Introdução
Analisar o engajamento docente é importante para compreender como os professores se envolvem em suas atividades profissionais. Neste estudo, procuramos ver, especificamente, o engajamento a partir da participação destes em projetos escolares envolvendo a Robótica Educacional (RE). Acreditamos que o uso das tecnologias da informação e comunicação pode resultar num maior envolvimento dos estudantes nas atividades em sala de aula estimulando a criatividade, o trabalho em equipe e a participação em projetos.
O trabalho com a RE na Secretaria de Educação da Prefeitura do Recife (no estado de Pernambuco, Brasil) foi institucionalizado desde 2014 (RECIFE, 2015) e tem alcançado bons resultados nas competições locais e nacionais da área, com a participação de estudantes da Rede Municipal de Ensino do Recife (RMER).
Após a participação dos estudantes nas competições de robótica e demais ações envolvendo a RE, observou-se uma estreita relação dessa participação com o engajamento estudantil, tendo os professores relatado benefícios nas aprendizagens e mudanças de comportamentos dos estudantes (LAUREANO, 2019). Esse contexto nos fez questionar se a participação em projetos com a RE proporciona também um maior engajamento docente.
Nesse sentido, os sujeitos deste estudo foram os professores que participavam dos projetos relacionados com a RE, com o objetivo de identificar o engajamento e a percepção dos docentes. O estudo contribui para ampliar discussões sobre o engajamento docente no Brasil, aliado, especialmente, ao uso de recursos tecnológicos, tão idealizados ou demonizados na educação escolar brasileira.
Robótica educacional na prefeitura do Recife
O desenvolvimento da robótica, desde o seu surgimento, foi pensado em função de gerar benefícios ao ser humano. Em geral, as tecnologias são desenvolvidas com essa finalidade e carregam consigo aspectos socioculturais e políticos da sua época (CÉSAR, 2009). Quando aplicada à educação, a robótica também se configura na perspectiva de inovar e construir elementos que funcionem de maneira positiva no ensino e na aprendizagem.
Segundo Dutra e Silva (2018, p. 665), a robótica
[...] é aplicada em diversas áreas, no trabalho, na medicina, no lazer, no esporte, no entretenimento, e em meados da década de 1960 chegou à escola e tomou uma nova forma, sendo configurada como Robótica Educacional, ou seja, a aplicação do aparato tecnológico na área pedagógica tornando-se mais um elemento facilitador no processo de ensino e aprendizagem.
Já a RE, além de estimular o raciocínio lógico e a criatividade dos estudantes, se preocupa cada vez mais em proporcionar aos mesmos uma aprendizagem a partir da prática, ganhando relevância como um elemento importante para o desenvolvimento do pensamento científico e computacional dos estudantes.
O uso da robótica na educação corrobora com a perspectiva de desenvolver não só a capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, mas também as habilidades e competências ligadas à lógica, noção espacial, inteligência artificial, pensamento computacional, organização e planejamento, assim como, promover a transdisciplinaridade, favorecendo a integração de conceitos de diversas áreas e o desenvolvimento de outras habilidades, como a programação avançada de robôs e construção de algoritmos para a tomada de decisão.
Considerando a importância da robótica na educação, a Prefeitura do Recife criou, por meio do Decreto nº 27.699 de 17 de janeiro de 2014, o Programa Robótica na Escola. (RECIFE, 2014). O mesmo propôs que o ensino dos conteúdos curriculares fosse integrado ao uso das ferramentas da robótica para despertar a criatividade, incentivar o trabalho em equipe e desenvolver projetos inovadores. O referido Programa se estrutura em três linhas de ações: Robótica com Ferramentas, Robótica de Encaixe e Robótica Avançada (Humanoide).
A Robótica com Ferramentas utiliza o Kit Arduíno, que é uma plataforma de prototipagem eletrônica de hardware e software livres, que trabalha conceitos de mecânica, eletrônica e linguagem de programação. Essa linha tem a finalidade de aprofundar conhecimentos de diferentes conteúdos curriculares a partir da construção de robôs e de protótipos de objetos da vida real, sendo mais utilizada por estudantes e professores do 6º ao 9º ano do ensino fundamental.
A linha da Robótica de Encaixe, que utiliza o Kit LEGO (montagem e Mindstorms), se divide em duas frentes de atuação: (1) blocos não programados, que atende estudantes da Educação Infantil, do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos; e (2) blocos programáveis, que atende estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental com atividades mais voltadas para a programação e montagem de robôs.
Por sua vez, a linha da Robótica Avançada utiliza drones e robôs com aparência humana, denominados humanoides. Os robôs têm papel interativo e o trabalho desenvolvido com os mesmos permite que os estudantes acessem conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, seja para construir robôs e participar de atividades nos clubes de robótica como para desenvolver algoritmos no ambiente de programação. Esta linha também é utilizada na Educação Infantil, no Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) e na Educação de Jovens e Adultos.
O Programa Robótica na Escola contribui com o desenvolvimento de atividades inovadoras mobilizando docentes e discentes a trabalharem colaborativamente, produzindo novos conhecimentos, estimulando a criatividade e resolvendo problemas.
Considerações sobre o engajamento docente
Engajamento, no seu sentido etimológico, é o “[...] ato ou efeito de engajar, de participar, colaborando com alguma coisa” (ENGAJAMENTO..., 2023), e tem como sinônimos os termos comprometimento, compromisso, empenho, participação. Na educação, o significado de engajamento é discutido por alguns estudiosos.
Para Kuh (2009) engajamento, pela ótica do estudante, pode ser considerado um construto que indica qualidade e quantidade do envolvimento que o mesmo utiliza para realizar as atividades. Quando abordado pela ótica institucional, o conceito de engajamento adota políticas e estratégias para envolver os estudantes em atividades em que o objetivo final é a sua aprendizagem.
Para Porter (2006) o engajamento estudantil é afetado por aspectos sociais e culturais, além das características pessoais dos estudantes e das suas experiências.
Martins e Ribeiro (2017) afirmaram que o engajamento estudantil no ensino superior se relaciona tanto com a vivência e o comportamento dos estudantes ao longo do período em que realizam o curso quanto nas interações, práticas e nos sistemas de apoio desenvolvidos e ofertados pela Universidade, de modo a melhorar os níveis de engajamento de seus estudantes. Os autores afirmam, ainda, que o engajamento discente é um processo linear que tem início já nas experiências anteriores à vida acadêmica:
O engajamento está relacionado tanto com as características e comportamentos próprios do estudante ao tornar-se universitário, assim como com fatores relacionados com a própria instituição de ensino e suas práticas. Com relação à Instituição de ensino, são observados fatores que envolvem desde a disciplina até o ambiente geral do campus e seus serviços e atividades ofertados, assim como o corpo docente e as interações entre os colegas (MARTINS; RIBEIRO, 2017, p. 241).
Veiga (2013) identificou quatro dimensões relacionadas ao engajamento estudantil: cognitiva, afetiva, comportamental e agenciativa, detalhando-as da seguinte maneira:
– Dimensão agenciativa – Liga-se a uma conceptualização do aluno visto agente da ação, como iniciativas dos alunos, intervenções nas aulas, diálogos com o professor, questões levantadas e sugestões feitas aos professores.
– Dimensão afetiva – O item com maior saturação nesta dimensão é “A minha escola é um lugar onde me sinto integrado(a)”. O conteúdo dos itens tem a ver com a ligação à escola, em que a amizade, recebida e praticada, é saliente, bem como o sentido de inclusão e pertença à escola.
– Dimensão cognitiva – Este fator assenta no processamento da informação, com procura de relações, gestão da informação e elaboração de planos de excussão.
– Dimensão comportamental - Inclui indicadores de condutas específicas, como o perturbar intencionalmente as aulas, o ser incorreto com os professores, o estar distraído nas aulas e, ainda, o faltar às aulas (VEIGA, 2013, p. 445-446, grifos dos autores).
Na pesquisa realizada por Laureano (2019), a abordagem dessas dimensões foi utilizada para identificar o engajamento de estudantes participantes de clubes de robótica. Os resultados revelaram um processo de engajamento estudantil que passava pela construção do conhecimento mais livre e menos rígido, com conexões mais abertas. Além disso, ficou evidente que o trabalho com a RE em clubes de robótica se constituiu em um espaço motivador para a participação ativa dos estudantes nos processos de ensino e de aprendizagem, culminando em uma ação agenciativa que promoveu um maior engajamento.
Na perspectiva de engajamento docente e diante da tríade conhecimento profissional, prática docente e engajamento, Silva, Almeida e Gatti (2016, p. 24) afirmaram que:
O sentido do engajamento, no que concerne à ação do professor, traduz-se nas maneiras pelas quais demonstra, em seu ambiente de trabalho, espírito de cooperação e de parceria, com consciência das responsabilidades individuais e coletivas da escola para com a aprendizagem e o desenvolvimento humano dos alunos. Compreende o sentido ético e social de sua ação. Procura desenvolver-se profissionalmente, de diferentes modos, em busca da contínua melhoria de seu trabalho e de seus pares. Contextualiza seu trabalho e considera a comunidade, suas condições e contribuições. Conhece o sistema em que atua e as políticas educacionais, problematizando-as e balizando-as em relação ao contexto da escola.
Analisando o engajamento docente, mas com a finalidade de entender a satisfação do discente, Lasmar (2018) abordou quatro tipos de engajamento, dois deles vinculados ao relacionamento humano e dois concernentes ao ensino e a aprendizagem, conforme demonstrado no quadro 1.
Tipo | Descrição |
---|---|
Engajamento com a escola como uma unidade social | Reflete senso de comunidade e cuidado pessoal entre os docentes, promovendo a integração entre a vida pessoal e o trabalho. |
Engajamento com os alunos como indivíduos | Ocorre quando o professor não enxerga os alunos como vasos a serem preenchidos com conhecimentos, mas se envolve com eles, individualmente, escutando-os, aconselhando-os e se disponibilizando para os alunos que necessitem de apoio. |
Engajamento com a realização acadêmica | Reflete a preocupação com o material didático e currículo, compartilhamento de ideias e experiências com outros docentes, fornecendo feedback aos alunos sobre seus desempenhos e como todos os professores estão envolvidos com a realização dos alunos. |
Engajamento com a disciplina | Reflete o envolvimento do professor com o conhecimento necessário para desenvolver a disciplina, expressando paixão por um assunto e mantendo-se atualizado no seu campo de conhecimento. |
Fonte: Bryk; Driscoll, 1988; Firestone; Rosenblum, 1988; Newmann et al., 1989 apud Lasmar, 2018, p. 62.
Evidencia-se a importância do engajamento docente para os processos de ensino e de aprendizagem, compreendendo, ainda, que esse engajamento requer envolvimento por parte da instituição. Nesse sentido, Martins e Ribeiro (2017, p. 226) relatam que:
Nos anos 90, outra vertente sobre engajamento chamou atenção dos pesquisadores, apontando que o engajamento está relacionado com as maneiras pelas quais as instituições alocam seus recursos e organizam os seus currículos. Essas maneiras devem oportunizar diferentes estratégias para desenvolver a aprendizagem do estudante.
Nessa perspectiva, Pauli et al. (2017, p. 5) definiram engajamento docente como um fenômeno que ocorre no ambiente organizacional e está geralmente associado ao bem-estar físico e mental dos trabalhadores, influenciando tanto o vigor e a energia quanto a absorção e concentração no trabalho.
Na pesquisa divulgada no artigo Measuring teacher engagement: developmentof the engaged teachers scale (ETS) (KLASSEN; YERDELEN; DURKSEN, 2013), os autores apresentaram quatro escalas de engajamento docente: a cognitiva, a emocional, a social com estudantes, e a social com colegas, conferindo a elas os significados que constam na figura 1.
Essa escala é a mais utilizada mundialmente e Nascimento, Brito e Padilha (2020) aplicaram-na para identificar o engajamento docente no ensino superior. Identificaram que:
[...] o engajamento docente existe e se apresenta principalmente em três dimensões: emocional, cognitiva e social com os estudantes, sendo esta última a mais frequente, destacando o quanto os professores se preocupam com a formação dos seus estudantes, buscando e testando alternativas diferentes para fazê-los aprender, além de ouvir suas necessidades e buscar meios para minimizá-las (NASCIMENTO; BRITO; PADILHA, 2020, p. 966).
Ainda, segundo os autores,
A dimensão cognitiva está relacionada com o esforço mental que o docente faz ao planejar e realizar suas aulas; a dimensão emocional refere-se ao estado efetivo do docente com suas aulas; a dimensão social com os colegas retrata a interação que o docente tem com seus pares; e a dimensão social com os estudantes simboliza o quanto o docente se preocupa com os seus alunos, buscando compreender tudo que pode impactar em sua aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, social e emocional. (NASCIMENTO; BRITO; PADILHA, 2020, p. 957).
Em estudo realizado por Gonçalves (2017), com 200 professores em formação, a autora pesquisou o engajamento docente em uma situação específica: a resolução de problemas relacionados a momentos ligados à convenção social, como situações de violência no espaço escolar. A autora identificou que os docentes, ao se encontrarem diante de confrontos éticos no ambiente escolar, buscavam resolver o problema como uma questão moral, procurando intervir utilizando a ética, apresentando assim, uma nova dimensão para o processo de engajamento, a moral, ampliando as discussões sobre engajamento docente.
Ferreira (2017, p. 19) identificou um engajamento docente político:
A noção de Engajamento Sartreana e de Compromisso político Freiriana, foram utilizadas para o estudo porque conforme Sartre (2004) engajar-se é comprometerse com o mundo, é assumir responsabilidades e tomar posição diante do mundo. Por sua vez, Freire (1997) aponta que o engajamento do educador é compromisso ético político para com a educação.
Ainda segundo Ferreira (2017, p. 43), “[...] o engajamento assume necessariamente um caráter político fundamental à atuação do intelectual orgânico junto aos grupos que se originou. Além disso, o conceito de educador faz referência a uma concepção crítica em educação que concebe o professor como um sujeito que não deve desvincular a sua ação do compromisso ético-político.
O autor reflete sobre o docente engajado com questões públicas, sociais e políticas, que se preocupa com a aprendizagem e as necessidades dos estudantes, fortalecendo assim sua prática e seu fazer pedagógico, além de fazer conexões cognitivas, como descrito em seguida:
Os professores concebem como questões necessárias de engajamento no tempo presente, a questão da PEC (241), do acesso à educação pública, do projeto de lei Escola sem Partido, da perda do espaço político pela população, a questão salarial dos professores, as questões relacionadas à justiça social e às desigualdades de oportunidades, às questões relacionadas às diferenças, da liberdade de opinar e falar em sala de aula, da autonomia docente, da necessidade do professor pensar como categoria e das questões referentes aos direitos dos alunos. (FERREIRA, 2017, p. 129, grifo do autor).
Após o estudo do aporte teórico sobre engajamento, usamos a escala ETS de Klassen, Yerdelen e Durksen (2013) em nossa pesquisa, pois, a mesma pontua quatro dimensões de engajamento docente mais encontradas nos resultados das pesquisas e por ser uma escala já validada internacionalmente.
Metodologia
Para a análise do engajamento docente, dois objetivos foram definidos: (1) identificar quais os projetos com a Robótica Educacional (RE) eram desenvolvidos nas escolas de anos finais e (2) analisar a percepção dos professores, participantes desses projetos, sobre a RE.
A Rede Municipal de Ensino do Recife (RMER) possuía, até 2020, 36 escolas de anos finais. Todas elas desenvolviam projetos com a RE, tanto com atividades em sala de aula quanto em clubes de robótica e laboratórios de ciências e tecnologia1.
Após o mapeamento das escolas, levantamos quais eram os projetos desenvolvidos e identificamos os professores participantes para aplicação dos questionários. Ressaltamos que o questionário foi validado ad hoc por 6 pesquisadores da área de engajamento, membros do Laboratório de Pesquisa Educação, Metodologias e Tecnologias (UFPE/CNPq), sendo três doutores e três doutorandos. Os especialistas analisaram todos os itens dos questionários sugerindo mudanças e questões.
Considerando a validação das questões pelos especialistas, os questionários foram encaminhados aos professores das 36 escolas de anos finais da RMER através do Google Forms. No total, 15 professores responderam ao questionário com as questões abertas e fechadas e outros 10 ao questionário com as questões abertas.
Para análise das respostas dos questionários optamos pela técnica da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011, p. 48), por ser “[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadoras sendo essas mensagens quantitativas ou não” e que “[...] permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.” (BARDIN, 2011, p. 48).
Na análise de conteúdo, identificamos as mensagens reveladas nas entrelinhas do processo investigativo. Nesse sentido, seguimos as fases da técnica (a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação). (BARDIN, 2011).
A seguir, detalhamos a quantidade de estudantes atendidos pelo Programa Robótica na Escola e listamos os projetos com a RE desenvolvidos:
Atendimento do Programa Robótica na Escola | Estudantes atendidos | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Educação Fundamental Anos Finais | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 |
13.750 | 13.167 | 12.370 | 11.929 | 12.388 | 11.777 |
Fonte: dados fornecidos pela Diretoria Executiva de Tecnologia da prefeitura do Recife.
Fonte: adaptado do Programa Robótica na Escola.
Após a identificação dos projetos com a robótica, partimos para a análise da percepção dos professores sobre a RE. Para isso, aplicamos a técnica da análise de conteúdo do questionário com perguntas abertas e fechadas, dividido em duas seções: uma com cinco questões sobre o perfil docente e outra com dez questões específicas sobre o engajamento dos professores nos projetos desenvolvidos.
Essa segunda seção continha três questões abertas, seis fechadas e uma mista. Nas questões abertas, identificamos unidades de registro e de contexto (palavras) para depois enumerar a presença ou ausência de elementos referentes ao tema, tanto pela frequência quantitativa da aparição quanto pela frequência qualitativa e ponderada (quando um elemento é mais importante que outro). Já nas questões fechadas, analisamos a frequência quantitativa.
Concluída a enumeração das unidades de registro, partimos para a categorização, priorizando o critério de qualidade da escolha de cada uma delas. Para isso, tratamos a ambiguidade das palavras e buscamos uma organização das mensagens. Os dados evidenciaram quatro categorias, a saber:
Categoria | Detalhamento |
---|---|
1. Geração de Conhecimento | O uso da RE influencia na produção de novos conhecimentos e habilidades relacionados ao avanço tecnológico. |
2. Melhoria da Aprendizagem | O uso da RE melhora a aprendizagem, especialmente com relação a conteúdos curriculares. |
3. Fomento à Cultura Científica | A propagação do que foi produzido dentro da escola estimula e incentiva a cultura científica, a partir da divulgação dos resultados dos projetos em eventos dentro e fora da escola, em feiras de conhecimento, campeonatos e eventos científicos. |
4. Participação Seletiva | O ato de ensinar e aprender RE requer conhecimentos específicos (dito “difíceis”), portanto, essa participação torna-se seletiva para professores e estudantes. |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Ao analisarmos os dados do questionário com perguntas fechadas e abertas, identificamos que os docentes estavam engajados nos projetos com RE nas quatros dimensões da escala ETS de Klassen, Yerdelen e Durksen (2013).
No entanto, a frequência de respostas sobre a importância do envolvimento da instituição nos processos envolvendo a RE se destacava nas respostas dadas pelos professores. Por esse motivo, embora na escala ETS não houvesse a dimensão institucional, resolvemos considerar essa perspectiva na análise, tratando-a, inclusive, como uma nova dimensão de engajamento docente, pois, os professores relataram haver um engajamento institucional por parte das escolas e da Prefeitura do Recife.
Na técnica da Análise de Conteúdo a identificação da presença ou ausência de unidades de registro são importantes. Nesse caso, os dados evidenciaram a frequência ponderada da relevância da instituição (no caso a Prefeitura do Recife/Secretaria de Educação) para o envolvimento do docente nos projetos.
Ao considerarmos a dimensão institucional, incluímos no segundo questionário aplicado (com as questões abertas) uma questão sobre o engajamento institucional, a saber: como a proposta institucional impacta na realização do trabalho que você desenvolve com robótica educacional?
No que concerne às questões abertas, codificamos as unidades de registro (palavras, frases) agregando por similaridade, buscando sentido e contexto. Após isso, classificamos as unidades de sentido, agrupando pelo discurso docente, montando um quadro com as seguintes categorias evidenciadas pelos dados:
Categoria | Detalhamento |
---|---|
Incentivo cognitivo ao estudante | Essa é uma categoria em que docentes se engajam na inserção da inovação tecnológica em sua prática pedagógica, por entender que colaboram com novas perspectivas de aprendizagem. |
Envolvimento emocional | Nesse processo existem diferentes maneiras de, literalmente, se emocionar diante do trabalho, sendo esse sentimento de satisfação, encantamento, paixão, reflexão, entusiasmo, felicidade, amor ou frustração. |
Envolvimento cognitivo | Os docentes se engajam nesse contexto de maneira plena. O envolvimento cognitivo é essencial para um trabalho consolidado. |
Comunicação direta com colegas de trabalho | A parceria com os colegas de disciplinas distintas é importante, pois, a RE apresenta um trabalho interdisciplinar. Portanto, essa troca de conhecimento traz perspectivas e enfoques distintos ao conteúdo trabalhado nos projetos. |
Incentivo ao protagonismo estudantil | O docente planeja e realiza o trabalho, com foco na atuação significativa do estudante. |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Resultados
Os professores percebem o trabalho com a Robótica Educacional (RE) como uma oportunidade de produção de novos conhecimentos, melhoria da aprendizagem e estímulo à cultura científica, especialmente pela divulgação dos resultados dos projetos em eventos dentro e fora da escola e em competições internacionais e nacionais.
Ainda assim, eles destacaram que a RE é seletiva, uma vez que o número de participação efetiva de estudantes ainda não era o ideal, pois, eram grupos de aproximadamente vinte alunos por escola, totalizando uma média de 740 estudantes participantes de ações, projetos e torneios específicos de robótica, enquanto a RMER possui, em média, mais de 90 mil estudantes ao todo.
No caso dos professores, do total das 36 escolas que desenvolvem projetos com RE, apenas 15 profissionais responderam aos questionários, o que consideramos uma quantidade pequena diante do tamanho da rede de ensino. Ressaltamos, ainda, que a maioria dos docentes participantes dos projetos são professores de matemática e ciências. Acreditamos que isso decorre da falta de domínio da linguagem de programação e de conceitos específicos dessas áreas para o desenvolvimento de projetos com a robótica, por exemplo.
Nesse sentido, as respostas dos docentes destacaram a importância do envolvimento cognitivo no trabalho com projeto de RE, como relatado a seguir:
A robótica exige uma habilidade mental maior por ser relacionado a números, códigos, programação computacional, algo que não tenho facilmente desenvolvido em mim, mais como tenho interesse enorme em aprender algo novo, encaro o desafio e tento desenvolver essa habilidade de maneira a encarar como uma conquista, superação de paradigmas internos meus e tentar desempenhar da melhor forma. (Docente 10).
Essa fala indica a importância da formação em serviço para aperfeiçoamento de práticas antigas e aprendizagem de outros conteúdos e novas práticas de ensino. Nessa categoria, o esforço cognitivo do docente, ao trabalhar com a RE, é motivado pelos desafios que surgem no dia a dia e vem acompanhado de autodidatismo e resolução de problemas, como relatado a seguir:
Tive que ser autodidata. Pesquisei a fundo muito material e montei um curso de 40 aulas de Arduino para poder ensinar na escola em que trabalho. Hoje, robótica é um hobby. (Docente 10).
Por crenças pessoais acredito que o ensino de robótica permite o desenvolvimento cognitivo tanto de professor como alunos por acelerar o raciocínio lógico e permitir uma maior concentração e foco na solução de problemas. (Docente 7).
Destacamos o engajamento emocional no seguinte relato:
Sempre me dedico a tudo com que me envolvo e busco dar o melhor de mim para que os estudantes se sintam realizados e desenvolvam atitudes comportamentais de pesquisa, disciplina, respeito e companheirismo. (Docente 2).
Os dados também evidenciaram a importância do cuidado com o estudante: “Dedicação e empatia” (Docente 5). Outro relato evidenciou que o engajamento emocional se dava pelo fator do encantamento e da satisfação em superar os desafios propostos, que o docente sentia motivação ao participar de projetos junto com os estudantes, tanto nas aulas, quanto nas competições. Segue um relato:
Encantamento! Ao ver que consegui montar, as vezes depois de várias tentativas, e dar comando de ação e ver o movimento realizado é uma sensação de alegria, entusiasmo, vibração, deslumbramento etc. Saber que posso realizar algo que antes rotulava que só quem conseguiria fazer era quem tinha grandes habilidades na área. (Docente 4).
Com relação à categoria incentivo ao protagonismo estudantil, na qual os docentes planejam e realizam suas atividades com foco no estudante e com elementos que evidenciam o protagonismo desses sujeitos, os dados revelaram que os docentes buscavam ter uma aproximação com o estudante, “incentivando o protagonismo” (Docente 6), para proporcionar ao discente participação com autoria e mais autonomia na construção do conhecimento.
Quanto à parceria com outros docentes, existem interesses distintos na construção e realização dos projetos. No caso específico do trabalho com RE em Recife, os docentes têm autonomia de participação:
Sempre desenvolvo projetos que sejam interdisciplinares para demonstrar a amplitude que pode alcançar um projeto desenvolvido na escola, porém percebo muita resistência dos colegas no envolvimento, de não ter tempo para desenvolver, prefere só dar as próprias aulas etc. Infelizmente é uma cultura que precisa ainda ser desconstruída, porque o projeto além de envolver as questões curriculares e extracurriculares, numa conjuntura única, traz também engajamento e motivação para propor uma solução a um dado problema, dentro da própria aula. (Docente 10).
Nessa perspectiva, Behrens e José (2001, p. 3) defendem que:
A opção por um ensino baseado em projetos proporciona a possibilidade de uma aprendizagem pluralista e permite articulações diferenciadas de cada aluno envolvido no processo. Ao alicerçar projetos, o professor pode optar por um ensino com pesquisa, com uma abordagem de discussão coletiva crítica e reflexiva que oportunize aos alunos a convivência com a diversidade de opiniões, convertendo as atividades metodológicas em situações de aprendizagem ricas e significativas. Esse procedimento metodológico propicia o acesso a maneiras diferenciadas de aprender, e, especialmente, de aprender a aprender.
No que diz respeito ao processo de envolvimento com a instituição, o relato do Docente 1 alertou para o fato da RE não estar inserida no currículo oficial, afirmando que essa inserção incentiva um tempo maior de formação nessa área específica, e motivação para aprender, como relatado a seguir:
A robótica leva o jovem a descobrir soluções, desafios e coragem. Deveria ser associada às disciplinas na escola e existir como uma disciplina na grade curricular. Os professores deveriam ter formação nesta área para trabalhar com seus alunos. Gostaria de ter recebido estas instruções. Na verdade, sou um entusiasta com grande carinho pelos meus alunos e pelo que faço. (Docente 1).
Foi o fator decisivo para que eu não quisesse mais trabalhar com robótica. Originalmente, os alunos escolhiam se iriam estudar robótica. Mais tarde, o ensino da mesma passou a ser obrigatório para uma turma aleatória. Não há horário para um clube de robótica, a eterna falta de material e a falta de suporte humano (é inviável uma única pessoa ensinar sobre Arduíno para 30 pessoas sozinho, pois perde-se mais tempo tentando descobrir onde o aluno errou do que ensinando). Tudo isso me levou a abdicar de dar aula de Arduíno. (Docente 10).
Ponderações finais
Após a análise dos dados, podemos considerar que os bons resultados alcançados nas competições de robótica pelos estudantes da Rede Municipal de Ensino do Recife (LAUREANO, 2019) foram frutos, também, do envolvimento e da participação dos professores nos projetos relacionados com a Robótica Educacional.
Entendemos que, para a criação, o desenvolvimento e a execução de um projeto relacionado à RE, o envolvimento da instituição é fator decisivo, pois, ações como a inserção como disciplina no currículo, integração das tecnologias na escola, formação docente em serviço, entre outras, são responsabilidades da gestão escolar e institucional.
É necessário incluir, nas formações docentes, discussões para a inclusão da RE no currículo escolar, bem como são imprescindíveis ações que possam consolidar os processos de ensino e de aprendizagem, dentro de uma prática social mais ativa e protagonista, pois, quando o sujeito se sente idealizador de um projeto, vê a perspectiva de criar novos caminhos e possibilidades para sua prática docente.
Sendo assim, continuar com estudos relacionados ao olhar docente em relação à tecnologia e seu uso na prática como: o engajamento de docentes no uso de tecnologias disruptivas, o incentivo da participação de jovens, crianças e docentes nessa área e a desmistificação do uso da robótica nas escolas, possibilita compreender a importância do professor na mediação desses elementos no contexto educacional.
No caso analisado, a instituição Prefeitura do Recife teve papel importante no engajamento docente, uma vez que utilizou estratégias políticas (adoção do Programa Robótica na Escola) para envolver tanto alunos quanto professores nas atividades escolares. O engajamento docente se relacionou tanto no comportamento do professor, que buscou participar das ações dentro e fora da escola, quanto da instituição que incentivou e apoiou a participação em competições locais e nacionais. Entretanto, observa-se a necessidade de ampliar o escopo do projeto para um número maior de estudantes, docentes e escolas da rede.
A possibilidade de analisar o engajamento docente com uso de ferramentas que são consideradas inovadoras na educação revela a necessidade de investir em maiores oportunidades de formação continuada do professor para a integração curricular das tecnologias em suas práticas profissionais cotidianas.
O engajamento docente envolve tanto as atividades de aprendizagem de conteúdos curriculares quanto o esforço e o envolvimento em formações de novas metodologias e tecnologias para uso pedagógico.
Além disso, observamos que o desenvolvimento de projetos com a Robótica Educacional possibilitou interações entre os docentes, por intermédio de cooperação e parcerias no ambiente escolar, e o envolvimento dos mesmos com o conteúdo necessário para o desenvolvimento e sucesso dos projetos.