1 Considerações iniciais
Nos tempos virtuais, é incessante a demanda por formações profissionais para o aumento das qualificações dos sujeitos, tendo em vista melhores oportunidades de atuação no mercado de trabalho. Nesse contexto, a educação atinge um imperativo, pois nunca tantos sujeitos tiveram acesso ao ensino via Educação a Distância (EaD) 2 , este fortemente associado ao desenvolvimento de políticas públicas à ampliação da produção científica na área e à democratização do acesso ao ensino tecnológico (ASSUMPÇÃO; CASTRO; CRISPINO, 2018). Por meio dessa possibilidade de ensino, percebemos a eliminação dos impedimentos de tempo e espaço que mantiveram muitos sujeitos cerceados de frequentar as universidades. À medida que as tecnologias se expandem, permitindo a realização de estudos a distância, geram-se possibilidades de formação para um grande número de sujeitos, tornando a EaD um modo de democratização do ensino.
O problema disso é que a rápida e desordenada expansão da EaD acaba levando o comportamento humano a uma lógica da eficácia tecnológica e suas razões de ser reproduzem-se como uma divindade irrefletida de um completo êxito. A ambivalência das tecnologias é nítida nas pesquisas, nas práticas sociais e no fomento de políticas públicas, gerando perplexidades e incertezas no trânsito entre virtualidade e realidade (pedagógica multicultural), enquanto universo do educar para promover conhecimentos sensíveis à formação global (CONTE; HABOWSKI; RIOS, 2019).
Diante desse quadro polissêmico, indagamos: quais são os discursos e preocupações recorrentes nas teses produzidas na área da educação e que estão subjacentes à legitimação da EaD? Ao visar a um aprofundamento de tal realidade e identificar outros mundos produzidos em âmbito acadêmico, para aprofundar a argumentação crítica em torno da questão. A relevância deste estudo está na tentativa de fazer uma leitura crítica da realidade, indicando uma compreensão sobre as interlocuções estabelecidas via EaD, considerando que a dinâmica educativa e social contemporânea está fortemente atrelada e condicionada às tecnologias. Assim, garimpando as teses produzidas no campo da educação, encontramos relações para a compreensão dos problemas contemporâneos da EaD e para atender as demandas formativas à democratização do acesso ao conhecimento, à (re)construção das linguagens tecnológicas e suas consequências de caráter social e não-linear.
A partir de um horizonte hermenêutico, problematizamos as racionalidades e as formas de legitimação da EaD, interpretando e compreendendo a realidade educacional, que pode ser percebida de forma ingênua, mágica, crítica ou reconstrutiva, a partir da realidade pungente, questionando a imediaticidade dos decretos instituídos e dando abertura a métodos dialógicos 3 . A racionalidade hermenêutica é constituída dentro das condições humanas da linguagem, o que possibilita ao pesquisador estabelecer um lugar flutuante de (re)construção de significados a partir dos diferentes discursos identificados. Gadamer (2002) define a hermenêutica como busca de compreensão de sentido na intercomunicação, ressaltando que o campo hermenêutico é o lugar do homem na cultura, na história e no mundo social. Isso porque a própria condição humana implica no ato de dizer a palavra e compreender, que é um horizonte de abertura a outras possibilidades de entendimento sobre as questões pungentes.
Os vieses de Shor e Freire (1986) partem de um processo dialógico e problematizador da educação, de recusa à pedagogia oficial de manter a greve de desempenho dos estudantes seguindo adequações conteudistas do currículo passivo-prescritivo, no sentido de contribuir com o olhar sobre a questão científica, pedagógica, política e tecnológica necessária à formação cidadã. Suas obras, no debate político vinculado à EaD, vão além de uma conotação para o mercado de trabalho ou de submissão aos textos prontos e currículos falsamente neutros, influenciando na transformação social de conhecimentos com o pensar crítico e coletivo de mundos. Com tais pressupostos, visamos buscar uma EaD que possa formar, além de técnicos, cidadãos do mundo com capacidade reflexiva sobre os usos das linguagens tecnológicas na educação, fortalecendo assim a inspiração de ideias e alternativas, frente aos fenômenos científico-tecnológicos do cotidiano.
O trabalho estabelece interlocuções com a produção discente sobre a EaD, partindo, inicialmente, da contextualização dos estudos no campo educativo. Posteriormente, apresentamos cada tese mapeada, mostrando os principais enfrentamentos, lacunas e possibilidades, seguindo-se com uma problematização do que foi encontrado em termos de convergências nas teses. Com isso, abrimos novas perspectivas de diálogo com os fenômenos estudados na EaD, tendo assim um desvelamento da realidade e uma leitura compreensiva das pesquisas, para a superação de uma cultura do silêncio e do autoritarismo histórico ( FREIRE, 1987 ).
2 Panorama das teses mapeadas
A popularização da EaD no Brasil vem possibilitando o ingresso de pessoas no ensino superior. A compreensão das transformações de práticas sociais e da comunicação no contexto da EaD é um importante campo de estudos que está em franco desenvolvimento, por isso, buscamos compreender os reflexos das construções discursivas das teses na área da educação. O caminho para uma cidadania democrática passa pelo direito à EaD, que pode preparar e incrementar uma comunicação global, participativa e de interdependência intelectual, para que todos possam exercer o “status de cidadão do mundo” ( HABERMAS, 1997 , p. 304).
A sociedade contemporânea admite a continuidade dos empreendimentos na EaD com a pretensão de atender as demandas sociais e educacionais, que implodem as pretensões de domínio do saber e aprisionamento do outro. Muitas das mutações são favoráveis para os avanços dos mecanismos presentes no conjunto de artefatos digitais da cultura, que estão cada vez mais atraentes, mas trazem consigo formas de instrumentalização e objetivação da comunicação, além de amarras do confinamento alienante na submissão acrítica de informações. Atualmente, entre as incitações da EaD está a possibilidade de apresentar um ensino eficaz, rápido, que responde às necessidades de aperfeiçoamento das pessoas para o mercado de trabalho, diminuindo as barreiras da distância e do tempo. Vale mencionar que a EaD também pode recair em uma dependência tecnológico-pedagógica quando sufoca o diálogo pelo desconhecimento das conexões possíveis via tecnologia, aprisionando, domesticando e marginalizando as diferenças de linguagem existentes.
Nesse sentido, a partir de um mapeamento de teses produzidas nos Programas de Pós-Graduação em Educação, no portal da BDTD, foram encontradas 75 teses no quadriênio de 2012 a 2015. As buscas das teses aconteceram por meio das palavras-chave educação e tecnologia e depois dessa seleção inicial foram catalogadas por temáticas, com base na leitura do resumo, da introdução e das conclusões. Tais pesquisas, além de discorrerem acerca das tecnologias e educação, abrangem inúmeras temáticas, de modo que, das 75 teses relacionadas, somente seis foram enquadradas na problemática deste trabalho. Circunscritas à temática “discursos de legitimação dos cursos de EAD”, elencamos: um (UFPB) em 2012, três (UFRGS, UFSCar, USP) em 2013, um (USP) em 2014, um (USP) em 2015. Partimos do pressuposto de que uma visão prévia de um campo de pesquisa, que recorta uma posição assumida, implica o aprofundamento de estudos e relações dialéticas que dão sentido e compreensão ao agir humano, sendo necessário, portanto, investigar as produções científicas nos cursos de doutorado (ALMEIDA JUNIOR et al, 2005). Tais pesquisas permitem arquitetar o que está acontecendo na atualidade e, de fato, trazem um reconhecimento das exigências do conhecimento no horizonte das potencialidades e condicionamentos das tecnologias na educação, sendo algo relevante para lançar luz aos diferentes conhecimentos da área.
Tal busca revela-se pertinente à medida que percebemos que poucas são as teses sobre os discursos que legitimam a EaD, especialmente em tempos de expansão e democratização das tecnologias na formação dos sujeitos, de modo a capacitar os professores a interferir criticamente nessas questões. Tais estudos reiteram a necessidade de formar científica e tecnologicamente os educadores para desenvolver a capacidade crítica e participativa nas tomadas de decisão à resolução de problemas da sociedade, ao invés da simples transmissão-recepção de conteúdos e conceitos via EaD. O diálogo com a tradição cultural sustenta as análises das diferentes perspectivas abordadas, tornando-se premissa básica para uma educação emancipadora em EaD.
Na análise das experiências de EaD, podemos ser transformados no transcurso do tempo, sempre em busca do olhar (auto)crítico da cultura tecnológica e do princípio pedagógico da interdependência comunicativa, se, recuperando a tensão constitutiva de busca de sentido, transformarmos o conhecimento. Tomadas como indicações de problemas à luz de interesses que se manifestam, as teses que abordam os discursos de legitimação em EaD nos levam a descobrir os seus próprios caminhos de resistência, para ir além de uma lógica de EaD como algo pronto, movimentando o pensar sobre a realidade e sobre os limites dessa arte de educar.
3 Possibilidades e problemáticas identificadas
Uma compreensão crítica sobre as interações entre ciência-tecnologia-educação-sociedade exige de nós a disposição de aceitar o desconhecido na EaD e na própria ameaça contida nos discursos de sua legitimação, muitas vezes impulsionados por decreto. Barros (2014) , na tese “Democracia e utopia na sociedade do conhecimento: reflexões sobre a educação a distância”, propôs analisar o atual discurso de legitimação da EaD via internet. Reconhece a sociedade do conhecimento como a nova utopia da modernidade, que tem na EaD a esperança de uma convivência democrática, a partir do crescimento das novas tecnologias telemáticas. Para Barros (2014 , p. 8), “ante a expansão dos cursos on-line em nosso país, frequentemente esse fenômeno é caracterizado como um processo de democratização do ensino”. No entanto, ser democrático ou democratizante envolve, além do aumento de acesso a vagas, um direito moral e um processo de democratização como um valor socioeducacional.
Assim, Barros (2014) investiga os elementos da realidade que sustentam essa proposição, verificando que democratizante pode ser compreendido no sentido histórico e social do contexto em que emerge, tendo por base os documentos oficiais brasileiros, o que não resulta automaticamente o acesso à EaD como um processo em si de democratização. Isso porque, junto à democratização da formação em EaD, surgem categorias como capital e trabalho, fazendo com que a educação seja mercadoria de troca extraordinariamente valorizada, tornando-se negócio, pois cada vez mais se expande essa rede de assimetria tecnológica. De acordo com Barros (2014 , p. 17), pode-se entender a EaD em dupla dimensão: “como uma promessa de uma sociedade mais livre e esclarecida e como a expressão de um novo momento do capitalismo, que, por converter a totalidade da vida humana em possível fonte de valor econômico, demonstra-se como fenômeno totalizador da existência”.
Portanto, essa sociedade global, apesar de proclamar a emancipação do conhecimento, possibilita o aparecimento da dependência por meio de modelos programados e distanciados, que cerceiam a reciprocidade dialógica, acarretando na constante vigilância do sujeito, que converge para o domínio financeiro, por meio da obrigação de um constante aprendizado via EaD, para que o mercado de trabalho continue aprisionando e alienando formas de pensar e agir. O desenvolvimento da EaD é uma questão política, tecnológica e pedagógica, “pois o problema acerca das possibilidades da Sociedade do Conhecimento é o problema da técnica como questão política” ( BARROS, 2014 , p. 207). Nesse viés, Barros (2014) considera a sociedade do conhecimento como uma questão aberta e que requer mais aprofundamentos nas correntes teóricas, inclusive de alegações contrárias, sobressaindo novas perguntas, resistências e contradições formadoras.
Que novas relações surgirão a partir do recrudescimento cada vez maior das novas tecnologias de informação e comunicação? Como serão as relações de sociabilidade no futuro próximo? Qual será a extensão do impacto das inovações tecnológicas e das novas formas de sociabilidade nos processos educativos? Até que ponto revelar-se-á verdadeira a consideração de que a EaD será o novo paradigma educacional? ( BARROS, 2014 , p. 207).
Contudo, em suas últimas afirmações, Barros (2014) qualifica a EaD como forma de democratização da sociedade, na justificativa da Sociedade do Conhecimento como uma questão política e um imperativo da práxis, por meio do trabalho intelectual crítico, livre, justo e solidário acerca das ações culturais, desde que a EaD não se submeta à autoridade da transferência operacional da pedagogia passiva. Ao visar uma educação emancipatória, Carvalho (2015) defendeu a tese “Educação cidadã a distância: uma perspectiva emancipatória a partir de Paulo Freire”, para mostrar a necessidade e a dificuldade de transformar a EaD em uma disposição (auto)crítica e oportunidade à emancipação social, uma vez que pode recair no tecnicismo pedagógico alienante por mecanismos da sociedade.
Carvalho (2015 , p. 13) refere que “este trabalho pretende contribuir com uma Educação de caráter emancipatório, com sujeitos críticos e comprometidos com a melhoria de vida de todos e do planeta, por meio de uma discussão sobre formação cidadã pela modalidade a distância”. E acrescenta como problematização: “Este não é um trabalho sobre Educação a Distância, pois Educação a Distância não existe. O que existe mesmo é Educação, em variadas perspectivas e desenvolvida sob algumas modalidades, entre elas, a chamada a distância” ( CARVALHO, 2015 , p. 192).
Portanto, a transformação passa pela mudança de perspectiva em relação à interdependência humana nesta mobilidade formativa para o restabelecimento do diálogo, pois mesmo sendo mediada pelas tecnologias, a EaD não pode ser uma educação que distancie os sujeitos, mas que sensibilize, aproxime, reconheça, e coloque em circulação saberes, por meio da cultura digital, tornando-os cidadãos do mundo atual ou virtual. Embora ao longo da tradição pedagógica, o educador seja visto como simples mediador dos processos de educar, Carvalho (2015 , p. 194) observa que na EaD, “o educador a distância não é mediador, portanto, mas um provocador dessas tensões, redescobrindo junto com o estudante o objeto na sua relação com o mundo, com vistas a transformá-lo”.
Em face disso, Carvalho (2015 , p. 196), em suas últimas análises, retoma os desafios iniciais da pesquisa, ampliando as perguntas referentes aos objetivos e à diversidade de fontes testemunhadas, a saber: “É possível uma Educação emancipadora/cidadã a distância? É possível uma Educação a Distância freiriana? Ao mesmo tempo, arrisca uma resposta quando defende a busca permanente de coerência com tais adjetivos”. Afinal, sancionar oficialmente uma EaD tendo imperativos freireanos exige, primeiramente, uma mudança de atitude que envolve hábitos culturais e o próprio fenômeno educativo (do pensar autocrítico, diferenciado e interdependente), além da supressão de certas práticas opressoras e violências simbólicas reproduzidas nas instituições.
Com base em uma realidade empírica do contexto universitário, Galasso (2013) traça a pesquisa intitulada “Do ensino em linha ao ensino online: Perspectivas para a educação online baseada na mediação professor-aluno”, em que apresenta na educação online princípios de interação, colaboração e mediação que são essenciais à compreensão teórica e empírica dessa modalidade de ensino. Galasso (2013) defende que essa modalidade pode contribuir para um ensino mais significativo, através de discussões sobre as tecnologias utilizadas e as competências imprescindíveis do professor para mediar o aprendizado. Assim, a tese expõe um estudo de caso extraído de um questionário aplicado aos estudantes do ensino superior, apreciando, dessa análise, princípios basilares para o bom resultado dessa modalidade de ensino.
No conjunto dessas evidências, “dentre as principais, estão os recursos que o ambiente virtual do curso oferece, bem como a interação e colaboração entre os alunos e o papel desempenhado pelo professor nesse ambiente” ( GALASSO, 2013 , p. 7). A inter-relação desses princípios é que indica novos sentidos à educação online, impactando na disposição de uma educação aprendente, estabelecida pela experiência de interação. “Essa forma de organização possibilita a criação de uma comunidade virtual, que tem como base as teorias de aprendizagem interacionistas, fundamentando aspectos essenciais da educação online, como a presença social e a construção coletiva de conhecimento” ( GALASSO, 2013 , p. 7). Mesmo dentro dessa perspectiva, muitas são as dificuldades enfrentadas na realidade da educação online, a saber:
O país vem enfrentando sérios problemas como: a descontinuidade da legislação, das políticas públicas e de financiamentos; a utilização de modelos inadequados de ensino; o alto custo dos sofisticados equipamentos importados e de softwares; a escassez de material disponível na rede na língua portuguesa; a pouca experiência de ponta; a escassez de profissionais com experiência para criar e operar a educação online ( GALASSO, 2013 , p. 18).
No diálogo com a legislação, Galasso (2013 , p. 18) lembra que “o momento é de busca e de amplo debate, tanto técnico, como político e metodológico”, bem como de uma preocupação formativa da educação online, que “envolve o professor, considerando sua conduta, seu preparo, sua disponibilidade e participação na aprendizagem do aluno”. A formação permanente dos educadores confere inovadores processos reconstrutivos de aprendizagem interativa no ensino online, por meio da “habilidade com a tecnologia do curso, a agilidade nas respostas em tempo real ou assíncrono, o retorno às tarefas elaboradas pelos alunos nos fóruns e a capacidade de incentivar o aluno a participar das discussões e pesquisas” ( GALASSO, 2013 , p. 182). Voltando o olhar para o interesse e o contexto do estudante, as análises das entrevistas incorporadas na tese revelaram que, quando há demora nos resultados das atividades, cria-se a sensação de insegurança por parte dos acadêmicos. Galasso (2013 , p. 183) defende ainda a importância “da qualidade da relação professor-aluno no ambiente virtual, pois a interação permite uma aproximação individualizada”, reconhecendo os estilos de aprendizagens distintos. Destacam-se as possibilidades de uma experiência social de construção do currículo experimental, pensado a partir das inúmeras atividades e metodologias, potencializando a forma de produção e mobilização de conhecimentos nesse processo (re)construtivo de conhecimentos.
De acordo com as entrevistas, “95% do universo pesquisado afirmou que o ensino online estimulou o desejo de aprender, e 88% concordou com o fato de que o processo de aprendizagem virtual pautado na mediação professor-aluno e na interação e colaboração aluno-aluno conduzem à formação de uma comunidade online” ( GALASSO, 2013 , p. 189). Isso nos mostra que a educação online pode atender aos imperativos contemporâneos de uma educação aberta e intercultural, de apreço às diferenças, além de fornecer estímulo para a diversidade de sentidos e usos dos atores sociais, visto que “a base tecnológica do ensino virtual pode amparar a educação de forma adequada às exigências modernas, mantendo boa qualidade de ensino” ( GALASSO, 2013 , p. 189).
Em um novo contexto, projetando analisar as atividades realizadas na disciplina Educação a Distância: Instrumentos e Tecnologias , do curso de Pedagogia a distância da UAB/UFSCar (2007/2008) e traçando o perfil dos ingressantes no curso, Perez (2013) defendeu a tese “Ingressantes na Licenciatura em Pedagogia no sistema UAB/UFSCar: Quem são, O que pensam e Aprendizagens iniciais”. A tese analisa dados empíricos de um questionário feito aos estudantes no início do curso e utiliza um diário reflexivo preenchido no ambiente virtual de aprendizagem no percurso da disciplina, relacionando ao registro das aprendizagens, as percepções, dificuldades, desafios e lacunas enfrentados por 26 acadêmicos que foram selecionados.
Perez (2013) relaciona alguns dados quanto à empregabilidade dos acadêmicos, sendo que a maioria já atua na área da educação e por isso procura uma melhor qualificação e aperfeiçoamento para o mercado de trabalho. Em discursos analisados sobre o papel do educador, os acadêmicos destacam uma profissão que envolve mais amor e dedicação, do que remuneração (algo preocupante na atualidade, visto que os governos sequer pagam o piso salarial aos professores, desvalorizando-os socialmente), e “consideram que houve uma mudança de papel, o professor não é mais aquele que transmite o conhecimento, ele educa para a vida com todos os aspectos que isto implique, pois a sociedade também mudou” ( PEREZ, 2013 , p. 265).
Em relação ao que deveria ser aprendido na formação inicial, destacam a importância de “conhecimento de conteúdo específico, conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento pedagógico geral”, para desenvolverem melhores práticas pedagógicas em sala de aula ( PEREZ, 2013 , p. 265). Em relação à formação oferecida no Ensino Fundamental, afirmaram que são imprescindíveis “conhecimentos relacionados à realidade, atividades extras e motivação ao aluno para que o ensino se torne atrativo e criativo” ( PEREZ, 2013 , p. 266). Já em relação às dificuldades enfrentadas na aprendizagem virtual, Perez (2013) destaca as questões relacionadas à construção de hipertextos, problemas em relação às senhas, problemas de conexão e dificuldades na realização das atividades por desconhecer o ambiente virtual de aprendizagem (AVA). O curso oferecia boas oportunidades de familiarização e interação do grupo de estudantes com as tecnologias, porém, “existem alunos que tem dificuldades no excesso de interações dos colegas, isto ocorre devido ao estudante não ter uma interação constante ao ambiente” ( PEREZ, 2013 , p. 269).
Para sanar estas e outras dificuldades em relação ao AVA, os acadêmicos mencionaram que procuraram os tutores virtuais e presenciais por meio dos fóruns de dúvidas, mensagens ou email, além de estreitar relações com os próprios colegas pessoalmente, por telefone e em outras comunidades ou redes sociais ( PEREZ, 2013 ). Desse modo, inscreve-se nos processos de EaD uma experiência formativa que penetra as estruturas sociais da dominação unilateral, demasiado opacas e de currículos estranhos, para estimular a atenção crítica, a manifestação dos estudantes e a autoconfiança, em nome da solidariedade intelectual própria de conversações.
Na tentativa de estabelecer nexos com a EaD, por meio da fenomenologia, Pasqualli (2013) escreveu a tese “Trajetórias de saberes: a formação e a prática dos professores dos cursos de licenciatura a distância em ciências naturais e matemática nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia no Brasil”, a fim de evidenciar e compreender os discursos dos docentes dos cursos de EaD. Desse modo, identificou em todos os Institutos Federias de Educação, Ciência e Tecnologia do Brasil, os que possuíam cursos de licenciatura em Ciências Naturais e Matemática de EaD, ofertados pela UAB para realizar entrevistas, visando esclarecer o “modelo adotado para a formação de professores dos cursos de Licenciatura na modalidade de EAD” ( PASQUALLI, 2013 , p. 27). Dentre as perguntas subjacentes à investigação, destacam-se:
[...] como é (ou está sendo) o processo de formação dos professores que atuam nesses cursos e, consequentemente, como está acontecendo a transposição didática desejada ao perfil dos egressos desses cursos? Quais os saberes docentes que estão sendo mobilizados para que esta revolução silenciosa aconteça? Estão ocorrendo realmente rupturas com os modos clássicos de formação de professores? E como fica este processo de formação, que quer ser diferenciado e que também necessita ser ofertado a distância? ( PASQUALLI, 2013 , p. 23).
Pasqualli (2013) traz à luz e denuncia diversas contradições diante do que se escreve (se planeja teoricamente) e do que se faz efetivamente na prática da EaD, mostrando as fragilidades teóricas e metodológicas na disposição de aprendizagens a distância e um distanciamento e até confronto diante daquilo que se concretiza. Destaca que “existe pouca integração entre os sujeitos investigados, sendo que, principalmente, os tutores acreditam que os cursos poderiam ser melhores se essa interação acontecesse” ( PASQUALLI, 2013 , p. 279). Parece que vigora uma concepção de EaD como um ensino posto em prática segundo estruturas econômicas e imperativos de determinação (de funções e separação de tarefas entre professor/tutor/estudantes), que não leva em consideração o diálogo entre os professores desses cursos diferenciados e o processo de ensino em contato direto com os estudantes, tornando os elos de (re)conhecimento mútuo fragilizados pela lógica da comunicação autossabotadora.
Do ponto de vista institucional, os cursos estão em consonância com a legislação vigente 4 , porém, “não agregam elementos capazes de dar conta da diversidade oriunda da modalidade de EaD. São, na sua maioria, réplicas dos documentos de criação dos mesmos cursos só oferecidos na modalidade presencial” ( PASQUALLI, 2013 , p. 280). Assim, há dificuldades no ensino presencial que reaparecem na EaD, já que reincidem as dificuldades e ordenamentos em lidar com as tecnologias, a falta de metodologias dos educadores, o desinteresse dos acadêmicos etc. Para reverter essa situação, Pasqualli (2013) observa que diversos professores e tutores têm interesse em melhor capacitar-se para atender as complexidades da EaD. Porém, “há várias falas, especialmente de tutores, que se encontram desgostosos por não haver mais capacitações e por se sentirem isolados no processo” ( PASQUALLI, 2013 , p. 281). A tese defende a formação qualificada do professor nos diferentes contextos, grupos, tempos e espaços abertos de conhecimentos em rede, como um diferencial para impulsionar novos horizontes de trabalho profissional, tendo em vista que os saberes docentes nunca estão consolidados e requerem atuações diferenciadas, inclusive para questionar as lacunas e fronteiras desses conhecimentos.
O professor precisa da formação acadêmica Lato e Stricto Sensu mas também precisa desenvolver os saberes da formação profissional, os saberes disciplinares, os saberes curriculares, os saberes pré-profissionais e os saberes experienciais. [...] Os saberes docentes não estão prontos e acabados, estão em constante movimento e precisam sempre ser mobilizados, considerando-se a complexidade das situações profissionais nas quais o professor se envolve. ( PASQUALLI, 2013 , p. 282).
No universo aberto da EaD há contrastes frente às diferentes realidades, assim como discrepâncias sobre o AVA (alguns perpetuam características de funcionalidade das ferramentas), considerado pouco atrativo pelos estudantes, além de dificuldades em abordar as ambiguidades comunicativas nesses espaços pelos participantes, a conexão lenta da internet, fatores estes que revelam um forte movimento de uniformização cultural, capaz de desqualificar os efeitos da EaD.
Em boa medida, a investigação de Miranda (2012) intitulada “Formação de pedagogos em serviço a distância: representações de professores/aprendentes do curso de pedagogia a distância da UFPB virtual” discute a formação de professores, identificando as contribuições das políticas de formação no curso de Pedagogia virtual. Valendo-se desse contexto, aborda as dificuldades encontradas à formação e prática profissional dos professores de Pedagogia a distância. Os resultados indicam que os locais para a realização das atividades do curso variam muito, “destacando-se com maior frequência (76%), o primeiro (residência), já que a maioria trabalha em dois turnos (matutino e vespertino) e elegeram o turno da noite como horário para estudar os materiais do curso e execução das atividades acadêmicas” ( MIRANDA, 2012 , p. 209).
Diante das diversas experiências e ferramentas propostas no curso, constatou-se uma maior interação entre os participantes no ambiente virtual. Mas, durante a formação, o desempenho dos tutores foi bastante criticado, tendo em vista que “31% (04) dos professores/aprendentes destacaram que às vezes solucionavam as dúvidas e 23% (03), frequentemente, destacando assim, a falta de feedbakcs com presteza” ( MIRANDA, 2012 , p. 210). De uma forma ou de outra, as aprendizagens em grupo fortalecem os vínculos entre os professores e estudantes do curso. Para o cumprimento das exigências legais, a realização de provas pelos cursistas no polo presencial de EaD representou entraves para:
[...] conciliar estudo e trabalho; significativa quantidade de provas para executar em apenas uma semana; a distância em que estava situado o polo, pois alguns residiam em cidades mais afastadas da sede onde funcionava o curso; extensão das provas e abordagem dos conteúdos que gerava insatisfações nos momentos de avaliações; e, por fim, a falta de materiais (cartucho e papel) para impressão das provas, o que era comum acontecer no atendimento a primeira turma, já que o polo se encontrava em fase de estruturação. ( MIRANDA, 2012 , p. 211).
Da avaliação efetuada por Miranda (2012 , p. 211), “61% (08) dos professores/aprendentes consideraram ótima a sua trajetória e, de acordo com os méritos atribuídos, a trajetória e o desempenho acadêmico”, uma vez que possibilitou construir uma nova compreensão sobre a prática pedagógica, em interdependência com outros estudantes para a construção de conhecimentos, resultando no aprimoramento do processo de ensino na instituição. A partir da visão contextualizada na tese, esse percurso formativo na EaD “trouxe contribuições para melhoria da prática pedagógica dos professores/aprendentes, uma vez que oportunizou construção de novos saberes e acesso a utilização dos recursos tecnológicos, o que contará para adoção de práticas metodológicas mais interativas”, em redes de aprendizagem colaborativa presencial ou virtual ( MIRANDA, 2012 , p. 214).
Tudo indica que a constituição de grupos ou círculos de cultura para aprender na EaD gera comunidades de investigação, seja na partilha de dúvidas, no fortalecimento de pautas coletivas, enfim, permite a construção colaborativa de conhecimentos, que nos parece válido problematizar, com vistas à aquisição contextualizada e mobilizadora de benefícios formativos, profissionais e sociais. Diante da realidade econômica e das dimensões geográficas do Brasil, elementos recentes mostram:
Dados do Censo EAD.BR desenvolvido pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED, 2014), coletados com 231 instituições que oferecem cursos a distância de ensino regular de distintos níveis e cursos livres, mostram a concentração de cursos autorizados/reconhecidos (62% das instituições respondentes) no nível superior de pós-graduação (53%), com 44% em cursos de especialização latu sensu e 26% de cursos de graduação, sendo a maioria cursos de licenciatura (50%). [...]. Entre os cursos oferecidos em 2013 por instituições públicas e privadas a maioria é de licenciatura (592 cursos), 240 cursos de bacharelado e 426 tecnológicos. ( ALMEIDA, 2015 , p. 2).
Contudo, cabe destacar que a democratização de cursos a distância cresce de forma desigual em termos de pesquisas sobre a formação de professores e a produção de conhecimentos, metodologias dialógicas e projetos alternativos nesse campo. Assim, a solução que parece ser a mais pertinente é utilizar a EaD como modo de pesquisar e dar sentido à racionalidade educativa, sobretudo, nas regiões em que não existem universidades.
4 Notas conclusivas
Vemos na modalidade da EaD uma importante concepção reconstrutiva e política de integração para uma pedagogia de humanização coletiva, se pensarmos na possibilidade de ir além de uma finalidade apenas compensatória da relação educativa com a EaD, resistindo à instrumentalização da comunicação, aos duvidosos cursos rápidos, destinados a atender grandes populações de forma massiva 5 . Freire (1996) reconhecia que não podemos ser refratários e nem negligenciar as tecnologias, mas precisamos fazer uso autônomo, enquanto habilidade de crítica do nosso tempo, mobilizando ações para outros mundos possíveis, no sentido humanizador da emancipação social, para aprendermos a cultura que ilumina a realidade de modo reconstrutivo e dialógico. Com isso, as dimensões tecnológicas da educação não podem ser simplesmente articuladas legalmente como um currículo programado, mas demandam uma sensibilidade ao pensar sobre a condição existencial dos envolvidos no processo de formação e transformação social.
Os diferentes estudos mencionados até aqui trazem a extensão da EaD em suas complexidades e incongruências (flexibilização da EaD para baratear o acesso ao ensino, com modelos autorreferentes), muitas vezes associadas à articulação política dessa modalidade, advinda por decreto em modelos unidimensionais e currículos neutros. Esse perigo de manipulação ideológica e obscurecimento da realidade circula com a democratização do ensino via EaD, tornando os sujeitos embasbacados diante da multiplicação de cursos e produtos. Assim, parece que o grande desafio está nas dinâmicas de trabalho colaborativo para pensar a tecnologia educacional e a formação docente a distância, com base no desenvolvimento de pesquisas e métodos dialógicos, com programas de EaD nos modos de elaboração dos planos de ensino, arquitetura das aulas e socialização do conhecimento.
As contradições encontradas nas discussões presentes nas teses que legitimam os discursos da EaD são refletidas ao contemplar as demandas legais por uma sociedade tecnológica de acesso ao mundo do trabalho, e, ao mesmo tempo, há poucas justificativas sobre os limites dessa modalidade para dar conta do diálogo com os métodos e a pluralidade cultural, bem como à formação humana diante da heterogeneidade dessa expansão da EaD. Tais desafios revelam as carências em termos de formação política, econômica e pedagógica da maioria dos docentes, que ainda não conseguem se empoderar das linguagens tecnológicas para criar métodos dialógicos de ensino ( GALASSO, 2013 ; PASQUALLI, 2013 ; MIRANDA, 2012 ; PEREZ, 2013 ). Reconhece-se a sociedade do conhecimento como utopia pedagógica, especialmente ao projetar na EaD a esperança de uma vida democrática ( BARROS, 2014 ), ou de ratificar na EaD um horizonte de perspectiva freireana, o que ainda demanda uma postura (auto)crítica e de problematização da realidade ( CARVALHO, 2015 ). Depreendem-se também dificuldades no desenvolvimento de novas práticas didático-pedagógicos, que descentram o professor da condição de transmissor do conhecimento, para torná-lo um rigoroso investigador da cultura digital, um (re)construtor de sentidos da realidade, que requer a renovação do agir pedagógico, para superar ativismos e confrontar a profissão com os novos saberes globais ( PASQUALLI, 2013 ).
Marchisotti, Oliveira e Lukosevicius (2017) apontam que alguns elementos e questões precisam ser levados em consideração, tais como a necessidade de se mesclar a EaD com encontros presenciais, formar professores capacitados e preocupados com a interação dialógica entre os participantes do processo, adequando os materiais propostos às tecnologias de comunicação e à heterogeneidade de interesses do público-alvo. Nesse sentido, a legitimidade da EaD precisa resistir ao esquema obsoleto, coercitivo e exploratório da cultura autoritária (de um ensino programado no currículo padrão), que interfere na aprendizagem e reserva para o estudante uma rejeição da própria liberdade e direito de estudar, reforçando a funcionalidade técnica, elitista, robotizada e mercadológica da educação como simples prestadora de serviços desresponsabilizados.
É sob uma tendência de objetivação da formação e do ensino cada vez mais tecnificados e menos emancipador que os estudos sobre a EaD lançam suas críticas, no sentido de denunciar os riscos mercadológicos de expansão, por meio de políticas educacionais globalizadas. As teses levantam suspeitas em torno da pulverização de cursos de EaD, em decorrência do descompasso entre os discursos e as práxis realizadas neste campo, causando prejuízos formativos e desqualificando os cursos (formações descompromissadas, generalizadas, facilitadas, superficiais e com fins mercadológicos). Mediante os achados das teses e suas interlocuções, destacamos que as questões políticas, discursivas e estratégicas fazem parte da vida e dos modos concretos como os sujeitos agem no mundo e são tratados nos grupos sociais ( FASSIN, 2009 ). Oportunizar o diálogo com as produções científicas e as questões legais implica problematizar as relações de poder, as desigualdades, diferenças e os falsos reconhecimentos, que apenas incluem o outro na condição de subalterno.
Nesse cenário, não podemos negligenciar as iniciativas com a EaD, pois elas respondem a uma democratização do acesso ao conhecimento sociocultural, mas necessitam de constantes revisões e inter-relações humanas, uma vez que alteram a (auto) formação e comportamentos dos sujeitos e das práticas pedagógicas de nossa tradição cultural. Enfim, para resistir aos ativismos, modismos sobrepostos e absolutismos da lógica administrada da EaD, é necessário construir projetos formativos na práxis constante. Ou seja, as questões educacionais e sociais exigem a discussão criadora que passa pela interação ou interculturalidade crítica, possibilitando a compreensão da heterogeneidade humana na realização da práxis autêntica, esta “atividade inesgotável e transformadora que tem por objetivo ele próprio, seu mundo, os outros” ( VALLE; BOHADANA, 2012 , p. 982).
Mais do que validar os debates sobre as políticas educacionais da EaD nas pesquisas do Brasil, é urgente adotar uma perspectiva crítica e de integração social questionável, no sentido de promover ações contextualizadas de conhecimento, que desbloqueiem a imaginação em relação aos discursos na práxis pedagógica, não simplesmente para acompanhar as inovações tecnológicas, mas para agir na vida pública e antecipar as demandas profissionais futuras na conectividade das diferenças.