1 Introdução
A análise da produção acadêmica de um grupo ou entidade acadêmica tem chamado atenção nos tempos atuais, principalmente pela valoração da quantidade e da qualidade da produção e a avaliação por mérito dos seus pesquisadores (KOCHHANN, 2021). Esse cenário se repete nos cursos de graduação e pós-graduação em Enfermagem, porém com menor atenção aos cursos de graduação (SILVA et al., 2009; MENDONÇA et al., 2018; FERREIRA; TAVARES; KEBIAN, 2018; GIACCHERO; MIASSO, 2006).
Estudos com a comunidade de Enfermagem brasileira não abordam a intenção de pesquisa e a relação entre grupos de trabalho de pesquisadores. “Intenção de pesquisa” é conceituada por nós como a proposição de um objeto de pesquisa que pode ou não se transformar futuramente em um produto, por exemplo, um artigo, ou livro, ou outro produto acadêmico. Essas intenções podem ser avaliadas por diferentes meios, como a organização de grupos de pesquisa formais ou informais, produção de projetos pesquisa e a interação ou intenção de colaboração entre pesquisadores, docentes e discentes (SOUSA et al., 2019). Outra importante fonte de informações atualmente disponível é o curriculum vitae. Internacionalmente esses currículos são agrupados em plataformas virtuais como ResearchGate, ORCID e outros.
A Plataforma Lattes é uma base de dados pública de curriculum vitae acadêmico amplamente usada no Brasil. Nela pode-se acessar desde a história acadêmica pessoal do pesquisador, interações com grupos científicos e instituições, até o quantitativo de artigos publicados e demais ações e produtos de ensino, pesquisa e extensão (DIAS et al., 2016). A plataforma é gerenciada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um órgão federal, e ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do Brasil.
Portanto, o uso de redes de pesquisa e de colaboração tem papel importante por demonstrar a interação entre docentes (como os líderes de um grupo de pesquisa) e profissionais de um grupo de estudo ou fonte de interação; ou até mesmo como ferramenta de avaliação do foco e a inter-relação dos objetos de pesquisa. Uma rede pode ser definida como a visualização das conexões entre pelo menos dois elementos baseados em um critério de conexão. Desta forma, o uso de redes (networks) ou análise de redes sociais (“social network analysis”) como metodologia de análise de interações é amplamente usado para análises de interações, e permite diversas possibilidades e ações que identificam os principais atores, engajados em processos de mediação do conhecimento e fluxo de informações, assim como vínculos e critérios construídos no desenvolvimento de conexões (MACHADO; IPIRANGA, 2013; LANDIM et al., 2010; ANDRADE; DAVID, 2015; CAVALCANTE et al., 2018). Como critérios de conexão entre pesquisadores, por exemplo, podemos citar a participação em um grupo de pesquisa e o compartilhamento de um projeto de pesquisa. Nesse caso, os dois critérios são bons indicadores da intenção de pesquisa. Adicionalmente, essas relações poderiam facilmente ser acessadas através da base da dados públicos do CNPq ou Plataforma Lattes.
Portanto, este estudo avaliou as redes de intenção de pesquisa entre docentes de um curso de graduação em Enfermagem de uma universidade brasileira, federal e pública, baseadas nos grupos de pesquisa cadastrados no CNPq e nos projetos de pesquisa cadastrados no Lattes.
2 Material e Métodos
2.1 Tipo e local de estudo
Trata-se de um estudo descritivo, analítico e transversal. O estudo inclui a avaliação das redes de intenção de pesquisa do curso de Graduação em Enfermagem, da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), estado de Minas Gerais, Brasil. O curso é público e oferece uma habilitação dupla nas modalidades Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem. A duração do curso é de dez semestres com admissão de 40 alunos por semestre e possui entre 300 e 400 alunos matriculados. O curso foi iniciado em 1999. Em março de 2021, momento da coleta, o curso possuía 26 docentes efetivos ativos ou permanentes (em exercício profissional) e com oito docentes efetivos aposentados.
2.2 Aspectos éticos e legais
Foram acessados e incluídos dados dos currículos cadastrados na Plataforma Lattes e dos grupos de pesquisa do CNPq dos docentes efetivos ativos ou aposentados do curso de Graduação em Enfermagem. Não houve critério de exclusão de docentes. Os dados de docentes substitutos (não efetivos ou contratados temporariamente) não foram avaliados pela ocorrência de contratos de curta duração (máximo de dois anos e não renováveis) e que em muitos casos não fazem a associação da produção com a instituição estudada. Projetos que claramente declaravam ser de ensino ou extensão foram excluídos da análise.
Todos os docentes têm seu nome, link dos seus currículos, data de admissão e aposentadoria disponibilizados na página da instituição (http://www.famed.ufu.br/famed/equipe/corpo-docente). Como todos os dados utilizados no estudo são de domínio público e de livre acesso, sem necessidade prévia de autorização para acesso, não houve a necessidade de submissão do trabalho ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos. Mesmo os dados sendo públicos e de livre acesso, informações que pudessem ser interpretadas como negativas ou que poderiam causar desconforto ao profissional não foram apresentadas. Estes dados são dos docentes sem vinculação a grupos e projetos de pesquisa, ou que estavam cadastrados como alunos nos grupos de pesquisa. Estes docentes não foram identificados em nenhum momento.
2.3 Coleta de dados
Projetos de Pesquisa do Lattes
Foram acessados todos os currículos Lattes dos docentes e os projetos de pesquisa cadastrados (item no Lattes: “Projetos de pesquisa”). Foram coletados o título, os participantes, o coordenador, instituição de afiliação do coordenador e data de inicio e fim do projeto. Todos os currículos foram acessados entre 15 e 21 de março de 2021 e no dia 21 foram novamente verificados para confirmar possíveis mudanças. Os currículos foram acessados online pela plataforma Lattes (http://lattes.cnpq.br/) por meio da opção “Buscar currículo” (http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do?metodo=apresentar) ou pelo link disponibilizado no site da instituição de ensino. A plataforma é de consulta aberta, todos os dados são públicos e inseridos pelo próprio pesquisador, sendo esta inclusão de responsabilidade do mesmo. Foram considerados todos os projetos com data de início a partir do ano base de admissão do docente no curso até a data de coleta dos dados ou de aposentadoria.
Para cada projeto de pesquisa foi coletado o título, ano de início, ano de finalização ou se atual (em andamento), o nome e a instituição de afiliação do coordenador do projeto (para afiliação, os currículos dos coordenadores foram também acessados pela mesma plataforma), e os nomes dos docentes do curso de Graduação em Enfermagem associados ao projeto. Cada projeto foi avaliado somente uma vez, independente se presente em mais de um currículo. Para a análise das redes de intenção de pesquisa foram considerados somente os projetos em andamento ou finalizados no ano de 2021. Projetos encerrados até março de 2021 (um projeto), momento da coleta, ainda poderiam manter atividades remanescentes após o encerramento e foram mantidos na análise.
Grupos de Pesquisa CNPq
Para cada um dos docentes do curso foi avaliado a sua inclusão em grupos de pesquisa cadastrados no CNPq. A busca foi realizada na base de livre acesso Grupo de Diretórios de Pesquisa do CNPq (http://lattes.cnpq.br/web/dgp) por meio do item “Buscar diretório”, na ferramenta online de busca parametrizada, considerando o nome do docente como termo de busca (http://dgp.cnpq.br/dgp/faces/consulta/consulta_parametrizada.jsf). Foram utilizados como critérios para a busca a “Base de dados Corrente” (restrita a grupos ativos), “Nome do Pesquisador” e “Nome do Estudante”. Todos os nomes dos docentes estão disponíveis no site da Faculdade de Medicina (http://www.famed.ufu.br/famed/equipe/corpo-docente).
Para cada docente inserido em um grupo de pesquisa, o mesmo grupo de pesquisa foi acessado para coleta de alguns dados. Foram coletados o nome do grupo, o(s) nome(s) dos coordenadores, a instituição de afiliação do grupo e a área de cadastro do grupo no CNPq, a data de cadastro no grupo e a função no grupo (Pesquisador ou Estudante). Não foram considerados cadastros inativos nos grupos, e dados de egressos do grupo não foram coletados (pesquisador ou estudantes inativos no grupo). Os docentes foram codificados com suas iniciais e os grupos com um código sequencial (G1 até Gi-ésimo). Para docentes com mudança de nome ou nomes incompletos foi mantido o primeiro nome registrado ou o nome que consta no site da instituição. A data de cadastro no grupo foi posteriormente dicotomizada em se o docente foi cadastrado até 2014 (assumindo-se sim) ou se cadastrados a partir de 2015 (assumindo-se não), uma vez que a data exata de cadastro não é disponível para cadastros realizados antes de 2014. As instituições também foram categorizadas se instituição de trabalho, nesse caso a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) (assumindo-se sim) e demais instituições (assumindo-se não). A dicotomização aplicada permitiu maior representatividade dos grupos para as análises de associação. Como um dos grupos de pesquisa estava presente em duas instituições distintas com o mesmo nome, a sigla da instituição foi acrescida ao nome do grupo para diferenciação.
Nenhum dado coletado foi validado diretamente com os docentes. A validação exigiria a abordagem direta aos profissionais e o projeto visou trabalhar somente com os dados públicos disponibilizados pelos mesmos. Apesar disto, foram observados diversos problemas de preenchimento do Lattes, os quais não foram todos relacionados neste trabalho, destacando-se a ausência de dados e a necessidade de conferência e compatibilização de dados entre registros de professores distintos de um mesmo projeto.
Redes de colaboração
Foi construído um banco de dados em planilhas eletrônicas com as interações binárias, tanto para os grupos de pesquisa quanto para os projetos. Para todos os casos as mesmas foram pareadas no banco de dados. Foram construídas três redes bipartidas de interação com os dados dos grupos de pesquisa, a saber: grupos de pesquisa e docentes; área de cadastro no CNPq e docentes; instituição do coordenador do grupo e docentes. Também foram construídas três redes bipartidas de interação com os dados dos projetos de pesquisa sendo elas projeto de pesquisa e docentes; projetos de pesquisa e docentes excluindo projetos sem colaboração entre docentes do curso; e instituição do coordenador do projeto e docentes.
Nuvens de palavras
Para a construção das nuvens de palavras com os nomes dos grupos e dos projetos, todas as siglas, símbolos, pronomes, artigos, preposições e conjunções foram excluídos do corpus. Os títulos foram traduzidos automaticamente em tradutor online (https://www.bing.com/translator). A tradução não foi modificada. Todas as palavras foram mantidas no singular. Palavras sem conotação de pesquisa no corpus obtido para os grupos de pesquisa também foram excluídas (research, study, group, laboratory, center), uma vez que não tinham relação com o propósito de pesquisa do grupo. Para os projetos essa exclusão não foi realizada, uma vez que o corpus era mais complexo e de difícil identificação destas palavras sem relação com o projeto. A nuvem de palavras foi implementada em R com os pacotes tm, SnowballC, wordcloud e RColorBrewer.
2.4 Análise estatística
A dependência do tempo de admissão dicotomizado, afiliação e área dos grupos com a função do professor no grupo (estudante ou pesquisador) foi testada com Teste Exato de Fisher. Para a predição da função no grupo (estudante sendo considerado como o evento de interesse) os dados das variáveis preditoras (tempo de admissão e área, ambos dicotomizados) foram ajustadas a modelos de regressão logística múltiplos. A razão de chances e seu intervalo de confiança (95%) também foram calculados. O critério de seleção “backward” foi usado adotando a probabilidade de Wald maior que 0,05 como critério de exclusão.
Para todas as análises, os dados foram analisados em R, com nível de significância fixado em 5%. As redes foram construídas com o pacote igraph (CSARDI; NEPUSZ, 2006) e bipartide (DORMANN; GRUBER; FRUEND et al., 2008).
2.5 Resultados
Foram identificados 25 grupos de pesquisa no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, distribuídos em quatro áreas: Botânica, Enfermagem, Medicina e Saúde Pública. Sete instituições tinham unidades afiliadas: Universidade Federal de Catalão, Goiás (UFCAT; 4,00%, 1 em 25 grupos); Universidade Federal de Goiás, Goiás (UFG; 4,00%, 1 em 25 grupos); Universidade Estadual de Campinas, São Paulo (UNICAMP; 4,00%, 1 em 25 grupos); Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (UNIFESP; 4,00%, 1 em 25 grupos); Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Minas Gerais (UFTM; 24,00%, 6 em 25 grupos); Universidade de São Paulo, São Paulo (USP; 32,00%, 8 em 25 grupos); e Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Minas Gerais (28,00%, 7 em 25 grupos) (Tabela 1). Entre os docentes sem registro no diretório de pesquisa foram identificados três docentes ativos e cinco inativos (aposentados).
Nome do grupo de pesquisa no CNPq | Área | Instituição1 | Código |
---|---|---|---|
Atenção Integral à Saúde da Criança e do Adolescente - AISCA | Enfermagem | UFU | G1 |
Botânica - UFU | Botânica | UFU | G2 |
Enfermagem e Saúde da mulher | Enfermagem | UFTM | G3 |
Espiritualidade e cardiologia: Abordagem interprofissional - UFCAT | Medicina | UFCAT | G4 |
Espiritualidade e cardiologia: Abordagem interprofissional - UFG | Medicina | UFG | G5 |
GIPHA – Grupo de pesquisa interdisciplinar em Hipertensão | Enfermagem | USP | G6 |
Grupo de estudos em reabilitação em pacientes oncológicos e cirúrgicos | Enfermagem | USP | G7 |
Grupo de Estudo sobre Prevenção do Uso Nocivo do Álcool e ou Drogas - GRUPAD | Enfermagem | USP | G8 |
Grupo de estudos e pesquisa em prática baseada em evidência e segurança do paciente no processo do cuidar | Enfermagem | UFTM | G9 |
Grupo de estudo e pesquisa no uso de recursos humanos em enfermagem | Enfermagem | USP | G10 |
Grupo de estudos sobre saúde mental na integralidade do cuidado - GESMIC | Saúde Pública | UFU | G11 |
Grupo de pesquisa em reabilitação e qualidade de vida | Enfermagem | USP | G12 |
Grupo de pesquisa em saúde cardiovascular | Enfermagem | UFU | G13 |
Grupo de pesquisa em saúde coletiva | Saúde Pública | UFTM | G14 |
Laboratório avançado em estudos sobre gênero e violência | Enfermagem | UFU | G15 |
Laboratório de estudos e pesquisa em prevenção e posvenção do suicídio (LEPS) | Enfermagem | USP | G16 |
Liga acadêmica de urgência e emergência em Enfermagem - LUREEN | Enfermagem | UFU | G17 |
Centro de estudos e pesquisa em epidemiologia e métodos quantitativos de saúde | Saúde Pública | UFTM | G18 |
Núcleo de Estudos de Prevenção e Controle de Infecção nos Serviços de Saúde (NEPECISS) | Enfermagem | USP | G19 |
Núcleo de estudos sobre distúrbios psiquiátricos: assistência e pesquisa - NUDPAS | Enfermagem | USP | G20 |
Centro de educação, enfermagem e saúde | Enfermagem | UFU | G21 |
Processos patológicos gerais e doenças infecciosas e parasíticas | Medicina | UFTM | G22 |
Saúde da mulher e do recém-nascido | Enfermagem | UNICAMP | G23 |
Segurança, Tecnologia e Cuidado (SEGTEC) - Grupo de pesquisas de enfermagem em segurança do paciente, cuidados intensivos pediátricos e terapia intravenosa e medicamentosa | Enfermagem | UNIFESP | G24 |
Saúde e vivência do adulto | Enfermagem | UFTM | G25 |
Fonte: Elaboração própria.
1Siglas das Instituições Federais.
Observou-se 51 cadastros de docentes de Enfermagem da UFU entre os grupos de pesquisa. Entre os cadastros na área de Enfermagem somente 12,50% (5 de 40 cadastros) são como estudantes, enquanto nas demais áreas são 18,18% (2 de 11 cadastros), sem diferenças entre os dois grupos (Test Exato de Fisher p = 0,635). Outras unidades que não a UFU possuem 33,33% dos registros (7 de 21 cadastros) categorizados como estudantes. Quando avaliados aqueles cadastros referentes somente à UFU, 100% dos registros (30 de 30 cadastros) são classificados como pesquisador.
Avaliando o tempo de admissão, os cadastros realizados até 2014 demonstram que 42,85% destes (6 de 14 cadastros) são estudantes. A partir de 2015, 2,70% (1 de 37 cadastros) são cadastrados como estudantes, com diferenças estatísticas entre os dois grupos (Teste Exato de Fisher p = 0.001). Somente o tempo de admissão foi capaz de predizer o papel do docente no grupo (constante = −3,584; p < 0,001; b1 = 3,296; p = 0,004), sendo que o fato de ter sido admitido até 2014 leva a uma chance 27 vezes maior de o cadastro ter sido realizado como estudante (Razão de Chances = 27,00; 95%CI: 2,84; 256,51).
Esses achados reforçam a hipótese que estes cadastros podem estar associados à vínculos prévios à admissão dos docentes, uma vez que os cadastros estão associados a instituições externas à UFU e, em alguns casos, a mesma instituição de titulação do docente. Além disso, o caso da baixa prevalência de estudantes nos cadastros a partir de 2015 se justifica frente à realização de pós-doutoramento, ou ainda a não atualização dos cadastros na plataforma. A associação do tipo de cadastro e local de titulação não foi testada.
Dos 252 projetos de pesquisa, 28,57% (n = 72) foram analisados pelo fato de ainda estarem em andamento (28,17%, n = 71) ou terem sido encerrados em 2021 (0,40%, n = 1). Foram identificadas seis instituições relacionadas aos coordenadores sendo elas a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS; 4,17%; n = 3), Universidade de São Paulo (USP; 2,78%; n = 2), Fundação Osvaldo Cruz (FIOCRUZ; 1,39%; n = 1), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM; 4,17%; n = 3), Universidade de Pernambuco (UPE; 1,39%; n = 1), e UFU (86,11%; n= 62). Houve um predomínio de projetos vinculados a UFU. É importante ressaltar que as afiliações foram diferentes entre os grupos e os projetos de pesquisa.
Evidenciou-se nas redes de grupos de pesquisa do CNPq comportamentos distintos entre as redes (Figura 1, Tabela 2). Na rede de grupos de pesquisa quatro docentes eram vinculados a somente um grupo de pesquisa, e somente um grupo de pesquisa (G21) possui alta conexão com os docentes (12 docentes) (Figura 1A, Tabela 2). A maioria dos docentes se conecta somente a área de Enfermagem; enquanto a área Saúde Pública é a que se conecta mais com os docentes que se conectaram com Enfermagem (Figura 1B). Dois dos docentes não se conectam a Enfermagem (Figura 1B). A área Botânica se conecta somente a um docente e Medicina a dois dos docentes (Figura 1B). A maior parte dos docentes também se conecta somente com a UFU; e com este grupo a maior parte das conexões ocorre dos docentes com a UFTM e USP (Figura 1C, Tabela 2). Quatro instituições foram conectadas somente a um docente (UNICAMP, UFCAT, UFG e UNIFESP), e um dos docentes não se conectou a UFU (Figura 1C, Tabela 2).
Conectores | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupos de pesquisa | Projetos de pesquisa | ||||||
Estatística | Grupo | Área | Afiliação | Projetos | Projetos com colaboração | Afiliações | |
n professores | 24 | 24 | 24 | 24 | 23 | 24 | |
n grupos | 25 | - | - | - | - | - | |
n projetos | - | - | - | 72 | 30 | - | |
n áreas | - | 4 | - | - | - | - | |
n afiliação | - | - | 7 | - | - | 6 | |
n conexão | 51 | 51 | 51 | 146 | 104 | 146 | |
Mínimo aresta professor | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | |
Máximo aresta professor | 5 | 4 | 2 | 13 | 8 | 3 | |
Mínimo aresta conector | 1 | 1 | 1 | 1 | 2 | 1 | |
Máximo aresta conector | 12 | 18 | 22 | 11 | 11 | 24 |
Fonte: Elaboração própria.
Grande quantidade dos projetos de pesquisa na Plataforma Lattes está associada a somente um docente, sendo 42 projetos sem colaboração e 30 com colaboração entre os docentes do curso (Figura 2A, Tabela 2), e um único docente ligado a somente um projeto. Outra análise foi realizada a fim de fornecer uma melhor visualização das conexões, excluindo projetos sem colaboração dos professores de Enfermagem da UFU. A maioria dos professores se conectava com a rede e apenas alguns se conectavam com apenas uma aresta (Figura 2B, Tabela 2). A maioria das conexões dos docentes com as afiliações foram relativas à UFU, enquanto as demais afiliações tiveram poucas arestas (Figura 2B, Tabela 2).
Dois docentes ativos não apresentam nenhuma conexão com os grupos de pesquisa do CNPq. Um docente aposentado ainda mantem cadastro ativo nos grupos de pesquisa. Dois docentes ativos não tem cadastrados nenhum projeto de pesquisa no Lattes, e nenhum dos docentes aposentados tem projetos em andamento. Os docentes sem conexão não foram plotados em nenhuma das redes.
O corpus dos grupos de pesquisa do CNPq obteve 98 observações distribuídas em 66 palavras. As quinze palavras mais citadas no corpus foram saúde (9); cuidado (5); enfermagem (5); paciente (3); prevenção (3); segurança (3); mulheres (2); espiritualidade (2); cardiologia (2); interprofissional (2); abordagem (2); reabilitação (2); drogas (2); processo (2) e infecção (2) (em inglês: health (9); care (5); nursing (5); patient (3); prevention (3); safety (3); women (2); spirituality (2); cardiology (2); interprofessional (2); approach (2); rehabilitation (2); drug (2); process (2) and infection (2)) (Figura 3A). O corpus dos projetos de pesquisa do Lattes obteve 655 observações distribuídas em 351 palavras. As dezessete palavras mais citadas no corpus foram saúde (18); paciente (16); cuidado (15); universidade (11); enfermagem (10); mulheres (9); clínica (8); hospital (8); estudo (8); unidade (7); segurança (7); serviço (7); sendo que empataram e ocuparam a 15ª posição as palavras família (6); uso (6); estudante (6); público (6) e precepção (6) (em inglês: health (18); patient (16); care (15); university (11); nursing (10); women (9); clinical (8); hospital (8); study (8); unit (7); safety (7); service (7); family (6); use (6); student (6); public (6) and perception (6)) (Figura 3B).
3 Discussão
Redes pouco estruturadas e com relações enviesadas (atores com muitas ou poucas conexões), atores isolados e links esquecidos ou negligenciados, sem identificação dos fatores determinantes dessas relações foram observados na análise das interações nas redes de intenção entre os docentes do curso de graduação avaliado aqui. A não inclusão de todas as fontes de interação ou de predição em uma rede é comum a outros estudos e reflete uma limitação comum deste tipo de análise (GUIMARAES et al., 2009). Além disso, outros fatores têm sido relatados como influenciadores da estrutura da rede como a presença de pós-graduação, relações pregressas de orientação e a internacionalização do grupo (SILVA; MARTINS, 2016; NOGUEIRA; SILVA, 2017). Neste sentido, o pressuposto de que a inclusão de outras variáveis não abordadas aqui possa explicar com mais clareza as conexões entre os docentes desta universidade e seus determinantes é válido e cabível à outras investigações.
Redes com poucos grupos, ou mesmo os que abordam atores isolados são comuns na literatura. A avaliação dos aspectos estruturais da cooperação entre pesquisadores no campo da administração pública e gestão social evidenciou instituições sem colaboração ou com uma ou poucas interações (ROSSONI; HOCAYEN-DA-SILVA; FERREIRA JUNIOR, 2008), assim como no presente estudo. Ainda necessitamos inserir dados para construir as redes com pesos (força da conexão, referente ao número de projetos e grupos que interagem) e melhor entender as relações e forças das colaborações dentro da instituição de pesquisa. Independentemente, grupos e atores foram evidenciados, e em alguns casos assumiram mais de um padrão em diferentes redes, embora ainda seja necessária a abordagem de outras variáveis e de dados mais fidedignos (validados, uma vez que algumas incoerências entre currículos foram observadas) para construção de redes. Comportamentos semelhantes aos observados aqui, que também destaca atores isolados e a formações de poucos grupos de colaboração têm sido observados (SILVA et al., 2006).
Os links “esquecidos ou negligenciados” ficam evidentes na interação entre os docentes e as afiliações, que foram distintas entre os grupos de pesquisa e os projetos. Possivelmente, as vinculações com os grupos são mais antigas que os projetos e refletem a história de formação de cada docente, embora se tenha observado projetos vinculados a instituições e para os quais não há vinculação com nenhum grupo de pesquisa da mesma instituição. Esses achados também reforçam que os projetos ou grupos estão mais relacionados à intenção de pesquisa, uma vez que mesmo o docente vinculado a um grupo de pesquisa de uma instituição não possui nenhum projeto de pesquisa vinculado a esta instituição, ou vice-versa. Uma ressalva deve ser feita, um projeto de pesquisa vinculado ao grupo de pesquisa pode ser de autoria do docente UFU como coordenador e o mesmo não registra a instituição colaboradora, com isto a intenção é perdida.
Não foi possível vincular todos os atores dos projetos e dos grupos de pesquisa uma vez que na maioria dos currículos os autores não são vinculados (link do nome do autor vinculado com o currículo Lattes do autor). Relações pregressas de orientação e até mesmo de pesquisa são comuns em redes (SILVA; MARTINS, 2016; NOGUEIRA; SILVA, 2017). Nós inferimos que muitas das vinculações a grupos são antigas e relacionadas à formação dos docentes no caso de doutoramento e de pós-doutoramento e que elas não são mais atuais em alguns casos. Tal especulação é reforçada em alguns casos pelo cadastro antigo no grupo de pesquisa e na condição de estudante e a ausência de projetos de pesquisa atuais com o grupo ou a temática.
O presente estudo leva a discussão e dá atenção ao constante stress quantitativo no que diz respeito ao aumento da pressão por produção entre docentes e pesquisadores (MEIS et al., 2003), os quais são avaliados pelas métricas de produção bibliográfica. Como indicadores de avaliação tais métricas possuem, no sistema brasileiro, a capacidade de acreditar e classificar os grupos ou instituições de pesquisa, repercutindo sistemas de classificações e rankings internacionais de alcance global nos quais se inclui a Enfermagem (SCOCHI et al., 2013; NOBRE; FREITAS, 2017). Em contrapartida, os produtos são medidos e classificados, porém os processos de geração desses produtos permanecem desconhecidos na maioria das vezes (OECD, 2011). Consequentemente, muitas vezes os atores se veem obrigados a colaborar ou mudar suas práticas de colaboração para aumentar a produtividade independente do domínio na temática de colaboração e de outros aspectos até mesmo éticos (SANTOS; RABELO, 2017). Nesse contexto, é essencial compreender como a intenção de pesquisa se estrutura, e posteriormente avaliar como ela efetivamente se converte em um produto de pesquisa e nas relações de pesquisa.
O expoente aumento dos trabalhos realizados em colaboração e da facilidade de acesso aos seus metadados fazem com que a análise das redes de produção docente e entre grupos de pesquisa auxiliem na compreensão das relações interpessoais (DIAS, T.; MOITA; DIAS, P., 2019), como as observadas nas redes do presente estudo. As redes podem ser heterogêneas, pouco densas e com caminhos mínimos médios relativamente baixos, e ainda, ao analisar os títulos das publicações, expressões regionais destacam-se devido a sua frequência dentro das nuvens de palavras (DIGIAMPIETRI, 2015). As nossas nuvens de palavras foram pouco informativas e refletem muito pouco das temáticas de estudo. Diferentemente, futuramente os projetos poderiam ser categorizados em áreas ou linhas de pesquisa.
Quando avaliado as linhas de pesquisa verificou-se que os elementos do ensino de Administração na Enfermagem estavam ligados a outras temáticas, principalmente relacionado à gestão, educação, políticas e trabalho, o que reforça que a aplicação da técnica em temas mais específicos, linhas ou áreas pode apresentar resultados mais informativos mesmo aparecendo palavras mais genéricas (FIGUEREDO; MACEDO, 2020). A maior ocorrência de palavras não informativas também tem sido observada em resumos de teses e dissertações em Enfermagem, sendo as cinco mais comuns: enfermagem, enfermeiro, dados, estudo e paciente (AMORIM et al., 2020). Esse achado é semelhante ao observado aqui, e reforça que as palavras mais comuns saúde, cuidado, enfermagem, paciente e universidade são pouco informativas sobre tema, áreas de atuação ou foco dos projetos.
Pela facilidade de acesso, as plataformas Lattes e os grupos de pesquisa cadastrados no CNPq continuam sendo, pelo menos no Brasil, a principal ferramenta de acesso aberto a dados de pesquisadores e sua produção em diversas áreas (DIAS, T.; MOITA; DIAS, P., 2019; BRITO; QUONIAM; MENA-CHALCO, 2016). O presente estudo utilizou dados públicos nessas bases para estabelecer a dinâmica de relações e avaliar as intenções de pesquisa. Ressalta-se a importância do uso de outras técnicas e fonte de dados já descritos na literatura para a mesma finalidade, tais com a técnica de predição de perda de links que avalia a presença ou ausência da figura do pesquisador em determinado grupo com o modelo denominado “Support Vector Machines (SVM)” (PEREZ-CERVANTES et al., 2013). Determinar qual pesquisador é mais “produtivo”, “colaborativo”, “influente” e que pode ser um ator essencial no processo de colaboração é um aspecto muito importante, mas muitas vezes pode ser também outra forma de coação, pressão e de stress para aumento da produção e de colaboração. Essas técnicas precisam ser utilizadas no intuito de fortalecer o grupo, evidenciar pontos a serem trabalhados e não somente como uma métrica de avaliação ou de preterimento de um docente frente a outro.
3.1 Limitações do estudo
A impossibilidade de avaliar se há erro de preenchimento ou ausência de lançamento de dados nos currículos é uma limitação deste estudo. Os dados dependem unicamente do preenchimento adequado do Lattes pelos pesquisadores. Alguns erros de lançamento nos currículos dos docentes foram identificados, porém não foram avaliados aqui devido a restrições metodológicas. Ainda, a não atualização adequada do Lattes também limitou a execução da avaliação de forma mais precisa.
4 Conclusões
A aplicação da teoria de redes em grupos de pesquisa do CNPq e de projetos cadastrados no Lattes em um curso de graduação em Enfermagem foi efetiva em demonstrar as relações entre os docentes da unidade em diferentes perspectivas. A metodologia foi capaz de destacar fragilidades (atores isolados, atores com poucos links, links ocultos ou negligenciados) e a solidez (atores bem conectados, baixa frequência de atores sem interação) das relações presentes nas intenções de pesquisa do grupo. Os resultados podem fornecer embasamento para futuras politicas de incentivo de pesquisa no grupo de docentes investigados.