Introdução
Uma nova forma de perspetivar o envelhecimento
Não obstante o fato de na velhice o organismo humano se revelar mais vulnerável, o processo de envelhecimento tem vindo a desligar-se, cada vez mais, da sua conotação negativa, em consequência dos resultados de uma vasta panóplia de investigações (ABELES; GIFT; ORY, 1994; BALTES; BALTES, 1990; HAZARD, 1995; ROWE; KAHN, 1997a) que, desde há muito tempo, têm vindo a abordar a questão do envelhecimento de um ponto de vista positivo. Esta vertente de investigação, fortemente sustentada pela MacArthur Foundation Research Network On Successfull Ageing, nos Estados Unidos, nos anos 80, mas que, rapidamente, se estendeu a outros países, na sequência do estudo de Rowe e Kahn (1987), tem vindo a construir um novo paradigma na forma de entender e viver o envelhecimento, baseada não apenas nas perdas e declínios mas numa abordagem integral, valorizando as dimensões biológicas, psicológicas e sociais.
Com base no seu estudo, Rowe e Kahn (1987) propõem uma definição de “envelhecimento normal” que entendem como não patológico, mas distinguindo duas formas de envelhecer: “normal”, ou seja, relativa a indivíduos que revelam um perfil de envelhecimento não patológico mas de alto risco de doença; e “bem-sucedida”, relativa a indivíduos cujo perfil de envelhecimento revela baixo risco de doença e elevado potencial de funcionamento (ROWE; KAHN, 1987). Decorrida uma década, após o primeiro estudo, orientando a sua linha de investigação no sentido de compreender os critérios e determinantes do envelhecimento bem-sucedido, Rowe e Kahn (1997a, 1997b, p. 38) apresentam uma nova abordagem do conceito de envelhecimento bem-sucedido mais alargada que congrega a conjugação de três componentes: “(…) i) baixo risco de doença e de incapacidades relacionadas com a doença; ii) elevado funcionamento físico e mental; iii) envolvimento ativo com a vida”.
Não obstante pequenas derivações, ainda hoje, a comunidade científica bem como a opinião pública consideram que falar de envelhecimento bem-sucedido pressupõe responder positivamente a três critérios básicos: saúde, elevado nível de funcionamento físico e cognitivo e participação social (FONTAINE 2000; JACOB, 2007; PAÚL; FONSECA, 2005; RIBEIRO; PAÚL, 2011; ROWE; KAHN, 1997a, 1979b). Na concepção de envelhecimento bem-sucedido de Rowe e Kahn (1997a, 1997b) subjaz a ideia de que o processo de envelhecimento não é determinado apenas por fatores e/ou potencialidades de natureza genético-biológica. Este processo é, também, fortemente determinado por fatores socioculturais (BALTES, 1987), pelo envolvimento ativo com a vida e pela ação e intervenção humana que pode, ou não, ser favorável a um processo de envelhecimento bem-sucedido.
Esta concepção de entender o processo de envelhecimento é corroborada e robustecida pelas investigações pioneiras no âmbito da psicologia do desenvolvimento, de modo particular, com os estudos de Baltes (1987) e Baltes e Baltes (1990) que propõem uma caracterização do envelhecimento em três categorias: i) patológico - relativo a casos onde se verificam doenças, patologias e disfuncionalidades do desenvolvimento; ii) normal - relativo a alterações associadas e inevitáveis do envelhecimento; iii) ótimo - relativo a um envelhecimento caracterizado por baixo risco de doenças e incapacidades, elevado nível de funcionamento físico e social e envolvimento ativo com a vida (BALTES, 1987). O envelhecimento ótimo aparece conectado à nova concepção de que o potencial de desenvolvimento está presente ao longo de todas as fases da vida, constituindo-se numa dinâmica entre crescimento (ganhos) e declínio (perdas) (BALTES, 1987; BALTES; BALTES, 1990). Assim, como em qualquer outra fase da vida, na velhice há um equilíbrio entre ganhos e perdas, que será tanto mais favorável quanto maior for a opção humana por atividades e comportamentos potenciadores de um processo de envelhecimento bem-sucedido. Neste enquadramento, para que o desenvolvimento humano continue a verificar-se durante o processo de envelhecimento e velhice será necessário disponibilizar ações, programas, projetos educativos/culturais promotores de aprendizagens, conhecimentos e habilidades que funcionem como benefícios ou potencialidades de enfrentamento das novas condições de vida, ou seja, como ganhos passíveis de compensar as perdas inerentes ao processo do envelhecimento.
Os documentos europeus mais recentes, cujo princípio orientador se centra na capacitação ou empoderamento dos indivíduos para um envelhecimento bem-sucedido (EUROPEAN COMMISSION, 2012; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001, 2002, 2013; DIREÇÃO GERAL DE SAÚDE, 2015; FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 2014), seguem, em nossa opinião, essa mesma linha de pensamento, orientando para a ideia de que o envelhecimento bem-sucedido é, também, uma questão de educação.
A evolução dos conceitos “envelhecimento” e “educação” parecem ter convergido no sentido de uma aliança que, nos dias de hoje, se evidencia cada vez mais reforçada na literatura da área e nos documentos internacionais referindo a educação como fator importantíssimo na promoção do envelhecimento bem-sucedido.
A educação na e para a terceira idade
Nos nossos dias, ao conceito de educação está subjacente o conceito de Educação ao Longo da Vida, entendido no seu sentido genuíno de “life long education and learning”, surgido pela primeira vez na Declaração de Nairobi (UNESCO, 1976). A partir deste documento a educação é entendida como um processo permanente e comunitário, motor do desenvolvimento individual e coletivo. Essa concepção de educação pressupõe que o ser humano é um ser inconcluso, um ser a fazer-se e (re)fazer-se em função dos acontecimentos que vai experienciando e dos novos conhecimentos e aprendizagens que vai adquirindo ao longo do seu percurso de vida. Neste horizonte de compreensão, a concepção de Educação ao Longo da Vida pressupõe uma reestruturação do sistema educativo existente (predominantemente formal, centrado na escola e dirigido aos mais jovens) e a potencialização de todas as possibilidades de educação fora do tradicional sistema de educação escolar, onde os formandos, agentes ativos do seu processo formativo, experienciam simultaneamente o seu processo simbiótico de vida e de educação/formação, visando o pleno desenvolvimento da sua individualidade. Assim sendo, a educação enquanto um processo permanente e comunitário, a decorrer ao longo da vida de um indivíduo, pode e deve ser entendida como um “processo largo e multiforme que se confunde com o processo de vida de cada indivíduo” (CANÁRIO, 1999, p. 11), mediante o qual ele vai adquirindo habilidades e conhecimentos que lhe permitem uma confortável adequação às características próprias da faixa etária que vai experienciando, bem como uma efetiva participação na sociedade em que vive.
Em Portugal as práticas de educação de adultos que se desenvolvem no âmbito da educação formal, não obstante o papel relevante que assumem, representam apenas uma parte da enorme variedade de iniciativas de intervenção socioeducativa que, embora pouco reconhecidas socialmente, assumem um relevante papel na promoção da educação, na transformação social e na dinamização cultural (GUIMARÃES; SILVA; SANCHO, 2000; LIMA, 2007). Essas iniciativas de intervenção educativa não-formal, desenvolvendo-se em prol da transformação das condições de vida dos agentes sociais, partem e centram-se nos problemas existentes utilizando recursos humanos e materiais endógenos à comunidade, operacionalizando-se em projetos de desenvolvimento local ou de intervenção comunitária maioritariamente a cargo das várias organizações da sociedade civil (LIMA, 2007; MELO, 2006).
Enquanto um processo promotor de desenvolvimento humano integral e entendida como um direito na medida em que prepara para a melhor vivencia de cada uma das fases da vida, a educação na terceira idade, etapa em que as alterações das condições de vida são mais profundas, tem vindo a constituir-se um importante campo de ação no universo educacional. Mais do que a transformação dos tempos livres em oportunidades de educação/aprendizagem, a educação na terceira idade, através de atividades artísticas, físicas e culturais (CACHIONI, 2003; VENTOSA, 2009), promove informações e conhecimentos bem como o desenvolvimento de capacidades motoras, mentais e de interação social que capacitam a população idosa para uma melhor adequação às alterações características dessa fase da vida. Considerando a agnição de que a capacidade cognitiva continua ativa mesmo na idade mais avançada (LEMAIRE; BHERER, 2012), muitos autores têm evidenciado a educação como fator determinante de um envelhecimento bem-sucedido (SIMÕES, 2006; VENTOSA, 2006; 2009; CUENCA CABEZA, 2004; OSÓRIO, 2008; PINTO, 2008; NERI, 2004; CACHIONI; NERI, 2004; JACOB; FERNANDES, 2011).
Corroborando o pensamento destes entre outros autores, nessas duas primeiras décadas do século XXI, também vários organismos internacionais têm vindo a atribuir à educação, entendida como um processo permanente e comunitário, um papel fundamental, enquanto instrumento promotor de capacidades com potencial para fazer face aos desafios da sociedade atual. Estes documentos apresentam medidas que se pretende sejam efetivamente implementadas, para que se torne possível desenvolver o potencial de todos os seres humanos independentemente da idade, gênero, raça ou condição social, com particular incidência na população adulta e adulta idosa, sensibilizando e recomendando, como sinaliza Patrício (2018), programas de educação/aprendizagem ao longo da vida; de educação para uma vida saudável; de sensibilização/informação/formação promotores de um prolongamento de vida ativa e participativa; de promoção do relacionamento intergeracional; do envelhecimento ativo; do acesso às novas tecnologias, etc., visando a aquisição de conhecimentos e capacidades que possibilitem o prolongamento de uma vida saudável, ativa e participativa (UNITED NATIONS, 2002, 2008; COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2002; COMISSÃO EUROPEIA, 2018a, 2018b; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005, 2013; UNESCO, 2010).
A dinamização destes programas deve contemplar o desenvolvimento de todas as capacidades e habilidades humanas (literacia; ciência e tecnologia; digitais; linguísticas; pessoais e sociais; cívicas, empresariais e de expressão cultural e artística) no sentido de preparar para uma participação plena e efetiva na sociedade (COMISSÃO EUROPEIA, 2018b; PATRÍCIO, 2018).
Dentre essas novas habilidades, a literacia digital surge, nos nossos dias, como uma nova prioridade nos contextos e conteúdos dos processos de educação/aprendizagem e, em consequência, uma exigência que se impõe ao universo educativo. Um aspecto novo do direito à educação que deve abranger todas as idades, crianças, jovens, adultos e idosos (RODRÍGUEZ, 2008; PERÉZ TORNERO, 2013), no sentido de promover não só a integração no mercado de trabalho, mas também a coesão e participação social e cívica e o relacionamento intergeracional, evidenciando-se tão importante quanto a literacia e a numeracia. Quer em termos pessoais de comunicação e relação interpessoal, quer em termos profissionais, as tecnologias da informação e comunicação (TICs) desempenham, hoje, um papel predominante, fazendo parte do cotidiano individual, profissional e comunitário e, neste sentido, a aquisição de habilidades de literacia digital é considerada um fator determinante na adaptação e integração, de um modo especial dos adultos e idosos, na sociedade tecnológica digital dos nossos dias (RIBEIRO; MEDEIROS, 2016; CALVO et al., 2017; PEREIRA; NEVES, 2011; PÉREZ TORNERO, 2013; CARMO; ZAZZETA, 2016; EUROPEAN COMMISSION, 2012; EUROPEAN COMMISSION AGE, 2012).
Esse é, sem dúvida, o segmento populacional mais afetado pela revolução tecnológica digital, experienciando sérias dificuldades em lidar com os dispositivos tecnológicos e, consequentemente, impedida de usufruir dos seus benefícios, sentindo-se excluída deste processo evolutivo (PEREIRA e NEVES, 2011). Na sequência das recomendações internacionais, a par do que vem acontecendo nas sociedades desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, também em Portugal temos vindo a assistir à oferta de programas, projetos e iniciativas de promoção de habilidades digitais dirigidos a adultos e adultos idosos no sentido da infoinclusão desta faixa populacional e consequente usufruto dos benefícios dos avanços tecnológicos (GOMES, 2014).
A literacia digital em adultos idosos em situação de pré-reforma e reforma tem-se revelado um fator importante na promoção de um envelhecimento bem-sucedido, dado constituir uma nova forma de aceder à informação, a novas aprendizagens e conhecimentos, bem como facilitar a comunicação e relação com familiares e amigos, amenizando o isolamento e a solidão. A utilização das TICs, ao promover a participação ativa dos idosos na sociedade da informação, contribui para um aumento da autoestima, do sentimento de participação e pertencimento, resultando num aumento de autonomia, de integração social e satisfação, bem-estar e qualidade de vida (PALMA, 2013; PEREIRA; NEVES, 2011).
Desenho e metodologia
No âmbito do enquadramento das orientações teóricas enunciadas, foi desenvolvido um projeto de investigação-intervenção cuja finalidade se centrou na promoção do envelhecimento bem-sucedido centrado na estimulação físico-motora e cognitiva e na (re)ativação do relacionamento interpessoal com recurso às tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Caracterização do contexto
O projeto de investigação-intervenção, aqui apresentado, concretizou-se numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sediada no norte de Portugal, que promove, por meio de valências sociais em educação de adultos e gerontologia, o processo de educação/formação dos adultos idosos, contribuindo para a manutenção da sua autonomia e qualidade de vida.
Participantes
O projeto abrangeu vinte e cinco (25) participantes, dezoito (18) do sexo feminino e sete (7) do sexo masculino, com idades compreendidas entre os cinquenta e seis (56) e os setenta e cinco (75) anos de idade.
A faixa etária do maior número de participantes, treze (13), situava-se entre os sessenta (60) e os setenta (70) anos. Treze (13) participantes eram casados; sete (7) viúvos; dois (2) solteiros, dois (2) divorciados e um não respondeu a essa questão.
Quanto às habilitações acadêmicas, quatro (4) participantes frequentaram, por períodos mínimos, a escola, não tendo obtido nenhum grau acadêmico; um (1) obteve o 3º ano; doze (12) obtiveram o 4º ano; cinco (5) obtiveram o 6º ano; e três (3) obtiveram o 9º ano. Relativamente à profissão, os participantes desempenharam atividades profissionais pouco qualificadas tais como: construção civil; costura; feirante; doméstica; motorista profissional etc.
Métodos e instrumentos de recolha de dados
O paradigma de investigação que orientou este projeto de índole educativa foi o paradigma qualitativo interpretativo/hermenêutico, dado que este paradigma procura alcançar a compreensão dos fenômenos sociais e dos seus agentes. A sua linha de ação centra-se na descrição e interpretação das situações do cotidiano dos indivíduos, de modo a compreender as suas concepções e vivências, bem como o significado que lhes atribuem, visando a (trans)formação individual/coletiva, tornando-se os agentes sociais os protagonistas da sua própria mudança (SERRANO, 2004; BOGDAN; BIKLEN, 2013).
Os métodos subjacentes ao paradigma qualitativo, nomeadamente o etnográfico e a investigação-ação participativa constituíram os métodos orientadores do processo de investigação/intervenção. O método etnográfico, pressupondo uma observação e descrição pormenorizadas de elementos como a cultura, formas de vida e estrutura social, ajudou a compreender os comportamentos individuais/coletivos dos participantes e do contexto em que se inseriam (SERRANO, 2004). A investigação-ação participativa, enquanto uma metodologia que supõe simultaneamente a investigação e a ação e instiga a uma participação dos agentes sociais na resolução dos seus problemas através da consciencialização dos mesmos e da aquisição de conhecimentos e técnicas que possibilitem a transformação das situações e contextos (SERRANO, 2004; ANDER-EGG, 1990; BOGDAN; BIKLEN, 2013), foram entendidas como metodologias adequadas a um projeto de intervenção socioeducativa que se pretendia transformador de condições de vida.
Para recolha de dados fez-se uso de várias técnicas de investigação qualitativa como: observação direta e participante do tipo etnológico; inquérito por questionário; pesquisa e análise documental; conversas informais; diário de bordo e registo fotográfico.
As atividades foram desenvolvidas por meio de técnicas de intervenção, nomeadamente técnicas de animação sociocultural, dado o seu caráter ativo e participativo. Atendendo à classificação de Ander-Egg (2000), foram utilizadas técnicas grupais, técnicas de informação/comunicação e técnicas para a realização de atividades lúdicas.
Relativamente ao processo de tratamento dos dados, a análise estatística descritiva simples ajudou a compreender as caraterísticas dos indivíduos e fenômenos sociais, objeto da nossa investigação/intervenção através do estudo de particularidades e procedimentos/comportamentos regulares (PARDAL; LOPES, 2011) tais como a idade, o sexo, habilitações académicas e profissão. A análise de conteúdo foi importante para analisar os dados qualitativos provenientes das questões abertas do inquérito por questionário, permitindo uma análise sistematizada e organizada da informação seguindo as orientações de análise de conteúdo de Bardin (2014).
Procedimentos
O trabalho de investigação/intervenção foi consolidado em três fases, incluindo cada uma delas diversos procedimentos:
Primeira fase - correspondeu ao período de inserção no contexto, abrangendo a realização da avaliação de diagnóstico, fase que durou dois meses e em que se procurou identificar os interesses, motivações, necessidades e potencialidades dos participantes com vista à concepção de um programa de intervenção potenciador de alterações positivas nas condições de vida dos participantes. Nesta fase foi, também, apresentado a todos os participantes o enquadramento institucional e a finalidade da intervenção, bem como as questões éticas inerentes ao mesmo, nomeadamente, o caráter voluntário da participação no estudo, a salvaguarda da identidade, a confidencialidade dos dados recolhidos e a divulgação (anônima) dos resultados.
Segunda fase - correspondeu ao período de planejamento e implementação da intervenção e durou aproximadamente dez meses. Após identificados os interesses, motivações, necessidades e potencialidades dos participantes, através da observação, das conversas informais e da análise dos dados do inquérito por questionário, que evidenciaram uma motivação e interesse particular pela informática, pela aquisição de informação/formação sobre vida saudável e temáticas atuais, procedeu-se à planificação da ação e das estratégias a desenvolver, de modo a alcançar a finalidade proposta: a promoção do desenvolvimento integral dos participantes, que se concretizou na dinamização de três oficinas: Oficina de Informática; Oficina Pedagógica e Vida Saudável; e Oficina Temática.
Terceira fase - Avaliação – Trata-se de um procedimento que procura compreender e qualificar os resultados (erros e sucessos) da atividade investigação/intervenção, sendo transversal a todo o processo (SERRANO, 2008), e decorreu ao longo de doze meses.
Na fase inicial, a avaliação concretizou-se na identificação das necessidades, interesses e potencialidades, através de observação, das conversas informais e de um inquérito por questionário cujos dados permitiram conhecer os potenciais participantes, bem como compreender os seus interesses e motivações.
Num segundo momento realizou-se, através de inquérito por questionário, conversas informais e observação participante, a avaliação contínua. Este tipo de avaliação foi-se concretizando no decorrer da ação, procurando aferir se os processos e o caminho que se estava a seguir conduziam aos objetivos traçados (SERRANO, 2008), permitindo detectar problemas, possibilitando um mecanismo de autocorreção.
Por último, através de um inquérito por questionário, procedeu-se à avaliação final, procurando recolher dados que permitissem verificar se os objetivos foram alcançados com sucesso e quais os potenciais aspectos a melhorar.
Apresentação e discussão dos resultados
Nesta parte do trabalho apresentam-se e discutem-se os resultados da avaliação final, obtidos a partir do inquérito por questionário, constituído por questões abertas e fechadas realizado aos participantes. Importa referir que se optou por agregar a informação tendo em conta as três categorias principais que emergiram do discurso dos participantes no que concerne ao impacto do projeto: “Aumento de Bem-estar”; “Aprendizagens” “Relacionamento Interpessoal/Convívio”.
Na percepção dos participantes, o “Aumento de Bem-Estar” constituiu um dos maiores benefícios do projeto, dado ter proporcionado maior qualidade e satisfação com a vida como evidenciam os testemunhos seguintes: “Estar em boa companhia ajuda ao nosso bem-estar e a esquecer as nossas rotinas do dia a dia, pois para mim é melhor do que um calmante” (IQ11); “Sair de casa que não fazia muito, agora estou melhor “(IQ19); “Esta rotina ajudou-me a ficar mais alegre e com mais amizades, porque sou uma pessoa que gosta de conviver e sair de casa” (IQ1); “Fez-me superar alguns problemas de saúde” (IQ3); “Sair de casa, conviver mais, procurar sobre os assuntos aqui retratados”(IQ5); “A oficina contribuiu para que eu saísse de casa, para me sentir mais ativa” (IQ6).
Os testemunhos citados permitem inferir que a intervenção educativa não só contribuiu para atenuar o isolamento e inatividade da habitual rotina cotidiana, muito presentes nessa fase da vida, como promoveu o convívio e o relacionamento interpessoal, bem como uma atitude mais ativa e mais alegre que se traduz na percepção de um maior bem-estar e satisfação com a vida, indo ao encontro do pensamento de autores como (ANTUNES, 2016; ANTUNES; ABREU, 2017; SIMÕES, 2006; VENTOSA, 2006, 2009; CUENCA CABEZA, 2004; OSÓRIO, 2008; PINTO, 2008; NERI, 2004; CACHIONI; NERI, 2004; JACOB; FERNANDES, 2011), que entendem a intervenção educativa como fator determinante de um envelhecimento bem-sucedido.
A análise dos dados, considerando a percepção dos participantes, evidencia, também, as “Aprendizagens” como um dos pontos fortes do projeto. Todos os participantes inquiridos (N=17) referem ter adquirido novas aprendizagens indo ao encontro do pensamento dos defensores da ideia de que o potencial de desenvolvimento humano permanece ao longo da vida (LEMAIRE; BHERER; 2012; BALTES, 1987; BALTES; BALTES, 1990).
Quando se procurou apurar que tipo de aprendizagens os participantes tinham adquirido, emergiram duas subcategorias “conhecimentos gerais” e “conhecimentos de informática”.
Os resultados parecem ir ao encontro do pensamento de autores como (SIMÕES, 2006; VENTOSA, 2006, 2009; CUENCA CABEZA, 2004; OSÓRIO, 2008; PINTO, 2008; NERI, 2004; CACHIONI; NERI, 2004; JACOB; FERNANDES, 2011), que defendem que mesmo na fase mais madura da vida se pode continuar a aprender como atestam as opiniões seguintes: “Aprendi muitas coisas que não sabia nem tinha ouvido falar, fiquei com a mente mais aberta, (…)” (IQ2); “Coisas novas que nem sabia existir” (IQ3); “Recordei muita coisa e aprendi outras novas (…)” (IQ1); “(…) foi bastante importante lembrar a História e outros temas” (IQ6); “Aprendi a ser mais independente, dar mais atenção às coisas, pôr as minhas ideias em prática” (IQ5); “ (…) aprender coisas que nunca pensei fazer na vida, é muito bom” (IQ17).
No enquadramento do pensamento de autores que aludem às novas necessidades educativas da sociedade tecnológica atual, nomeadamente no que diz respeito às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e, de um modo muito particular, nos adultos e adultos idosos (RIBEIRO; MEDEIROS, 2016; CALVO et al., 2017; PÉREZ TORNERO, 2013; CARMO; ZAZZETA, 2016; GOMES, 2014), a presente investigação contribuiu para a capacitação de habilidades digitais e infoinclusão de um grupo de pessoas deste segmento populacional, bem como apresentou resultados bastante positivos relativamente à aquisição de habilidades digitais na idade madura, tal como revelam os testemunhos que seguem: “Aprendi um pouco de tudo de informática e outras coisas” (IQ8); “Valeu a pena estar na oficina, aprendi e desenvolvi algum conhecimento sobre informática” (IQ12); “Valorizei as minhas competências informáticas” (IQ13); “Gostei um pouco de todas as aulas que frequentei e que me ajudaram a ter mais conhecimento dos computadores” (IQ16).
Corroborando a perspetiva dos autores acima referidos, Palma (2013) e Pereira e Neves (2011) fazem notar que a aquisição de habilidades digitais promovendo uma participação mais ativa dos idosos na sociedade contribui para um aumento da autoestima, integração social e satisfação com a vida, fato que este estudo também parece corroborar dado o aumento de bem-estar ter sido assinalado como o maior benefício do projeto.
Na percepção dos participantes, outro ponto forte do projeto foi o fato de ter promovido o “Relacionamento Interpessoal/Convívio”, aspecto que, de uma forma ou de outra, aparece evidenciado no testemunho de todos os participantes, tendo sido sistematizado em duas subcategorias: “sair de casa e da rotina” e “convívio”, como atestam as afirmações seguintes: “Além do ensinamento que me deu, contribuiu para que pudesse sair mais de casa e divertir-me” (IQ12); “Foi muito bom ter aparecido esta atividade, ajudou-me a ter horários e sair de casa. Foi muito bom” (IQ13); “Ocupou-me o tempo que precisava de preencher, ajudando a libertar o stress e a sair fora da rotina diária” (IQ16). “Contribuiu para aprender muito e conviver com todos os amigos” (IQ8); “Conheci pessoas novas, o convívio foi bom” (IQ3); “Conhecer vizinhos e conviver com outras pessoas” (IQ5); “Foi muita boa a convivência e o companheirismo” (IQ7); “Mudei muito, não saía de casa, comecei a sair mais, a conviver mais com outras pessoas” (IQ2).
Estes testemunhos, ao evidenciarem que um dos benefícios mais significativos da intervenção foi ter proporcionado o convívio e o aumento da rede de relações interpessoais, a criação de novos significados e objetivos de vida, reativar uma participação social ativa e participativa e amenizar o isolamento e passividade da rotina doméstica, reforçam de algum modo o pensamento de autores como (RIBEIRO; MEDEIROS, 2016; CALVO et al., 2017; PEREIRA; NEVES, 2011; PÉREZ TORNERO, 2013; CARMO; ZAZZETA, 2016), que entendem a aquisição de habilidades de literacia digital um fator importante na adaptação e integração social, de um modo especial dos adultos e idosos.
Considerações finais
Os resultados da presente intervenção educativa, embora não permitindo generalizações, dado o reduzido número da amostra e o fato de representarem dados de contexto, espaço e tempo determinados e limitados, parecem ir ao encontro da literatura ao evidenciarem a educação enquanto um instrumento poderoso para um envelhecimento bem-sucedido (SIMÕES, 2006; VENTOSA, 2006; OSÓRIO, 2008; PINTO, 2008; JACOB; FERNANDES, 2011, ANTUNES, 2016; ANTUNES; ABREU, 2017).
Neste enquadramento, em primeira instância, importa mencionar que um aspecto referido por outros autores, que também se confirma neste estudo, é o fato de a intervenção educativa promover um aumento de bem-estar nos participantes (NERI, 2006; YASSUDA; SILVA, 2010; INOUYE et al., 2018). À semelhança dos autores acima referidos, também a intervenção educativa, aqui descrita, na medida em que promoveu oportunidades de novas aprendizagens; melhorou o funcionamento físico e mental; promoveu o convívio e o fortalecimento das redes de relações interpessoais e de afeto; possibilitou a reativação do sentimento de pertencimento e participação na comunidade, favorecendo a ressignificação das experiências e objetivos de vida, contribuiu para um aumento de bem-estar e maior satisfação com a vida.
Em segunda instância, os resultados permitem evidenciar que os seres humanos não só continuam a aprender mesmo na fase mais avançada da vida, como valorizam muito positivamente a participação em atividades de educação/aprendizagem. Estes resultados reforçam o movimento, já bastante presente nos dias de hoje, de estímulo à promoção e desenvolvimento de atividades educativas na terceira idade, fazendo jus à atual concepção de educação ao longo da vida proposta na literatura e em documentos nacionais e internacionais.
Em terceira instância, os resultados evidenciam, também, que a intervenção educativa favoreceu a promoção do convívio e o aumento da interação social, constituindo-se um importante fator de amenização das situações e sentimentos de isolamento e solidão, muito frequentes neste segmento da população. Neste sentido, e entendida como uma entre outras dinâmicas, a intervenção educativa contribuiu para amenizar dois problemas considerados como fatores de risco para a saúde da população idosa: o isolamento e solidão; tal como assinalam (BOSWORTH; SHAIE, 1997; FONTAINE, 2000; KRAUSE, 2001; PAÚL; FONSECA, 2005).
Em síntese, os resultados positivos do estudo corroboram a importância da intervenção educativa não formal junto à população idosa, enquanto instrumento promotor de conhecimentos e habilidades que capacitam para uma melhor adequação e adaptação ao processo de envelhecimento e velhice, constituindo mais uma experiência positiva que justifica a necessidade e urgência de reestruturação do sistema educativo, de forma a tornar-se capaz de promover a democratização da educação na e para a terceira idade, fator fundamental na promoção do envelhecimento bem-sucedido.
Fonte: Dados da pesquisa.
Fonte: Dados da pesquisa.
* O Jogo da Glória é um jogo de tabuleiro que pode realizar-se tendo por base qualquer tema. Neste caso o tema é a alimentação saudável. O jogador lança um dado e tem que responder à questão com o número indicado no dado, se acertar avança nas casas do tabuleiro para chegar à meta, se não acertar, recua o mesmo número de casas.
Fonte: Dados da pesquisa.