1 Introdução
Dentre todas as técnicas propostas pelos programas de Orientação e Mobilidade, o ensino e o treinamento das técnicas de locomoção com a bengala pode ser considerado o mais complexo de ser implantado, uma vez que seu uso depende não somente da execução perfeita das técnicas propriamente ditas, mas também da apropriação eficiente das diferentes capacidades, habilidades e competências interdependentes, tais como: postura, força, equilíbrio, coordenação, orientação espaço-temporal e uso dos sentidos remanescentes; que devem ser estimuladas constantemente (Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010).
Além de influenciar no desenvolvimento e, consequentemente, no aumento da autoconfiança da pessoa cega, o ato de utilizar a bengala corretamente, para se locomover tanto em ambientes internos quanto externos, está diretamente associado ao desenvolvimento da autonomia, da independência, do domínio pessoal e ao aumento da autoestima (Felippe & Felippe, 1997; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).
Em se tratando do contexto escolar, o ensino das técnicas básicas com a bengala é indispensável, uma vez que é por meio do uso correto dessas técnicas, juntamente aos sentidos remanescentes, que o aluno poderá dominar os espaços com maior segurança, autonomia e tornar-se-á independente para ir e vir nos ambientes escolares, quer sejam eles internos ou externos. Além disso, o domínio das técnicas possibilita o desenvolvimento de um melhor contato social além de oferecer “uma facilitação cíclica no seu desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e social, podendo inclusive adquirir, em longo prazo, capacidade e recurso para a futura obtenção de melhores oportunidades de emprego e poder econômico” (Hoffmann, 1998, p. 147). Utilizar a bengala, portanto, é muito mais do que estar com ela durante a locomoção, é saber o que, como e quando executar determinados movimentos com ela e com o próprio corpo, para que o risco de quedas, de impactos, de choques e/ou de traumas possa ser minimizado (Maciel, 1988, 2003).
De acordo com a literatura, são 14 as técnicas básicas com a bengala que devem ser ministradas durante o atendimento em Orientação e Mobilidade: 1) empunhadura da bengala na posição estática; 2) empunhadura da bengala para o movimento; 3) toque; 4) marcha; 5) alterar superfícies; 6) subir escadas; 7) descer escadas; 8) subir e descer rampas; 9) abrir e fechar portas; 10) passagens estreitas; 11) alinhamento do corpo; 12) sentar-se; 13) seguir linhas guias; e 14) mudança de direção (Bruno & Mota, 2001; Felippe & Felippe, 1997; Felippe, 2001; Garcia, 2003; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).
Para executar essas técnicas corretamente, é preciso que a pessoa tenha conhecimento sobre os comportamentos que as compõem. Somente após compreender as especificidades de cada uma delas, e dominá-las, que a pessoa poderá se locomover com independência, autonomia e, principalmente, com segurança, evitando o risco de acidentes durante a locomoção tanto em ambientes internos quanto externos (Garcia, 2003).
Apesar de as técnicas de locomoção com a bengala serem essenciais na vida das pessoas cegas, nem todas possuem o conhecimento sobre como executá-las corretamente. Atualmente, é possível perceber que grande parte dos alunos cegos se locomove com certa independência e autonomia nos ambientes escolares, porém não considera a segurança durante a locomoção (Zengo, Fiorini, & Manzini, 2017). Vale ressaltar que o número de materiais nacionais sistematizados, que discorram sobre o processo de ensino, treinamento e avaliação dessas técnicas, é escasso, principalmente em se tratando dos ambientes escolares, dificultando que profissionais da área proporcionem o ensino, o treinamento e a avaliação de qualidade (Orbolato, 2018).
Frente a isso, este estudo aportou-se no seguinte problema de pesquisa: como planejar, aplicar e avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas com a bengala, nos ambientes escolares por meio de um delineamento pré e pós-teste? A partir desse problema, o estudo teve como objetivo avaliar um programa de treinamento das técnicas básicas com a bengala nos ambientes escolares.
2 Método
Este trabalho refere-se a uma pesquisa quase experimental, intrassujeito, que se configura com um design composto por três elementos: 1) uma avaliação ou pré-teste; 2) uma intervenção; e, posteriormente, 3) uma reavaliação ou pós-teste. Esse tipo de pesquisa tem sido assim denominado pela literatura da área (Cozby, 2003; Portney & Watkins, 2008). Ele se insere dentro de uma pesquisa maior4 que utilizou as 14 técnicas básicas com a bengala.
Neste estudo, serão apresentadas seis técnicas básicas, que são iniciais para que a pessoa cega possa se locomover com a bengala: 1) empunhadura da bengala na posição estática; 2) empunhadura da bengala para o movimento; 3) toque; 4) marcha; 5) alinhamento do corpo; e 6) seguir linhas guias. A coleta de dados ocorreu em uma escola de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Foram adotados os seguintes critérios para seleção do participante: 1) ter diagnóstico de cegueira, garantindo a ausência de outras deficiências; 2) estar matriculado no ensino regular (a partir do 6º ano/ 5ª série); e 3) ter mais de 11 anos.
Com base nesses critérios, participou do estudo uma adolescente de 13 anos de idade, matriculada no 6º ano/5ª série do Ensino Fundamental, diagnosticada como cega congênita e que não havia recebido treinamento sistematizado referente às técnicas de Orientação e Mobilidade. Os procedimentos para a coleta de dados foram realizados nas dependências da escola onde estava matriculada5.
2.1 Estudo exploratório e elaboração do circuito de avaliação
A pesquisa teve início com o estudo exploratório. Para tanto, os ambientes escolares foram mapeados, a fim de auxiliar a pesquisadora6 a delinear como, onde e quando as técnicas básicas com a bengala seriam realizadas (Sampieri, Collado, & Lucio, 2006). Após uma conversa informal com a diretora da instituição e com o cuidador responsável por acompanhar a estudante no momento de chegada à escola, foram identificados os ambientes internos, externos, mais e menos frequentados pela estudante.
Considerando a necessidade de tornar o treinamento o mais desafiador possível e a importância de mensurar uma mesma variável em diferentes ambientes, iniciou-se o processo de elaboração do Circuito de Avaliação. Com base nas informações obtidas por meio do estudo exploratório, foram selecionados três ambientes que possuíam estruturas que favorecessem a realização e o treinamento das seis técnicas propostas. Os critérios para seleção desses ambientes foram: 1) ter espaço o suficiente para a estudante movimentar-se com segurança; e 2) possuir estruturas guias para a estudante orientar-se durante o percurso. Os ambientes selecionados foram: 1) corredor; 2) sala de aula; e 3) pátio.
2.2 Elaboração dos protocolos de avaliação
Considerando que cada uma das técnicas básicas e iniciais com a bengala possui diferentes comportamentos que devem ser realizados a fim de garantir a segurança e a naturalidade durante a locomoção, foi preciso que tais comportamentos fossem identificados na literatura. Assim, com o intuito de que esses comportamentos pudessem ser avaliados antes e após o treinamento, foram elaborados os Protocolos de Avaliação das Técnicas Básicas com a Bengala.
A fim de contemplar as especificidades de cada técnica - em decorrência dos seus diferentes objetivos -, foi elaborado um protocolo de avaliação para cada uma. Para exemplificar, segue, no Quadro 1, parte do protocolo de avaliação referente à técnica de Empunhadura da bengala na posição estática.
Técnica de Empunhadura da bengala na posição estática |
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1. Segurar com uma das mãos na parte superior da bengala (com todos os dedos). |
2. Manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça. |
3. Manter a bengala na posição vertical. |
4. Manter a ponta da bengala em contato com o solo. |
5. Manter toda a bengala próxima ao corpo. |
6. Manter o outro braço estendido na lateral do corpo. |
7. Manter postura ereta. |
Fonte: Elaboração própria.
2.3 Procedimentos para coleta de dados
A filmagem foi utilizada como forma de registro que garantiu a revisão dos dados obtidos durante o processo de avaliação e treinamento. A coleta foi divida em três etapas: 1) pré-teste; 2) treinamento; e 3) pós-teste. No estudo, o pré-teste configurou-se na avaliação da estudante durante a execução de cada uma das técnicas básicas com a bengala em cada um dos ambientes, sem que houvesse intervenção da pesquisadora.
Em se tratando da estratégia utilizada para a realização do pré-teste, é importante destacar que esta não foi baseada em comandos pontuais para a execução das técnicas, como, por exemplo, “faça a técnica de empunhadura da bengala na posição estática”. Pelo contrário, foram elaboradas situações naturais, do dia a dia escolar, em que a estudante deveria se locomover. Assim, de acordo com cada situação apresentada, a estudante deveria realizar a locomoção da forma que achasse ser correta.
Posterior à execução de todas as técnicas no Ambiente 1, elas foram executadas no Ambiente 2 (sala de leitura), posteriormente, no Ambiente 3. Para que o desempenho da estudante fosse avaliado e quantificado, foram elaboradas Fichas de Registro pré e pós-teste. Esse instrumento foi composto pelos mesmos comportamentos propostos pelos Protocolos de Avaliação (Quadro 1), porém, para cada um dos ambientes, foram acrescidos campos de registro para os momentos de pré e pós-teste. Foi elaborada, assim, uma Ficha de Registro para cada técnica.
Para o preenchimento das fichas de registro de cada técnica, as filmagens do pré-teste foram analisadas e os comportamentos realizados corretamente pela estudante foram marcados com um “x”. Posterior ao preenchimento das fichas de registro de cada técnica, em cada ambiente, referente ao pré-teste, iniciou-se a segunda etapa da coleta de dados: o treinamento.
O treinamento ocorreu semanalmente, nos mesmos ambientes onde foram realizadas as avaliações pré-testes. A partir do momento que a pesquisadora constatou que a estudante havia assimilado a execução correta dos comportamentos de cada uma das técnicas, em cada um dos ambientes, iniciou-se a terceira etapa da coleta: o pós-teste. A avaliação pós-teste, ocorreu em um único dia. Para tanto, foram atribuídas às mesmas condições, orientações e situações do dia a dia escolar, propostas no pré-teste.
2.4 Tratamento e análise dos dados
O tratamento e a análise dos dados ocorreram quantitativamente. Foi considerada a soma da frequência absoluta dos comportamentos realizados corretamente pela estudante nas avaliações pré e pós-testes, em cada um dos ambientes. Tais valores foram dispostos em gráficos para posterior análise comparativa.
3 Resultados e discussão
O treinamento teve início com a técnica de Empunhadura da bengala na posição estática que tem o objetivo de permitir que a pessoa cega pudesse manusear a bengala, de forma natural e com segurança, enquanto estivesse parada, sem interferir no espaço do outro. O Gráfico 1 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de Empunhadura da bengala na posição estática.
Essa técnica foi composta por sete comportamentos distintos. Ao analisar a ficha de registro do pré-teste, foi possível identificar que a estudante teve facilidade em executar cinco deles. Em contrapartida, foi identificado que a estudante não executou os outros dois comportamentos, o de manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça e o de manter o outro braço estendido na lateral do corpo. Em se tratando desses comportamentos, acredita-se que o fato de a estudante nunca ter recebido um treinamento específico de Orientação e Mobilidade fez com que ela não soubesse a existência e a importância do uso desses comportamentos.
De fato, estar familiarizada com a bengala é fundamental para a pessoa cega, uma vez que, por meio desse domínio, o sujeito poderá ter mais confiança para utilizá-la e mais segurança durante a locomoção (Felippe & Felippe, 1997). Por isso, é essencial que se conheça as partes da bengala, que saiba desmontá-la e montá-la, e, ainda, saiba identificar as condições físicas desse recurso, a fim de identificar quando ela deve passar por uma revisão, por exemplo. Assim, é somente após estar familiarizada com a bengala - e todas as suas especificidades - que a pessoa poderá iniciar a treinamento das técnicas propriamente ditas com eficiência, favorecendo a possibilidade de se locomover de forma confiante e segura.
O comportamento de manter a mão, que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça, por exemplo, é fundamental mesmo quando a pessoa cega não estiver em movimento, para que ela não corra o risco de “perder a bengala” se, por algum motivo, ela escapar da mão. Mesmo sendo tão importante, é possível perceber que a literatura não discute sua importância para a locomoção.
O momento do intervalo, por exemplo, que ocorre no pátio, que é um ambiente aberto, oferece situações em que não manter a mão dentro da alça da bengala pode comprometer a segurança da pessoa cega. Nesses ambientes, geralmente há um grande número de pessoas transitando e o risco de alguém, sem intenção, esbarrar e/ou chutar a bengala é muito grande. Nesses casos, se a pessoa cega não estiver com a mão dentro da alça da bengala, ela poderá soltar-se, acarretando uma recuperação dificultosa. Nessa perspectiva, é preciso que a pessoa cega tenha interiorizado esse comportamento para evitar situações de constrangimento.
Avaliou-se, também, que a estudante não manteve o outro braço estendido na lateral do corpo. As filmagens indicaram que ela permaneceu com as duas mãos sobre o cabo da bengala. Embora este seja um comportamento que também não é discutido pela literatura, estar com as duas mãos sobre o cabo da bengala não se torna uma estratégia favorável em nenhum tipo de ambiente, uma vez que, caso alguém esbarre na bengala ou trombe na pessoa, o risco de que ela se desequilibre e/ou caia é muito grande, considerando que a pessoa mantém todo o peso do corpo sobre ela.
O treinamento baseou-se na execução correta desses dois comportamentos que a estudante não conseguiu realizar no pré-teste e teve início no corredor (A1). Ao iniciar o treinamento, a pesquisadora identificou que a estudante não sabia identificar as partes da bengala, por esse motivo, o treinamento iniciou-se com a apresentação das respectivas partes da bengala.
Ao final do reconhecimento, a pesquisadora iniciou a explicação verbal sobre como realizar corretamente a técnica da empunhadura e informou sobre os prejuízos acarretados pela não execução e/ou execução incorreta dos comportamentos necessários. Além disso, foi identificado que a estudante demorou a deixar de posicionar as duas mãos sobre o cabo da bengala. A cada vez que ela executava essa ação, a pesquisadora verbalizava a forma correta de executá-los. O treinamento encerrou-se após a pesquisadora perceber que a estudante teria se apropriado da importância e da execução dos sete comportamentos.
Ao analisar o gráfico do pós-teste dessa técnica, foi possível perceber que o desempenho da estudante melhorou significativamente em todos os ambientes, com destaque para a execução na sala de aula e pátio (A2 e A3), onde a estudante executou todos os comportamentos corretamente.
Dos sete comportamentos, a estudante teve dificuldades em executar o de manter o outro braço estendido na lateral do corpo no corredor (A1). Nesse caso, não há como inferir uma causa para a não realização desse comportamento, uma vez que a estudante conseguiu executá-lo nos dois outros ambientes. O Gráfico 2 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de empunhadura da bengala para o movimento.
A técnica de empunhadura da bengala para o movimento tem o objetivo de permitir que a pessoa cega faça a empunhadura correta da bengala para que possa se locomover com naturalidade e segurança, sem que interfira negativamente no espaço do outro. Essa técnica foi composta por oito comportamentos. Ao analisar a ficha de registro referente ao pré-teste, foi possível perceber que a estudante teve facilidade em executar quatro: 1) manter a mão, que está segurando na parte superior, dentro do elástico da bengala; 2) manter o braço que está segurando a bengala na linha mediana do corpo (aproximadamente); 3) estender o dedo indicador sobre a parte superior da bengala, deixando o polegar e o indicador visíveis; e 4) realizar meia rotação do punho, permitindo que a palma da mão volte-se para a lateral. Nesse caso, entende-se que, por serem comportamentos específicos da técnica, e pelo fato de a estudante não conhecer a existência deles, é que ela não manifestou a intenção, em nenhum dos três ambientes, de executá-los. Considerando esses fatos, o treinamento baseou-se na aprendizagem desses comportamentos.
O treinamento teve início no corredor (A1), com a explicação da importância de cada um dos comportamentos para a segurança durante a locomoção. Para instruí-la, além de verbalizar como a estudante deveria agir, a pesquisadora foi posicionando o braço, a mão e os dedos da estudante conforme a especificidade de cada um dos comportamentos. Cada vez que a estudante executava a técnica, a pesquisadora observava seu desempenho de modo a identificar os comportamentos que ela não estava executando corretamente, para, então, fazer a correção.
Após o treinamento de todos os comportamentos dessa técnica, iniciou-se o terceiro momento da pesquisa, a avaliação pós-teste. A partir dos dados do gráfico, foi possível observar que a estudante conseguiu realizar com naturalidade, autonomia e segurança todos os comportamentos propostos por essa técnica, nos três ambientes. Nesse sentido, entende-se que as estratégias utilizadas para o treinamento foram bem sucedidas.
O Gráfico 3 apresenta os valores obtidos ao realizar a técnica de toque.
Segundo Garcia (2003, p. 109), a técnica de toque tem o objetivo de proporcionar “o máximo de proteção e informação do ambiente no que se refere a diferentes objetos que possam ser encontrados desde o solo até a linha da cintura”. É por meio dessa técnica que a pessoa cega pode se locomover com a bengala de forma coordenada, natural, segura, autônoma e independente, de maneira que consiga perceber o ambiente de maneira eficiente (Felippe & Felippe, 1997). Para a realização dessa técnica, é preciso que a pessoa, além de possuir uma boa coordenação para realizar o movimento da bengala, tenha também a força necessária nos dedos, no punho e no braço para manter a bengala sem contato com o solo ao executar o movimento.
Neste estudo, a técnica de toque foi composta por 11 comportamentos. Ao analisar a ficha de registro, identificou-se que a estudante conseguiu executar com facilidade os quatro comportamentos que são básicos dessa técnica. Em contrapartida, foi possível perceber que a estudante não conseguiu realizar, nos três ambientes, nenhum dos sete que são caracterizados como específicos: 1) manter a mão que está segurando na parte superior da bengala, dentro da alça; 2) manter o braço que está segurando a bengala na linha mediana do corpo; 3) estender o dedo indicador sobre a parte superior da bengala, deixando o polegar e o indicador visíveis; 4) realizar a flexão do punho para ambos os lados, sem movimentar o braço que está segurando a bengala; 5) tocar a ponta da bengala nos dois pontos direito e esquerdo (sem arrastar); 6) manter abertura da bengala (ao tocar os pontos do solo) em uma distância um pouco maior do que a dos ombros; e 7) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Para esses comportamentos, percebeu-se que a estudante não tinha conhecimento sobre a necessidade e a importância de executá-los. O treinamento teve como foco esses comportamentos e iniciou-se no corredor (A1) com informações sobre a importância dessa técnica para a locomoção.
O fato de alguns comportamentos propostos por essa técnica terem sido treinados na técnica anterior (empunhadura da bengala para o movimento) favoreceu a aprendizagem da estudante. Referente ao outros quatro comportamentos, a pesquisadora informou a importância deles para a segurança durante a locomoção e a instruiu fisicamente quanto à forma de executá-los. Ainda assim, a estudante teve dificuldades em executar o comportamento de realizar a flexão do punho para ambos os lados, sem movimentar o braço que está segurando a bengala corretamente.
Em vez de realizar somente a flexão do punho para ambos os lados, a estudante estava movimentando o braço, impedindo que a mão permanecesse posicionada na linha central do corpo. Para esse comportamento, foi necessário oferecer um modelo de execução. Assim, foi observado que, após a instrução verbal, física e cinestésica, a estudante conseguiu executar o comportamento de maneira correta. Concomitante com a execução desse comportamento, a pesquisadora solicitou que a estudante, ao movimentar a bengala, a tocasse no solo. Esse comportamento foi prontamente compreendido e executado pela estudante. No entanto, a estudante relatou que tinha medo de que as pessoas tropeçassem na sua bengala e, por isso, preferia se locomover com ela parada. Diante disso, a pesquisadora informou as possíveis consequências de ela andar com a bengala parada e a forma correta para fazer isso, de modo a não ocupar o espaço do outro. Ao encerrar esse momento, a pesquisadora solicitou que a estudante realizasse a técnica de toque, que foi executado com excelência. Nesse momento, a estudante demonstrou ter aprendido os comportamentos ensinados.
Ao verificar os dados do pré-teste do Gráfico 3, foi possível perceber que, dos 11 comportamentos, a estudante deixou de executar um, em todos os ambientes. Ao analisar a ficha de registro, esse comportamento foi o de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Para esse comportamento, acredita-se que a estudante tenha se sentido desconfortável e insegura para se locomover utilizando somente a bengala, permanecendo, assim, com o braço e a mão, que não estavam segurando a bengala, tensos - neste caso, segurando a barra da camiseta. Nessas situações, acredita-se que mais tempo de treinamento poderia fazer com que a estudante minimizasse essa falta de segurança e se locomovesse de maneira mais natural nesses ambientes.
O Gráfico 4 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de marcha.
A técnica de marcha possui o objetivo de permitir que a pessoa cega se locomova de forma equilibrada, coordenada, segura e natural utilizando a bengala. Ela é composta por nove comportamentos distintos. Ao analisar a ficha de registro do pré-teste, foi possível identificar que, destes, a estudante teve facilidade em realizar quatro.
Em relação aos comportamentos que a estudante teve dificuldade em realizar, os quais executou em pelo menos um dos ambientes, está o de realizar a passada com o pé esquerdo quando a bengala tocar no lado direito do solo e o de realizar a passada com o pé direito quando a bengala tocar no lado esquerdo do solo. Ambos foram realizados somente no pátio da escola (A3). Mediante esse dado e após a análise das filmagens, acredita-se que ela tenha executado esse comportamento de forma não intencional, uma vez que, no corredor e na sala de aula (A1 e A2), ela não demonstrou intenção de executá-los corretamente.
Os três comportamentos que a estudante não realizou em nenhum dos ambientes foram: 1) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção com movimentos naturais; 2) retirar todo o pé do chão na passada, sem arrastar o calçado; e 3) manter ritmo, entre pés e mãos. Referente a esses comportamentos, supõe-se que os fatores principais para que a estudante não conseguisse executar tais comportamentos, em nenhum dos três ambientes, foi o fato de ela utilizar um calçado aberto (estilo chinelo) e também pela falta de costume em se locomover utilizando somente a bengala.
De acordo com a literatura, o treinamento dessa técnica pode ser realizado de duas formas. A primeira é individualmente, quando a marcha e suas especificidades - coordenação, equilíbrio, altura, distância entre os pés, distância entre os passos, entre outros - são estimuladas, desenvolvidas e aprimoradas (Felippe & Felippe, 1997; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010) e, concomitantemente, quando a pessoa já está apropriada das capacidades e das habilidades físicas e motoras necessárias. No segundo caso, o treinamento da marcha ocorre concomitantemente com o treinamento de outras técnicas, como, por exemplo, a de toque (Felippe & Felippe, 1997; Garcia, 2003; Giacomini, Sartoreto, & Bersch, 2010; Maciel, 1988, 2003; Melo, 1991).
Em decorrência de a estudante ter se mostrado bem apropriada das capacidades e das habilidades físicas e motoras necessárias para a realização da marcha, neste estudo, o treinamento dessa técnica foi realizado concomitantemente ao treinamento da técnica de Toque. O treinamento baseou-se no desenvolvimento dos comportamentos que a estudante teve dificuldade, e ainda, daqueles que ela deixou de executar durante o pré-teste.
Considerando que realizar a técnica de Marcha, principalmente quando ela ocorre concomitantemente à técnica de Toque, torna-se uma das técnicas mais complexas dessa categoria, é preciso que a pessoa cega mantenha uma sincronia nos movimentos dos membros superiores e inferiores a fim de manter-se segura durante a locomoção. O treinamento dessa técnica teve início no corredor (A1). Foram informados quais eram as ações a serem executadas e os benefícios da execução correta dos comportamentos.
Ao demonstrar ter compreendido essas informações, a pesquisadora começou a explicar a como executar os comportamentos de realizar a passada com o pé esquerdo quando a bengala tocar no lado direito do solo e realizar a passada com o pé direito quando a bengala tocar no lado esquerdo do solo. Além de informar verbalmente o que a estudante deveria fazer, foi necessário que a pesquisadora utilizasse a informação cinestésica. A maior dificuldade da estudante foi em conseguir mover o quadril sem girá-lo ao executar a passada. Esse foi o foco do treinamento.
O treinamento encerrou-se quando a pesquisadora percebeu que a estudante estava conseguindo executar todos os comportamentos propostos da maneira mais correta possível. Após o período de treinamento, deu-se início ao pós-teste. Apesar de a coordenação, entre a passada e o toque, ser o fator mais complexo dessa técnica, foi observado, na ficha de registro, que a estudante não teve dificuldades em executá-la no pós-teste. Ao analisar a ficha de registro, foi observado que seu maior desafio foi em executar o comportamento de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção com movimentos naturais. Esse comportamento não foi executado em nenhum dos três ambientes. Nesse caso, infere-se que, mesmo a pesquisadora tendo informado tanto os detalhes do ambiente onde ela se encontrava (corredor, sala de aula e pátio) quanto à situação em que ela estava envolvida (ambiente com poucas pessoas transitando), a estudante não tenha se sentido confortável, mantendo seu braço e mão livres sem movimentos naturais.
O Gráfico 5 apresenta os valores obtidos pela estudante ao realizar a técnica de alterar superfícies.
A técnica de enquadramento e/ou alinhamento do corpo tem a função de permitir que a pessoa cega estabeleça uma linha retilínea de marcha, a fim de que possa estabelecer condições para determinar sua posição em relação aos objetos e, a partir disso, estabelecer a linha de tomada de direção desejada utilizando a bengala.
Neste estudo, essa técnica foi composta por nove comportamentos. Destes, a estudante teve a facilidade em executar sete. Em contrapartida, a estudante não conseguiu realizar dois deles - que podem ser caracterizados como específicos - em nenhum dos três ambientes: 1) permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais); e 2) retirar todo o pé do chão na passada (sem arrastar o calçado).
Para o primeiro, o fato de a estudante não ter o costume de se locomover utilizando somente a bengala fez com que ela aparentasse não estar confiante em executar essa técnica; por isso, manteve o braço e mão livres, sem movimentos naturais de locomoção. Já para o segundo, foi observado que o fato de a estudante utilizar um calçado inapropriado, pode ter contribuído para que ela não tivesse um bom desempenho. No segundo caso, acredita-se que, caso a estudante estivesse utilizando um calçado fechado, seu desempenho poderia ter sido melhor no pré-teste.
Referente aos outros dois comportamentos que são caracterizados como específicos dessa técnica, foi possível identificar que a estudante não executou o comportamento de alinhar os pés em direção ao som, em nenhum dos três ambientes, e realizou o de realizar a locomoção em linha reta apenas na sala de aula (A2).
O treinamento teve como foco os comportamentos que a estudante teve dificuldade e/ou deixou de executar durante o pré-teste. O treinamento iniciou no pátio (A3). Ao iniciar o treinamento, a pesquisadora percebeu que a estudante não estava conseguindo localizar o som com facilidade e, por isso, iniciou a estimulação auditiva, a fim de favorecer a localização do som com mais precisão durante o deslocamento. A estimulação ocorreu até o momento que a estudante conseguiu direcionar seu corpo corretamente na maioria das vezes. Posteriormente, os comportamentos referentes às técnicas que a estudante teve dificuldade em realizar foram ensinados e treinados durante a locomoção. Na maioria das vezes, as instruções verbais foram suficientes para que a estudante executasse os comportamentos corretamente. Quando necessário, instruções físicas também foram empregadas.
Ao analisar os dados referentes ao pós-teste, foi possível identificar que, mesmo tendo um desempenho melhor do que no pré-teste, a estudante teve dificuldades em executar três comportamentos: 1) alinhar os pés em direção ao som; 2) realizar a locomoção em linha reta; e 3) permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais).
Em se tratando da locomoção no corredor (A1), foi identificado que a estudante não realizou nenhum desses três comportamentos. Acredita-se que o fato de que outros alunos estivessem conversando dentro de salas próximas possa ter distraído a estudante. Diante desses dados, vale ressaltar a importância da concentração durante o treinamento das técnicas de Orientação e Mobilidade e os prejuízos que a falta dela pode acarretar.
Na sala de aula (A2), foi observado que a estudante deixou de realizar os comportamentos de permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais) e de realizar a locomoção em linha reta. Desse modo, embora a estudante tenha conseguido alinhar seus pés em direção ao som, ele não conseguiu se deslocar em linha reta. Infere-se que ela pode não ter se apropriado das ações motoras necessárias para executar tal ação. Acredita-se, portanto, que seja necessário mais tempo de treinamento para que a aluna possa elaborar conceitos da memória motora.
No pátio (A3), a estudante deixou de realizar apenas o comportamento de permanecer com o outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). Supõe-se que, por não ter se sentido confortável em se locomover nesse ambiente, ela manteve o braço e mão livres, em constante tensão (segurando a camiseta). Assim sendo, mais do que ensinar comportamentos específicos das técnicas de Orientação e Mobilidade, é preciso que questões, tais como, concentração e autoconfiança, sejam desenvolvidas. Em linhas gerais, elas são determinantes para uma locomoção segura.
O Gráfico 6 apresenta os dados em relação à técnica de seguir linhas guias.
De acordo com Garcia (2003), a técnica de seguir linhas guias tem como intuito proporcionar à pessoa cega condições para andar independentemente e com segurança em ambientes familiares, garantir um deslocamento com direção e facilitar a locomoção em áreas congestionadas utilizando a bengala como recurso. Essa técnica contou com a avaliação de 11 comportamentos. Destes, sete são considerados como básicos para a locomoção e quatro que são específicos da técnica. Foi possível identificar, que a estudante não conseguiu realizar três deles: 1) permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais); 2) retirar todo o pé do chão na passada (sem arrastar o calçado); e 3) manter ritmo constante.
Em se tratando dos comportamentos específicos da técnica de seguir linhas guias, foi possível identificar que a estudante teve dificuldades em realizar três deles: o de posicionar o corpo paralelamente à linha guia e o de tocar a ponta da bengala na linha guia durante a locomoção (sem arrastá-la), que foram executados no corredor e no pátio (A1e A3) e o de manter uma distância aproximada de 20 cm da linha guia, que foi executado somente na sala de aula (A2). Nesses casos, percebe-se que, embora a estudante tivesse conhecimento sobre como guiar-se, ele não sabia ao certo como executar os comportamentos necessários. Referente ao comportamento de manter abertura da bengala (ao tocar os pontos do solo) numa distância pouco maior do que a dos ombros, foi identificado que a estudante não realizou em nenhum dos três ambientes.
A partir da análise do desempenho da estudante na avaliação pré-teste, deu-se início ao treinamento. O treinamento teve início no corredor (A1) com a pesquisadora informando sobre o que era a técnica de seguir linhas guias e o porquê de essa técnica ser tão importante para a locomoção. A partir das instruções verbais, já, no primeiro ensaio, a estudante conseguiu executar os comportamentos de maneira correta.
O maior desafio da estudante foi conseguir permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais). A estudante executava o comportamento corretamente somente quando a pesquisadora a instruía verbalmente, quando não, ela voltava a permanecer com o braço e a mão livres, em padrão de tensão. Nesses casos, em vez de interromper a locomoção para explicar como a estudante deveria agir, a pesquisadora instruía verbalmente com frases do tipo: “Não perde a parede”, “Cadê a parede?”, ou, então, “Se concentra para não se perder”; dessa forma, a estudante ia se autocorrigindo.
Ao perceber que a estudante estava tendo um bom desempenho nesse ambiente, o treinamento teve continuidade na sala de aula (A2). Nesse local, a pesquisadora utilizou duas estruturas que poderiam servir como linhas guias: espaço da lousa até a porta da sala e as fileiras de carteiras encostadas na parede. A estudante teve dificuldade em se locomover na fileira das carteiras. Para fazer isso, foi preciso que a pesquisadora oferecesse um modelo para o toque da bengala. Após essas instruções, foi observado que a estudante conseguiu se locomover, em todos os ensaios, utilizando os comportamentos propostos pela técnica.
Após ser identificado que a estudante havia conseguido executar a maioria dos comportamentos propostos da maneira mais correta possível, nos três ambientes, deu-se início ao pós-teste. Ao analisar o Gráfico 6, é possível identificar que a estudante conseguiu realizar todos os comportamentos com naturalidade, segurança, autonomia e independência no pátio (A3). Já no corredor e na sala de aula (A1 e A2), apesar de seu desempenho ter melhorado em relação ao pré-teste, ela ainda deixou de executar o comportamento de permanecer com outro braço e mão livres durante a locomoção (movimentos naturais).
Sobre esse comportamento, embora a estudante tivesse sido instruída sobre a importância de se locomover com naturalidade, ela teve dificuldades em desconstruir os padrões de locomoção criados por ela ao longo da vida. Acredita-se que, com mais tempo de treinamento, esses vícios de locomoção poderiam ser minimizados.
4 Conclusão
Os dados permitiram concluir que o programa de treinamento e de avaliação que foi sistematizado contribuiu, positivamente, para que a aluna aprendesse a realizar as técnicas de locomoção com a bengala nos ambientes escolares.
Os pontos que podem ser avaliados como positivos, no programa, são: 1) por se tratar de um sujeito único, o estudo do tipo quase experimental possibilitou a avaliação antes e após o treinamento, o que permitiu aferir, de forma objetiva, a aprendizagem dos comportamentos necessários para cada uma das técnicas; 2) as fichas de registros especificavam detalhadamente os comportamentos a serem ensinados e foram importantes no momento de avaliação, de ensino e de treinamento, o que garantiu o controle desse processo; 3) a filmagem foi outro procedimento de registro importante para rever e avaliar as situações de ensino e de treinamento; 4) as estratégias de ensino empregadas pela pesquisadora foram importantes para o sucesso da aquisição dos comportamentos-alvo da participante, dentre elas, podem ser enfatizadas as explicações, as instruções verbais, os modelos cinestésicos apresentados; 5) a sistematização do trabalho também foi fator importante, a exemplo do circuito composto pelos três ambientes (corredor, sala de aula e pátio), o que possibilitou a avaliação, o ensino e o treinamento focado no ambiente natural da aluna cega.
Na avaliação do programa, como pontos que merecem atenção por parte de quem realiza o treinamento de técnicas de orientação e mobilidade, devem ser ressaltados: 1) o tipo de vestimenta, os acessórios e os calçados do aluno; 2) tempo de treinamento. O tipo de vestimenta, os acessórios e o calçado a ser utilizado pelo aluno durante o treinamento é determinante para o (in)sucesso de sua locomoção. É preciso que, ao fazer essa escolha, o aluno tenha consciência do que poderá favorecer e do que poderá prejudicar sua aprendizagem.
Não há um padrão em relação ao tempo necessário para o treinamento. Cada aluno traz consigo diferentes experiências que devem ser avaliadas. Após o ensino, há necessidade de treinar as técnicas, e o fator tempo é uma variável a ser considerada. O mais importante é que o aluno encerre o treinamento se sentindo seguro, autônomo e independente, para se locomover nos ambientes escolares, quer sejam internos ou externos.