Introdução
Desde a década de 1960 existe um movimento que luta pelo desenvolvimento de currículos voltados à preparação dos estudantes para o exercício da cidadania, a partir da abordagem de conteúdos científicos no seu contexto social (SANTOS; MORTIMER, 2000). Nessa perspectiva, as discussões políticas não podem ser alijadas das aulas de Ciências de qualquer nível de ensino, mas especialmente das aulas do ensino médio. É preciso estabelecer a conexão entre ciência e sociedade no ensino de ciências e tecnologia através da apresentação de sua natureza social, cultural, política e econômica (LINSINGEN, 2008). O escopo é proporcionar aos estudantes, que assumirão diferentes profissões no futuro, uma opinião crítica sobre políticas científica e tecnológica que os afetarão como profissionais e como cidadãos (LINSINGEN, 2008). O que notamos atualmente, contudo, é que os debates políticos ficam concentrados apenas nas aulas de Ciências Humanas, o que não contribui para o estímulo desses estudantes pelo tema. Além disso, se adotarmos uma perspectiva sociológica para analisar esse desinteresse, precisamos ampliar essa discussão e extrapolar a sala de aula, afinal, entendemos que o modo de agir dos indivíduos é muito influenciado pelas relações sociais que eles estabelecem.
Pierre Bourdieu é reconhecidamente um dos sociólogos mais influentes do século XX, pois conseguiu construir uma teoria da ação humana que se distanciou das posições extremas objetivistas, nas quais as estruturas sociais influenciariam inequivocamente a ação dos sujeitos; e das subjetivistas, nas quais os indivíduos seriam livres para agir, sem a interferência das estruturas sociais. De acordo com Bourdieu, as ações humanas são moldadas por regras mais ou menos flexíveis, adquiridas a partir dos processos de socialização (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002). Além disso, Bourdieu mostrou que o desempenho escolar está muito mais associado com o patrimônio de capitais, econômicos e culturais, dos alunos, do que com méritos cognitivos pessoais. E essas diferenças no desempenho, que têm uma origem social, são transformadas em desigualdades dentro da escola, a partir da valorização de certos elementos da cultura das classes dominantes (BOURDIEU; PASSERON, 2008). Em relação aos gostos e interesses que distinguem os sujeitos socialmente, Bourdieu (2016) demonstrou, ainda na década de 1970, que quanto maior o nível de instrução das pessoas, maior a sua tendência para opinar sobre questões políticas e econômicas. Quer dizer, existe uma associação entre nível de ensino e gosto pela política. Essa associação também foi notada pelo autor no que se refere ao gênero e ao nível econômico dos respondentes: homens tendem a opinar mais sobre questões políticas do que as mulheres, assim como pessoas com alta renda mais do que proletários (BOURDIEU, 2016). Essas associações não são trivialmente percebidas, por isso, discutimos ainda ao longo do presente texto, o modelo teórico desenvolvido por Bourdieu para justificar tais diferenças.
Neste trabalho queremos dialogar com essa ideia proposta por Bourdieu (2016), para analisar os gostos e interesses dos estudantes do ensino médio, especialmente em relação à política e à economia. Esse tema ainda é incipiente no Brasil, no entanto, a influência dos diferentes patrimônios culturais sobre o gosto pela ciência recentemente foi objeto de pesquisas em âmbito internacional (ANDERHAG; WICKMAN; HAMZA, 2015; ARCHER et al., 2015). No Brasil já existe uma tradição na investigação da associação entre a origem social dos indivíduos e a sua performance em exames de proficiência (ALMEIDA; DALBEN; FREITAS, 2013; ALVES; SOARES, 2013; FRANCO et al., 2007; KLEINKE, 2017; NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2018b), dessa forma, nossa pesquisa visa iniciar uma discussão sobre a associação da posição social dos estudantes com o seu interesse por questões como economia, política, racismo e machismo. Utilizamos para isso um questionário socioeconômico respondido por mais de um milhão e meio de candidatos de um dos maiores exames de seleção ao ensino superior do mundo, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Esse questionário tem mais de duzentos itens que versam sobre o contexto familiar, escolar e profissional dos candidatos, além do seu interesse por questões sociais, políticas e econômicas. A partir das respostas atribuídas pelos candidatos conseguimos estimar algumas associações entre variáveis de contexto, como nível de instrução, etnia e gênero, com o próprio desempenho dos candidatos no exame. O presente trabalho se insere em um conjunto de publicações que se envolveram diretamente com a análise dos microdados do ENEM (CAVALCANTI; NASCIMENTO; OSTERMANN, 2018; NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2017, 2018a, 2018b). Na próxima seção detalhamos o percurso metodológico que nos permitiu fazer tais estimativas entre as variáveis de interesse da presente pesquisa.
Por fim, após atestarmos que há uma associação entre desempenho no exame e interesse por questões políticas, a partir de um resultado empírico e uma justificativa teórica suportada por Bourdieu, discutimos de que forma a Educação em Ciências pode contribuir para o aumento da cultura política dos estudantes, a partir de uma apropriação dos chamados estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS). Destacamos que não estamos propondo uma única forma de se trabalhar a articulação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade, pelo contrário, nosso objetivo é mostrar diversas vertentes que podem contribuir para o desenvolvimento de um maior interesse por questões políticas e econômicas.
Metodologia
Nossa pesquisa pode ser dividida em três unidades básicas: uma parte empírica, que se vale do questionário socioeconômico do ENEM; uma parte teórica, baseada nos trabalhos de Bourdieu, que almeja justificar nossos resultados empíricos; e um último momento, também teórico, que se propõe a discutir um caminho para a minimização dos problemas apresentados pelo estudo empírico. Vamos discorrer nesta seção em um nível maior de detalhamento apenas sobre a primeira unidade da pesquisa, deixando a exposição do modelo explicativo de Bourdieu e a discussão dos estudos CTS para depois da apresentação dos resultados.
Para a realização do estudo empírico utilizamos, como já mencionado, o questionário socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio. O ENEM foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar os estudantes ao final do ensino médio. Em 2004, o governo brasileiro passou a utilizar o escore dos alunos de baixa renda no ENEM para oferecer bolsas de estudos em universidades privadas através do Programa Universidade para Todos (ProUni). A partir de 2009, contudo, o exame passou por uma severa reformulação. A partir desse ano, o desempenho dos estudantes começou a ser critério de seleção para o ingresso na maioria das universidades públicas do Brasil. Dessa forma, a prova passou a se assemelhar muito com os exames vestibulares tradicionalmente utilizados como sistema de ingresso ao ensino superior brasileiro. Isso conferiu ao ENEM um caráter elitista, facilitando o ingresso dos estudantes de alto nível socioeconômico oriundos de escolas particulares (NASCIMENTO; CAVALCANTI, C.; OSTERMANN, 2018a, 2018b). Dessa forma, entendendo que a utilização de um único exame de seleção para todo o território nacional exige profundas reflexões e discussões, a partir de 2009 a pesquisa em Educação em Ciências começou a se apropriar desse exame como objeto de investigação.
Ao realizarem a inscrição no ENEM, os candidatos precisam responder a um extensivo questionário socioeconômico, constituído por aproximadamente duzentos itens. Uma das seções desse questionário infere sobre o interesse dos candidatos em relação a temas como política, globalização, discriminação racial e social. Para essa pesquisa, estamos interessados em investigar qual a associação desses itens com o desempenho dos candidatos no exame, e, também, a relação com o seu nível socioeconômico. Quer dizer, inspirados pelo trabalho de Bourdieu (2016), analisamos como que a relação entre interesses e gostos se dá com o desempenho no ENEM e com o nível socioeconômico de um expressivo número de estudantes brasileiros. As variáveis nível socioeconômico e desempenho não podem ser encontradas diretamente no questionário, mas existem diferentes maneiras de constituí-las, como discutimos a seguir.
Das respostas dadas ao questionário podemos definir uma variável, a partir de uma análise de cluster k-means bivariada (IZENMAN, 2008), que denominamos índice de capital econômico e cultural (ICE_ICC). Essa variável foi constituída por itens relacionados com o capital econômico (renda familiar média e bens materiais em geral), e com o capital cultural (nível de instrução dos pais, tipo de escola que frequentou, etc.). Tal interpretação estatística se valeu das diferentes formas de capital propostas por Bourdieu (1986). Para mais detalhamento sobre o tratamento estatístico realizado no questionário, ver Nascimento, Cavalcanti e Ostermann (2018b). A análise de cluster permitiu dividir a variável ICE_ICC em sete grupos diferentes. A divisão respeita a seguinte classificação: muito baixo (1), baixo (2), médio-baixo (3), médio (4), médio-alto (5), alto (6) e muito-alto (7). Dessa forma, o grupo com menor escore de índice de capital econômico e cultural é o que possui capital econômico 1 e capital cultural também 1 (CE1_CC1). Os outros seis grupos, em ordem crescente de escore, foram o CE2_CC4, CE3_CC2, CE4_CC6, CE5_CC3, CE6_CC5 e CE7_CC7. O desempenho dos candidatos no ENEM (DES_ENEM) também foi constituído a partir de uma análise de cluster k-means, só que agora univariada. O item utilizado para a constituição dessa variável é o que corresponde à média geral do candidato (média dos escores nas quatro provas objetivas: Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática). Essa variável DES_ENEM foi dividida em 5 níveis diferentes: Ruim, Fraco, Regular, Bom e Ótimo. Na próxima seção, apresentamos as associações obtidas entre essas diferentes variáveis.
Resultados
Investigamos a associação do ICE_ICC e do DES_ENEM com os itens que questionavam o interesse do candidato por política, globalização, desigualdade social, racismo e machismo. Os estudantes tinham três opções de resposta: não me interesso, me interesso pouco ou me interesso muito. Os candidatos foram separados, primeiramente, em dois grandes grupos: os que tiveram um péssimo desempenho no exame (DES_ENEM Péssimo) e os que obtiveram um bom ou ótimo desempenho (DES_ENEM Bom ou Ótimo). Em seguida, para cada um dos dois grupos foram analisados os percentuais de resposta nos itens descritos, discriminados para os sete níveis de índice de capital. A Figura 1 ilustra o número de candidatos para cada opção do item relacionado com o interesse pela política de cada um dos sete níveis de índice de capital (ICE_ICC) para os estudantes com DES_ENEM Péssimo (a) e DES_ENEM Bom ou Ótimo (b). Notamos claramente que os alunos com melhor desempenho no ENEM demonstram ter maior interesse pela política quando os comparamos com os candidatos do mesmo grupo socioeconômico, porém, com desempenho Péssimo no exame. Os percentuais de estudantes que se interessam muito por política praticamente dobram quando comparamos os gráficos (a) e (b) da Figura 1, enquanto que, o percentual de candidatos que não têm nenhum interesse político reduz pela metade na mesma comparação. Esse resultado indica, portanto, que há uma possível associação entre o desempenho dos estudantes no ENEM e o seu interesse pela política.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018).
Outro elemento a destacar é que dentro dos grupos que foram separados por desempenho - Péssimo na Figura 1(a) e Bom/Ótimo na Figura 1(b) - os percentuais de cada uma das respostas ficaram praticamente inalterados dentro dos sete níveis de índice de capital. Quer dizer, independentemente do índice de capital, o percentual de estudantes com desempenho Péssimo que declara ter muito interesse por política é de aproximadamente 16 por cento. Já no grupo de estudantes com desempenho Bom ou Ótimo, esse percentual ficou em torno de 35 por cento, independentemente do índice de capital analisado. Ou seja, a despeito de possuírem volumes de capitais muito semelhantes, o gosto pela política desses estudantes variou bastante quando separados pelo desempenho no exame, sugerindo que o acúmulo de capitais não define objetivamente o interesse por política. Esse fato vai ao encontro das investigações que tratam da complexidade subjacente ao processo de transferência de capitais dentro de um mesmo grupo familiar (ALVES et al., 2013; CASTRO; TAVARES JÚNIOR, 2016; GONÇALVES, 2015; LAURENS, 1992; LAHIRE, 1997; PORTES, 1993; SANTOS; DIAS, 2013; ZÉROULOU, 1988).
O mesmo padrão de respostas atribuídas ao interesse pela política se observou no item que infere sobre o interesse dos candidatos por questões relacionadas com a globalização. Ou seja, há também uma associação entre o desempenho dos candidatos e o interesse pela globalização. Não observamos, contudo, comportamento semelhante nos itens do questionário que tratam de outros interesses dos alunos. Nas perguntas sobre o interesse do estudante por questões relacionadas com desigualdades sociais, racismo e machismo, os percentuais de muito interessados não variou significativamente em função do desempenho no exame. A Tabela 1 indica esses percentuais para cada um dos itens. Destacamos em negrito apenas as variações positivas maiores do que 15 por cento entre os respondentes com desempenho Péssimo e os candidatos com desempenho Bom ou Ótimo. Fica evidente pela tabela, como já mencionamos, que apenas o item que pergunta se o candidato tem interesse pela globalização apresentou variação com o desempenho no ENEM.
GLOBALIZAÇÃO | DESIGUALDADES SOCIAIS | RACISMO | MACHISMO | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CE1_CC1 | Nenhum | 4.30% | 1.41% | Nenhum | 2.62% | 0.68% | Nenhum | 7.45% | 2.41% | Nenhum | 4.81% | 2.96% |
Pouco | 40.97% | 25.20% | Pouco | 20.34% | 17.55% | Pouco | 32.92% | 33.62% | Pouco | 24.99% | 30.09% | |
Muito | 54.73% | 73.38% | Muito | 77.05% | 81.77% | Muito | 59.63% | 63.97% | Muito | 70.20% | 66.96% | |
CE2_CC4 | Nenhum | 4.72% | 1.75% | Nenhum | 2.69% | 1.41% | Nenhum | 6.60% | 5.05% | Nenhum | 5.32% | 4.66% |
Pouco | 45.27% | 27.21% | Pouco | 26.54% | 22.67% | Pouco | 37.76% | 39.62% | Pouco | 32.19% | 36.70% | |
Muito | 50.01% | 71.04% | Muito | 70.78% | 75.93% | Muito | 55.64% | 55.33% | Muito | 62.50% | 58.64% | |
CE3_CC2 | Nenhum | 5.03% | 1.67% | Nenhum | 2.62% | 1.26% | Nenhum | 6.36% | 4.06% | Nenhum | 4.49% | 3.83% |
Pouco | 46.16% | 30.83% | Pouco | 25.91% | 24.46% | Pouco | 36.65% | 40.33% | Pouco | 29.86% | 36.75% | |
Muito | 48.81% | 67.49% | Muito | 71.47% | 74.28% | Muito | 56.99% | 55.62% | Muito | 65.65% | 59.43% | |
CE4_CC6 | Nenhum | 5.83% | 2.21% | Nenhum | 4.02% | 2.38% | Nenhum | 7.70% | 7.04% | Nenhum | 7.22% | 7.20% |
Pouco | 50.07% | 31.64% | Pouco | 36.10% | 32.42% | Pouco | 44.96% | 46.82% | Pouco | 41.93% | 43.45% | |
Muito | 44.11% | 66.15% | Muito | 59.88% | 65.19% | Muito | 47.34% | 46.14% | Muito | 50.85% | 49.35% | |
CE5_CC3 | Nenhum | 6.12% | 2.18% | Nenhum | 3.41% | 1.84% | Nenhum | 6.98% | 5.93% | Nenhum | 5.97% | 5.98% |
Pouco | 51.68% | 32.33% | Pouco | 33.33% | 29.66% | Pouco | 41.48% | 44.63% | Pouco | 37.84% | 41.15% | |
Muito | 42.20% | 65.49% | Muito | 63.26% | 68.50% | Muito | 51.55% | 49.44% | Muito | 56.19% | 52.87% | |
CE6_CC5 | Nenhum | 8.78% | 2.60% | Nenhum | 6.04% | 3.11% | Nenhum | 10.28% | 8.20% | Nenhum | 9.44% | 8.12% |
Pouco | 53.69% | 34.15% | Pouco | 40.23% | 36.72% | Pouco | 46.75% | 48.69% | Pouco | 43.60% | 45.46% | |
Muito | 37.53% | 63.26% | Muito | 53.74% | 60.17% | Muito | 42.97% | 43.11% | Muito | 46.96% | 46.42% | |
CE7_CC7 | Nenhum | 8.45% | 2.84% | Nenhum | 6.14% | 3.67% | Nenhum | 12.51% | 9.57% | Nenhum | 11.31% | 10.14% |
Pouco | 53.78% | 33.40% | Pouco | 44.94% | 38.00% | Pouco | 47.49% | 49.37% | Pouco | 46.85% | 45.74% | |
Muito | 37.77% | 63.75% | Muito | 48.92% | 58.33% | Muito | 40.00% | 41.06% | Muito | 41.83% | 44.11% | |
Péssimo | Bom / Ótimo | Péssimo | Bom / Ótimo | Péssimo | Bom / Ótimo | Péssimo | Bom / Ótimo |
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2018).
Em síntese, da investigação realizada podemos concluir que estudantes com desempenho Bom ou Ótimo no ENEM afirmam se interessar mais por política e globalização do que os alunos com desempenho Péssimo. Já o interesse por desigualdades sociais, racismo e machismo é aproximadamente o mesmo independentemente da proficiência do candidato no exame. Mas qual seria o motivo de tais diferenças? Quer dizer, por que apenas nos itens que tratam do interesse por política e globalização houve essa associação com o desempenho no exame? Valemo-nos, na próxima seção, da teoria de Bourdieu para construir uma hipótese explicativa plausível para tal resultado empírico.
Bourdieu, Cultura e Política
No final da década de 1970, Bourdieu lança uma de suas maiores obras, chamada La distincton: critique sociale du jugement, na qual constrói uma correspondência entre práticas culturais e classes sociais. Na terceira parte do livro, intitulada Gouts de classe et styles de vie, o autor apresenta evidências empíricas de que o gosto de um indivíduo, seja ele por arte ou política, está intimamente relacionado com o volume e com a estrutura dos seus capitais (BOURDIEU, 2016). Mais precisamente, no capítulo 8 da terceira parte, por meio de um estudo aprofundado sobre a distinção entre as classes sociais, Bourdieu (2016) evidencia, a partir de uma série de correlações, que a competência para produzir opiniões sobre política está desigualmente distribuída entre as classes e entre os gêneros. O autor faz essa afirmação com apoio nos resultados de uma detalhada investigação do perfil de pessoas que não responderam perguntas específicas de entrevistas realizadas por institutos de pesquisa da França. De acordo com Bourdieu, a análise dos questionários permite mostrar a oculta distribuição desigual de capital cultural entre as classes sociais e seu vínculo com a escolaridade dos respondentes, a qual fundamenta a desigual competência social e técnica sobre política. O sociólogo faz uma crítica às pesquisas de opinião como expressão da falácia liberal burguesa que considera todos os cidadãos igualmente aptos a manifestar opinião política (DUKUEN, 2015). Por exemplo, pessoas com menor grau de instrução tendem a não responder perguntas sobre política externa ou economia em maior proporção do que pessoas com nível de estudo elevado. Vamos detalhar esse resultado mais adiante. Nesse sentido, Bourdieu (2011) se propõe, nesse estudo, a pensar a política não politicamente, mas sociologicamente.
Para o autor, o campo político é um microcosmo, quer dizer, é um pequeno mundo social, até certo ponto autônomo, no interior de um mundo social maior. Esse "ser autônomo" significa que ele possui suas próprias leis, suas próprias propriedades, relações, ações e processos, que não teriam validade no microcosmo vizinho e nem respondem ao mundo social no qual está inserido. Qualquer indivíduo que entre para a política deve se submeter ao seu regime próprio e, em caso de tentativa de transgressão, é excluído do campo (BOURDIEU, 2011). Bourdieu esclarece os motivos pelos quais o poder político se concentra na mão de pequenos grupos, e não de uma maioria social. Sua ideia contrapõe a visão pessimista de sociólogos neomaquiavelistas2, que sugerem que essa é uma tendência com origens históricas. Para o autor, a resposta para esse questionamento pode surgir a partir da análise estatística do uso do voto, da propensão a votar, ou da distribuição estatística da propensão a responder a uma questão de opinião política. Essas propensões e aptidões são desigualmente distribuídas, não por uma questão de natureza, mas porque existem diferentes condições sociais que levam à política. Por exemplo, o tempo livre é uma condição social que permite a possibilidade de acesso ao campo político. A acumulação de capital político é característica de pessoas com excedente de bens econômicos, que permite que esses indivíduos não exerçam atividades produtivas, se dedicando para questões de liderança política.
Outra condição social que interfere na aquisição de disposições políticas é a divisão sexual do trabalho. Bourdieu (2016) indica que as mulheres se abstêm de opinar sobre questões políticas mais do que os homens. Além disso, a abstenção cresce à medida que as perguntas são mais políticas, ou seja, que apelam para uma cultura específica do campo político. Historicamente, o campo político é instituído socialmente como direito e dever propriamente dos homens, e a instituição desse direito como uma competência social faz com que seja mais provável que um homem se sinta digno de adquirir a competência técnica de opinar sobre política, especialmente em comparação à mulher. Interessante notar que a diferença no percentual de abstenções entre homens e mulheres é praticamente inexistente quando as perguntas tratam de questões que, segundo a moral tradicional, as mulheres são competentes a responder (BOURDIEU, 2016).
Um outro resultado importante empírico se refere a uma clara correlação entre capital cultural e opinião política (BOURDIEU, 2016; DUKUEN, 2015). O percentual de não respondentes cresce à medida que diminui o capital cultural dos agentes, especificamente o nível de escolaridade. É possível notar também, que quando se analisam as classes intelectuais de elevado capital cultural, a diferença entre mulheres e homens praticamente desaparece. Bourdieu (2016) destaca também que essa diferença no percentual de não respondentes entre pessoas com distintos capitais culturais diminui sensivelmente na medida em que as questões se modificam para uma natureza mais prática. Por exemplo, em um dos surveys analisados por Bourdieu, independentemente do gênero e do nível de estudo, o número de não respondentes praticamente não se alterou quando a pergunta versava sobre a possibilidade da França auxiliar economicamente países subdesenvolvidos. Agora, quando inferidos sobre a possibilidade da França aproximar-se de países com política externa semelhante à sua, o número de respondentes variou bastante em relação ao nível de instrução e ao gênero.
Podemos notar que os nossos resultados empíricos se assemelham em muito aos dados apresentados por Bourdieu. Nos dois itens do questionário do ENEM que inferiam o interesse por política e globalização, notamos a variação com o desempenho no ENEM, contudo, em itens sobre temas mais próximos da realidade estudantil (desigualdade social, racismo e machismo), essa dependência é mais fraca. Ou melhor, independentemente do desempenho escolar do indivíduo, os estudantes tendem a afirmar que possuem interesse por temas relacionados com desigualdades, racismo e machismo, algo que não foi observado para temas relacionados com política e globalização. Com isso, nossa hipótese explicativa é a de que os alunos mais envolvidos com a educação formal, independentemente do volume de capitais, reconhecem que o domínio de temas como política e globalização é importante para o eventual sucesso em exames similares ao ENEM. Mas por que os estudantes com baixo desempenho no exame não têm o mesmo sentimento pela política ou globalização? Qual o modelo explicativo proposto por Bourdieu para essas diferenças? Por que alguns itens estão mais associados com o desempenho e outros nem tanto?
Para o autor, essa indiferença em relação à política é o reflexo de um sentimento de impotência. Em outras palavras, os cidadãos menos instruídos formalmente se sentem excluídos do jogo "democrático" pela configuração do próprio sistema "democrático". O universo político é repleto de exclusões e desapontamentos. Quanto mais o campo político se profissionaliza, mais os integrantes desse campo enxergam os que estão alijados como profanos (BOURDIEU, 2011). Por exemplo, é comum observarmos campeões de voto, sejam eles artistas ou esportistas, em papéis totalmente secundários dentro do campo político. Não basta ser eleito para fazer parte desse microcosmo, é preciso ter o reconhecimento dos próprios pares, quer dizer, o capital político é uma forma de capital simbólico. Bourdieu (2016) mostra que, na década de 1970, na França, as mulheres representavam mais de 50 por cento dos eleitores do Partido Socialista. O problema, contudo, é que apenas pouco mais de 2 por cento conseguia atingir altos cargos dentro do partido. Sobre o nível de instrução, no mesmo período, praticamente três quartos dos candidatos às eleições na França tinha curso superior completo, ao passo que mais de 40 por cento da população era constituída por operários com pouca ou quase nenhuma instrução formal. Essa falta de representatividade faz com que as minorias sociais se sintam excluídas do sistema "democrático" como um todo (BOURDIEU, 2016). Podemos questionar se esse fenômeno estudado por Bourdieu, no contexto da sociedade francesa da década de 1970, pode servir como base teórica para os dias atuais. Isso, especialmente se observarmos os prolongamentos críticos ao trabalho de Bourdieu, organizados pelo também francês Bernard Lahire. Lahire (1997, 2006, 2011) destaca, diferentemente de Bourdieu, que as diversas práticas e preferências culturais são observadas em todas as classes da sociedade. Para o autor, mais importante do que a influência da classe social sobre o modo de agir dos indivíduos, são as inter-relações desses sujeitos com as pessoas do seu convívio social direto que moldam as suas disposições culturais. A despeito de considerarmos essas críticas, contudo, para esse trabalho específico estamos interessados em tendências macrossociais, características de grandes amostras de indivíduos. Quer dizer, não estamos desconsiderando a singularidade dos contextos sociais, no entanto, estamos buscando justamente tendências de respostas em uma grande população de alunos do ensino médio. Em relação ao contexto de nossa pesquisa, que certamente se difere muito da sociedade francesa da década de 1970, o que observamos nos dias de hoje, é que a falta de representatividade também é um aspecto emblemático das corridas eleitorais3 brasileiras. Em relação ao sexo, apenas 14% dos vereadores eleitos no pleito de 2016 eram do sexo feminino, enquanto que 52% do eleitorado era do mesmo sexo. Sobre os prefeitos eleitos, 52% tinham ensino superior completo, ao passo que apenas 6,9% do eleitorado detinha o mesmo nível de instrução em 2016.
Nossos resultados empíricos, juntamente com a apropriação teórica de Bourdieu, nos permitiram perceber que uma fração importante dos estudantes brasileiros não entende que o debate político ou o econômico fazem parte da sua vida, assim como o racismo e a homofobia, temas mais comumente trabalhados nas escolas e em outros contextos. Mas não queremos aqui culpabilizar esses estudantes. Pelo contrário, queremos enfatizar que é o sistema educacional, na sua própria estrutura organizacional, que ajuda a excluir uma parcela significativa da sociedade do debate político e econômico.
Uma Educação em Ciências Politizada: possíveis caminhos
Na Educação Básica, discussões políticas e econômicas são normalmente promovidas por disciplinas de humanidades, como História e Sociologia. Conquanto isso, a partir do que foi apresentado nas últimas seções, percebe-se que tal abordagem não é suficiente para tornar os alunos engajados nas questões que se referem ao exercício de sua cidadania. Ademais, é relatado, na literatura, que o Ensino de Ciências tem, sistematicamente, se mantido comprometido com uma proposta didática positivista (KINCHELOE; TOBIN, 2009), não raramente reforçando o mito da neutralidade científica (AULER; DELIZOICOV, 2001) e adotando uma visão salvacionista da ciência (LIMA; OSTERMANN; CAVALCANTI, 2017). Ou seja, a Educação Científica tradicional não somente não aborda questões políticas e econômicas na sala de aula como reforça a noção de que as soluções para problemas sociais deveriam ser discutidas por especialistas, dirimindo a possibilidade de agência dos demais cidadãos, inclusive a dos alunos.
Nesta seção, discutimos algumas possibilidades de Ensino de Ciências que rompem com a perspectiva didática hegemônica e trazem o debate político para o centro da educação científica, devolvendo aos alunos a agência política que lhes é direito. Uma alternativa seria trazer o próprio olhar de Pierre Bourdieu para discutir os processos sociais e políticos inerentes ao desenvolvimento da ciência (BOURDIEU, 1976), como já foi proposto por Lima Júnior, Pinheiro e Ostermann (2012).
O olhar sociológico de Bourdieu, entretanto, não é o único caminho possível para politizar a Educação em Ciências. Pelo contrário, entendemos que as diferentes perspectivas que compõem o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) (DECONTO, 2014; LIMA JUNIOR et al., 2014; LINSINGEN, 2008; NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006; SANTOS; MORTIMER, 2000) são capazes de trazer questões políticas e econômicas para o centro do processo didático - o que ajudaria na reversão do quadro sociológico apontado nas seções anteriores. É possível encontrar exemplos de propostas didáticas CTS que já trazem tais aspectos para sala de aula em Bagdonas, Zanetic e Gurgel (2014) e Sabka, Pereira e Lima Júnior (2016).
O objetivo de tais perspectivas não é reduzir o papel da Ciência na Educação em Ciências; mas, pelo contrário, valorizá-la, indicando o papel central que pode desempenhar no entendimento de diferentes problemas sociais. Esse papel, entretanto, não é visto de forma ingênua. A ciência deve ser discutida, na Perspectiva CTS, para além do mito de sua neutralidade (AULER; DELIZOICOV, 2001).
Deve-se observar que a sigla CTS designa, primeiramente, um movimento intelectual, de âmbito internacional, voltado para analisar as complexas relações entre ciência, tecnologia e sociedade, a partir de uma visão de mundo que rompe com a noção de ciência e tecnologia hegemônicas no início do século XX. Principalmente, a partir da década de 1960, os impactos da segunda guerra mundial, incluindo o avanço da ciência nuclear e sua inata miscigenação com interesses geopolíticos, bem como estudos ambientalistas (CARSON, 1994) permitiram a formação de um contexto em que o ideal cientificista (e todos os mitos a ele atrelados) pudesse ser colocado sob suspeição (DECONTO, 2014). Como relatam Latour e Woolgar (1988), tal movimento possibilitou a formação de uma Sociologia da Ciência com estudos sobre instituições científicas e a concorrência entre pesquisadores (BOURDIEU, 1976; LEMAINE; MATALON, 1969), sobre a evolução das disciplinas (LEMAINE; MATALON, 1969) e sobre psicologia da ciência (MITROFF, 1974) e, posteriormente, do chamado Programa Forte da Sociologia (BLOOR, 1991). A proposição desse programa e de outras linhas neomarxistas promoveram o desenvolvimento de diversas pesquisas na confluência entre ciência, tecnologia e sociedade (CTS), desenvolvida por pesquisadores como o próprio David Bloor, Michel Callon, Steven Shapin, Pierre Bourdieu, Bruno Latour, entre outros (PREMEBIDA; NEVES; ALMEIDA, 2011).
Tais trabalhos, apesar de se oporem ao ideal cientificista e à epistemologia positivista, apresentam diferenças teóricas significativas, de forma que a Perspectiva CTS não pode ser pensada como um movimento homogêneo. Um exemplo das dissonâncias internas do movimento pode ser encontrado no debate sobre a natureza da ciência travado por David Bloor e Bruno Latour (BLOOR, 1999; LATOUR, 1999), nas divergências entre Bernard Lahire e Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2016; LAHIRE, 1997) e Pierre Bourdieu e Bruno Latour (LORENZI; ANDRADE, 2011; SCHINKEL, 2007).
O termo CTS, ademais, designa o movimento desenvolvido (e em construção) na área de Educação em Ciências, em dialogia com o movimento sociológico supracitado. Deve-se ter clareza que, da mesma forma que o movimento CTS (da sociologia) apresenta uma vasta pluralidade teórica e metodológica, o movimento educacional também se caracteriza por uma vasta heterogeneidade que deve ser avaliada. Para um panorama sobre as pesquisas na área da Educação com temática CTS sugerimos o trabalho de Pontes, Melo e Chrispino (2016). Seguindo a classificação de Auler e Delizoicov (2001), pode-se dividir o ensino CTS em ampliado ou reducionista. O objetivo do ensino CTS reduzido é abordar elementos de tecnologia e sociedade para motivar o ensino de Ciências, isto é, o conhecimento da ciência, em sua forma instrumental, acrítico, ainda permanece como finalidade de tal proposta. Isso é o que encontramos comumente em livros didáticos, em que se apresentam ideias de aplicações tecnológicas, com fundo motivacional e tom ufanista sobre o papel da ciência na sociedade (LIMA; OSTERMANN; CAVALCANTI, 2017). O objetivo do ensino CTS ampliado, por outro lado, é usar os conteúdos científicos para melhor compreender os problemas que envolvem as relações ciência-tecnologia-sociedade, promovendo uma educação para cidadania e para democracia. Diferentemente da versão reduzida, no CTS ampliado, a finalidade do ensino não é o conhecimento instrumental, mas o próprio exercício da cidadania e o conhecimento científico passa a ser um possível caminho para consolidar tal exercício. Alinhamo-nos, assim, com a proposta de um ensino CTS ampliado, que permite ao aluno se perceber como um ator do cenário político e se apropriar das discussões técnico-científicas para melhor atuar nesse contexto.
Partindo dessa proposta ampliada, existem muitos caminhos possíveis para se fazer uma Educação em Ciências CTS, capaz de motivar e viabilizar a participação política dos alunos na sociedade. No Brasil, por exemplo, existem estudos CTS sob um viés freireano (NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006), marxista (LIMA JUNIOR et al., 2014), inspirado na sociologia de David Bloor (BAGDONAS; ZANETIC; GURGEL, 2014), e na filosofia de Bruno Latour (FARIA; COUTINHO, 2015; QUEIROZ; ALMEIDA, 2004). Independentemente do quadro teórico escolhido, entendemos que trazer questões políticas para a Educação em Ciências tem duplo benefício. Primeiramente, tal abordagem propicia que os alunos tenham uma melhor formação cidadã; mas, também, propicia que os alunos tenham uma melhor formação científica.
A melhor formação cidadã acontece na medida em que os alunos aprendem a analisar problemas sociais e técnicos e a se posicionar sobre eles. Uma parte significativa de questões sociopolíticas enfrentadas hoje são, também, questões técnicas, de forma que uma opinião completa sobre elas só pode ser feita mediante o conhecimento técnico-científico associado. Um ensino de ciências sob a perspectiva CTS pode viabilizar, por exemplo, que os alunos tenham condições de discutir, inclusive do ponto de vista técnico, questões como aquecimento global, uso de radiações na medicina, matriz energética, uso e difusão de poluentes.
Por outro lado, ao trazer tais questões para as aulas de ciências se aprende melhor a própria ciência, pois tais problemas exigem que a olhemos como um elemento importante do quadro político nacional e internacional. Ou seja, a ciência, em uma perspectiva CTS, não pode ser a ciência neutra, positivista, objetiva e fictícia dos livros didáticos. A ciência ensinada na perspectiva CTS é uma ciência realista, com direito a toda complexidade sociológica e política que a construção humana tem o direito de ter.
A partir de tal perspectiva, os especialistas não são os únicos com direito a se pronunciar, pois, apesar de seu conhecimento técnico, seus interesses pessoais e políticos, nem sempre, falam em nome do bem-estar da sociedade. Ainda que os especialistas devam ser ouvidos, as decisões sobre as questões sociais cabem a todos os setores da sociedade. É nesse sentido que a Educação em Ciências sob a perspectiva CTS pode ser uma ferramenta poderosa no combate à exclusão social. Para tanto, deve-se tornar a própria aula um palco do debate democrático e cidadão, onde nem os donos do capital nem os donos do conhecimento são os únicos com direito a falar. O aluno de ciências em uma perspectiva CTS, passa a ser autônomo tanto por sua emancipação epistemológica quanto social.
Considerações finais
No presente trabalho investigamos a associação entre o interesse dos estudantes sobre alguns temas específicos do dia-a-dia, seu desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio e o seu nível socioeconômico. Esse trabalho se insere em uma discussão ainda incipiente na literatura brasileira, especialmente na Educação em Ciências, sobre a relação dos interesses e gostos dos estudantes com as suas disposições culturais. Na literatura internacional da área encontramos trabalhos nessa direção (ANDERHAG; WICKMAN; HAMZA, 2015; ARCHER et al., 2015), no entanto, no contexto brasileiro, o foco até então foi articular o desempenho em exames de proficiência com o contexto social dos estudantes (ALMEIDA; DALBEN; FREITAS, 2013; ALVES; SOARES, 2013; FRANCO et al., 2007; KLEINKE, 2017; NASCIMENTO; CAVALCANTI; OSTERMANN, 2018b). Diferentemente do trabalho de Anderhag, Wickman e Hamza (2015), que investiram em alternativas para aumentar o interesse e o gosto dos estudantes pela ciência, nesse trabalho apresentamos caminhos para o aumento do gosto dos estudantes por temas como política e economia. Essa proposta se baseia em diferentes formas de se trabalhar a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade nas aulas de Ciências do ensino médio. A necessidade de uma Educação em Ciências mais politizada se justifica uma vez que percebemos a existência da relação entre o desempenho dos candidatos do ENEM e o interesse por política e globalização, algo que não foi observado no interesse por desigualdades sociais, racismo e machismo. O percentual de candidatos com muito interesse por política e globalização praticamente dobra quando comparamos alunos de desempenho Péssimo com desempenho Bom ou Ótimo no ENEM. Quer dizer, aparentemente, os alunos que afirmam possuir um maior interesse por política e globalização provém de contextos sociais de maior valorização dos estudos, o que facilita a trajetória escolar desses estudantes.
Valemo-nos do trabalho de Bourdieu (2016) para mostrar que pessoas com baixo nível de instrução tendem a responder perguntas sobre temas que são mais familiares, deixando de responder aquelas que estão muito distantes da sua realidade. Podemos afirmar, portanto, que os estudantes de baixo desempenho no ENEM, em geral, não se sentem parte integrante do jogo democrático nacional. A política, para esses alunos, é apenas tema de aulas como Geografia ou Sociologia, não fazendo parte das suas discussões cotidianas.
Propomos ainda que uma educação pautada pela relação Ciência, Tecnologia e Sociedade pode auxiliar na diminuição dessa brecha entre cultura política e cultura escolar. Independentemente do quadro teórico escolhido (BAGDONAS; ZANETIC; GURGEL, 2014; FARIA; COUTINHO, 2015; LIMA JUNIOR et al., 2014; NASCIMENTO; LINSINGEN, 2006; QUEIROZ; ALMEIDA, 2004), entendemos que trazer questões políticas para a Educação em Ciências contribui tanto para a formação cidadã, como para a formação científica dos estudantes. Isso pode ser feito na medida em que se percebe que a ciência é repleta de exemplos que ilustram o complexo emaranhado entre ciência, tecnologia e sociedade. Nesse sentido, a ciência ensinada não pode ser aquela neutra, positivista, objetiva e fictícia dos livros didáticos. A ciência trabalhada a partir da perspectiva CTS é uma ciência realista, com a explicitação da complexidade sociológica e política própria das construções humanas. Essa é uma forma de fazer com que os estudantes percebam a importância das questões políticas dentro das suas vidas e comecem a se apropriar de seu papel no exercício democrático da cidadania.