1 Introdução
Nas duas últimas décadas, a educação superior brasileira foi marcada por forte expansão sob todos os aspectos, como por exemplo, o aumento do número de instituições, de cursos, de vagas, de ingressantes, de matrículas e de concluintes (RISTOFF, 2014). Com o crescimento das universidades brasileiras por meio de programas como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e, também, do Programa Universidade para Todos (PROUNI), houve a implementação de novas políticas públicas no ensino superior (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018). Para tanto, foram necessários grandes investimentos em infraestrutura como a criação de novos campus em todo o Brasil, bem como a oferta de novos cursos e consequentemente, o aumento da oferta de vagas no ensino superior público (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018).
Ao falarmos de expansão do ensino superior, seja ele público ou privado, se faz necessário discutirmos sobre evasão. Para Fritsch, Rocha e Vitelli (2015), é considerado evasão no Ensino Superior, o ingresso e a não conclusão de um curso de graduação por desistência. Para os autores, trata-se de um processo de exclusão determinando fatores e variáveis internas e externas às instituições de ensino superior (IES). A evasão é, certamente, um dos problemas que mais afligem as instituições de ensino em geral (SILVA FILHO et al., 2007). A compreensão de suas causas tem sido objeto de muitos trabalhos e pesquisas educacionais. Para Lobo et al. (2012), no ensino superior, a evasão estudantil:
[...] é um problema internacional que afeta o resultado dos sistemas educacionais”. As perdas de estudantes que iniciam, mas não terminam seus cursos são desperdícios sociais, acadêmicos e econômicos. Para o setor público, são recursos públicos investidos sem o devido retorno, já para o setor privado, é uma importante perda de receitas. Em ambos os casos, a evasão é uma fonte de ociosidade de professores, funcionários, equipamentos e espaço físico (LOBO et al., 2012, p. 642).
Para Mello et al. (2013), a evasão pode ser dividida em fatores internos e externos. Os fatores internos geralmente estão ligados à universidade, dentre eles podemos citar à desistência do curso pelo descontentamento com os métodos didáticos pedagógicos ou com a infraestrutura da universidade. Já os externos, são aqueles vinculados ao próprio discente, como a dificuldade de adaptação ao ambiente universitário, problemas de ordem financeira e pessoal ou o curso escolhido não era o que o discente esperava. Os elementos relacionados à evasão e seus motivos, é algo que merece atenção e devem ser objeto de estudo e de preocupação das instituições de ensino superior, principalmente, o que tange a coleta de dados no momento em que o discente realiza seu pedido de desligamento da universidade (ALVES; GAYDEZKA; CAMPOS, 2018).
Baseado no que foi exposto, pode-se observar que a evasão é um fenômeno de múltiplos fatores, que pode ocorrer com pessoas de todos os contextos socioeconômicos, culturais e modalidades de ensino. Para tanto, é necessário compreendê-lo para criar alternativas de retenção, apoiando os estudantes na permanência e êxito em seus cursos. Diante disto, o presente artigo aborda a evasão no ensino superior público. Com isso, este estudo tem por objetivo analisar a situação acadêmica e o significado das experiências de evasão na perspectiva de estudantes na Universidade de São Paulo.
2 Metodologia
Trata-se de uma revisão sistematizada da literatura sobre evasão e estudo de caso, predominantemente qualitativo e descritivo, realizado pela análise documental da situação acadêmica de estudantes (2010-2020) da Universidade de São Paulo, e pelos dados disponibilizados pelo Censo da Educação Superior (CES), realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados Scielo, Scopus e Web of Science, com a busca “evasão AND ensino superior OR educação superior”. Para todas foram utilizados os mesmos filtros: Brasil, idioma português, 2010 a 2020. Os artigos encontrados foram utilizados para a elaboração deste estudo.
A escolha pelos anos indicados baseou-se em adequar-se há um período de 10 anos conjunto aos dados encontrados da Universidade de São Paulo. Já e escolha pela Universidade de São Paulo foi motivada pelo fato de que os autores atuam como pesquisadores nesta instituição. A escolha da universidade pública estadual “justifica-se pois, historicamente, são estas instituições que constituem um campo diferenciado na formação inicial de professores pela ênfase na articulação entre ensino, pesquisa e extensão” (FONSECA et al., 2019, p. 2).
3 Resultados e discussão
3.1 Evasão no Ensino Superior Brasileiro
No Brasil, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) define os eventos que desencadeiam a evasão como (a) abandono (deixar de se matricular); (b) desistência (formalização junto da universidade); (c) exclusão por norma institucional; e (d) transferência (mudança de curso), sendo esta última circunstância considerada apenas uma adaptação, uma vez que o discente permanece determinado em cursar o ensino superior (RISTOFF, 1999). No entanto, esta vaga ociosa onera o sistema e promove desperdícios econômicos e acadêmicos para toda sociedade (CARDOSO, 2008).
A evasão escolar é um evento que apresenta maior incidência durante o primeiro ano de ensino superior. Este período é considerado como crítico por implicar na ruptura de etapas na vida do indivíduo, associado a inúmeras variáveis acadêmicas, financeiras e institucionais (BERNARDO et al., 2017). Reduzir a taxa de desistência e ampliar a permanência dos discentes nas instituições de ensino superior são desafios dos gestores e profissionais da educação brasileira (BRASIL, 2020). Os dados do Censo da Educação Superior apontam que 56,8% dos estudantes ingressos em 2010 e apenas 37,9% concluíram os estudos. Os outros 5,3% continuavam na graduação após 6 anos (BRASIL, 2017).
Peltier, Laden e Matranga (1999) sugerem que discentes do sexo feminino valorizam mais o ensino superior e possuem menor tendência a evasão. Os estudantes do sexo masculino e discentes que descendem de famílias com menor grau de escolaridade, possuem maior taxa de intenção de abandono (CASANOVA et al., 2018). A tradição e a família são redes de apoio que combatem sentimentos de fragilidade, insegurança urbana e solidão, motivam melhor desempenho do discente e reduz as chances de evasão (AINA, 2013).
Para Lamers et al. (2017) a evasão do discente pode estar relacionada com a dificuldade que o discente apresenta em conciliar o estudo com o trabalho, habilidade do docente ou instituição propor atividades mais dinâmicas que dialoguem com a realidade em que o discente está inserido, capacidade organizacional para executar tarefas e cumprir os prazos estabelecidos pela instituição, reconhecer e adaptar-se aos fracassos e conquistas que fazem parte do processo em construção de ensino-aprendizagem.
3.2 A evasão na Universidade de São Paulo
Criada em 1934, a Universidade de São Paulo (USP) é formada por diversas unidades, tais como faculdades, institutos e escolas. Além disto, também fazem parte museus (Museu de Arqueologia e Etnologia, Museu de Arte Contemporânea, Museu Paulista entre outros) e hospitais. É formada pelo campus de São Paulo, Bauru, Lorena, Ribeirão Preto, Piracicaba, Pirassununga, Santos e São Carlos. Possui 42 unidades de ensino e 183 cursos de graduação voltados a todas as áreas do saber. A USP faz parte de um seleto grupo de instituições de padrão mundial, ocupando, por exemplo, o segundo lugar na edição de 2020 do The Latin America University Rankings1.
Os dados estatísticos da USP partem, inicialmente, de três fontes, sendo elas: o Anuário Estatístico2, o Sistema Jupiterweb3 e o Sistema Fênix4. A partir dessas fontes, Kassai et al. (2010) realiza uma pesquisa exploratória dos dados referentes aos anos de 1998 a 2008 e se baseia numa metodologia de contabilidade, abordando questões como o custo anual e o nível de evasão de cada uma das unidades da USP. Neste estudo o balanço social da USP é estabelecido com base em três pontos: (i) Ativo Social, que seria o orçamento anual per capita de cada instituto da USP; (ii) Passivo Social, correspondente ao número de discentes que evadiram e que migraram do curso original; (iii) Patrimônio Líquido Social, relativo à diferença Ativo - Passivo.
Fazendo uma divisão em três áreas do conhecimento (biológicas, exatas e humanas), neste trabalho concluiu-se que a área de ciências biológicas é a mais cara da USP, seguida de exatas e por fim humanas. Porém a correlação entre os níveis de evasão e o custo per capita das unidades é inversamente proporcional, onde biológicas apresenta uma taxa de evasão de 8,8%, exatas com taxa de evasão em alguns institutos até mesmo superior a 50% e humanas com taxa de 31,52% (todos os valores médios). O curso de Medicina possuía o menor nível de evasão de toda a USP (em torno de 2,93%), a USP obteve neste período de 1998 a 2008 um nível de evasão médio de 36%, que seria superior à média brasileira (22%) neste mesmo período (LOBO, 2007).
Adachi (2017), realizou um estudo da evasão de discentes da USP especificamente entre os anos de 2002 a 2004. O estudo realiza um levantamento do número total de vagas de transferências internas e externas oferecidas pela USP neste período e seleciona cursos com alto índice de evasão, de forma a se mapear as possíveis causas. O resultado desse levantamento pode ser verificado na Figura 1. Entre os cursos citados estão Biblioteconomia, Geofísica, Geografia e Licenciatura em Matemática.
Os resultados obtidos mostram que a evasão é alta em cursos cuja nota de ingresso e relação candidatos/vaga é mais baixa. Através das taxas de transferências internas e externas oferecidas pelos cursos, tem-se um indicador direto das taxas de evasão. Os cursos que mais apresentaram transferências internas são os cursos de Licenciatura em Física (75), Matemática Aplicada e Computacional (54), Economia (46) e Bacharelado em Física (36). Em complemento, de acordo com dados do Anuário estatístico USP (reunião de Dirigentes USP, 2019) a taxa média de evasão de discentes no período de 2000 a 2018 é de 22,4%.
Segundo Adachi (2017) é possível estabelecer quatro perfis de trajetórias: aqueles que concluem no prazo regulamentar, reconhecidos como ‘bons discentes’ a partir do ponto de vista institucional; aqueles que evadem antes dos dois primeiros anos, os quais redirecionam suas escolhas para outros cursos da USP; os ‘estudantes trabalhadores’ cujo perfil indicado é de discentes que permanecem por mais de dois anos, evadem e depois conclui o curso na USP com pedidos de reingresso, o que pode ser em outra instituição; e aqueles que permanecem por mais de dois anos, mas não chegam a concluir a formação superior, configurando o perfil de discente desmotivado e que perdeu o interesse pela instituição.
Por fim, para Martucceli (2007) as trajetórias dos discentes não são necessariamente definidas por classe do ponto de vista econômico e social, mas que as concretizações pessoais, estudantis e profissionais dos ex-discentes são constituídas nas relações estabelecidas no meio acadêmico e nos diferentes espaços em que se inserem no cotidiano.
3.3 Evasão e possíveis soluções
Segundo Lobo (2012), apesar da existência de regras definidas para o cálculo da evasão, existe uma dificuldade em apurar o número. Primeiramente, a autora menciona a necessidade de distinguir o tipo de evasão que se refere. Neste aspecto, ele pode ser relacionado a Evasão do Curso5, a Evasão da IES6 e a Evasão do Sistema7. Em segundo lugar, é necessário realizar um “acompanhamento da corte”, ou seja, verificar se o discente abandonou os estudos de forma temporária ou definitiva.
Nem sempre é possível acompanhar o que ocorre com cada discente, individualmente, o que se chama de acompanhamento da corte, apenas os grandes números são estudados, na maioria das vezes a partir da soma da Evasão do conjunto dos diferentes cursos de todas as IES que compõem o Sistema de Ensino Superior (LOBO, 2012, p. 7).
Em decorrência desse quadro, os resultados da Evasão dos cursos tornam-se os mais comuns de serem calculados. Para Lobo (2012) as causas mais comuns da evasão do sistema de ensino superior, público e privado, relacionam-se à: (1) baixa qualidade da Educação Básica brasileira, (2) baixa eficiência e o diploma do Ensino Médio, (3) limitação das políticas de financiamento ao estudante, (4) escolha precoce da especialidade profissional, dificuldade de mobilidade estudantil, (5) rigidez do arcabouço legal e das exigências para autorização/reconhecimento de cursos, (6) falta de pressão para combater a Evasão, (7) legislação sobre a inadimplência no Brasil, e (8) enorme quantidade de docentes despreparados para o ensino e para lidar com o discente real.
Adicionalmente, Carvalho e Taveira (2012) argumentam que a evasão é mais frequente durante o primeiro ano de ensino superior. Para os autores, é fundamental que as instituições implementem programas de apoio aos discentes ingressos visando melhorar à adaptação do mesmo ao ensino superior. Os autores defendem que esses programas devam estimular habilidades de autorregulação da aprendizagem, além de promover oportunidades de projetos de carreira e ratificar o sentimento de pertencimento à instituição de ensino. Matta, Lebrão e Heleno (2017) complementam, defendendo que os relacionamentos interpessoais podem contribuir para um melhor rendimento escolar e postergar as chances de evasão.
Com base nessas causas e tendo em vista que a trajetória do estudante sofre influências, anterior a inserção do discente no contexto acadêmico, torna-se possível formular algumas repostas para combater à evasão. Nesse sentido, é pertinente que seja realizado um estudo para obter informações essenciais sobre os possíveis fatores relacionados à evasão escolar no ensino superior brasileiro. Espera-se que estas informações sejam úteis para nortear as tomadas de decisões futuras e consequentemente a diminuição da evasão no ambiente universitário.
A primeira proposta seria a aplicação de um questionário online a ser respondido pelo discente evadido. Tal questionário basear-se-á na Escala de Motivos para Evasão do Ensino Superior (M-ES), proposta por Ambiel (2015), para diagnosticar o abandono. Tal escala apresenta sete motivos, sendo eles: 1. Motivos Institucionais; 2. Motivos Pessoais; 3. Motivos relacionados à Falta de Suporte; 4. Motivos relacionados à Carreira; 5. Motivos relacionados ao Desempenho Acadêmico; 6. Motivos Interpessoais e 7. Motivos relacionados à Autonomia.
Defende-se que a aplicação de um questionário online possibilitará diagnóstico acerca dos motivos que ocasionaram a evasão. Além de conter questões relativas a escala proposta por Ambiel (2015), o questionário também deve conter perguntas que possam direcionar o discente sobre os reais motivos que o levam/levaram ao trancamento ou desistência do curso. Ressalta-se que esta primeira proposta apresenta algumas limitações, tendo em vista que o discente pode optar por não responder ou não fornecer todas as informações necessárias ao questionário, dificultando assim a tomada de decisões futuras por parte da gestão no que tange à evasão.
A segunda proposta refere-se a criação e implementação de um Sistema de Controle Acadêmico (SISCAD). Este sistema visa gerenciar o controle da evasão, as solicitações de trancamentos, de cancelamentos e de transferências de matrícula, conforme os regulamentos e diretrizes traçados pela instituição. Por meio dele é possível: a) implantar um novo fluxograma operacional dos procedimentos relacionados ao trancamento e cancelamento de matrícula; b) implantar um instrumento eletrônico de registro dos motivos da evasão (o instrumento da proposta 1 se enquadraria neste sistema se fosse o caso) com base em fatores relacionados à organização do curso, processo de ensino aprendizagem, infraestrutura, orientação e assistência ao discente e também motivos pessoais, objetivando produzir relatórios e disponibilizá-los aos coordenadores de curso.
A terceira proposta é a criação de grupo de trabalho responsável por recepcionar os calouros, promover a troca de experiências e apoiar os estudantes recém-chegados. Tal grupo de trabalho seria também responsável por estudar/analisar a desvinculação e evasão dos estudantes do ensino superior (PINHO; TUPINAMBÁ; BASTOS, 2016). Outro ponto importante é que este grupo de trabalho atue tanto junto ao corpo docente quanto ao ingresso, garantindo assim a permanência e sucesso dos estudantes. Klein (2006) argumenta a criação deste tipo de grupo de trabalho pode promover um ambiente propício para a autonomia, autoestima e confiança dos discentes.
Recomenda-se que este grupo de trabalho seja formado pelos coordenadores de cursos, coordenador acadêmico, serviço sociais e representantes discentes dos respectivos cursos existentes nas universidades. A aproximação da realidade do alunado permite identificar com maior precocidade e lançar mão de estratégias compartilhadas que previnam o abandono do discente. De posse deste material, este grupo formulará o diagnóstico e planejamento estratégico de mudanças, sobretudo nos cursos com baixa relação candidato/vaga e alta taxa de desvinculação/evasão, visando assim a diminuição do índice de evadidos das universidades (BARDAGI; HUTZ, 2009).
Considerações finais
O presente artigo trouxe contribuições significativas, tendo em vista que os resultados encontrados servirão de base para que os gestores do sistema universitário conheçam o perfil do discente evadido assim como o seu quantitativo, e com isso aperfeiçoem programas já existentes bem como desenvolvam e implementem estratégias que visem a redução ou extinção da problemática da evasão, tais como: maior atenção com discentes dos períodos iniciais, fortalecimento e disseminação dos programas de monitoria e tutoria, ampliação da política assistencialista e implantação de feira de profissões em parceria com as escolas.