INTRODUÇÃO
O planejamento e a orçamentação de carreiras são instrumentos importantes utilizados na Gestão de Recursos Humanos (GRH). Esses instrumentos servem, segundo Silva, Bispo e Ayres (2019), para definir os critérios da matriz de rotação de cargos e desenvolvimento profissional dos colaboradores. Desse modo, Goodman, French e Battaglio (2015), por exemplo, caracterizam-nos como uma componente vital da GRH que se dedica à elaboração, estruturação e organização dos planos previsionais de carreiras, por meio dos quais o colaborador se beneficia da progressão, ascende aos níveis altos da sua carreira e melhora as recompensas no trabalho.
No caso específico do planejamento e orçamentação de carreira docente, o estudo de Hur (2018) afirma que esse processo se desenvolve num ambiente de trabalho inseguro e instável. É caracterizado por apresentar barreiras no desenvolvimento profissional dos colaboradores. Tal cenário surge, na ótica de Sullivan e Arris (2021), na sequência das alterações provocadas por um leque de fatores, entre os quais a globalização, o progresso tecnológico e o crescimento demográfico. E de acordo com Greenhaus, Callanane e Godshalk (2019), este contexto impulsionou a reestruturação da GRH das organizações.
No contexto moçambicano, o estudo desenvolvido pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH, 2017) concluiu que o planejamento e orçamentação de carreira docente estão conturbados. De um lado, o planejamento é feito de forma esporádica e, de outro lado, verifica-se a insuficiência orçamentária para suportar o desenvolvimento de carreira docente. Além disso, os poucos recursos financeiros destinados às despesas do pessoal docente são, tardiamente, desembolsados pelo Ministério de Economia e Finanças de Moçambique.
Conforme relatam certas pesquisas realizadas no contexto moçambicano (exemplo: Abacar, Roazzi e Bueno, 2017; Abacar, Aliante e Nahia, 2020; Aliante, Abacar e Pereira, 2020; Aliante e Mendes, 2021), o setor da educação pública moçambicano enfrenta carências orçamentárias para sustentar o desenvolvimento de carreira docente, o que constitui um potencial fator de desmotivação no trabalho, insatisfação profissional e estressor do ponto de vista de saúde psíquica. Contudo, os resultados desses estudos revelam debilidades funcionais do planejamento e orçamentação de carreiras, provocando a estagnação e congelamento da carreira docente. É neste contexto que se insere a problemática deste estudo, cuja intenção foi dar resposta a esta pergunta de investigação: como decorrem o planejamento e orçamentação no setor da GRH da educação pública em Moçambique, no contexto de desenvolvimento da carreira docente?
Com efeito, o objetivo da pesquisa foi explorar as opiniões dos professores do ensino básico sobre o planejamento e orçamentação da carreira docente em Moçambique. Este artigo procura contribuir para a literatura numa vertente conceptual e empírica, visto que há escassez de pesquisas no contexto de GRH do setor da educação pública moçambicana. Na perspectiva teórica, as reflexões e os resultados aqui obtidos podem servir de referencial teórico nas pesquisas futuras e explicar sucintamente como decorrem o planejamento e orçamentação de carreira docente. Em termos práticos, o estudo visa promover uma abordagem sistemática para apoiar os gestores de recursos humanos na melhoria dos procedimentos utilizados para a concepção dos planos de desenvolvimento de carreira docente. Para o efeito, os resultados podem contribuir para robustecer o suporte organizacional, promovendo a satisfação dos colaboradores enquadrados na carreira docente ou outras carreiras públicas.
PLANEJAMENTO E ORÇAMENTAÇÃO DE CARREIRAS
De acordo com Marras (2016) e Silva, Bispo e Ayres (2019), o planejamento e a orçamentação de carreiras são instrumentos estratégicos de GRH que visam garantir a administração dos cargos e de salários de uma organização. Para Levieque (2011), trata-se de conjunto de ações programadas que têm por objetivo promover o desenvolvimento de carreira dos colaboradores, de modo que estes consigam, em médio prazo, atingir o seu potencial no trabalho. Neste sentido, conforme Vieira et al. (2017), para o esboço de um plano de carreiras de uma organização é importante serem cumpridas certas fases, sendo uma delas a de planejamento e a outra a de orçamentação de carreiras.
Robinson (2010) aponta o planejamento e orçamentação de carreiras como procedimentos operacionais da GRH que definem os objetivos estratégicos das organizações. E, na perspectiva de Melchor (2013), trata-se de um processo que decorre no contexto de GRH e que procura responder aos desafios do desenvolvimento de carreiras dos colaboradores, tendo como foco a projeção estratégica de pessoal na organização.
Os procedimentos administrativos utilizados na GRH referentes à projeção dos planos previsionais que incluem os detalhes financeiros são considerados mecanismos do planejamento e orçamentação de carreiras. Nos referidos planos são concebidos critérios de desenvolvimento profissional dos colaboradores e descritas as atividades da GRH, nomeadamente: aconselhamento de carreira, programas de mobilidade, sistema de avaliação de desempenho, formação de pessoal, desenvolvimento de carreiras e estratégias de promoção de recursos humanos (Baruch, 1996; Crabtree, 1999; Baruch e Peirpeil, 2000; Bagdadli e Gianecchini, 2019).
Para Devanna, Fombrun e Tichy (1981), o planejamento e a orçamentação de carreiras decorrem em três níveis distintos: estratégico, de gestão e operacional. A diferença que existe entre esses níveis está na execução das tarefas e objetivos organizacionais, como abaixo se descrevem:
Estratégico: lida com os procedimentos técnicos que visam interpretar as políticas organizacionais no âmbito da GRH. Estabelece as metas gerais do planejamento e orçamentação de carreiras.
De Gestão: corresponde a alocação de recursos financeiros para responder às necessidades das carreiras dos colaboradores.
Operacional: trata de procedimentos práticos de GRH. Promove o funcionamento da máquina administrativa para planejar e desenvolver as carreiras dos colaboradores.
As características dos três níveis acima mencionados são apresentadas no Quadro 1.
Níveis | Seleção de pessoal | Avaliação de pessoal | Recompensas nas carreiras | Desenvolvimento de carreiras |
---|---|---|---|---|
Estratégico | Identificação de pessoal com perfil adequado aos objetivos organizacionais. | Seleção de indicadores para a avaliação de desempenho de pessoal. | Definição das políticas de recompensas e incentivos na carreira. | Desenho de um plano de desenvolvimento de carreiras. |
De gestão | Elaboração de um plano de recrutamento e seleção da organização. | Adoção de instrumentos de avaliação para a retenção de potenciais colaboradores na organização. | Criação de um plano de remunerações e de incentivos na carreira. | Aprimoramento de uma gestão estratégica que visa responder ao crescimento de carreira dos colaboradores. |
Operacional | Adoção de uma orientação estratégica para monitorar o sistema de GRH. | Criação de um sistema de avaliação anual para o controle dos colaboradores. | Administração de remunerações e pacotes de incentivos nas carreiras. | Treinamento dos colaboradores para o aperfeiçoamento do trabalho. |
Fonte: Adaptado de Devanna, Fembrum e Tichy (1981).
CARREIRA DOCENTE DO ENSINO BÁSICO EM MOÇAMBIQUE
Em Moçambique, a carreira docente para o ensino básico, sobre a qual a presente pesquisa foi realizada, refere-se a um conjunto de professores que estão enquadrados em quatro categorias designadas por: docentes de N1 (possuem o nível acadêmico de licenciatura); docentes de N2 (com o nível de bacharelado ou nível médio de escolaridade mais 3 anos de formação de magistério - 12a + 3 anos); docentes de N3 (possuem o 12o ano de escolaridade, com formação de um ano, ou 10o ano, com mais dois ou três anos de formação do magistério) e docentes de N4 (têm o 10o ano de escolaridade e formação de mais um ano do magistério ou sétimo ano com formação de mais três anos de magistério).
Para o ingresso na carreira docente do ensino básico, os candidatos devem preencher alguns requisitos, entre os quais habilitações literárias mínimas equivalentes ao 10o ano de escolaridade, e ter concluído um curso de formação de professores. Nos termos do disposto do número 1 e 2 do artigo 14 da Lei no 4/2022 de 11 de fevereiro, vulgo Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (EGFAE), o vínculo laboral entre o Estado e o cidadão, neste caso docente, constitui-se com a nomeação ou contrato, sujeitos à publicação no Boletim da República e ao Visto do Tribunal Administrativo (Moçambique, 2022a). A referida nomeação provisória é antecedida de outras fases, tais como: lançamento de um concurso público, avaliação curricular e entrevista profissional ou provas escritas (Moçambique, 2022b).
É crucial notar que o ingresso dos profissionais nas carreiras, com especial destaque a de docentes, depende de dois procedimentos fundamentais, sendo o primeiro a concepção dos planos de carreiras, devidamente estruturados e fundamentados, espelhando as necessidades de provimento de pessoal para cada ano letivo; e o segundo a elaboração de uma matriz financeira que observe os limites orçamentais propostos pelo Ministério da Economia e Finanças (Moçambique, 2010).
Atualmente, a carreira docente do ensino básico em Moçambique desenvolve-se num contexto marcado por incerteza no trabalho, pois, na ótica de Matavele, Roldão e Costa (2019), carece de uma afirmação profissional. Além do mais, os professores trabalham em condições precárias e as políticas compensatórias são pouco atrativas. E, ainda, Dos Santos (2018) considera que as estratégias utilizadas para o desenvolvimento da carreira docente são frágeis, razão pela qual o docente permanece na mesma carreira durante muito tempo, o que tem provocado a desmotivação no trabalho. Este cenário é considerado como um dos paradoxos do planejamento e orçamentação de carreiras na área de educação pública moçambicana.
MÉTODO
PARTICIPANTES
A pesquisa foi realizada na província de Nampula, situada na região norte de Moçambique. Participaram 21 docentes, sendo 10 do sexo masculino e 11 do sexo feminino, com idades compreendidas entre 25 a 40 anos. Todos estavam enquadrados na carreira docente, dos quais 17 com nível superior (Docentes N1) e quatro com nível médio profissional (Docentes N3) que lecionavam nas escolas do ensino básico. A experiência profissional dos entrevistados variava entre um e 20 anos (Quadro 2). Neste âmbito, procurou-se explorar as opiniões dos professores do ensino básico moçambicano com relação ao planejamento e orçamentação de carreira docente.
Categoria | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 10 | 47,6 |
Feminino | 11 | 52,3 |
Total | 21 | 100 |
Idade (anos) | ||
25-30 | 3 | 14,2 |
31-35 | 12 | 57,1 |
36-40 | 6 | 28,5 |
Total | 21 | 100 |
Categoria profissional | ||
Docente de N1 | 17 | 81,0 |
Docente de N3 | 4 | 19,0 |
Total | 21 | 100 |
Experiência profissional (anos) | ||
1-5 | 5 | 23,8 |
6-10 | 10 | 47,6 |
11-15 | 5 | 23,8 |
16-20 | 1 | 4,7 |
Total | 21 | 100% |
Fonte: Resultados da pesquisa (2020).
A escolha deste grupo profissional justifica-se pelo fato de algumas pesquisas terem confirmado que há um sentimento de insatisfação profissional quanto ao desenvolvimento da carreira docente do ensino básico. As suas recompensas são irrisórias e poucas são as oportunidades de ascensão na carreira, fato a que aludem Abacar (2011), Abacar, Roazzi e Bueno (2017), Abacar, Aliante e Nahia (2020) e Aliante e Mendes (2021). Em geral, procurou-se perceber as experiências subjetivas dos professores do ensino básico para captar os entraves profissionais relacionados à GRH. Este constitui um ponto de partida para identificar os problemas do planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique.
TIPO DE PESQUISA
Para explorar a perspectiva dos professores do ensino básico sobre o planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique, recorreu-se à pesquisa exploratória e de cunho qualitativo e foi utilizada a técnica de grounded theory para a análise de dados. Hammarberg, Kirkman e Lacey (2016) acreditam que a pesquisa qualitativa permite revelar certos problemas organizacionais, no sentido de trazer informações atuais, pois são essas motivações que ditaram a opção por este tipo de pesquisa.
Segundo Timmermans e Tavory (2012), a grounded theory fornece diretrizes sistemáticas, com o propósito de trazer informação nova. Visa analisar os processos sociais, de modo a acolher a visão dos indivíduos envolvidos na pesquisa. Na mesma direção, Sbaraini et al. (2011) referem que a técnica de grounded theory foca o interacionismo entre a teoria e a percepção dos entrevistados para obter o significado de certa perspectiva de análise. E Creswel (2009) considera que a grounded theory gera descrições narrativas ricas, fundadas em evidências reais. Por esse meio, Patton (2005) afirma que as opiniões dos participantes revelam o sentimento profundo sobre a temática. A adoção da grounded theory nesta pesquisa visou responder a um problema prático de GRH que não pode ser analisado apenas na ótica dos gestores, mas também na dimensão dos colaboradores, de modo a aprofundar o planejamento e orçamentação de carreira docente.
TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Para a realização deste estudo foi empregada a entrevista semiestruturada, contendo 11 perguntas. A parte inicial do guião tinha o objetivo de coletar informações sobre variáveis sociodemográficas e profissionais, tais como: idade, sexo, nível de escolaridade, tempo de serviço e carreira dos participantes. Na segunda parte do roteiro constavam questões abertas que buscavam responder aos aspectos relacionados ao planejamento e orçamentação de carreira docente, sem descurar a possibilidade de os entrevistados acrescentarem outras opiniões para enriquecer a pesquisa. A duração das entrevistas variou entre 40 e 45 minutos, obedecendo às medidas de distanciamento social impostas pela pandemia da COVID-19.
A informação obtida na entrevista foi transcrita, analisada e interpretada por meio da técnica de grounded theory. As opiniões de cada participante foram comparadas por meio de um critério de identificação de semelhanças e diferenças, seguindo a codificação aberta, axial e seletiva em que, para Cepellos e Tonelli (2020), as informações idênticas são agrupadas entre elas e se faz a seleção das categorias centrais. Para garantir o anonimato, a cada participante foi atribuído um código com a letra E seguida por algarismo mediante a sequência das entrevistas (E1, E2, E3…. E21). Nesse contexto, as opiniões dos participantes foram agrupadas em três categorias principais: planejamento de carreira docente, orçamentação de carreira docente e análise do planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique. Tais itens acima referidos foram analisados e discutidos recorrendo-se às diferentes abordagens encontradas na literatura.
PROCEDIMENTOS
A coleta de dados foi realizada entre os meses de abril e agosto do ano de 2020. Após a autorização para a realização deste estudo pelo Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia, seguiu-se a apresentação dos pesquisadores nas escolas sorteadas, tendo estes sido recebidos pela direção das escolas. Para o efeito, foram contatados 35 professores, observando-se as medidas de prevenção da pandemia da COVID-19. Primeiramente foram explicados as intenções, os objetivos e o modo da sua participação da pesquisa. Foram-lhes garantidos o anonimato, o sigilo e a confidencialidade da informação fornecida, em cumprimento das normas de realização de pesquisas com os seres humanos. Todos os participantes deram seu consentimento livre e informado. A razão de a amostra se limitar no 21o professor deveu-se à saturação das respostas, visto que estas já eram repetitivas, pois os respondentes nada mais acrescentavam à pesquisa.
RESULTADOS
Nesta seção, são apresentados e discutidos os resultados deste estudo. Inicialmente, faz-se a descrição dos aspectos do planejamento de carreira docente no âmbito da GRH. Em seguida, explica-se a orçamentação da carreira docente. Finalmente, discutem-se as principais categorias do planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique.
PLANEJAMENTO DA CARREIRA DOCENTE EM MOÇAMBIQUE
No âmbito da operacionalização desta pesquisa, foram entrevistados os professores do ensino básico de Moçambique relativamente ao planejamento da carreira docente. Para o efeito, as suas opiniões foram analisadas com o auxílio da codificação aberta, axial e seletiva, conforme o Quadro 3.
O Quadro 3 mostra os resultados obtidos do planejamento da carreira docente. Foram identificados quatro fatores que provocam a estagnação da carreira docente, entre os quais: incerteza, imprecisão, complexidade e burocracias no planejamento de carreira docente. Para o efeito, passa a apresentar-se a matriz operacional referente aos depoimentos dos entrevistados, conforme o Quadro 4.
Codificação aberta | Codificação axial | Codificação seletiva |
---|---|---|
Depoimentos dos entrevistados | Categorias iniciais | Dimensão agrupada |
|
Incerteza do planejamento de carreira docente | Estagnação de carreira docente |
|
Imprecisão do planejamento de carreira docente | |
|
Complexidade do planejamento de carreira docente | |
|
Burocracias do planejamento de carreira docente |
Fonte: Resultados da pesquisa (2020).
Categorias iniciais | Depoimentos dos entrevistados | n | % |
---|---|---|---|
Incertezas de planejamento de carreira docente | E1: No meu entender há falta de objetivos no planejamento. No geral, as metas não são cumpridas. Muitas vezes, o planejamento é feito de forma ad hoc e os orçamentos não são claros. Em suma, não há preocupação com as carreiras dos funcionários públicos. | 7 | 33,3 |
Imprecisão do planejamento de carreira docente | E7: O planejamento não tem sido claro. Não há indicadores precisos. As instituições não conseguem alcançar as metas por causa da exiguidade orçamental. O planejamento é mal feito e os orçamentos não são bem canalizados às instituições públicas. | 4 | 19,0 |
Complexidade de planejamento de carreira docente | E18: Na minha opinião, acho que há falta de transparência dos gestores de RH. As informações são omissas e pouco difundidas. Não sei como se planeja a minha carreira. Não sou consultado. Muitos não se beneficiam de progressões na carreira por causa disso. | 5 | 23,8 |
Burocracia de planejamento de carreira docente | E19: Há muita burocracia na tramitação dos processos. Morosidade processual. Levam muito tempo. Perda de processos. Há fragilidade da GRH nas carreiras. | 05 | 23,8 |
Fonte: Resultados da pesquisa (2020).
ORÇAMENTAÇÃO DE CARREIRA DOCENTE EM MOÇAMBIQUE
Relativamente à orçamentação da carreira docente, os depoimentos dos entrevistados foram comparados de modo a extrair os aspetos semelhantes e diferentes, cujos resultados são apresentados no Quadro 5.
Codificação aberta | Codificação axial | Codificação seletiva |
---|---|---|
Depoimentos dos entrevistados | Categorias iniciais | Dimensão agrupada |
|
Exiguidade orçamental para suporte à carreira docente | Congelamento de carreiras |
|
Centralização do orçamento para a carreira docente | |
|
Redução das remunerações na carreira docente |
Fonte: Resultados da pesquisa (2020).
O Quadro 5 mostra os procedimentos utilizados na análise de dados referentes à orçamentação de carreira docente em Moçambique. Nesta ótica, os resultados desta pesquisa mostram os fatores que afetam o congelamento de carreiras, tais como: exiguidade orçamental, centralização orçamental e redução das remunerações na carreira docente. Para demonstrar, é apresentada a respectiva matriz no Quadro 6.
Categorias iniciais | Depoimentos dos entrevistados | n | % |
---|---|---|---|
Exiguidade orçamental | E1: No meu entender as instituições recebem orçamentos do Estado exíguos e ninguém reclama. O número de funcionários é maior em relação ao orçamento. Não são operacionalizados os atos administrativos em todas as carreiras. Quase sempre não há cabimento de verba. Não se prioriza a carreira dos funcionários. | 8 | 38,0 |
Centralização do orçamento | E14: No meu ponto de vista, o orçamento depende do nível central. Os funcionários dependem do cabimento de verba que se pode adquirir ao nível provincial ou central. O Governo moçambicano não se preocupa na vida profissional dos funcionários. As políticas de GRH não são dinâmicas. | 7 | 33,3 |
Redução das remunerações das carreiras | E11: O meu ponto de vista é que a redução do orçamento do Estado teve um impacto negativo nas carreiras, por razões de haver discrepância salarial nos abonos entre os funcionários antigos e novos. Houve a redução de salários dos funcionários recém-contratados. Na atualização da mudança de carreira o salário também reduz. | 6 | 28,5 |
Fonte: Resultados da pesquisa (2020).
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo revelaram aspectos que conduziram ao melhor entendimento da temática e abriram um horizonte que permitiu identificar os entraves da GRH no setor público da educação moçambicana. Alguns depoimentos que pareciam ser supérfluos forneceram pistas para a percepção do problema de investigação. Nesta discussão foram separados o planejamento e a orçamentação de carreiras para explorar as nuances mais profundas. Constatou-se, contudo, que a estagnação na carreira docente é um fator crítico do planejamento de carreira e o congelamento de carreira é uma das disfunções da orçamentação de carreira docente. Em linhas gerais, a análise feita do planejamento e orçamentação de carreira docente revelou-nos um conjunto de debilidades, entre as quais a descoordenação entre os planos de desenvolvimento de recursos humanos e os de orçamento. Este aspecto é considerado um dos problemas da GRH do setor público educacional que afeta os docentes do ensino básico em Moçambique.
ESTAGNAÇÃO DA CARREIRA DOCENTE
Os resultados desta investigação demonstram que a estagnação da carreira docente é um fator crítico de GRH. Resulta da incerteza, imprecisão, complexidade e burocracias no planejamento de carreiras. Conforme ponderam Spurk, Abele e Volmer (2015), a estagnação da carreira consiste na limitação da progressão dos colaboradores, o que tem estado na origem da insatisfação no trabalho. Para Shabbir, Ramzan e Ahmad (2020), os colaboradores sentem-se estagnados quando permanecem na mesma função durante muitos anos, sem oportunidade de desenvolvimento na carreira.
O estudo de Greenhaus, Callanan e Godshalk (2019) afirma que as organizações enfrentam dificuldades estruturais em termos de GRH, gerando incertezas de planejamento de carreiras. Tal fato acontece por meio das alterações nas práticas de gestão de carreiras, que resultam do aumento de colaboradores nas organizações, num contexto de turbulências orçamentais.
Piatak (2017) descreve a imprecisão do planejamento da carreira como um dos aspectos que provoca a estagnação da carreira docente. O seu estudo concluiu que o planejamento de carreiras não tem sido flexível porque os indicadores utilizados nesse processo são muitas vezes descontextualizados, com as práticas de desenvolvimento de recursos humanos. No caso da carreira docente, Rodrigues e Mogarro (2020) consideram que os professores permanecem na mesma carreira durante muito tempo por causa da ineficiência dos procedimentos que são utilizados para planejar a carreira docente.
Para Simione (2019), a natureza dinâmica e complexa do planejamento da carreira docente gera uma enorme discrepância entre o número de docentes planejados e os que se beneficiam de desenvolvimento de carreiras. Isso ocorre, possivelmente, conforme consideram Sirbu, Popa e Pipas (2014), pelo fato de os gestores de recursos humanos não adotarem critérios claros de inclusão de todos os funcionários no planejamento de carreiras.
A outra razão que explica a estagnação da carreira docente é a ocorrência de burocracias no planejamento de carreira. Para ilustrar, o estudo de Vaz (2018) considera que a gestão de pessoal é um recurso valioso para as organizações. Todavia, as burocracias que estão atreladas à atuação das normas e procedimentos de gestão de carreiras provocam disfunções organizacionais. Na mesma senda, CIRESP (2001) reconhece que em Moçambique há uma burocracia institucional complexa e pouco transparente que não permite flexibilizar a carreira dos funcionários públicos.
Apesar de vários estudos terem sustentado os resultados desta pesquisa, é importante frisar que, no contexto específico de Moçambique, há evidências de que a legislação moçambicana, concretamente o Diploma Ministerial no 49/2018, de 23 de maio, introduziu medidas de GRH bastante rígidas que reduziram o desenvolvimento de carreiras dos funcionários públicos em Moçambique, provocando desse modo a estagnação da carreira docente (Moçambique, 2018).
CONGELAMENTO DE CARREIRA DOCENTE EM MOÇAMBIQUE
Os resultados desta pesquisa mostram que o congelamento da carreira docente se deve à exiguidade e centralização orçamentárias e à redução das recompensas dos funcionários públicos moçambicanos. Para Marques e Macedo (2018), tal fato acontece quando se verificam restrições de novas admissões ao emprego público e corte das despesas destinadas ao desenvolvimento de carreira dos colaboradores.
A exiguidade orçamentária em Moçambique deve-se à crise financeira que abalou o país a partir de 2015. Entretanto, a redução da ajuda externa teve consequências desastrosas na economia moçambicana (Moçambique, 2020). Conforme explica Moçambique (2021), o orçamento do Estado reduziu para 40%, tendo afetado a GRH. Por essa razão, várias carreiras públicas (por exemplo as de médicos, enfermeiros, engenheiros, professores e outros servidores públicos) ficaram congeladas.
No que diz respeito à centralização do orçamento das carreiras, Cohen e Karatzimas (2011) esclarecem que o controlo orçamentário depende das Finanças Públicas e é um mecanismo de monitoria das despesas públicas. Uma das dificuldades da GRH é que ocorrem disfunções no desembolso orçamentário para os níveis institucionais mais baixos, razão que provoca o congelamento de carreiras. Importa lembrar que o cabimento orçamentário para as carreiras em Moçambique depende da autorização do Ministério de Economia e Finanças e é disponibilizado numa lógica top-down.
O estudo do MINEDH (2017) revela que, no contexto do setor público educacional em Moçambique, o desembolso de fundos destinados às despesas para pessoal tem sido tardio e moroso, o que provoca a exclusão de muitos docentes no ato da progressão de suas carreiras. Para sustentar esse achado, Simione (2019) salienta que a disponibilidade do orçamento público de Moçambique está atrelada a burocracias nos termos de procedimentos financeiros que são rígidos, provocando o congelamento de carreira dos colaboradores.
O setor público moçambicano adotou medidas de austeridade com o Decreto no 75/2017, de 27 de dezembro, que aprovou as medidas de contenção da despesa pública em Moçambique e, por conseguinte, reduziu as recompensas dos docentes admitidos posteriormente, com vista a controlar as despesas orçamentárias (Moçambique, 2017). Este achado foi sustentado no estudo de Abacar, Aliante e Nahia (2020), considerando-se, portanto, que as restrições orçamentais foram responsáveis pela rebaixamento substancial dos honorários dos docentes, por terem mutilado os benefícios na carreira e, consequentemente, devido à redução do Bônus Especial dos funcionários recém-admitidos em 10% e à fixação da taxa única do subsídio de localização para 15%.
ANÁLISE DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTAÇÃO DE CARREIRA DOCENTE
Para compreender como era feito o planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique, os interlocutores envolvidos nesta pesquisa foram solicitados a refletir sobre sua trajetória profissional e a indicar as práticas utilizadas no setor de educação pública moçambicana a respeito de suas carreiras. Das 17 práticas apresentadas no estudo de Baruch e Perpeil (2000), os entrevistados relataram apenas duas que haviam usado para progredir em suas carreiras, nomeadamente a avaliação de desempenho e a educação formal.
Embora Alves e Teixera (2020) tenham estudado o planejamento de carreiras para estudantes universitários utilizando o Hope-Action Theory (HAT), os resultados apresentados fornecem pistas importantes para a GRH. O estudo concluiu que o planejamento de carreiras é delineado pelo indivíduo e auxilia na possibilidade de atingir as metas organizacionais. Além disso, os autores reconhecem a existência de obstáculos no planejamento de carreiras, pois o orientador profissional serve de suporte para superá-los.
O estudo desenvolvido por Awortwi (2010) considera que o planejamento ocorre no âmbito de GRH e a orçamentação de carreiras depende das Finanças Públicas. Há, portanto, certa descoordenação de atividades no setor público moçambicano. De modo similar, Chang’ach (2016) aponta discrepâncias entre as atividades planejadas e as orçadas, o que provoca a exclusão de muitos docentes no desenvolvimento de suas carreiras.
A perspectiva de Cabri (2013) observa que o processo de planejamento e orçamentação de carreira docente em Moçambique é conflituoso. As despesas destinadas ao apoio de pessoal são executadas de forma ad hoc. Uma das falhas estruturais acontece no processo de execução orçamental, pois têm vindo a ser introduzidas e suprimidas novas despesas. Entretanto, as referidas falhas orçamentais não são corrigidas nos anos subsequentes e as despesas com o pessoal não sofrem variações, razão pela qual o planejamento e orçamentação de carreiras continua a ser um processo lento e ineficiente.
Melchor (2013) enumera cinco falhas do planejamento e orçamentação da carreira docente, nomeadamente:
descoordenação entre os planos de desenvolvimento de recursos humanos e os de orçamento;
falta de uma abordagem sistemática que estabeleça uma relação entre o planejamento e orçamentação de carreiras;
capacidade institucional limitada para promover um processo eficaz de planejamento e orçamentação de carreiras; e
rigidez das práticas de GRH.
Para Goodman et al. (2015) e Fasbender et al. (2019), um dos pontos críticos do planejamento e orçamentação de carreiras é a redução do orçamento público destinado ao desenvolvimento de carreira dos colaboradores, apesar do reconhecimento de que este processo é essencial para o sucesso na carreira, tanto objetivo (aumento das recompensas) como subjetivo (satisfação na carreira) dos colaboradores.
No contexto do planejamento e orçamentação de carreira docente ocorrem cenários imprevisíveis diante da falta de ações contingenciais nos orçamentos. Por isso, Jacobson (2010) recomenda a adoção de planos financeiros flexíveis e ações adaptativas à GRH, pois no contexto do planejamento é necessário que seja acrescida uma porcentagem de 10% aos orçamentos propostos para as carreiras, de modo a controlar as variações anuais. Finalmente, Madero-Gómez (2020) sublinha que o fortalecimento do planejamento e orçamentação de carreira docente cria vantagens competitivas nos processos de atração e retenção de colaboradores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, explorou-se a perspectiva dos professores do ensino básico em Moçambique sobre o planejamento e a orçamentação de carreira docente. A consecução deste estudo afigurou-se como ponto de partida para a análise desta temática, na medida em que pode contribuir para a melhoria das práticas de gestão de carreiras no setor da educação pública moçambicana. A sua importância visa contribuir de forma conceptual e empírica sobre a carreira docente que está repleta de obstáculos, que a impedem de se desenvolver.
Para a realização desta pesquisa foi administrada a entrevista semiestruturada a 21 professores do ensino básico em Nampula, região norte de Moçambique. Os seus depoimentos foram unânimes em considerar que o planejamento de carreira docente em Moçambique não tem sido eficiente, pois muitos funcionários ficam estagnados na carreira. Além disso, a carreira docente é orçamentada num contexto de exiguidade financeira que ocasiona o congelamento de carreira docente. Contudo, algumas falhas estruturais foram apontadas no planejamento e orçamentação da carreira docente, pois este processo é pouco ágil, inflexível, e a sua operacionalização é feita de forma ad hoc, não sendo possível garantir o desenvolvimento da carreira docente. Tal cenário acontece por causa das disfunções dos procedimentos utilizados no âmbito da GRH.
Os resultados obtidos constituem uma importante fonte de informação para o planejamento e orçamentação de carreira docente no setor da educação pública moçambicana. Apesar disso, este estudo apresenta algumas limitações, que derivam do fato de se realizar no contexto moçambicano, envolvendo apenas uma parte dos docentes, não sendo passível de ter seus resultados generalizados para todo o contexto do país.
Mesmo com essas limitações, os resultados apresentados neste estudo poderão contribuir para outras pesquisas futuras mais amplas sobre as percepções dos colaboradores a respeito do planejamento e orçamentação de suas carreiras. Sugere-se, contudo, o desenvolvimento de estudos futuros de natureza quantitativa e com amostras significativas, podendo não só envolver os empregados, mas também os gestores de recursos humanos do setor público de educação moçambicana.