Introdução
Na vida do ser humano a música sempre está presente, assim como na história (LIMA, 2015). Ela tem papel interpretativo sobre a realidade humana, apresentando-se como expressão de alegria, de tristeza, de perda, de vitória, de paz, de guerra, entre outros cenários do mundo objetivo e subjetivo. No contexto da pessoa com surdez, foco desta pesquisa, essa realidade não é diferente, pois independentemente da ausência auditiva, todos são sensíveis à música (HAGUIARA-CERVELLIN, 2003; DUARTE, 2017).
Entretanto, o percurso histórico revela que a maneira como a surdez foi vista influenciou na forma como a sociedade interpretava a relação música e surdez. Na Antiguidade Clássica Ocidental, o surdo, assim como os loucos, era visto como um ser irracional que não apresentava condições para ser educado e inserido na sociedade, pois a palavra articulada/falada era o dispositivo (de poder) que os separava do convívio social (FOUCAULT, 1979).
Contudo, no Século XVI, o médico italiano Girolamo Cardano (1501-1576) sugeriu o ensino da leitura e da escrita para os sujeitos surdos, uma vez que ele demostrou que pessoas surdas, quando expostas a determinados sinais e estímulos, poderiam assimilar ideias abstratas. Girolamo Cardano foi quem combateu a perspectiva de que os surdos eram ineducáveis. Ao corroborar com perspectiva semelhante, Charles-Michel de L’Epée (1712-1789) fundou, na França, a primeira escola pública para surdos no mundo (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).
Na Idade Contemporânea (1789-1900), especialmente na Europa e nos Estados Unidos, a educação de surdos ganhou lugar significativo na sociedade, mediante as ações do estadunidense Gallaudet (1787-1851) e do discípulo de L’Epée, o francês Laurent Clerc (1785-1869) (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003), os quais provocaram a eclosão de reformas e revoluções humanísticas em cujos âmagos havia a crescente preocupação com o respeito aos direitos humanos e a valorização de cada indivíduo como ser. Nesse período, um dos marcos decisivos na história da surdez foi o Congresso de Milão, em 1880, pelo qual o oralismo foi considerado método exclusivo de educação nessa área (HAGUIARA-CERVELLINI, ٢٠٠٣). Como reflexo da mudança de perspectiva sobre as pessoas com surdez, teve início, nos Estados Unidos, na década de 1980, o movimento conhecido como Deaf Power, que garantiu aos surdos o direito a uma língua própria e o direito de ser tratado como diferente, em vez de deficiente.
Com o fortalecimento das especificidades identitárias da comunidade surda, a Língua de Sinais como língua natural do surdo ganhou contornos políticos, cujos desdobramentos adentraram a esfera da educação formal. Assim, e em meio às conquistas e aos avanços da ciência e da tecnologia no Século XX, entre elas o desenvolvimento da eletroacústica, a presença de aparelhos de amplificação sonora e as possibilidades de intervenções cirúrgicas, passou-se a vislumbrar a possibilidade de o surdo romper o silêncio musical.
No rastro desse raciocínio, e apesar dos avanços registrados na história, convém enfatizar que quando se diagnostica um sujeito com surdez, algumas qualidades e possibilidades lhes são atribuídas, assim como algumas limitações. A sociedade, e muitas vezes a própria família, decidem o que ele será ou não capaz de fazer, principalmente no que se refere à prática musical. Em grande parte dos planos de educação, de capacitação e de habilitação para surdos, a música se faz presente apenas para possibilitar o desenvolvimento rítmico da fala, sendo encarada como um meio e não como um fim (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).
Destarte, a perspectiva pela qual a música configura-se como lazer para a pessoa surda, como prática educativa inclusiva em que se pode reconhecer a possibilidade da transgressão entre o mundo físico, intelectual e o social (BRAGANÇA; FERREIRA; PONTELO, 2015), bem como momento de representação da subjetividade dos sujeitos surdos parece ainda negligenciada.
Segundo Haguiara-Cervellin (2003), entre pais e professores há incredulidade quanto à possibilidade de o surdo vivenciar a música em sua rotina, haja vista a mentalidade de que a aprendizagem musical está centrada na decodificação e na organização dos sons com o objetivo de criar um sentido musical. Desse modo, “essa impossibilidade é percebida porque há uma sobrevalorização do aspecto auditivo da música” (DUARTE, 2017, p. 11).
Entretanto, isso não impede que surdos aprendam música, pois, conforme reverbera Araújo (2018):
[...] a despeito de o aparelho auditivo humano ser o principal responsável por captar todas as frequências sonoras audíveis, por não possuir capacidade auditiva de captar os sons, a pessoa surda utiliza como principal meio de comunicação e percepção o sentido da visão. (ARAÚJO, 2018, p. 1).
Nesse ponto, a tecnologia tem um papel preponderante em indicar aos usuários surdos como eles devem proceder ao executar determinadas células rítmicas presentes em músicas e em exercícios musicais (PEREIRA, 2015; ARAÚJO, 2018), as quais podem ser codificadas em experiências multissensoriais que envolvem “sensações vibráteis, expressão corporal e a relação entre som e imagem” (DUARTE, 2017, p. 25).
Apesar dos diferentes atores e dos avanços sociais, culturais e tecnológicos envolvidos na educação musical dos surdos, faz-se necessária a continuidade das investigações para aclarar aspectos deixados à margem por parcela significativa dos estudos como: as características, as barreiras e as práticas exitosas da aprendizagem musical dos surdos. A partir dessa constatação, ao procurar compreender como a academia internacional se posiciona e reflete a respeito da temática por meio de seus artigos mais relevantes, emerge o seguinte problema: o que se publica internacionalmente acerca da educação musical de surdos e como essas publicações abordam as características, as barreiras e as práticas exitosas no âmbito desse tipo de educação?
No horizonte dessa problemática, o objetivo deste trabalho foi, portanto, o de mapear a produção científica internacional sobre educação musical de surdos ou aprendizagem musical de surdos em uma das principais bases de dados, a ISI Web of Knowledge/Web of Science, no recorte temporal compreendido entre os anos 1956 e 2017, identificando os principais artigos a respeito da temática no que concerne às características, às barreiras e às práticas exitosas desse tipo de educação.
Dessa forma, apresentam-se os resultados gerais obtidos a partir do levantamento bibliométrico, com especial ênfase na trajetória evolutiva das publicações que tratam a respeito do tema evidenciado, nas citações, nos periódicos, nos autores com maior quantidade de registros publicados na base de dados e na localização geográfica das principais instituições de vínculo dos autores. Na sequência dessa problematização, avaliam-se os artigos mais citados na base de dados e aqueles que receberam mais citações dentre o conjunto de artigos selecionados para este estudo.
Posto isso, cabe sinalizar que, para o campo da educação musical, esta pesquisa se justifica por mensurar a produção científica da área no sentido da identificação dos periódicos de referência acerca do assunto em pauta. Além e em decorrência disso, o presente estudo problematiza aspectos pouco abordados na literatura especializada em educação musical de surdos, como as características, as barreiras e as práticas exitosas desse tipo de educação. Acredita-se que, pelas razões expostas, a investigação realizada pode contribuir para a elaboração de políticas públicas educacionais e inspirar educadores à ação na busca por superar o silêncio musical histórica e socialmente imposto aos sujeitos surdos.
Na próxima seção, elucidam-se os procedimentos metodológicos realizados nesta pesquisa e, nas seções seguintes, registram-se a análise dos resultados e as principais considerações oriundas deste estudo.
Procedimentos metodológicos
No que tangencia aos procedimentos metodológicos, empregou-se a análise bibliométrica, cuja relevância se justifica por identificar, de forma quantitativa, as tendências de pesquisa, como também por mensurar indicadores sobre o crescimento da produção científica de determinada área temática (CIL, 2017).
Utilizou-se a base de dados Web of Science para a realização desta investigação, tendo em vista seu reconhecimento acadêmico por tratar-se de uma das bases de periódicos mais abrangente em termos de áreas do conhecimento. De igual modo, sua escolha também considerou o fato de suportar ferramentas de software que facilitam a recuperação de dados sobre referências, autores, instituições, países, entre outros indicadores (SILVA; HAYASHI; HAYASHI, 2011; MOURA et al., 2017), o que viabilizou as análises desenvolvidas neste estudo.
Quanto aos procedimentos para a coleta de dados, utilizou-se o período de busca disponível na base de dados para anos completos (1945-2017), a fim de possibilitar a replicação ou a atualização desta pesquisa sem a necessidade de realizá-la novamente desde o início. Assim, em ordem, foram definidos os seguintes termos de busca: musical education ou musical learning e deaf or deafness. A coleta foi realizada a partir da busca desses termos nos títulos dos artigos.
Os resultados apontaram, como primeiro registro de publicação sobre o tema, o ano de 1956. Após a busca, foi realizado um refinamento dos trabalhos encontrados por meio da aplicação de filtros oferecidos pelo mecanismo de busca da coleção principal da Web of Science. O primeiro tipo de refinamento empregado foi tipo de documento, selecionando-se a opção article, gerando resultados que apresentam apenas artigos completos publicados em periódicos, excluindo-se capítulos de livro, resenhas e artigos divulgados em anais de eventos acadêmicos. O segundo critério de refinamento foi áreas de conhecimento, acentuando-se as que mais produziram sobre a temática da educação musical ou aprendizagem musical para surdos, sendo: special education ou music education research, que se referem a áreas que contemplam conteúdos inerentes ao campo científico da educação musical para surdos. Outro filtro aplicado foi idioma, pelo qual se buscaram trabalhos em english, portuguese ou spanish, contemplando artigos escritos em língua inglesa, portuguesa ou espanhola. Em decorrência dos refinamentos empregados, foram identificados 217 trabalhos que foram utilizados como conjunto de artigos para as análises bibliométricas propostas nesta pesquisa.
Posteriormente à coleta de dados, foi realizada a exportação dos dados obtidos para o pacote de software de análise bibliométrica HistCiteTM, a fim de organizar as informações e facilitar a avaliação do material bibliográfico. Foram considerados como critérios de análise: a trajetória de evolução anual das publicações; os periódicos com maior quantidade de registros; os autores com maior quantidade de publicações; a quantidade de artigos distribuída por país de origem dos autores; e os artigos mais citados na Web of Science (global). Além desses dados gerados pelo software, foram elucidados aspectos textuais dos dez artigos mais citados globalmente, de modo a identificar suas principais contribuições para a temática da educação musical de surdos. Os resultados dessas análises são apresentados na seção seguinte.
Apresentação e análise dos resultados
Após a realização do levantamento bibliométrico na principal coleção da Web of ScienceTM, foram identificados 217 artigos acerca da educação musical de surdos (e demais termos descritos na seção anterior). Esses artigos estão publicados em 45 periódicos distintos indexados à base de dados e foram escritos por 294 autores vinculados a 167 instituições localizadas em 24 países. Para a consecução desses artigos, foram utilizadas 3.681 referências, com uma média de aproximadamente 16 referências por artigo, consoante resultados apresentados na Tabela 1, a seguir.
Dados bibliométrico | Quantidades |
---|---|
Publicações (artigos) | 217 |
Periódicos indexados | 45 |
Autores | 294 |
Instituições (vínculos dos autores) | 167 |
Países | 24 |
Referências citadas | 3.681 |
Fonte: dados da pesquisa.
Conforme observa-se no Gráfico 1, que apresenta a evolução das publicações na temática em apreço, o primeiro registro de artigo indexado na Web of ScienceTM data do ano de 1956. Esse trabalho, de autoria de Myklebust (1956), trouxe à discussão a constatação de que as necessidades de treinamento de linguagem de crianças com deficiência auditiva eram diferentes das necessidades das crianças afásicas. Essa constatação referiu-se a vários contextos, inclusive o da música, pois a linguagem expressiva (a escrita) deveria seguir e não preceder a linguagem receptiva (leitura). Isso parece ser verdade não apenas no âmbito da linguagem falada, mas também no de outros sistemas simbólicos, como a música, pois configura-se evidente o fato de que não se pode escrever até que se possa ler primeiro.
Desde o primeiro artigo divulgado em 1956 até os trabalhos publicados em 2017, avalia-se que a temática em foco apresenta distribuição irregular e decrescente. O ápice de publicações foi atingido em 1974, quando os manuscritos, majoritariamente, reverberavam estudos realizados com crianças e versavam sobre etiologia da surdez, surdez congênita produzida pela rubéola, as múltiplas causas de surdez, as múltiplas desvantagens da surdez, a avaliação da surdez e a prevenção da surdez.
Por meio dessas observações, verificou-se que o foco das pesquisas estava mais voltado para o problema da surdez do que para a aprendizagem musical dos surdos. Já nos últimos cinco anos, numa perspectiva mais atual, houve manutenção de poucas publicações na área que agora trata o papel da educação musical na aquisição de competências básicas de crianças surdas (DURAN; CASTELL, 2012), as interseções entre surdez hereditária e perda auditiva e sua influência na aprendizagem musical (FORDYCE et al., 2015; NYST, 2015), surdez, música e diversidade (JACKSON; AMMERMAN; TRAUTWEIN, 2015; GUARDINO; CANNON, 2016), música e preconceito com a pessoa surda (NETO; PINTO; MULLET, 2016).
Por outro lado, conforme aponta o Gráfico 2, a quantidade de citações acerca da temática da educação musical de surdos tem aumentado, o que pode ser explicado devido ao rigor dos periódicos científicos, que se refletiu no aumento da média de referências por artigo, elevada para 30 nos últimos 12 anos.
A Tabela 2 identifica os periódicos internacionais mais representativos para a temática educação musical de surdos. Foram analisados os 45 periódicos indexados à Web of ScienceTM em relação à quantidade de artigos publicados acerca do tema e o total de citações na base de dados. Ao somarem-se os trabalhos publicados nesses dez periódicos foi obtido um total de 174 registros, o que corresponde a pouco mais de 80% da quantidade total de trabalhos identificados. O periódico com maior número de publicações e de citações é o American Annals of the Deaf, que tem 86 registros alusivos a publicações. Esse indicador pode ser útil para futuras pesquisas e funcionar como indicador da relevância dos periódicos com mais publicações a respeito do assunto.
Periódicos | Quantidade de Artigos | Citações | Citações em % |
---|---|---|---|
American Annals of the Deaf | 86 | 452 | 35,1 |
Volta Review | 38 | 119 | 9,2 |
Commonwealth Foundation-Occasional Paper | 11 | 0 | 0 |
Journal of Deaf Studies and Deaf Education | 9 | 198 | 15,4 |
Exceptional Children | 8 | 66 | 5,1 |
Teacher of the Deaf | 8 | 2 | 0,2 |
Bulletin of the Council for Research in Music Education | 4 | 0 | 0 |
Journal of the British Association of Teachers of the Deaf | 4 | 8 | 0,6 |
Journal of Mental Deficiency Research | 3 | 18 | 1,4 |
Journal of Special Education | 3 | 11 | 0,9 |
Fonte: dados da pesquisa.
Após análise dos periódicos, foram identificados os autores que têm maior quantidade de registros de publicações na seleção deste estudo bibliométrico. A Tabela 3 apresenta a listagem com o nome desses autores, seus vínculos institucionais (instituição de vínculo) e país de origem da instituição. Foram selecionados os dez autores com maior quantidade de registros. Inicialmente, averiguou-se que uma parte das publicações não tem autor conhecido ou seus dados não foram informados na base de dados da Web of Science. Em seguida, entre os autores com maior número de publicações acerca do tema está McCay Vernon, que atua no Colégio McDaniel, nos Estados Unidos, com oito artigos. A partir da observação da Tabela 3, verifica-se que a maior quantidade de trabalhos foi produzida nos Estados Unidos.
Autores | Quantidade de Artigos | Instituição de vínculo | País |
---|---|---|---|
Autor desconhecido (ou não informado) | 9 | - | - |
Vernon M. | 8 | Colégio McDaniel | Estados Unidos |
Doctor P. V. | 4 | Instituição desconhecida (ou não informada) | - |
Boothroyd A. | 3 | Universidade da Cidade de Nova York | Estados Unidos |
Goodhill V. | 3 | Universidade da Califórnia | Estados Unidos |
Moores D. F. | 3 | Universidade Gallaudet | Estados Unidos |
Peretz I. | 3 | Universidade de Montreal | Canadá |
Schein J. D. | 3 | Escola Steinhardt de Cultura, Educação e Desenvolvimento Humano | Estados Unidos |
Webster A. | 3 | Escola Primária de Queensferry | Reino Unido |
Altshuler K. Z. | 2 | Universidade Columbia | Estados Unidos |
Fonte: dados da pesquisa.
Para visualizar a representatividade dos países de origem das instituições de vínculo dos 167 autores dos 217 trabalhos mapeados neste estudo bibliométrico, foram identificados os dez países com maior produção científica no campo da educação musical de surdos, conforme sinaliza a Tabela 4. Os países também são apresentados em lista de dez posições, com visível destaque para os Estados Unidos, país com 73,2% das publicações na temática.
País | Quantidade de Artigos | % |
---|---|---|
USA | 159 | 73,2 |
Reino Unido | 16 | 7,4 |
Canadá | 14 | 6,5 |
Austrália | 7 | 3,2 |
Holanda | 4 | 1,8 |
Brasil | 3 | 1,4 |
França | 3 | 1,4 |
Bélgica | 2 | 0,9 |
Índia | 2 | 0,9 |
Áustria | 1 | 0,5 |
Fonte: dados da pesquisa.
Dentre os de 217 artigos localizados na base Web of ScienceTM, buscou-se identificar os trabalhos mais representativos acerca do tema. A Figura 1, a seguir, apresenta a relação entre os artigos mais citados em toda a base de dados, indicando, dentre esses, quais apresentam conexão de citações (linhas que conectam os círculos) e quais são os mais citados no grupo (tamanhos diferentes dos círculos).
Nesse sentido, tem destaque o trabalho de Cuddy et al. (2005). Esse trabalho foi citado por: Slodoba; Wise; Pertz (2005), Pfordresher; Brown (2007), Wise; Sloboda (2008) e Patel et al. (2008). Diante dessa constatação, o trabalho de Cuddy et al. (2005) pode ser considerado, portanto, como uma “referência principal” (VASCONCELOS; CASTRO; BRITO, 2018), pois é um artigo base para outros que também receberam grande quantidade de citações. O trabalho de Slodoba; Wise; Pertz (2005) também aparece citado por outras publicações importantes. Os demais artigos não apresentam conexões entre si, mas receberam grandes quantidades de citações. As quantidades de citações recebidas e as principais informações de referências desses trabalhos estão listadas na Tabela 5.
Citações na Web of Science | Títulos dos Trabalhos | Fonte das Publicações | Referências |
---|---|---|---|
72 | Poor-pitch singing in the absence of “tone deafness” | Music Perception, 25 (2): 95-115 | Pfordresher e Brown (2007) |
68 | Speech intonation perception deficits in musical tone deafness (congenital amusia) | Music Perception, 25 (4): 357-368 | Patel, Wong, Foxton, Lochy e Peretz (2008) |
66 | Musical difficulties are rare - A study of “Tone deafness” among university students | Neurosciences and Music II: From Perception to Performance, 1060: 311-324 | Cuddy, Balkwill, Peretz e Holden (2005) |
50 | Universal newborn hearing screening and early identification of deafness: Parents’ responses to knowing early and their expectations of child communication development | Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 12 (2): 209-220 | Young e Tattersall (2007) |
44 | Establishing an empirical profile of self-defined “tone deafness”: Perception, singing performance and self-assessment | Musicae Scientiae, 12 (1): 3-26 | Wise e Sloboda (2008) |
43 | Evaluating Phonological Processing Skills in Children With Prelingual Deafness Who Use Cochlear Implants | Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 14 (1): 1-21 | Spencer e Tomblin (2008) |
41 | Impulsivity and profound early deafness - Cross-Cultural Inquiry | American Annals of The Deaf, 121 (3): 331-345 | Altshuler, Deming, Vollenweider, Rainer e Tendler (1976) |
40 | Quantifying tone deafness in the general population | Neurosciences and Music II: From Perception to Performance, 1060: 255-261 | Sloboda, Wise e Peretz (2005) |
39 | Stress, support, and deafness - perceptions of infants mothers and fathers | Journal of Early Intervention, 18 (1): 91-102 | Meadow-Orlans (1994) |
38 | Spoken Language Development in Oral Preschool Children With Permanent Childhood Deafness | Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 14 (2): 205-217 | Sarant, Holt, Dowell, Rickards e Blamey (2009) |
Fonte: dados da pesquisa.
O estudo mais citado do grupo foi escrito por Pfordresher; Brown (2007). A partir de um trabalho empírico, os autores fizeram uma das primeiras análises acústicas detalhadas do cantar imitando em uma população de não músicos adultos neurologicamente normais. Essa pesquisa relatou a precisão com que as pessoas imitam ao cantar novas melodias. Também foi estudada a imitação de novas melodias ao invés da reprodução de melodias já conhecidas de memória. Segundo os autores, as tarefas de imitação permitem medidas de rigor no que diz respeito à percepção do ouvido absoluto e relativo. Já o uso de novas melodias evita possíveis variações entre a habilidade manifestada em cantar e a exposição prévia a melodias conhecidas. As análises dos dados de produção revelaram duas grandes categorias de cantores: os cantores imitadores, em que a transposição das notas foi acompanhada pela compressão dos intervalos, sendo entre 10% a 16% da amostra pesquisada – ouvido absoluto; e os cantores com percepção de ouvido relativo, sendo, portanto, a maioria da amostra pesquisada.
Patel et al. (2008) fornecem evidências importantes acerca da amusia, dificuldade caracterizada pela apresentação de problemas relacionados com a percepção melódica musical. O trabalho foi desenvolvido com britânicos e franco-canadenses e, inicialmente, sugeriu que os indivíduos pesquisados não tinham problemas com a percepção de entonação da fala. Entretanto, apresentaram um déficit que estaria relacionado com a taxa de variação do glide (som de transição, não distintivo) no passo final de suas declarações/perguntas e com a lentidão da fala. Esses achados sugerem que a amusia fornece uma janela útil acerca das relações neurais entre o processamento melódico em linguagem e a música, que é distinguido por graves problemas na percepção musical.
Cuddy et al. (2005) propõem um estudo preocupado com o autorrelato de surdez e sua possível relação com amusia congênita. Duzentos estudantes foram recrutados, 100 deles com relatos de surdez e outros 100 sem quaisquer relatos de surdez. Na parte 1, os participantes completaram os seis testes da bateria Montreal de Avaliação da Amusia (MBEA), definida por Peretz; Champod; Hyde (2003). Na parte 2, os participantes responderam a um questionário extensivo, projetado para obter detalhes acerca das experiências musicais, as habilidades, os treinamentos e os interesses.
Vinte e oito itens do questionário foram submetidos à análise fatorial. Quatro componentes ortogonais emergiram da análise, sendo: (1) a produção vocal, (2) o ensino de música, (3) as atitudes de escuta, e (4) memórias de infância relativas a ambientes musicais. Os melhores e mais significativos preditores dos escores MBEA foram os fatores 1 e 2, seguido pelo fator 3. Uma das conclusões desse estudo foi a de que, a partir dos resultados MBEA, muitos indivíduos surdos, nos autorrelatos, se consideraram incapazes para a aprendizagem da música. Entretanto, os autores sugerem que, apesar disso, esses indivíduos devem ser apoiados em qualquer um dos seus esforços para prosseguir com prazer musical.
O quarto artigo mais citado foi conduzido por Young; Tattersall (2007). Os autores propuseram uma avaliação da primeira fase da implementação do Programa Universal Nacional de Triagem Auditiva Neonatal (NHSP), na Inglaterra. A pesquisa contribuiu para a base de evidências limitadas acerca do impacto do início da identificação da surdez em famílias. Em seus resultados, os autores realizaram um estudo por meio de entrevistas qualitativas com 45 pais de crianças identificadas como surdas e analisaram os seguintes aspectos da experiência dos pais: (a) como os pais descrevem o impacto de saber mais cedo que seu filho é surdo e (b) as primeiras suposições dos pais sobre o impacto do início de identificação no desenvolvimento de seus filhos surdos, em particular, sua comunicação.
Já o trabalho desenvolvido por Wise; Sloboda (2008) chegou à conclusão de que a maioria das pessoas que se autodefinem como surdos não tem um déficit de percepção, mas cantam com menos precisão e se sentem menos confiantes no seu canto. No entanto, essas pessoas são capazes de fazer julgamentos precisos acerca da qualidade de seu canto e podem melhorá-lo por meio do treinamento apropriado. Os resultados desconstruíram o estereótipo segundo o qual o surdo não pode cantar ou ter sua educação musical aperfeiçoada.
Spencer; Tomblin (2008) investigaram a possibilidade de se estabelecer a validade de uma série de tarefas para medir as habilidades das pessoas com perda auditiva e dos usuários de implantes cocleares. Um segundo objetivo do estudo constituiu em documentar a gama de habilidades das crianças com mais de três anos de experiência de uso do implante coclear para comparar essa faixa etária com os pares que têm audição. A comparação foi feita por palavra-leitura. O objetivo final do estudo foi o de examinar, de forma preliminar, a relação entre habilidades das pessoas com perda auditiva e suas habilidades de leitura.
Já Altshuler et al. (1976) realizaram testes psicológicos de impulsividade em 250 adolescentes com surdez precoce nos Estados Unidos e na Iugoslávia, e em 100 adolescentes ouvintes em cada um desses países. Os indivíduos foram selecionados por danos cerebrais e organizados pelo quociente de inteligência e pelo status socioeconômico. Os resultados indicaram que os surdos estadunidenses são mais impulsivos do que as pessoas ouvintes pesquisadas, enquanto os surdos iugoslavos, em geral, eram mais impulsivos que os surdos estadunidenses. A amostra de indivíduos surdos e ouvintes pesquisada forneceu, também, uma primeira aproximação aos dados normativos para os surdos em estudos de comportamento social (ALTSHULER et al., 1976).
Sloboda; Wise; Peretz (2005) realizaram dois estudos. O primeiro configura um estudo de entrevista com adultos que se autodefinem como surdos ou aptos à aprendizagem musical. A programação das entrevistas foi planejada para descobrir quais os critérios são usados em seus autorrelatos. Os resultados preliminares sugeriram que os critérios de desempenho (por exemplo, “julgar-se como incapaz de cantar”) desempenham um papel importante, mesmo para pessoas que afirmam e demonstram não terem déficits perceptivos. O segundo estudo versou sobre a construção de relatórios para o desenvolvimento de novos subtestes com base na primeira pesquisa, de maneira a subsidiar a revisão da Bateria Montreal de Avaliação de Amusia.
Já Meadoworlans (1994) estudou a relação entre o estresse parental (estresse de vida) e o apoio social, observando a influência dessa relação nos déficits auditivos de bebês que foram diagnosticados precocemente com surdez (média de idade = 2,8 meses). Para a concretização da pesquisa, coletaram-se dados de 20 mães e 16 pais que foram comparados com uma amostra de mães e pais que geraram filhos ouvintes. Os resultados sinalizaram que o estresse parental não constituía fator influenciador quanto ao diagnóstico da surdez.
O décimo artigo mais citado na base de dados é o de Sarant et al. (2009). Os participantes foram avaliados segundo uma combinação do Inventário de Desenvolvimento Infantil, do Teste de Vocabulário por Imagens Peabody e da avaliação clínica pré-escolar referente aos fundamentos da linguagem, considerando-se a idade das crianças no momento da avaliação. Escolaridade materna, capacidade cognitiva e envolvimento da família também foram medidos. Mais da metade das crianças participantes do estudo tiveram resultados de linguagem insatisfatórios, em termos gerais.
A análise de regressão múltipla mostrou que a participação da família, o grau de perda auditiva e a capacidade cognitiva permitiram prever os resultados do desempenho da linguagem de crianças e, a partir de seus encadeamentos recíprocos, foram responsáveis por quase 60% da variação na pontuação dos testes. O artigo destacou a importância da participação da família em programas de intervenção para que as crianças alcançassem resultados quanto à linguagem no tempo adequado. O estudo também forneceu dados prospectivos e documentou os resultados das falas de crianças com perda auditiva na Austrália. Portanto, esse estudo foi importante para o avanço nos processos de avaliação infantil nesse país, a fim de conhecer suas necessidades de desenvolvimento e de estimulação.
A análise dos principais artigos (os mais citados) presentes na base de pesquisa utilizada para este estudo bibliométrico revelaram características, barreiras e práticas exitosas na educação musical de surdos, conforme demonstra o Quadro 1.
Características Quais as “características” da educação musical de surdos? | Barreiras Quais são as barreiras à educação musical de surdos? | Práticas exitosas Quais as práticas formais ou não formais exitosas na educação musical de surdos? | Referências |
---|---|---|---|
A habilidade vocal deve ser abordada separadamente da formação musical, tendo foco na imitação das melodias, ao invés da produção de novas melodias. | O déficit na conversão de notas pelo ouvido em relação aos alvos de fonação. | - | Pfordresher e Brown (2007) |
- | A amusia, que causa problemas de percepção musical e de percepção melódica. | - | Patel, Wong, Foxton, Lochy e Peretz (2008) |
Treino de atitudes de escuta. | Ausência de atitudes de escuta. | A utilização de autorrelato de experiências musicais, habilidades, treinamento e interesse. | Cuddy, Balkwill, Peretz e Holden (2005) |
- | - | Realização de avaliação auditiva. | Young e Tattersall (2007) |
- | Dificuldade de comunicação. Os surdos se sentem menos confiantes para a aprendizagem musical. | Desenvolver a sensibilização musical pode propiciar uma mudança na crença de que a pessoa surda não tem a possibilidade de aprender música. | Wise e Sloboda (2008) |
- | - | Implantes cocleares para desenvolvimento da habilidade auditiva. Documentação do desenvolvimento auditivo das pessoas surdas para comparação com o desenvolvimento auditivo das pessoas com audição. | Spencer e Tomblin (2008) |
- | - | Realização de testes. | Altshuler, Deming, Vollenweider, Rainer e Tendler (1976) |
- | O surdo julga-se como incapaz de cantar. | Realização de entrevistas para definição de critérios para a educação musical. | Sloboda, Wise e Peretz (2005) |
- | - | Diagnóstico e intervenção precoces relativos ao estresse parental e ao apoio social para os pais e seus filhos, apesar da comprovação de que esse fator não influencia na desenvoltura de práticas musicais. | Meadow-Orlans (1994) |
A participação da família, a identificação do grau de perda auditiva e a capacidade cognitiva da pessoa surda interferem na linguagem. | Linguagem insatisfatória. Ausência da identificação do grau de perda auditiva. | Utilização de inventários concernentes ao desenvolvimento, testes de vocabulário por imagens, avaliação clínica da capacidade cognitiva e do envolvimento da família. | Sarant, Holt, Dowell, Rickards e Blamey (2009) |
Fonte: dados da pesquisa.
Conclusões
Após a análise dos dados encontrados, os resultados responderam ao objetivo da pesquisa, identificando publicações quando direcionadas especificamente às atividades vinculadas à educação musical de surdos, bem como àquelas predominantemente associadas às características, às barreiras e às práticas exitosas desse tipo de educação.
Por meio desta pesquisa, percebeu-se, ainda, que há um decréscimo longitudinal nas publicações acerca da educação musical de surdos, sugerindo, portanto, espaço para a decantação da temática no recinto acadêmico. De igual modo, avaliou-se que: (1) o principal periódico de referência na área é o American Annals of the Deaf; (2) o autor com maior recorrência de publicações a respeito da temática é McCay Vernon; (3) as principais publicações são oriundas de instituições de ensino estadunidenses; e (4) os artigos de referência acerca do assunto foram publicados em 2005, por Cuddy; Balkwill; Peretz; Holden e por Sloboda; Wise; Peretz. Também se observou que os estudos desenvolvidos assumiram como sujeitos de pesquisa os pais, as crianças e os adultos com surdez, em detrimento do papel da escola, do professor e da infraestrutura pedagógica necessária para a aprendizagem musical.
Quanto às características da educação musical de surdos, os principais manuscritos da área admitiram que a habilidade vocal da pessoa com surdez deve ser abordada separadamente da formação musical por meio do treino de atitudes de escuta. No que tangencia à formação musical do surdo, evidenciou-se o foco na imitação das melodias ao invés da produção de novas melodias e, ainda, a importância da participação da família no processo de aprendizagem. A identificação do grau de perda auditiva e da capacidade cognitiva também se revelou como necessidade para esse tipo de educação, de modo a contribuir para um melhor desenvolvimento da linguagem. As barreiras identificadas estão intimamente relacionadas com: a linguagem insatisfatória do surdo; a ausência da identificação do grau de perda auditiva; o déficit na conversão de notas pelo ouvido em relação aos alvos de fonação; a amusia, transtorno responsável por problemas de percepção musical melódica e com a ausência de atitudes de escuta e dificuldades de comunicação. Diante desse contexto, portanto, os surdos sentem-se menos confiantes para a aprendizagem musical e julgam-se incapazes de cantar.
Em contrapartida, as práticas exitosas versam a respeito: da utilização do autorrelato quanto a experiências musicais, habilidades, treinamento e interesse pela música por parte das pessoas surdas; da realização de avaliação auditiva; da sensibilização musical, fator propiciador de mudanças nas crenças de que a pessoa surda não tem possibilidade de aprender música; da utilização de implantes cocleares para desenvolvimento da habilidade auditiva; da documentação do desenvolvimento auditivo das pessoas surdas para comparação com o desenvolvimento auditivo das pessoas com audição, aferindo-se os déficits para o planejamento da educação musical; da realização de entrevistas para definição de critérios para a educação musical e inventários de desenvolvimento; da realização de testes de vocabulário por imagens; da avaliação clínica da capacidade cognitiva; e, por fim, do êxito da aprendizagem musical dos surdos que se potencializa quando há o envolvimento da família, especialmente dos pais.
Por meio deste trabalho, averiguou-se, também, que o foco das pesquisas migrou dos estudos a respeito do problema da surdez em si para: (1) o papel da educação musical na aquisição de competências básicas pelos surdos; (2) as interseções entre surdez hereditária e perda auditiva, com ênfase nas influências desses entrelaçamentos na aprendizagem musical, e (3) os estudos sobre diversidade e preconceito com a pessoa surda.
A exclusividade de uso da base de dados Web of Science pode ser apresentada nestas considerações em suas limitações de alcance, configurando-se como indicativo de possibilidades de ampliação futura para este estudo. Outra limitação identificada foi a de que nenhum dos estudos abordou a educação musical de surdos no contexto educacional de países em desenvolvimento. Assim, e ao estilo de sugestões para pesquisas futuras, também se inclui a realização de trabalhos empíricos e longitudinais para a aferição, na prática, da confirmação ou não das características, das barreiras e das ações exitosas registradas nos principais estudos da área abordados neste trabalho.