intenções de se publicarem fotografias de pessoas nuas, sendo que a maior parte dessas imagens eram de mulheres. Dulcília Schroeder Buitoni (1986), ao estudar a história da imprensa feminina, verifica que nas revistas, geralmente, “a imagem vira texto, com séries de fotos construindo verdadeiras ‘frases visuais’; e o texto vira imagem quando recorre a figuras de estilo que nos fazem visualizar a pessoa ou a cena, ou sugerem emoções e sentimentos” (BUITONI, 1986, p. 24). Reconhecer essa importante característica de nossas fontes não nos impede de delimitar este trabalho à análise das representações sobre as mulheres na história do naturismo no Brasil, focando os textos escritos nas publicações e não suas imagens. Afinal, se a perseguição às revistas ‘olhava’ as imagens, aqui enfatizamos as ideias, justificativas e indicações lidas nessas publicações que buscavam construir, elas também, ‘olhares’ sobre o que eram e o que deveriam ser as mulheres.
Embora não desconsideremos a advertência feita por Míriam Lifchtiz Moreira Leite (1998), quando explica que “na tradição europeia e acadêmica, o texto verbal foi consagrado” (LEITE, 1998, p. 39), ainda assim, mantemos à nossa frente o que Peter Burke (2004) dissera sobre a ambiguidade tanto dos textos quanto das imagens, o que impele os analistas a considerar como relevantes essas duas naturezas de evidência na construção de suas reflexões históricas. Cientes da importância dessa consideração, sinalizamos que o escrutínio sistemático das imagens será feito em estudos futuros apoiados no exame que agora propomos.
Essas advertências, para além da caracterização do design metodológico do estudo, são indicativas da composição do panorama histórico do movimento naturista que estudaremos. Afinal, como Harp (2014) esclarece, muitos editores dessas revistas, em outros países, recusaram-se a publicar as revistas sem as fotografias, apesar das dissensões que elas geravam. O autor problematiza se essa recusa seria uma posição relacionada à ‘visão de mundo’ que os nudo-naturistas buscavam transmitir ou a manifestação de um mero interesse comercial para viabilizar a venda das publicações. No caso em tela, se as intenções sobre a publicação das imagens podem ser questionadas, deixando-as turvas, embora plenas de interesse para o crivo dos analistas, quanto aos textos, a intencionalidade é mais (embora longe de ser totalmente) explícita: ao escrever sobre as mulheres e (em tese) para as mulheres, os textos aqui avaliados configuram-se, igualmente, em momentos de grande ‘visibilidade’, do mesmo modo que carregam em si nuances não perceptíveis nas primeiras leituras, mas que são de grande valor analítico para pensarmos as representações sobre as mulheres na história brasileira.
Com efeito, por essas razões, tomando, mais uma vez, o apoio de Buitoni (1986), daremos especial atenção aos textos, não negligenciando que, por meio deles, se formem uma ‘nova imagem’ da mulher no período em questão. Ao escolhermos a parte, digamos, menos ‘evidente’ de nossas fontes, ambicionamos lançar luz sobre indícios comumente secundarizados, mas que são igualmente importantes, justamente, pela sua ambiguidade.
Teoricamente, estudaremos essa ambiguidade considerando que o nudismo/naturismo construiu-se como uma manifestação particular da ‘educação do corpo’, tendo levado indivíduos a novas lógicas, regras, valores e significações sociais sobre os usos do corpo (Carmen Lúcia SOARES, 2014). Essa construção e essa interiorização de preceitos e normas sociais são vistas em suas consequências para a generificação de corpos na história. Erik N. Jensen (2013), ao estudar a Alemanha de 1920 e 1930, nota que as novas práticas corporais que surgiam fizeram “mais do que apenas reafirmar o corpo” (JENSEN, 2013, p. 135); nessa ótica, o corpo foi “reinventado” (JENSEN, 2013, p. 135), sendo essa reinvenção uma ‘resposta’ de homens e mulheres frente “novos padrões de masculinidade e feminilidade” (JENSEN, 2013, p. 141). Por essa razão, o nudismo será entendido como uma “pedagogia do corpo” (SOARES, 2014) atuante no surgimento de novas percepções corporais no Brasil durante os anos 50.
Igualmente importante para o balizamento teórico da leitura que faremos das fontes, consideramos que a expansão das práticas corporais no século XX configurou “complexas redes de poder que [...] constituem hierarquias entre os gêneros” (Silvana Vilodre GOELLNER, 2007, p. 180). Se, às práticas corporais, associam-se a afirmação ou a subversão de papéis tradicionalmente atribuídos a homens e a mulheres, a ênfase dos discursos propagadores dessas práticas recaiu nas mulheres (GOELLNER, 2006).
No movimento naturista, para além da dificuldade em defendê-lo da acusação de utilizar fotos de mulheres nuas em suas revistas como uma vulgaridade moralmente inaceitável para vender suas publicações, é interessante observar que a nudez feminina foi alvo de outras percepções (Ruth BARCAN, 2001): Quais os benefícios que o nudismo traria às mulheres segundo as publicações em questão? Como vencer as resistências para o gozo da nudez nos locais em que aconteciam as práticas nudistas? Como convencer, até mesmo setores mais conservadores da sociedade, que o nudismo proporcionaria, às praticantes, meios ‘saudáveis’ para tanto?
Mostraremos que os defensores do movimento, ao escreverem às mulheres e sobre elas, evidenciam que “corpo da mulher ao mesmo tempo que é seu não lhe pertence” (GOELLNER, 2003, p. 144). Pensamos no modo como o corpo feminino enredou-se em um conjunto de olhares escrutinadores que determinavam espaços, atitudes e horizontes que aproximavam as mulheres de uma ‘natureza’ a ser protegida e fortalecida pelas práticas em questão, caracterizando o processo de construção de “um novo sistema de gênero compatível com a era moderna do Brasil” (Susan K. BESSE, 1999, p. 08) que marcou o que Besse (1999) chamou de ‘modernização da desigualdade’.
Dividimos o texto em duas partes. Inicialmente, tematizamos a história do movimento naturista, bem como as lutas e as transformações por meio das quais a sociedade concebeu o que era e o que deveria ser a feminilidade. Depois, apresentamos o estudo realizado a partir das revistas nudistas, buscando nelas a maneira como o corpo feminino era representado como importante não só para o movimento nudista, mas para toda sociedade.
Mulheres e nudismo: tensões nas primeiras décadas do século XX
O nudismo: corpo e natureza
A suspeição tocante aos benefícios da expansão técnica e urbana era comum na passagem ao século XX. Arthur Herman (1999) diagnostica o que ele chama de ‘linguagens da decadência’ (HERMAN, 1999). Elas denunciavam a civilização como a raiz de males que ampliavam a degeneração de homens e mulheres. Atribuir à inventividade humana a criação de artifícios que não estariam contribuindo para a melhora da vida demonstra que a ambição de voltar às origens estimulou um amplo leque de ideias e práticas de reaproximação à natureza (Sylvain VILLARET, 2005). Nessa direção, a temática da natureza constrói-se como “possibilidades educativas e regenerativas” (SOARES, 2016, p. 36) que florescem naquele momento histórico, deflagrando novas relações com o corpo.
Essa tensão entre problemas vistos como existentes pelo distanciamento de homens e mulheres em relação à natureza se manifestou em representações conflitantes. A esse respeito foi importante o desenvolvimento da medicina alopática e as resistências a ela, fenômenos emblemáticos já no século XIX (VILLARET, 2005; André DALBEN, 2015). Apesar da pujança da medicina, as práticas que advogavam um retorno à natureza ganhavam força, açambarcando numerosos adeptos; hidroterapia, helioterapia, climatoterapia, magnetismo e vegetarianismo exemplificam práticas que conheceram grande sucesso nos limites do século XIX e do XX.
Nessa busca de elementos regenerativos necessários para uma natural saúde e felicidade, o desenvolvimento de dois fenômenos impactou a expansão do naturismo: a cultura do nu (VILLARET, 2005) e a “conversão do campo esportivo ao nudismo” (VILLARET, 2005, p. 59). Eles conectaram a prática do nudismo com as variadas práticas corporais de lazer e esporte.
Por isso, o nudismo oferece condições privilegiadas para entendermos o que Barcan (2004, p. 64) chama de “ambivalência moderna”. Afinal, a adesão às práticas nudo-naturistas se sustentava no balanço entre “perdas e ganhos da civilização” (BARCAN, 2004, p. 64), redundando na postura de retorno a uma natureza considerada perdida, ao mesmo tempo em que estimulavam ideias que iriam contra uma série de costumes bastante enraizados na sociedade (Arnaud BAUBÉROT, 2004). Essa viabilidade do nudismo para as sociedades também se sustentava na possibilidade de viver-se uma época em que as pessoas “despojadas de suas roupas, apresentariam seu autêntico self livre de autoapresentações enganosas” (Michael HAU, 2003, p. 176, tradução nossa).
As mulheres e sua participação no nudismo nas primeiras décadas do século XX
O desejo de efetivar a condição de se viver uma vida “livre de autoapresentações enganosas” (Michael HAU, 2003, p. 176, tradução nossa) coadunou-se com os debates sobre as mulheres e a feminilidade com diferentes perspectivas políticas. Na construção e divulgação desse parâmetro, a abordagem à nudez feminina foi incontornável: “As mulheres constituíram um problema prático e uma solução filosófica para o nudismo - [...] sua participação funcionava como uma alegação implícita da integralidade nudista” (BARCAN, 2004, p. 67, tradução nossa).
A importância da adesão feminina ao nudismo encontrou grande apoio nas defesas sobre a necessidade de se promover a educação física feminina. Harp (2014) verifica que, para os proponentes do nudismo na França das primeiras décadas do século XX, tornava-se crucial defender o desenvolvimento corporal feminino (HARP, 2014). Um exemplo elucidativo e influente dessa postura lemos na obra Nudism in modern life, escrita por Maurice Parmelee (1931) em 1931, publicação responsável por ampliar o alcance do naturismo para além dos limites europeus e por circunscrever aspectos referentes à participação das mulheres no nudismo, os quais são importantes para este estudo. Para o sociólogo com atuação nos Estados Unidos, a “nudez nos jogos, esporte e dança liberta mais as garotas e mulheres das limitações das vestimentas do que os homens, ela é uma dádiva mais a elas do que a eles” (PARMELEE, 1931, p. 195, tradução nossa).
Além disso, o impacto produzido pela participação de mulheres no movimento nudista materializava-se na representação sobre as mulheres quanto a ter “enfraquecida sua tendência ao vício da maliciosa bisbilhotice, ao leva e traz de escândalos e maledicências, o que é sua tendência especialmente quando estão longe dos homens” (PARMELEE, 1931, p. 79, tradução nossa). No nudismo as mulheres tornar-se-iam “mais robustas, independentes e resistentes” (PARMELEE, 1931, p. 79, tradução nossa).
Soma-se a esses benefícios a constatação de que a prática do nudismo por parte das mulheres colaboraria para que muitas questões sexuais deixassem de ser “misteriosas” (PARMELEE, 1931, p. 76, tradução nossa). A prática do nudismo atuaria nesse sentido evidenciando que o sexo “não [seria] mais misterioso e inexplicável que qualquer outra coisa” (PARMELEE, 1931, p. 76, tradução nossa) existente na natureza. O incômodo gerado pelo sexo, sobretudo quando se considerava as mulheres, deveria ser encarado como uma sensação produzida não pelos atos ou pelos sentimentos sexuais em si mesmos, mas pela percepção de que o “conhecimento humano não é adequado e o intelecto não é competente para explicar nada de um modo final e absoluto” (PARMELEE, 1931, p. 76, tradução nossa). Outrossim, o nudismo proposto pelos naturistas proporcionava outra condição, tida como impossível em outros contextos: “Realizar seu desejo de olhar a nudez masculina” (PARMELEE, 1931, p. 84, tradução nossa).
No empenho de engendrar uma representação mais ‘natural’ dos modos de ser das mulheres, ele observava que “algumas mulheres são mais bonitas nuas e outras vestidas” (PARMELEE, 1931, p. 85, tradução nossa). Nessa análise “as roupas fornecem os meios para se esconder a fealdade e simular a beleza” (PARMELEE, 1931, p. 85, tradução nossa); por isso o nudismo era “mais provável de atrair a mulher bonita e menos a feia” (PARMELEE, 1931, p. 85, tradução nossa).
Para o sociólogo, o nudismo desempenharia um papel nodal com consequências fundamentais para a civilização e para a espécie: “ele encoraja a seleção de um tipo de mulher melhor formada em detrimento dos rostinhos bonitos com corpos mal formados astutamente escondidos” (PARMELEE, 1931, p. 87, tradução nossa). Afinal, nessa ótica, a vaidade feminina “causou muitos prejuízos à humanidade” (PARMELEE, 1931, p. 87, tradução nossa). Tais danos se materializavam na evolução das roupas, avaliadas como criadas para satisfazer o “desejo de decorar o corpo” (PARMELEE, 1931, p. 87, tradução nossa) de um modo artificial. Desejo vão, origem de muitos dos males enfrentados pela época; desejo tomado como causa do “aspecto da vaidade feminina” (PARMELEE, 1931, p. 88, tradução nossa). Contra ele o nudismo proposto pelo movimento naturista atuaria; afinal, a “nudez revela a beleza natural, tornando impossível a beleza simulada” (PARMELEE, 1931, p. 88, tradução nossa).
Outra dificuldade para a expansão das práticas nudistas, e que deveria ser combatida pelos proponentes do movimento por meio dos esclarecimentos que eram lidos nas revistas, era o medo de que a exposição pública da nudez acabasse com o “estímulo ao casamento” (PARMELEE, 1931, p. 95, tradução nossa). Nessa ótica, ele inviabilizaria o interesse de possíveis pretendentes, arrefecendo um sentimento tomado como a grande razão do empenho masculino na concretização do matrimônio e na assunção do ônus a ele associado. Contra isso, afirmava-se que um dos serviços do nudismo ao ‘feminismo’ era proporcionar condições para que o “casamento negociado [marriage by purchase]” (PARMELEE, 1931, p. 95, tradução nossa) fosse substituído pelo “casamento livremente consentido [free contractual marriage]” (PARMELEE, 1931, p. 95, tradução nossa). Nele, os nubentes aceitariam o matrimônio conhecendo-se plenamente, dando azo a uma vontade não mais ludibriada por artifícios e mentiras, mas fortalecida ao ser aproximada de forma inequívoca pela nudez mutuamente observada e colocada como ponto inicial e não mais como a finalidade daquelas relações entre homens e mulheres.
O nudismo e a atenção ao corpo feminino no contexto brasileiro
Para entendermos como essas ideias impactaram a formação de representações sobre as mulheres no Brasil, é importante termos claro que os primeiros indícios da circulação de ideias e práticas naturistas no país remontam à década de 1930 (HEROLD JUNIOR et al., 2018). Mas é em meados de 1950 que muitas notícias sobre o nudismo são publicadas nos jornais brasileiros. Bernard Andrieu e Terezinha Petrúcia Nobrega (2016) ressaltam a importância que desempenharam nesse processo as manifestações artísticas e políticas de Dora Vivacqua, a dançarina conhecida como Luz Del Fuego, que, entre outras ações, publicou um romance em defesa do nudismo, intitulado A verdade nua, em 1948.
É relevante para o tema deste artigo o fato de Luz Del Fuego ser representada como ‘vedete vanguardista’ ou ‘precursora do feminismo’ (Naief HADDAD, 2017). Afinal, essa representação sinaliza o intricado relacionamento entre a expansão do naturismo no Brasil e as diversas análises e posicionamentos da sociedade da época em relação ao feminismo, à atenção ao corpo feminino e sua abordagem nas revistas naturistas.
A intensificação desse processo na década de 1950 reconhece que essa inquietação sobre aspectos e práticas atinentes à mulher é uma característica que antecede ao período estudado. Um exemplo eloquente desse interesse no corpo feminino foi manifesto, entre outros, por Fernando de Azevedo (1894-1974). Ao abordar a educação física em 1920, ele escrevera que da ‘cultura física da mulher’ dependia a realização da seguinte verdade: “mulheres fortes fazem uma raça forte” (Fernando de AZEVEDO, 1960, p. 78). Segundo ele, não deveriam existir mais “essas figurinhas pálidas, angulosas e de peito achatado, que povoam nossos salões, como vítimas de uma educação deficiente, tirânica, incompleta” (AZEVEDO, 1960, p. 79). Se, por um lado, Azevedo (1960) defendia a prática da educação física pelas mulheres e questionava os parâmetros de beleza vigentes à época, por outro, advogava o fortalecimento do corpo feminino em razão da sua, assim assumida, função materna de gerar filhos, circunscrevendo a beleza nesses critérios de feminilidade (GOELLNER; Alex Branco FRAGA, 2004).
No Brasil das primeiras décadas do século XX, passou a existir uma idolatria à beleza e à juventude feminina. Fundamental para o aumento dessa atenção foi a constância de posicionamentos que advogavam que “a saúde física e mental das mulheres estava intimamente ligada a sua sexualidade” (BESSE, 1999, p. 139). Daí ser a educação sexual um corolário paralelo ao estímulo às práticas corporais. Com essa preocupação marcando uma época, a expansão do naturismo configurou-se como importante e pleno de sentido e dúvidas para muitos que buscavam definir os papéis sociais a serem exercidos pelas mulheres.
Embora o nudismo associe-se não apenas à nudez, mas ao relaxamento das pesadas e longas vestimentas, bem como à consequente maior exposição do corpo, é problemático ligá-lo, sem tensionamentos, à emancipação feminina, pois o nudismo propagado pelo movimento naturista “atuou para descobrir o corpo das mulheres e fortalecer um ideal trabalhado de beleza feminina” (HARP, 2014, tradução nossa).
Goellner (2008, p. 23) diagnostica no Brasil o “incentivo a uma maior inserção das mulheres em diferentes instâncias culturais” no período em tela. Embora a autora não mencione o nudismo e o movimento naturista, entendemos que a adesão a essas práticas naquele momento fortalecia “uma representação hegemônica de feminilidade” (GOELLNER, 2008, p. 23).
O movimento naturista, nessa mirada, pode ser entendido como parte de “discursos progressistas e moralistas” (GOELLNER, 2006, p. 35) que levavam “as mulheres tanto para a exibição como para o ocultamento de seus corpos” (GOELLNER, 2006, p. 35), da mesma maneira que pode ser tomado como um dos estímulos à “denúncia da submissão feminina” (BESSE, 1999, p. 67), todavia “sem revolucionar os papéis de gênero” (BESSE, 1999, p. 67). No estímulo oferecido às mulheres para participar do nudismo, o principal empenho foi mostrar que elas eram (ainda mais) vigiadas nessa condição. Nesse ínterim, assumimos que as publicações nudistas colaboraram de modo importante com o aprimoramento dessa vigilância.
O corpo da mulher nas revistas nudistas brasileiras
Os benefícios do nudismo às mulheres
O primeiro registro de representações que encontramos sobre o corpo feminino nas revistas nudistas editadas e publicadas no Brasil diz respeito aos benefícios a serem colhidos pelas mulheres participantes da prática.
Se os benefícios aconteciam para ambos os sexos, era às mulheres que a prática naturista traria mais resultados, segundo as publicações levantadas. Vemos aqui a manutenção de um posicionamento utilizado em escala mundial, se considerarmos as observações feitas por Parmelee (1931) e analisadas anteriormente. Por meio dessa representação, no naturismo as mulheres libertar-se-iam do ‘limitante vestuário’, gozando essa liberdade por meio da prática de esportes comuns entre os praticantes. Era corrente atribuir aos hábitos de vestuários uma rigidez que remetia a ‘prisões’ que detinham, muito mais, as mulheres e menos os homens. Analisando essa percepção, Nicolau Sevcenko (1998) observou, como resultado da ‘ética do ativismo’ que se disseminou no Brasil nas primeiras décadas do século XX, o fato de as roupas mudarem, tornando-se “mais esportivas, leves, curtas, coladas ao corpo, expondo amplas áreas” (SEVCENKO, 1998, p. 569).
Isso tudo deu grande ímpeto ao combate às vestimentas justas em algumas partes do corpo e que restringiam os movimentos - como os espartilhos e demais indumentárias de sustentação e modelação corporal -, algo expresso por diversos médicos e mestres de ginástica desde o século XIX. No lugar dessas vestimentas, era o exercício físico recomendado como uma forma de modelar o corpo a partir do seu interior e não mais com recursos externos a ele (Georges VIGARELLO, 2006). Para o movimento naturista, tornaram-se comuns as críticas às roupas que comprimiam e deformavam o corpo feminino, sendo a prática nudista recomendada conjuntamente ao exercício físico, pois, por meio do trabalho corporal e do jogo, as mulheres trilhariam um caminho mais racional e adequado não apenas para elas, mas para toda a sociedade.
Esse benefício não era assumido como difícil de ser alcançado em virtude da nudez que a pressupunha. Na única ponderação redigida por uma mulher que lemos nas revistas, evidenciou-se que a ‘nudez simples’ era algo natural e menos propensa a macular os valores do tempo. E isso pela razão de que os “costumes de banho refinados mostram mais que escondem, e excitam mais a volúpia ótica dos homens” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10). Ou seja, a propalada racionalidade da prática e sua funcionalidade aos tradicionais hábitos brasileiros dar-se-iam, pois as mulheres nudistas saberiam que, durante a prática do naturismo, não se podia “exercer nem sombra da força de atração assim conseguida” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10); consequência essa avaliada como irrelevante se considerados os benefícios. Por exemplo, valiosas eram duas sensações que levavam as mulheres naturistas a serem, potencialmente, ‘felicíssimas’: a primeira era sentir “a brisa suave acariciando o corpo nu [...] com a pele desimpedida” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10); a segunda era ser uma “mulher saudável que, juntamente com o seu esposo” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10), praticaria “desportos e jogos ao nu” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10) para aumentar a “alegria da vida” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 10).
Uma das principais estratégias de divulgação do nudismo entre as mulheres brasileiras estava na imbricação das práticas advogadas e da modernidade que se via existir nas primeiras décadas do século XX. Em uma das revistas analisadas, após exibida a foto de uma nudista, segue a legenda com uma descrição que deixava clara a forma pela qual o convencimento se construía por meio de determinada representação sobre as mulheres: “A mulher evoluída do nosso século tem no sol, nos exercícios físicos e no ar puro os principais elementos para lhe conservar a juventude” (SAÚDE E NUDISMO, 1952a, p. 14), os quais seriam destacados, concretizados e ampliados pela nudez, alçada à baliza da almejada modernidade.
A nudez feminina: naturezas em discussão
Ao construírem sua argumentação sobre a relevância do naturismo às mulheres, lemos nas revistas considerações que complementam a “ideia de que a natureza conduz as mulheres ao casamento, à maternidade e à domesticidade” (PINSKY, 2014, p. 49). Em conjunto com as explicações sobre os benefícios colhidos pela prática do naturismo, foi necessário lançar mão de uma ‘natureza’ que levaria as mulheres frequentar lugares nuas e assumir que isso era importante para elas mesmas, para suas famílias e para sociedade brasileira em geral. A tal natureza, alçada a uma condição tão relevante do ponto de vista individual e coletivo, poderia superar o fato de as mulheres ainda resistirem ao movimento, algo que poderia ser mudado sem desconsiderar as características ‘naturais’ das mulheres acima mencionadas por Pinsky (2014), ao ponderar o contexto brasileiro de então.
Para encarar esse problema, seria necessário contornar a ‘vaidade feminina’, analisando o que a caracterizava. As roupas, ao esconderem os defeitos do corpo e criarem atributos que não correspondiam à ‘realidade’, davam ao rosto um lugar proeminente. Isso acontecia apesar de ser o corpo avaliado como mais importante na hora de atribuir juízos sobre a ‘verdadeira beleza’. Tanto o valor do rosto quanto o medo da exposição do corpo deveriam ser superados. Ao ponderar essa situação, verificava-se que o ‘verdadeiro sentimento’, razão das resistências, era uma forma de ‘faceirismo’. O que supostamente ocorria era o seguinte: “ela imagina rapidamente que a nudez porá em relevo suas imperfeições físicas e que correrá o risco com a perda dos atrativos postos em demasiada evidência por meio de artifícios”. Esses problemas levariam, então, ao principal: “decepcionar o homem a quem ama, ou os homens aos quais deseja iludir” (NATURISMO, 1954, p. 58).
Outra baliza recorrente para justificar a importância do nudismo eram os ‘sagrados princípios morais’. Contra eles, as roupas incitavam uma viciante curiosidade. A seu favor, a nudez, representada como produtora de uma consideração mais natural de nossos sentimentos. Despir-se seria um ato que revelaria não apenas o corpo, mas a moral da mulher brasileira, possibilitando avaliar sua aproximação (ou distanciamento) da natureza feminina tal qual apresentada pelas revistas:
[...] duas moças: a primeira vestida naturalmente, mas intimamente ela é de mentalidade fraca e espírito vicioso, pois a malícia e a curiosidade carcomem os alicerces morais e religiosos. A segunda, completamente nua e desprovida de curiosidade, pois ela considera o sentido do sexo como natural e isento de malícias. Agora, diga-me prezado leitor: qual das duas preconiza os sagrados princípios morais? (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 02).
O costumeiro pudor atribuído às mulheres era tomado como um erro crasso, se considerarmos que “as mulheres sentem-se perfeitamente bem na sua nudez” (SAÚDE E NUDISMO, 1952a, p. 24). No balanço final para tentar conciliar esse atribuído conforto com a nudez e a inquietação relativa aos adereços e às roupas, bem como o peso que tudo isso teria na formação de uma “companheira perfeita” (PINSKY, 2014, p. 232), era evidenciado que “as mulheres se vestem mais por ostentação que por um sentimento de vergonha do sexo oposto” (SAÚDE E NUDISMO, 1952a, p. 24).
Ao evidenciar a adequação das práticas naturistas às mulheres, nas revistas defendia-se que elas, “por seu papel biológico” (NATURISMO, 1954, p. 58), estavam mais "aproximadas à natureza do que estariam os homens” (NATURISMO, 1954, p. 58). Isso justificaria a defesa de que a mulher “se adapta melhor à vida natural e à prática gímnitica" (NATURISMO, 1954, p. 58), representação que ia de encontro à assunção que via a mulher “muito mais conservadora dos usos e costumes sociais” (NATURISMO, 1954, p. 58). Tanto assim que, em uma das análises, a explicação para a pequena participação das mulheres no movimento era o fato de o homem “não suportar a ideia de que sua esposa venha a ser exposta aos olhos de outros, atinando nisso ofensa aos seus direitos” (NATURISMO, 1954, p. 58). Na maioria dos casais seriam os maridos “que se põem contra o movimento” (NATURISMO, 1954, p. 58). Argumentava-se que nas famílias em que “o marido resolve pela afirmativa ela na mais das vezes concorda” (NATURISMO, 1954, p. 58).
O nudismo e os imperativos da beleza
Se “para os jovens anônimos, os esportes e a exuberância física do corpo atlético criaram novas oportunidades de visibilidade no espaço público” (SEVCENKO, 1998, p. 568), para as mulheres Sevcenko (1998) constata que o “ideal clássico da Vênus [...] funde a alegoria republicana no ideal da beleza desportiva” (SEVCENKO, 1998, p. 568). Com isso à frente, vemos que outra observação comum nas publicações naturistas era a respeito de um “conceito diferente de beleza feminina” (NATURISMO, 1954, p. 58). Os adjetivos que passaram a descrever o corpo feminino foram: bronzeado, flexível, vivido, harmonioso e sadio. O desenvolvimento desses atributos seria inescapável às nudistas. Afinal, os “corpos nus permitem descobrir imediatamente, sob as roupas mais adaptadas, os corpos franzinos ou deformados” (NATURISMO, 1954, p. 58).
A apresentação de longas listas de adjetivos ou qualidades corporais resultantes do nudismo caminhava ladeada pela advertência de que a prática do nudismo não era uma ‘exibição’. A ótica se construía de um modo peculiar. Se, de um lado, chamava-se a atenção aos atributos corporais das nudistas, por outro, convencia-se potenciais praticantes tranquilizando-as sobre inquietudes que estavam à espreita: “o corpo humano desnudo, especialmente quando queimado pelo sol, adapta-se tão bem à Natureza que de modo algum pode ofender a vista de qualquer mortal” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 06). Com isso, buscava-se acalmar as possíveis leitoras das revistas, evidenciando que, ‘defeitos’, todas possuíam. Eles seriam “sinais que ninguém liga” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 28) e que não era necessário “sentir-se tolhido por tais coisas” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 28). Por fim, a conclusão tão frequentemente repetida: “a própria natureza do Nudismo os deixa de fora” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 28).
Mesmo com as tentativas de evidenciar que a vaidade feminina não teria razão de existir, os divulgadores do movimento no Brasil também não se eximiam de apoiar o valor de sua prática pelo potencial embelezamento proporcionado por ela. O que deveria ser buscado era uma beleza tomada como ‘mais autêntica’, em que “o tratamento de beleza moderno não consiste apenas na maquilagem” (SAÚDE E NUDISMO, 1952b, p. 26). Cabe lembrar que o combate ao uso da maquiagem e a defesa de uma ‘beleza natural’ recebeu também grande suporte da moral religiosa e se fez amplamente presente em manuais e revistas femininas da primeira metade do século XX (Denise Bernuzzi de SANT’ANNA, 2014). O desafio encarado e superado pelo naturismo era “tornar o corpo inteiro da mulher belo, sadio” (SAÚDE E NUDISMO, 1952b, p. 26). Nesse crivo, o questionamento que pautava a leitura das revistas é o seguinte: “de que serviria a maquilagem se a mulher é gorda, tem as formas excessivas, envelhece depressa por falta de alimentação? É necessário cuidar de todo o corpo...” (SAÚDE E NUDISMO, 1952b, p. 26). Apesar da tranquilidade que pregavam quanto a essa ‘beleza autêntica’, do raciocínio seguinte, inferimos, no final de todas as contas, que seria a beleza o grande distintivo a ser buscado como característico das mulheres brasileiras:
[...] sejamos francos: você seria capaz de assistir duas vezes a um ‘ballet’ harmonioso nos passos mas cujas componentes fossem cambotas, cambetas, magrérrimas e desdentadas? Se o seu espírito não é bisonho você olhará as ‘girls’ - e não o que elas fazem... (SAÚDE E NUDISMO, 1952b, p. 20).
A franqueza demandada no trecho acima, dirigido explícita e certamente aos leitores (e não às hipotéticas leitoras), mostra dificuldades na construção do argumento que relaciona o nudismo à ‘emancipação das mulheres’ e ao ‘aprimoramento dos costumes’. Nas publicações nudistas, a vaidade feminina voltava-se, recorrentemente: “Se mesmo com a ‘permissão’ do marido, a esposa não aceitasse participar do nudismo, isso ocorreria porque, nesse caso, talvez, ela ‘não se sente suficiente graciosa, caso esse em que entra a frivolidade feminina’” (SAÚDE E NUDISMO, 1953, p. 06).
Muitas reportagens se dedicavam à construção desse argumento. As críticas à civilização se pautavam na defesa da urgência de se reconhecer a importância de coisas simples que teriam sido esquecidas:
O homem de hoje [...] Apegado instintivamente a sua própria vida, esse grande micróbio que desafia os astros e penetra nos segredos atômicos, cambaleia e segue torturado em busca do Nada, pois quanto mais se julga senhor do Destino, mais triste é a realidade e a ignorância da sua origem e do seu fim...[...] (NUDISMO E BELEZA, 195?, p. 10).
Esse equívoco era potencialmente destrutivo dos indivíduos e da sociedade, algo a ser revertido pela ‘simplicidade’ do cultivo à nudez no naturismo. Teria sido com essa intenção que o articulista estampara em uma das capas uma ‘linda nudista’:
[...] NOSSA CAPA mostra uma linda nudista, como milhares que vivem desfrutando a Natureza nos campos europeus, em plena comunhão de ideia, liberdade e ação. Ela não obstante estar num de seus aposentos, ocultando algumas partes do seu corpo sob um lindo leque, contudo, busca na distração do sol, do campo e do mar, o meio mais prático de conservar sua beleza e seu físico (NUDISMO E BELEZA, 195?, p. 10).
A ‘linda nudista’ representaria essa simplicidade frente ao ‘senhor do destino’, pelo fato de “conservar sua beleza e seu físico” (NUDISMO E BELEZA, 195?, p. 10). Com efeito, era no corpo, simbolizado pela ‘simplicidade feminina’ e ao mesmo tempo pela sua beleza, que se depositava a possibilidade de reversão de um quadro moral distante do ‘tradicional’. Proteger essa moral passava pelo reconhecimento da aparência corporal, exatamente pelo fato de os problemas que grassavam à época serem espirituais: “segundo uma lógica e doutrina, um físico forte e sadio, reflete sobre o espírito. E o nosso grande mal - nosso, na extensão do Universo - é puramente espiritual...” (NUDISMO E BELEZA, 195?, p. 10).
Na conjunção dessas representações sobre o corpo, a beleza do corpo feminino tornou-se um imperativo moral no Brasil nos anos de 1950. Imperativo que sinaliza como a construção de novas sensibilidades corporais passou a ter na exposição corpórea um meio efetivo para a manutenção de tradições assumidas como ‘natureza feminina’, para o que o nudo-naturismo se colocou como mais um grande defensor.
Considerações finais
As reflexões que agora se encerram giraram em torno da atenção dada à mulher, ao seu corpo e à sua nudez por parte dos defensores do movimento naturista na década de 1950 no Brasil. Por incursões teóricas pela literatura, vimos como o corpo e suas práticas ganharam valor para a estruturação de novas relações sociais e sensibilidades corporais. Vimos, também, que o movimento naturista se tornou uma problemática em diferentes realidades, embora integradas em um contexto generalizado de valorização da dimensão corporal para a reflexão dos rumos societários.
No Brasil, o estudo colocou em destaque o surgimento de muitas questões durante a década de 1950: O que podem e o que devem fazer as mulheres com seu corpo? Como expô-lo e como olhá-lo, sabendo que diferentes olhares são possíveis na tensão entre mudança e permanência de representações sobre o que deveria ser e fazer as mulheres na década em tela? Por meio de uma abordagem histórica, mostramos como o movimento estimulou e lidou com essas indagações. A ponderação sobre os efeitos do nudismo, a reflexão sobre os medos ou a suposta propensão feminina à nudez, assim como a construção de outras maneiras de se considerar a beleza do corpo feminino, marcam a continuidade de representações bastante preocupadas com a mulher no Brasil. É no bojo dessa preocupação que entendemos representações que estimulavam práticas corporais variadas, experimentadas junto com a nudez nos campos e praias nudistas.
Estudar o naturismo na história brasileira proporcionou diferentes posições relativas a hábitos e costumes concernentes às mulheres. Concluindo o estudo, endossamos a impossibilidade de entendermos a exortação à nudez apenas como um marco de emancipação feminina. A importância dessa tensão nos leva a reiterar a necessidade de aprofundarmos as reflexões sobre a construção/desconstrução das feminilidades na história do corpo no contexto brasileiro, sendo o nudo-naturismo um elemento-chave para compreendermos esse processo.