O universo (que outros chamam a Biblioteca)...
(Jorge Luis Borges, Ficções)
Nas bibliotecas destinadas a professores em formação estão articuladas diferentes ordenações: um lugar, materiais impressos, saberes autorizados, autores sancionados, iniciativas editoriais, patronato, memória, comunidades de leitores e práticas de leitura, conforme já enunciou Roger Chartier (1991, 1998). No repertório que coloca à disposição dos leitores, esse tipo de biblioteca constitui representação de uma cultura pedagógica (CARVALHO, 2007b) e pode revelar intenções que orientaram sua organização (VIDAL, D., 2001). Enquanto espaço anexo às Escolas Normais ou aos cursos para formação de professores, apresenta características específicas e encontra sua justificativa regulamentar na ampliação dos conhecimentos gerais e profissionais dos potenciais leitores e no oferecimento de recursos para as práticas docentes. Suporte material para os saberes pedagógicos, a biblioteca foi projetada como espaço central nas instituições escolares modernas para objetivar estratégias educacionais e políticas e configurar, por meio de seleção, uma leitura sancionada e aconselhada2.
Tomadas como fonte para investigação, as obras, ou mesmo o catálogo das obras de uma biblioteca de professores podem contribuir para a compreensão de aspectos relativos à circulação de conhecimento entre diferentes países e aos processos por meio dos quais “esse universo simbólico inscreveu marcas de inovação nas diferentes tradições que compunham e compõem os saberes e as práticas educacionais” (VIDAL, D.; BOTO, C., 2019).
Adotando essa perspectiva geral, a presente análise incidiu sobre o acervo Paulo Bourroul, com cerca de 8.000 volumes que, em 1976, estando sob a guarda do Arquivo do Estado de São Paulo, foi doado à Faculdade de Educação/USP. O acervo é originário da biblioteca da Escola Normal da Capital/Escola Normal Caetano de Campos, como a instituição passou a se chamar e, em 1942, recebeu o nome de Biblioteca Paulo Bourroul.
A quantidade de obras e o itinerário institucional do acervo demandaram uma delimitação à análise, mais ou menos situada entre a tentação de considerar a biblioteca como o universo, como fez Jorge Luis Borges (2005), e o impulso para restringi-la à instrumentalização curricular. Adotando uma perspectiva exploratória, considerou-se, como indicam Flanders (2020) e Paulilo (2019), que os livros e os escritos conferem permanência aos pensamentos e ideias e permitem voltar a eles, sempre que for preciso, para consultar essa memória artificial e inquirir sobre os processos que caracterizam sua constituição. Neste sentido, a biblioteca pode ser também um espaço abstrato, como pontua Livingstone (2003), uma arena intelectual, social e cultural na qual o conhecimento se move.
Do catálogo da Biblioteca Paulo Bourroul - uma arena transnacional - foram selecionadas as obras escritas em língua inglesa que, organizadas cronologicamente, evidenciaram a predominância daquelas de origem norte-americana e a existência de fluxos de difusão de diferentes concepções pedagógicas. A análise incidiu, nesse texto, sobre obras em circulação na última década do regime monárquico que podem ter contribuído para expressar a defesa de uma pedagogia moderna, prática e científica, isto é, uma literatura aliada à disseminação dos valores civilizatórios da nova ordem que se pretendia instaurar (SOUZA, 1998), o governo republicano.
A parte mais vistosa do acervo Paulo Bourroul
A Escola Normal da Capital da província de São Paulo, locus institucional do acervo, foi fundada em 1834 e, após interrupções, foi reaberta em 18803 e em 1881 passou a funcionar na Rua da Boa Morte (atual Rua do Carmo), nº 39. Seu Regulamento Interno, publicado no mesmo ano da reabertura, previa uma biblioteca para subsidiar a formação geral e profissional dos estudantes, com conhecimentos relativos à História, Literatura e Ciências e especificava-se também, que para a Cadeira de Metodologia e Pedagogia, centro da formação profissional, as obras deveriam conter “a exposição dos systemas e processos especiaes de comunicar a instrucção primária, e dos preceitos de educação physica, intelectual e moral [...] methodos de ensino e aplicações practicas e exercícios de intuição” (PESTANA, M., 2011, p. 71).
O modesto acervo então disponível, constituído entre a reinvindicação dos professores e a disponibilidade de verbas, recebeu um grande impulso com a vistosa compra feita por Paulo Bourroul, na França, em 1882. Foram comprados livros para a biblioteca, equipamento para os laboratórios e materiais didáticos para o ensino intuitivo, além de mapas e quadros cosmográficos. O destaque que a viagem, a lista de aquisições, o uso pretendido e o investimento financeiro receberam nos jornais diários atestam sua excepcionalidade.
Paulo Bourroul era filho de imigrantes franceses que residiam em São Paulo, diplomou-se em Medicina na Bélgica e, em 1880, foi nomeado professor da 2ª cadeira da Escola Normal - Gramática e Geometria - mas, logo após, assumiu a 5ª cadeira - Francês, Física e Química4. Em 1882, exercendo a função de diretor da Escola Normal, viajou a Paris para tratar de assuntos pessoais e recebeu verba do governo provincial para a aquisição de materiais e
[...] comprou um laboratório igual aos das Escolas Normais da França [para as disciplinas de Física e Química], e como dos 6 contos de reis que levara para esse fim restou alguma coisa, S.S. empregou o remanescente na compra de cerca de 200 volumes para o começo da atual biblioteca (DIAS, 2002 apudPESTANA, M., 2011, p. 54).
Apoiada pela documentação original da compra feita por Paulo Bourroul, Marina Pestana (2011) listou as obras adquiridas e verificou que 4 delas estavam vinculadas à cadeira de Aritmética e Geometria; 23 à cadeira de Elementos de Cosmografia, Geografia e História; 6 à cadeira de Gramática e Língua Francesa, Noções de Física e Química; 16 eram obras gerais e 73 estavam voltadas para a cadeira de Pedagogia, Metodologia, Instrução Religiosa e Cívica, quantitativos inferiores ao propalado mas que não deixam dúvidas sobre as prioridades do Diretor. Os livros referentes a Pedagogia tematizam a escola e seu funcionamento, os princípios que a regem ou deveriam reger, higiene escolar, discussões e projetos sobre formação de professores e obras voltadas aos aspectos práticos e metodológicos, tais como planos de curso e conjuntos de lições. Entre os autores dessas obras estão Jules Simon, Michel Bréal, Gabriel Compayré, Friedrich Froebel, Fénelon, Célestin Hippeau, Jean-Jacques Rousseau, Herbert Spencer, Ferdinand Buisson, Jules Paroz, John Locke e Charles Saffray.
Abrigada na capital da província de São Paulo, adquirida na França e escrita em língua francesa, a rota França-Brasil desenhada no acervo adquirido tem, no entanto, conexões geográficas mais amplas. Várias obras desse conjunto referem-se a diferentes Exposições Universais e ciclos de Conferências Pedagógicas; outras, são traduções francesas de obras inglesas e alemãs - como aquelas de John Locke e Herbert Spencer, por exemplo - e outras constituem interpretações francesas sobre a instrução pública de diferentes países, tais como a coleção de Célestin Hippeau e o “Dicionário de Pedagogia e Instrução Primária” de Ferdinand Buisson; há ainda aplicações práticas à escola francesa dos preceitos formulados por Froebel e Pestalozzi.
Marta Carvalho (2007a, p. 123, grifos no original) analisou esse acervo de origem francesa para a cadeira de Pedagogia e Metodologia inquirindo a articulação dos saberes destinados à formação profissional dos professores e descreveu “três modelos de configuração material do impresso proposto como manual de pedagogia: a caixa de utensílios, o guia de aconselhamento e o Tratado”. No primeiro tipo, estão as obras que se apresentam como modelos de práticas exemplares, em geral, vinculadas ao método de ensino intuitivo; os guias de aconselhamento, de forte conotação moral, visam moldar condutas profissionais amparadas em práticas legitimadas pela experiência e requeridas para o exercício profissional. Os tratados, tipologia ligada aos cursos universitários e às ciências da educação, apresentavam “corpo sistematizado de saberes e de doutrinas dedutivamente estabelecidos com base em princípios de natureza científica ou filosófica” (CARVALHO, 2007a, p. 131) assim definidos pela autora:
Um dispositivo retórico estatuía esse discurso como “ciência” organizando-o segundo um dos lugares comuns mais recorrentes na pedagogia francesa do período: o encadeamento ciência fundamental - ciência aplicada-prática, no qual a prática depende sempre de uma ciência aplicada, invariavelmente proposta como uma ciência de segunda ordem, que por sua vez depende de uma ciência mãe (CARVALHO, 2007a, p. 131, grifos no original).
Nas duas análises aqui mencionadas, as autoras estabelecem relações do acervo com as vertentes pedagógicas em circulação na França, que passava por período reformador, ou com o processo de desenvolvimento urbano e econômico na província de São Paulo, que demandava escolarização e, consequentemente, habilitação de professores para o preenchimento de cadeiras nas escolas primárias existentes.
A presença da cultura francesa foi determinante no desenvolvimento da capital da província de São Paulo e deixou marcas na arquitetura, nos costumes, na linguagem, no comércio, na religião e na arte, integrando uma rede de interesses econômicos e culturais (BITTENCOURT, 2008; VIDAL, L.; DE LUCA, T., 2009). Uma das marcas deixadas no campo educacional é, sem dúvida, o predomínio de obras em língua francesa no acervo aqui analisado. Esse movimento, deve-se destacar, não era exclusividade da província paulista, conforme registrado nas análises de Bastos (2000, 2002, 2008) com relação à educação no município da Corte que, por sua vez, o disseminava por meio de dispositivos legais e de artefatos culturais.
No entanto, como indicaram as pesquisas de Maria Lucia Hilsdorf (1987), Mirian Warde (2003) e Analete Schelbauer (2003, 2012a, 2012b), outras forças culturais e políticas, provenientes da atuação dos republicanos paulistas, se encorparam na última década do regime monárquico brasileiro. As críticas ao governo Imperial tomaram as políticas educacionais, ou sua ausência, como foco constante de debates e contraposições na imprensa diária, nas campanhas, no envolvimento com experiências inovadoras e na circulação de impressos, indicando outras rotas do conhecimento educacional.
Em junho de 1882, ano em que Paulo Bourroul encontrava-se na França e adquiria materiais e livros para a biblioteca da Escola Normal, Rangel Pestana, liderança republicana, redator e proprietário do jornal A Província de São Paulo, reclamava por mudanças no curso de formação de professores e pela valorização do diploma para o exercício da docência. Atacava, por exemplo, os vícios de compadrio e favoritismo da administração provincial com o questionamento irônico dos critérios para o provimento do cargo de professora da Escola Anexa, no qual “o patronato apresentou-se de certo com a capa de algum sofisma” e nomeou uma “senhora respeitável, é certo”, mas que não possuía a carta de Normalista, em detrimento de uma outra que a possuía (PESTANA, R., 1882a, p. 1). Em outubro do mesmo ano, fez severas críticas à Escola Normal afirmando que apesar de ter bons professores, as disciplinas componentes do curso não tinham conteúdos conexos e, nele, cuidava-se “mais da instrução dos alunos do que da habilitação dos futuros mestres” (PESTANA, R., 1882b, p. 1). Reivindicava a criação de planos de ensino que correspondessem às finalidades da instituição, pois “Cada aula da Escola Normal deve ser um modelo, afirmar praticamente o valor da Metodologia e da Pedagogia” (PESTANA, R., 1882b, p. 1). Para isso, segundo Rangel Pestana, os estudantes deveriam conhecer, compreender e saber utilizar os métodos modernos, como aqueles criados por Pestalozzi e Froebel, embora a falta de materiais para sua execução fosse flagrante: “ensina-se Geografia sem mapas, sem globos, por mais simples que sejam!” (PESTANA, R., 1882b, p. 1); para as aulas de Química e Física, não havia aparelhos, “nem desses que se encontram em qualquer botica de aldeia!” (PESTANA, R., 1882b, p. 1) e os materiais para o ensino intuitivo e a coleção de quadros para leitura conforme o método João de Deus, teriam sido obtidos por meio de doação. Ao final do artigo, o jornalista demanda tanto a aplicação de verba já disponível quanto novos investimentos para que a escola pudesse legitimar o título que concedia aos alunos formados e conclui:
No nobre esforço de alevantar a Escola Normal só uma cousa pedimos a sua excelência: em tudo isso não se importe com a política. Ouça os mais competentes. No serviço da instrução não deve haver amigos nem adversários e só os mais habilitados têm direitos de preferência (PESTANA, R., 1882b, p. 1).
Nessas críticas, habilitar os futuros mestres significava colocar o método de ensino intuitivo no centro da formação e “a versão pedagógica da modernidade e do progresso seria composta, pois, por escolas particulares - e não pelas públicas monárquicas -, que oferecessem ensino científico, prático, intuitivo e igual para todos” (HILSDORF, 1987, p. 60). A medida da competência, certamente, era dada pelas experiências de grupos liberais privados, em geral, vinculados às confissões protestantes que se desenvolviam na província.
Exemplares, embora nem sempre duradouras, essas iniciativas ofereciam possibilidades para a formação profissional, aulas de humanidades, ciências e palestras. De inspiração norte-americana, país de origem da maioria de seus fundadores, cuidando dos elementos materiais do ensino e com atividades extraclasse, esses empreendimentos ressoavam na imprensa e alimentavam as críticas à condução governamental das questões educacionais.
Desde a década de 1870, inovações educacionais e institucionais vinham sendo implementadas, tais como a Escola Americana, os Colégios Internacional e Culto à Ciência (na cidade de Campinas) e os Colégios Morton e Pestana, na capital. Retomando objetivos enunciados desde a constituição da Sociedade Propagadora de Instrução Popular, na década de 1880 foram criados o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola Primária Neutralidade, que organizavam também conferências pedagógicas gratuitas, abertas a todos os interessados e, proferidas por diferentes intelectuais, versavam sobre temas educacionais e sobre cultura geral. Dirigida por João Kopke e Antonio Silva Jardim, a Escola Neutralidade possuía Gabinete de Física, materiais diversos para o ensino de outras matérias, mobiliário adequado à instrução, álbuns de gravuras, Museu Escolar do Dr. Saffray e quadros zoológicos de Pape-Carpentier (SCHELBAUER, 2012a). A inovação materializava-se também na produção de materiais e métodos, tais como aqueles de autoria de João Kopke (PANIZZOLO, 2006).
“O caldo de cultura rebelde ao Império”, que erigia a educação popular e a descentralização política como pilares é analiticamente descrito por Warde (2003, p. 150) para elucidar a relação dos republicanos paulistas, nesse período, com os Estados Unidos:
O sentimento de pertença ao mundo efetivamente novo, no qual uma nova civilização poderia ser construída desde o marco zero, ganhou um sentido operacional em São Paulo [...], de sorte a ganhar alcance nacional, com porte para ser veículo de formação de opinião (WARDE, 2003, p. 154).
Assim, pode-se afirmar que, apesar das divergências políticas, a bibliografia pedagógica adquirida na França por Paulo Bourroul e as experiências dos republicanos liberais convergiam para o desenvolvimento da metodologia intuitiva e para referenciar seus principais formuladores - Pestallozi e Froebel -, bem como, para difundir outros autores que neles se baseavam para elaborar prescrições para a prática pedagógica. O regime político claudicava, mas a inovação pedagógica já tinha seu sentido estabelecido.
Desse território cosmopolita - o acervo Paulo Bourroul - e da propensão para circular que os livros possuem, foram destacadas as obras norte-americanas a fim de tomá-las como indícios de um repertório de saberes científicos, práticos e intuitivos, isto é, como contribuições para o estabelecimento da dinâmica entre críticas e proposições pedagógicas próprias do período.
As obras norte-americanas do acervo Paulo Bourroul, na última década do Império
Do catálogo geral do acervo foram extraídas as obras publicadas em língua inglesa e classificadas por título, autoria, casa editora e ano da edição. A listagem resultante desses procedimentos é composta por 552 obras e, organizada pelo ano da edição, possibilitou a elaboração do Gráfico 1.
Sem acesso, no momento, à documentação porventura existente sobre a incorporação dessas obras ao acervo (compras, doações ou legados, por exemplo) ou a indícios de origem inscritos em sua materialidade5, adotou-se o ano da publicação como critério organizativo. Esse dado permite identificar diferentes fluxos na circulação da bibliografia, caracterizados tanto pela quantidade de obras como pela filiação a vertentes pedagógicas.
O livro mais antigo do acervo, em língua inglesa, é “Travels in Brazil”, de Von Martius, publicado em Londres, em 1824; entre as obras que vieram a público nas décadas de 1830, 1840 e 1850 estão livros de viajantes, mas predominam os de poesia, três deles de John Longfellow (1808-1882), escritor e poeta norte-americano, cuja obra teve larga circulação a seu tempo, com excertos utilizados para leitura escolar como, por exemplo, o poema The song of Hiawatha.
Entre as obras da década de 1860 há livros de poesia, mas aqueles voltados à educação estão presentes em maior número e são de origem norte-americana. Exceção a ser destacada é “The philosophy of education: Or the principles and practice of teaching”, de Thomas Tate (1860), publicada no Reino Unido. Três livros para uso escolar têm a Geografia como tema e outro destina-se ao ensino de aspectos da língua inglesa. Especificamente sobre formação de professores há uma obra contendo canções para exercícios calistênicos e dois manuais: “The teacher’s Institute or familiar hints to young teachers”, de Willian Bentley Fowle (1867), com prescrições para o ensino das diferentes matérias da escola primária e “A manual of elementary instruction for the use of public and private schools and Normal classes containing a graduated course of object lessons for training the senses and developing the faculties of children”, de Edward Austin Sheldon (1862), manual que foi largamente traduzido em países da América Latina e contém as prescrições metodológicas utilizadas na Escola Normal de Oswego/NY, o mais importante centro de ensino pestalloziano norte-americano desse período.
No decênio seguinte (1870), podem ser destacadas “Pestalozzi: his life, work, and influence” (KRÜSI, 1875), cujo autor, Hermann Krüsi, é apresentado como filho do primeiro assistente de Pestalozzi e instrutor de Filosofia da Educação da Escola Normal de Oswego/NY, e um manual sobre métodos e programas de ensino que tem entre seus autores Norman Allison Calkins6, formado nessa mesma escola Normal. Estão presentes também obras dedicadas à história e aos fundamentos da educação, além dos manuais “The art of teaching” (OGDEN, 1879a) e “The Science of education, or the philosophy of human culture” (OGDEN, 1879b), ambos de John Ogden, então diretor da escola Normal de Ohio: o primeiro trata da organização escolar e dos materiais e métodos de ensino e o segundo, do processo de desenvolvimento humano e da necessidade de educação intelectual, física e moral.
A quantidade de obras relativas à década de 1880 é maior e mais diversificada, conforme revela análise mais detida. Para destacar essas características, foram organizadas três listagens e a primeira delas, apresentada no Quadro I, contém livros escolares (MAGALHÃES, 2011) para o ensino de diferentes matérias.
Título | Autor | Ano |
---|---|---|
Physiological botany | G. L. Goodale | 1885 |
Physical Geography | A. Guyiot | 1885 |
Manual Training: the solution of social and industrial problem | A. H. Ham | 1886 |
Outlines in ancient, medieval, and Modern History | L. S. Ensign | 1887 |
The elements of political economy with some applications to questions of the day | J. L. Laughlin | 1887 |
Physical Geography | J. Quackenbos | 1887 |
A popular chemistry | J. D. Steele | 1887 |
The manual training school, comprising a full statement of its aims, methods and results, with figures drawings of shop exercises in wood and metals | A. M. Woodward | 1887 |
Ecletic. Physical Geography | R. Hinnan | 1888 |
Popular Physics | J. D. Steele | 1888 |
Wood-working tools: how to use them | Associação das escolas industriais de Boston | 1888 |
The poetical works | A. Browning | 1889 |
Industrial education: a guide to manual training | S. Love | 1889 |
FONTE: Catálogo do acervo Paulo Bourroul, elaboração própria (2021).
Como pode ser observado, entre os conteúdos predominam Geografia e Trabalhos Manuais. A discussão sobre a introdução dos trabalhos manuais ou da preparação para o trabalho na escola primária, só seria introduzida no estado de São Paulo, em décadas posteriores. No entanto, é possível pensar a biblioteca da Escola Normal como espaço intelectual simbólico no qual circularam tanto as ideias que fomentavam as iniciativas republicanas para a educação de adultos, entre elas, a criação do Liceu de Artes e Ofícios, quanto manuais que exaltavam o valor social desses trabalhos, como aquele organizado pela Escola Industrial de Boston. Além de dicionários, há ainda nesta década, uma obra relacionada ao tema educacional sem, no entanto, fazer parte das classificações aqui estabelecidas: trata-se de um livro que apresenta possibilidades e variações para a construção de edifícios escolares.
A segunda listagem das publicações da década de 1880 - Quadro 2 - pode ser identificada por meio da expressão Caixa de utensílios, proposta por Marta Carvalho (2007a), e concentra o maior número de obras. Integram a lista livros que veiculam modelos de aulas ou lições, prescrições e sugestões aos professores para a condução da prática docente.
Título | Autor | Ano |
---|---|---|
Methods of teaching | J. Sweet | 1880 |
Golden book of choice reading | W. Swinton | 1880 |
1000 ways of 1000 teachers | A. C. Mason | 1881 |
Teaching and teachers or the Sunday School teacher’s teaching work and the other work of Sunday-school teacher | H. C. Trumbull | 1882 |
The school room guide to methods of teaching and school management | E. V. De Graff | 1884 |
Amusing rhymes for young people | M. I. East | 1884 |
Education by doing: or occupation and busy work, for primary classes | A. Johnson | 1884 |
Theory and practice of teaching, or the motives and methods of good School-keeping | D. P. Page | 1885 |
School amusements or how to make the school interesting embracing simple rules for military and gymnastic exercises | N. W. Taylor Root | 1885 |
The child’s book of nature for the use of families and schools | W. Hooker | 1886 |
Manual for teachers to accompany the children’s graded singing book | E. M. Nourse | 1886 |
The kindergarten and the school | A. L. Page | 1886 |
Handy helps. A manual for curious and interesting info information | A. Southwick | 1886 |
Songs, games and rhymes for Nursery, Kindergarten and Primary Schools with notes and suggestions | E. L. Hailman | 1887 |
Practical Pedagogy or the science of teaching illustrated | L. P. Hopkins | 1887 |
Educational Mosaics. A collection from many writers (chiefly modern) of thoughts bearing on educational questions of the day | T. J. Morgan | 1887 |
The paradise of childhood: a manual for self-instruction in Friedrich Froebel’s educational principles and a practical guide to kindergarteners | E. Wiebé | 1887 |
School management including a general view of the work of education, with some account or the intellectual faculties from the teacher’s point of view: organization, discipline and moral training | J. Landon | 1887 |
Graded didactics for teachers’ Normal Institutes | W. J. Shoup | 1889 |
Ruling principle of method applied to education | A. R. Serbatti | 1889 |
FONTE: Catálogo do acervo Paulo Bourroul, elaboração própria (2021).
Esse conjunto de obras é, claramente, voltado para o trabalho docente na escola primária e no Jardim e Infância. Os manuais são dirigidos a estudantes e professores que atuam nesses níveis e, na maioria das vezes, explicitam a intenção de suprir demandas de materiais para os Cursos Normais ou lacunas na formação dos professores em exercício. Parte desses livros compila métodos de instrução e de disciplina, aborda as diferentes matérias que compõem o currículo da escola primária e sugere modos de organizar o trabalho escolar. Algumas obras vinculam-se a tendências pedagógicas, como o método intuitivo, por exemplo; outras trazem menção à experiência docente do autor ou da autora em diferentes níveis de instrução, isto é, do jardim da infância ao curso Normal. “Theory and practice of teaching: the motives and methods of good school-keeping”, de David Page (1885), além desses elementos mencionados, discorre sobre as responsabilidades, hábitos e qualificações necessárias ao professor e orienta desde a elaboração do plano de trabalho até a gestão da escola e a relação com os pais e alunos. As sucessivas edições do livro (entre 1847 e 1894) indicam boa recepção dos leitores e sucesso editorial. Nessa mesma qualificação pode ser incluído “The school room guide to methods of teaching and school management”, de Esmond Vedder DeGraff (1884), que teve, pelo menos, 70 edições. A obra aborda o ensino das diferentes matérias - Leitura, Fonética, Soletração, Escrita cursiva, Forma e Desenho, Linguagem, Gramática, Aritmética, Geografia, História, Lições de coisas (com e sem aparatos), condução e direção de escolas. “Graded didactics for teachers’ Normal Institutes”, de William J. Shoup (1889) pretende fornecer aos candidatos, sem certificação formal, as informações necessárias aos exames de proficiência para atuação em escolas públicas e, para tanto, descreve a legislação que rege os contratos profissionais, a organização e manejo das escolas e as responsabilidades do professor. Na parte 2, dedica-se a expor “como ensinar” todos os conteúdos, o processo de desenvolvimento mental dos alunos, apresenta lições objetivas e descreve a história da educação e do sistema escolar norte-americano.
“School Management”, de Joseph Landon (1887), possui as mesmas características das obras já mencionadas, mas é um livro inglês, publicado também por editora de Boston/MA. Inicia com definições e finalidades da educação; caracteriza o desenvolvimento educacional - físico, intelectual e moral - e o funcionamento das faculdade mentais para, em seguida, definir o trabalho do professor e a organização das escolas, inclusive o arranjo da mobília, dos equipamentos e as condições de ventilação e iluminação das salas de aula.
Na listagem pode ser observado um conjunto de obras direcionado à Educação Infantil, composto por sugestões de leitura complementar, músicas e poesias consideradas capazes de atrair a atenção dos pequenos alunos; jogos, rimas e brincadeiras para o ensino das cores, formas, linguagem e ginástica, com menções à Froebel. “The Child’s book of nature for the use of families and schools”, de Worthington Hooker (1886), dedica o primeiro volume às plantas, o segundo aos animais e o terceiro ao ar água, fogo e luz, com o objetivo de ensinar a observar a natureza. Cada capítulo de “The kindergarten and the school”, de Anne L. Page et al. (1886) é escrito por professoras que atuam nesse nível educacional e tratam da vida, obra e sistema proposto por Froebel para o Jardim da Infância e sua relação com a escola primária e, como afirmam os editores, traz os aspectos essenciais dessa modalidade para a língua inglesa.
“The Paradise of childhood: A manual for self-instruction in Friedrich Froebel’s educational principles and a practical guide to kinder-gartners”, de Edward Wiebé (1887), apresenta a teoria froebeliana e descreve como montar um Jardim da Infância detalhando as instalações, equipamentos, materiais, método e atividades. Este livro foi traduzido por Gabriel Prestes e publicado em duas partes, inclusive com a reprodução das pranchas ilustrativas para uso dos dons froebelianos, na Revista do Jardim da Infância, em 1896 e 1897, com o título de Guia da Jardineira7. Na apresentação da revista, Gabriel Prestes, então diretor da Escola Normal, indica a relação que leitores brasileiros qualificados, como ele, estabeleciam com a bibliografia estrangeira em circulação no Brasil. Em suas palavras, o conteúdo das obras não deveria ser transplantado para o país, mas sim adaptado e aclimatado por meio da experiência aqui desenvolvida; para tanto, seria necessário conhecer como as instituições dedicadas à educação infantil funcionavam nos outros países, principalmente aquelas de origem norte-americana, “a fim de não se afastarem do systema geral, e por outro lado, é necessário que conhecendo os processos geraes, ellas possam fazer seleção do que nos for applicavel e crear os elementos artísticos de que carecemos” (PRESTES, 1896, p. 6). Historietas e canções também foram publicadas na mesma Revista em tradução ou adaptação sem identificação exata de sua origem. Assim, na biblioteca, espaço social e imaginativo (LAWN; RABELO, 2014), criavam-se referências internacionais e locais.
A terceira listagem - Quadro 3 - contém obras que não trazem prescrições para a condução da prática docente, mas circunscrevem o que autores definem como ciência da educação: os fundamentos que sustentariam as práticas e as justificativas para a atividade educacional em geral.
Título | Autor | Ano |
---|---|---|
Lectures on the science and art of education | J. F. Payne | 1883 |
A treatise on Pedagogy for young teachers | E. C. Hewett | 1884 |
Educational Psychology: a treatise for parents and educators | L. P. Hopkins | 1886 |
Contributions to the science of education | W. H. Payne | 1886 |
The Elements of Pedagogy | E. E. White | 1886 |
Systems of education. A history and criticism | J. Gill | 1887 |
Elements of moral with special application of the moral law to the duties of the individual and of society and the state | P. Janet | 1887 |
The science of education designed as a text-book for teachers | B. Palmer | 1887 |
Elementary Psychology: or first principles of mental and moral science for high, Normal and other secondary schools, and for private reading | D. Putnam | 1889 |
FONTE: Catálogo do acervo Paulo Bourroul, elaboração própria (2021).
Sem a pretensão de sumariar todas as obras arroladas, pode-se estabelecer distinções significativas entre algumas delas. “Contributions to the Science of education”, de William Harold Payne 8 (1886), foi escrito quando o autor atuava como professor de Ciência e Arte do ensino na Universidade de Michigan/MI e se propõe a caracterizar a educação como ciência, isto é, explicitando os princípios e doutrinas que deveriam servir de fundamento para o ensino e, portanto, integrar a formação do professor. Conforme explicitado na obra, a ciência constitui conhecimento superior à arte e, embora sejam correlatos, as regras da prática deveriam ser deduzidas dos sistemas estabelecidos pela Filosofia e pela Psicologia, além de serem crivados pela experiência, o que Payne assegura que procurou fazer nesses escritos. O autor reconhece que essa ordem dos conhecimentos é mais afeita aos estudos universitários (que então se iniciavam nos Estados Unidos) do que às Escolas Normais, embora recomende aí também sua adoção. O livro é uma defesa da introdução da educação como campo de estudos universitários e, ao mesmo tempo, uma crítica à proeminência que a prática pedagógica adquiriu nos cursos Normais.
“The elements of pedagogy”, de Emerson Elbridge White 9 (1886), é, segundo o autor, um tratado destinado a diferentes estágios e modalidades formativas - professores em exercício, estudantes de escolas Normais, de Institutos de Educação e círculos de leitura - e ilustra uma abordagem diferente daquela apresentada por William Payne. O livro é dividido em quatro partes: Elementos de Psicologia (alma, sensibilidade, intelecto, condições físicas, atividades intelectuais); princípios que regem o ensino deduzidos desses elementos e testados pela experiência do autor; ilustração desses princípios no método de ensino; aplicação do método às diferentes matérias da educação elementar e educação moral. Na perspectiva adotada, a prática ou os métodos de ensino também são concebidos como decorrentes de doutrinas sobre o conhecimento, mas o livro não apresenta modelos de lições e sim regras das quais a prática deve decorrer, bem como definições para a constituição de terminologia pedagógica.
Outra obra destinada aos estudantes do curso Normal é “The Science of education designed as a text-book for teachers”, de Francis Bolles Palmer (1887), diretor da escola Normal de Fredonia/NY. Pretende oferecer bases para o desenvolvimento de métodos de ensino, isto é, a construção de uma ciência que atenda às necessidades da arte de ensinar e estude os processos de desenvolvimento mental. Segundo o autor, a Psicologia estabeleceu as leis científicas que fornecem a base para a arte de ensinar e para os métodos de ensino. O livro inicia-se pelas definições a fim de distinguir leis, princípios, regras, arte e filosofia; a seguir, trata da consciência, das faculdades mentais e das regras gerais do desenvolvimento.
“A treatise on pedagogy for young teachers”, é de autoria de Edwin Crawford Hewett 10 (1884), então diretor da Illinois State Normal University, e apresenta concepções baseadas em sua experiência (aluno de escola rural, mais de 30 anos de docência, leitura e reflexão sobre assuntos educacionais e palestras) e descreve, sinteticamente, os princípios que estão subjacentes e dão forma ao trabalho docente. Para ele, o novo sentido adquirido pela palavra Pedagogia reúne a ciência e a arte de conduzir a juventude à humanidade digna e, para tanto, esse campo deve ser abordado de modo racional e científico, isto é, pelo conhecimento dos princípios revelados pelo estudo indutivo da natureza humana. As habilidades docentes seriam provenientes de três campos: o conhecimento sobre o aluno, o conhecimento sobre desenvolvimento mental e o conhecimento sobre os métodos para ensinar. Os poderes da mente ou a habilidade para fazer algo são: saber (ligado ao intelecto), sentir (ligado à sensibilidade), escolher e executar (ligado à vontade) e é sobre essas habilidades que a educação - o professor e a escola - deve atuar. Nessa perspectiva, não existe um único método para ensinar, mas todos repousam sobre princípios e devem ser entendidos como sugestões. Todas as partes do livro são iniciadas por um esquema ou quadro sinótico para, segundo o autor, auxiliar leitores e estudantes no esforço de reter os assuntos de modo ordenado e metódico.
Como se pode depreender dessas obras, o caráter científico da educação decorreria da consideração da Psicologia como seu fundamento e, por esta via, os livros que abordam a Pedagogia como ciência têm conteúdo semelhante àqueles dedicados, especificamente, a esse campo. “Educational psychology: A treatise for parents and educators”, de Louisa Parsons Hopkins (1886) descreve a Psicologia e seus elementos fisiológicos, as percepções dos sentidos, memória, imaginação, julgamento e razão, gosto ou senso de beleza. O livro é resultado de palestras dadas para o curso Normal e, afirma a autora, forneceria conhecimento sobre as faculdades do corpo e da mente. A Psicologia é definida como ciência descritiva que guarda estreitas relações com a Filosofia, com a Lógica e com a Metafísica e que se apoia na observação subjetiva e na análise da experiência, conforme demonstrariam os estudos de Pestalozzi e Froebel. Na mesma linha, o livro “Elementary Psychology or first principles of mental and moral Science for High, Normal, and other secundary schools, and for private Reading” (PUTNAN, 1889), contém elementos que explicitam mais claramente a relação entre Pedagogia e Psicologia. O autor, Daniel Putnan, é referenciado como professor de Ciência Moral e Mental e de Teoria e Arte do Ensino, na Universidade de Michigan, disciplinas que, juntas, subsidiariam a formação profissional do professor. O livro que, segundo o autor, preenche uma lacuna ao adotar linguagem acessível, aborda as sensações e percepções, intuição, memória, atividades, razão e sentimentos como funções mentais que, desenvolvidas, permitiriam a formação moral dos indivíduos.
O recenseamento das obras selecionadas indica que, assim como detectado naquelas de origem francesa, a rota de circulação da bibliografia norte-americana comportava escalas de interação. Moralistas inglês e francês tiveram obras publicadas por editoras norte-americanas e aportaram aqui; o mesmo ocorreu com a teoria froebeliana em tradução de autor italiano. Obras de Paul Janet, filósofo francês, que fez parte da lista de aquisições de Paulo Bourroul na França, chegaram ao Brasil também em tradução norte-americana.
Considerações finais
Embora haja predomínio de obras em língua francesa no acervo analisado, foi possível detectar a presença significativa da literatura educacional norte-americana e seu crescimento na década final do regime monárquico e na primeira do regime republicano; esse movimento também é apontado por estudos que tomaram as políticas públicas desse período como objeto.
Essa literatura, composta majoritariamente por manuais para uso escolar, constitui resposta editorial a demandas provenientes da expansão do sistema educacional e da pequena oferta de cursos para a formação de professores, problema enfrentado por diferentes países no final do século XIX. Criadas em diferentes estados norte-americanos (FRASER, 2007), as Escolas Normais procuravam consolidar-se como instituição formativa e a produção bibliográfica de suas lideranças tinha função relevante: “profissionalizar” os professores em exercício e os aspirantes ao magistério e divulgar o trabalho realizado nas respectivas instituições contribuindo para qualificá-las perante diferentes instâncias educacionais11. Cruzar o Atlântico, provavelmente, decorria de um bom posicionamento interno junto a editoras e ao público leitor.
Na bibliografia de origem norte-americana aportada na Biblioteca da Escola Normal paulista foi possível identificar tendências predominantes. No âmbito das práticas, os processos de ensino intuitivo adquiriram legitimidade por meio de diferentes rotas de circulação, o que, consequentemente, limitou a possibilidade de dissensos.
Em outra perspectiva, as práticas foram consideradas limitação do campo pedagógico. Adotando o formato de tratados ou de reunião de conferências, um conjunto de autores procurava colocar em evidência o âmbito científico da pedagogia em duas frentes. Primeiro, definindo e diferenciando-se do que seria a arte de ensinar - os conhecimentos relativos aos métodos e processos de ensino - e, a seguir, pela adoção de princípios ou leis formuladas pela Psicologia para descrever o funcionamento do intelecto na produção de ideias e convicções. Trata-se de Psicologia especulativa, por sua vez, tributária da Filosofia, mas que, além de descrever os processos e os atributos por meio dos quais se produziria o conhecimento humano, projetava a atuação do conhecimento na formação moral o que, por sua vez, elevava as finalidades do campo pedagógico para além da instrução dos conteúdos12.
Limitada à descrição e ao inventário desse repertório, a presente análise abre possibilidades de novos desenvolvimentos, sobretudo quanto ao funcionamento desse repertório no Brasil. A valorização das práticas nele inscritas pode ser mapeada na imprensa pedagógica paulista, pelo menos, nas duas décadas seguintes, articulada às políticas educacionais republicanas. Como já mencionado, na implantação da Educação Infantil, a principal estratégia de disseminação dessa inovação parece ter sido a tradução de obras estrangeiras; na educação primária, a difusão da metodologia intuitiva foi mediada pelas práticas desenvolvidas nas Escolas-Modelo implantadas na capital do Estado (VALDEMARIN, 2020) e por elas sancionada institucionalmente. A geografia dos textos inventariados deve ser complementada, na medida que as fontes permitirem, pela relação dessa biblioteca com os sujeitos: leitores, tradutores, editores, publicistas, por exemplo.