Introdução
As últimas duas décadas foram caracterizadas por profundas mudanças no sistema educativo não superior. Esta mudança foi animada por diversos fatores. A orientação normativa reguladora tem sido inspirada em contexto de crise financeira dos Estados e na redefinição do papel do Estado nas sociedades democráticas. O Estado passou de responsável a promotor e regulador do desenvolvimento ( CABRAL NETO; CASTRO, 2011 ; GOULART; PINTO; CAMARGO, 2017), mudança inspirada no neoliberalismo baseado na globalização e na privatização ( ANTUNES; PERONI, 2017 ; ROBERTSON, 2013 ), bem como na perspectiva mercadocêntrica (NEWMAN; CLARKE, 2012; ROBERTSON; VERGER, 2012 ). Esta mudança implicou o reforço de regulação ( HYPOLITO, 2010 ) e a melhoria da administração pública na eficácia e na eficiência (TRIPODI; FIGUEIREDO; SOUSA, 2016). As transformações no sistema educativo são significativas na direção e gestão dos sistemas de ensino e das escolas. Esta reflexão procura analisar a investigação científica que sobre esta transformação foi produzida.
Este estudo tem natureza exploratória. Esta é particularmente adequada para realizar abordagem a objetos insuficientemente estudados e orienta a pesquisa para “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias” ( GIL, 1999 , p. 43). Assim, este estudo é orientado para responder ao seguinte problema: qual a abordagem científica que a investigação tem adotado para analisar o impacto da nova gestão pública no ensino pós-infantil e não superior? Os problemas de investigação qualitativa, usualmente, emergem das preocupações teóricas e metodológicas dos investigadores ( SILVERMAN, 2001 ). Na verdade, o problema de investigação aqui adotado emergiu de impressão empírica (a literatura científica editada em português é tendencialmente teórica) e de uma necessidade teórica (conhecer as tendências da literatura sobre o tema da governança no subsistema de ensino considerado). O problema formulado tem implicações teóricas (caracteriza as teorias dominantes, seu potencial e fragilidade) e metodológicas (caracteriza as estratégias de investigação). Esta investigação adota os seguintes objetivos: i) caracterizar os sistemas teóricos e metodológicos usados na investigação da governança, ii) caracterizar as tendências da investigação no subsistema de ensino considerado e iii) propor explicação sociológica das características identificadas.
Abordagem teórica
A análise das fontes é baseada nas abordagens teóricas e nas teorias. As abordagens teóricas são orientações gerais para o objeto sociológico ( GIDDENS, 1989 ), enquanto as teorias são explicações dos objetos sociológicos e são influenciadas pelos resultados de investigação ( GIDDENS, 1989 ). Quanto à explicação do objeto, a abordagem teórica pode ser ‘idiográfica’, quando foca fatos de um só caso e explica muito acerca de pouco, ou ‘nomotética’, quando foca fatos em muitos casos e explica pouco acerca de muito ( BERNARD, 2000 ). Quanto à relação teoria-empiria, a abordagem pode ser ‘dedutiva’, quando é desenvolvida a partir da teoria para melhorar o conhecimento científico através de dedução e ‘indutiva’, quando é desenvolvida a partir de observações empíricas para gerar teoria através de indução ( BRYMAN, 2004 ). Quanto à natureza do pensamento, a abordagem pode ser ‘holística’, quando foca as relações entre as partes, incluindo padrões e sequências relacionais, influência mútua e dinâmica, autonomia e interdependência; ‘bipolar’, quando foca interdependências entre oposições polares, evitando reducionismos; ‘determinista’, quando foca relações causais lineares ou mesmo leis ( HERON, 1998 ). Estes tipos de abordagens não são substitutivos, pois exploram diferentes critérios. Neste estudo: i) identificamos as abordagens teóricas adotadas para estudar a governança escolar; e ii) caracterizamos a coerência entre estas e os métodos de investigação da governança escolar.
As teorias explicam os resultados empíricos dos fenômenos estudados. A micro-teoria foca o comportamento interativo das pessoas, envolvidas em encontros diários, enquanto a macro-teoria foca o comportamento de massas de pessoas que compõem os sistemas sociais ( MAY, 2001 ); a perspectiva micro tende a ser associada a contextos da interação, enquanto a perspectiva macro tende a ser associada à sociedade ou a instituições sociais ( SIBEON, 2004 ). A relação entre estes dois níveis pode ser articulada pela meso-teoria, a qual foca as organizações. Ao adotar a organização como uma unidade de análise, os estudos podem abordar os indivíduos, os processos organizacionais e as interconexões ambientais, incorporando os níveis micro, meso e macro da explicação ( VAUGHAN, 2002 ); por isso, a análise do nível meso permite melhorar a coerência dos sistemas teóricos que analisam a relação entre os níveis micro e macro (HOUSE; ROUSSEAU; THOMAS-HUNT, 1995). Consequentemente, quanto aos níveis de análise, a abordagem pode ser ‘macro’, quando foca os modelos de governança e as políticas educativas e gestionárias; ‘meso’, quando foca a codificação das orientações globais nas escolas e os processos de participação na governança; e ‘micro’, quando foca as interações entre participantes na educação. Neste estudo: i) identificamos os níveis de análise focados; e ii) caracterizamos as relações entre si estabelecidas.
A teoria realiza diferentes funções na pesquisa científica. Concretamente, explica generalizações empíricas conhecidas e prediz generalizações empíricas ainda desconhecidas ( WALLACE, 1971 ; BREWER; HUNTER, 1989 ); estas funções – explicação e predição - materializam paradigmas alternativos para construir teorias ( BERNARD, 2000 ). A teoria determina a importância dos fatos e restringe aqueles a serem estudados, conceitualiza-os e classifica-os com base em sistema de conceitos, resume o conhecimento científico do objeto empírico, identifica lacunas no conhecimento científico e prevê fatos ( GOODE; HATT, 1973 ). Assim, a teoria organiza as pesquisas científicas sobre a governança escolar segundo os seus fins. Neste estudo: i) identificamos as teorias convocadas para analisar a governança; e ii) caracterizaremos os seus fins analíticos.
Os conceitos são os elementos básicos da teoria. Conceitos são termos abstratos usados para criar sentido sobre as experiências sociais ( BAKER, 1998 ) e que encapsulam um modo de pensar acerca de um fenômeno social ( MATHEWS; ROSS, 2010 ) para o qual a pesquisa é dirigida ( BRYMAN, 2004 ); são construções lógicas criadas com base em impressões, perceções ou mesmo vivências ( GOODE; HATT, 1973 ) ou derivados de modelos teóricos que, em conjunto, formam teorias que definem e explicam um fenômeno ( SILVERMAN, 2000 ), viabilizam e limitam a teorização ( KAPLAN, 1964 ); o seu poder de compreensão é tanto maior quando mais suportam a construção de teoria que explica os resultados empíricos ( BERNARD, 2000 ). Em suma, a teoria é conjunto de conceitos e de relações proposicionais entre conceitos que constituem um modelo da realidade ( MAXWELL, 2005 ). Na verdade, eles são propriedades das relações sociais da produção de conhecimento e o seu poder assenta na sua capacidade para persuadir e influenciar ou para vencer a lógica e evidência de outros conceitos concorrentes ( ALFORD; FRIEDLAND, 1992 ). A análise dos conceitos usados na construção teórica permite, assim, identificar as dimensões da governança abordadas. Neste estudo: i) identificamos os conceitos convocados; e ii) caracterizamos as relações estabelecidas entre eles.
Método
Os métodos medeiam a relação dos princípios da teoria e das crenças dos investigadores com o objeto empírico estudado. A teoria é interpretação e a metodologia é ação dos sociólogos no seu ambiente ( DENZIN, 1989 ), enquanto o método indica conjuntos de técnicas específicas usadas para estudar dado fenômeno ( SILVERMAN, 2000 , 2001 ). Nesta pesquisa, a metodologia é qualitativa e o método é a análise de conteúdo. Esta é aplicável a qualquer nível de investigação empírica, sendo portadora da vantagem de ser ‘não obstrutiva’, ou seja, não gerar enviesamentos na produção de dados ( VALA, 1986 ). A investigação realizada inspira-se nas técnicas da análise da enunciação e da análise proposicional do discurso, como as apresenta Bardin (2009) , e é servida pela inferenciação, enquanto combinação de elementos textuais e/ou elementos contextuais para analisar o que é implícito e explícito no texto e, deste modo, criar um novo significado ( SHIRO, 1994 ).
A confiabilidade e a validade são requisitos da qualidade da pesquisa qualitativa. A confiabilidade é requisito da pesquisa qualitativa e consiste na consistência da codificação dos dados por diferentes pesquisadores ( HAMMERSLEY, 1992 ; BAUER, 2000 ) e os textos são, em princípio, dotados de mais elevada confiabilidade do que as observações ( SILVERMAN, 2001 ). A validade é requisito da pesquisa qualitativa e consiste no controle preventivo de fatores mentais que afetam a produção ou/e a análise dos dados ( SILVERMAN, 2001 ), o grau em que os resultados representam o texto ou o seu contexto ( BAUER, 2000 ); a validade interna e externa constitui requisito complexo, cuja conformidade pode ser afetada por diversos fatores ( ONWUEGBUZIE; LEECH, 2007 ). O reforço da validade interna e externa na pesquisa qualitativa pode ser assegurado, entre outras, pelas técnicas de triangulação ( ONWUEGBUZIE; LEECH, 2007 ) e pela definição das categorias de análise, a qual deve ser suficientemente precisa para permitir a diferentes codificadores chegarem ao mesmo resultado ( SILVERMAN, 2001 ). Tanto a validade como a confiabilidade dependem das habilidades metodológicas, da sensibilidade e da integridade ética do investigador ( PATTON, 1990 ). Assim, confiabilidade e validade são requisitos fundamentais e dependem muito do processo de pesquisa.
Neste estudo, asseguramos estes requisitos da qualidade da pesquisa pelos instrumentos de análise adotados, pela definição objetiva das categorias de análise e pela triangulação de codificadores e da codificação dos dados. Os instrumentos de análise categorial foram construídos por dedução, baseada na análise da teoria sobre investigação. Os artigos que compõem a amostra foram totalmente lidos, sinalizados os conteúdos que correspondiam a categorias de análise e registados na folha de conteúdo correspondente de planilha ‘Excel’. A análise dos textos e categorização dos dados foi processada pelos autores em separado, na primeira fase, e cotejados e discutidos os resultados, quando diferentes, na segunda fase; este processo foi repetido um mês depois. Sempre que houve diferenças de resultados, estas eram analisados em conjunto para melhorar a objetividade da categorização. Assim, realizamos triangulação de codificadores e de processos de codificação.
Nesta pesquisa, caracterizamos a investigação científica publicada sobre a governança do sistema de ensino e propomos explicação de natureza teórica sobre os resultados empíricos obtidos. As fontes são secundárias e consistem em revistas científicas publicadas em português, da área da educação, classificadas como ‘tipo A1’ pela CAPES (entidade brasileira que gere os recursos financeiros públicos diretamente aplicados à valorização da investigação). Assim, trata-se de meios de divulgação científica muito valorizados naquela comunidade científica, pois serão representativas da melhor investigação editada em português.
Nestas revistas, foram procurados artigos que, no título e nas palavras-chave, incorporassem os conceitos ‘governança’, ‘gerencialismo’ ou/e ‘managerialismo’. A constituição do ‘corpus’ da pesquisa é fase de pré-análise ( BARDIN, 2009 ); este é constituído por artigos que foram editados em 9 revistas ‘tipo A1’. Ao todo, foram identificados 35 artigos; este universo é composto de 9 artigos de autores não lusófonos e 26 artigos de autores lusófonos. A amostra é composta de 18 artigos, correspondendo a 51% do universo; é equitativamente constituída por 9 artigos de autores lusófonos e não lusófonos; a amostragem dos textos não lusófonos é acidental e a amostragem dos textos lusófonos é teórica; a primeira resulta da identificação dos textos existentes nas revistas identificadas; a amostragem teórica resulta, quanto à dimensão, do critério da igualdade para assegurar maior homogeneidade à base da comparação teórica e, quanto à escolha dos artigos, resulta da necessidade de segmentar dados de acordo com os sistemas de categorias adotados na categorização por dedução.
Resultados
Recorremos à formação de sistemas de categorias para ajudar na construção de sentido mais objetiva. As categorias são conceitos que emergem dos dados ( STRAUSS; CORBIN, 1998 ). Por isso, usamo-las para objetivar e tipificar a realidade expressa nos dados.
A abordagem teórica e metodológica é diversa (ver tabela 1 - Teoria e método). Quanto à natureza, todos os estudos têm orientação teórica e cerca de metade (8 de 18) tem base empírica formal. Quanto à orientação, manifestamente, nenhum tem orientação confirmatória e apenas um tem orientação exploratória, a qual não é empírica. Quanto à estratégia de investigação, não são idiográficos nem nomotéticos, ou seja, não pretendem analisar intensa e globalmente um caso nem analisar extensa e parcialmente vários casos; não há estudos de múltiplos casos assumidos e, quando eles são tácitos, a análise extensiva não é seu objetivo; existem apenas dois estudos de caso, os quais correspondem a unidades geo-administrativas - Estados do Brasil. Quanto ao método de pesquisa empírica, pequena parte recorre ao método quantitativo (2 de 8) e os restantes recorrem ao método qualitativo; no caso dos estudos quantitativos, estes apenas recorrem a análise estatística descritiva; no caso dos estudos qualitativos, não são especificadas as técnicas de análise de conteúdo usadas. Quanto às fontes, tendencialmente, são secundárias, concretamente relatórios de instituições, documentos legais, relatórios estatísticos nacionais e relatórios do Banco Mundial; as fontes primárias são consultadas por meio de entrevista e de questionário. Assim, a produção científica tende a ser holística, embora de intensidade variável; a bipolaridade de leituras teóricas, muitas vezes latentemente presente, não constitui objeto ou instrumento analítico; a abordagem determinista é totalmente ausente pois, embora haja alguns estudos quantitativos, estes não testam relações entre variáveis; os artigos que objetivam a empiria recorrem sobretudo a fontes secundárias. A diferença relevante entre os grupos de investigação lusófonos e não lusófonos consiste na existência de mais estudos empíricos no grupo de autores lusófonos.
Artigos | Grupo | Natureza | Orientação | Estratégia | Método | Fontes | |||||
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Teórica | Empírica | Exploratória | Confirmatória | Um caso | Vários casos | Quantitativo | Qualitativo | Primárias | Secundárias | ||
Amos (2010) | NL | x | |||||||||
Antunes; Peroni (2017) | L | x | x | x | x | ||||||
Bello; Penna (2017) | L | x | x | x | x | ||||||
Connell (2010) | NL | x | |||||||||
Dale (2010) | NL | x | x | ||||||||
Faria (2005) | L | x | |||||||||
Goulart; Pinto; Camargo (2017) | L | x | x | x | x | ||||||
Grek (2016) | NL | x | x | x | x | x | |||||
Grimaldi; Serpieri; Taglietti (2015) | NL | x | |||||||||
Hypolito (2010) | L | x | |||||||||
Lima (2014) | L | x | x | ||||||||
Cabral Neto; Castro (2011) | L | x | x | x | x | x | x | ||||
Newman; Clarke (2012) | NL | x | |||||||||
Ramos (2016) | L | x | x | x | x | x | |||||
Robertson (2013) | NL | x | |||||||||
Robertson; Dale ( 2017 ) | NL | x | x | x | x | ||||||
Robertson; Verger (2012) | NL | x | |||||||||
Tripodi; Sousa (2016) | L | x | x | x | x | ||||||
Total | 18 | 18 | 8 | 1 | 1 | 2 | 6 | 3 | 8 |
Fonte: Elaboração própria.
Legenda: L (lusófona); NL (não lusófona).
Nota: As células não sinalizadas (x) não possuem os atributos empíricos.
Os sistemas teóricos oferecem os instrumentos de análise (modelos, teorias e conceitos) dos objetos empíricos abordados (ver tabela 2 - Sistema teórico). A literatura revista apresenta raridade de modelos teóricos e de teorias e abundância de conceitos. Por isso, restringimos a análise aos conceitos. Para os fins desta análise, adotamos este sistema de categorias conceituais: ‘reprodutora’, quando aplica conceitos existentes sem o interrogar o seu valor hermenêutico; ‘interrogadora’, quando define os conceitos e questiona o seu valor hermenêutico; ‘original’, quando a definição dos conceitos é alternativa ou pioneira. Quanto à função dos conceitos e teorias, adotamos este sistema de categorias: ‘representação’, a qual consiste na aplicação dos instrumentos teóricos à realidade empírica para a identificar e nomear e/ou para caracterizar o seu estado e tendências; ‘operacionalização’, a qual consiste na definição de constructos teóricos e na sua objetivação para observação; ‘problematização’, a qual consiste na interrogação da teoria e/ou da empiria para analisar fragilidades teóricas e/ou características empíricas. Quando existem funções acumuladas, optamos pelo registo da que é teoricamente mais complexa; consideramos que a complexidade dos conceitos é, quanto aos fins e quanto às funções, progressiva e crescente, ou seja, a sequência da sua apresentação indicia a sua complexidade crescente.
Composição do sistema teórico | Definição dos conceitos | Função dos conceitos | |||||||
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Artigos | Grupo | Conceitos | Nível | Reprodutora | Interrogadora | Original | Representação | Operacionalização | Problematização |
Amos (2010) | NL | ||||||||
Antunes; Peroni (2017) | L | ||||||||
Bello; Penna (2017) | L | ||||||||
Connell (2010) | NL | ||||||||
Dale (2010) | NL | ||||||||
x | |||||||||
x | |||||||||
x | |||||||||
x | |||||||||
x | |||||||||
x | |||||||||
Faria (2005) | L | x | |||||||
Goulart; Pinto; Camargo (2017) | L | ||||||||
Grek (2016) | NL | ||||||||
Grimaldi; Serpieri; Taglietti (2015) | NL | ||||||||
Hypolito (2010) | L | ||||||||
Lima (2014) | L | ||||||||
Cabral Neto; Castro (2011) | L | ||||||||
Newman; Clarke (2012) | NL | ||||||||
Ramos (2016) | L | ||||||||
Robertson (2013) | NL | ||||||||
Robertson; Dale (2017) | NL | ||||||||
Robertson; Verger (2012) | NL | ||||||||
Tripodi; Sousa (2016) | L | ||||||||
Fonte: Elaboração própria.
Legenda: L (lusófona); NL (não lusófona).
Nota: As células não sinalizadas (x) não possuem os atributos empíricos.
A definição dos conceitos é diversa e assimétrica. Dos conceitos usados, cerca de metade é definida (25 de 48); dos conceitos definidos, a maior parte é reprodutivamente definida (16 de 25), pequena parte é originalmente definida (7 de 25) e a parte interrogativamente definida é irrelevante (2 de 25). Assim, a definição dos conceitos não é regra dominante e, quando realizada, ela é, tendencialmente, conservadora e não crítica. Quanto à função teórica, nenhum dos conceitos é operacionalizado como constructo para facilitar a compreensão e explicação; diferentemente, são aplicados para problematizar (27 de 48) ou para representar a realidade (21 de 48). Assim, a utilização dos conceitos não é orientada para pesquisas empíricas propiciadoras da sua testagem, mas para suportar análise problematizadora e representacional da realidade. A função teórica dominante destes estudos é analítica, sendo complementada pela função explicativa teórica. Para os fins desta análise, a explicação é categorizada como ‘explicação subsidiária’, quando agrega valor à teoria existente com base na análise empírica, e como ‘explicação subsidiada’, quando convoca teoria existente para analisar a realidade empírica. Na grande maioria dos casos analisados, a explicação produzida é subsidiada.
Existem algumas diferenças significativas entre os grupos científicos. Quanto à distribuição de frequências: a média aritmética de conceitos por artigo é de 2,7 na totalidade da amostra; entre os autores não lusófonos e lusófonos, a média é de 3,3 e 2,0 conceitos por artigo, respectivamente. Quanto à distribuição das definições conceituais segundo a natureza dos grupos científicos, não há grande diferença proporcional, pois as definições são na razão de 7 de 18 e 18 de 30 dos casos para autores lusófonos e não lusófonos, respetivamente; quanto à natureza da definição de conceitos, a maior parte das definições originais (5 de 7) e as definições interrogadoras (2 de 2) ocorrem na literatura não lusófona. Quanto às funções teóricas dos conceitos, a função representacional domina na literatura lusófona (16 de 22) e a função problematizadora domina na literatura não lusófona (24 de 26). Assim, os artigos de autoria não lusófona são escorados em maior quantidade de literatura, são conceptualmente mais densos e criativos, ambas as comunidades de autores aplicam conceitos de modo reificado, mas os autores não lusófonos apreciam mais criticamente os conceitos que usam. Uma característica comum e adicional é a pouca importância concedida à revisão formal da literatura.
Os estudos revelam distribuição muito assimétrica dos conceitos pelos níveis de análise. A distribuição de frequências no total dos conceitos é a seguinte: nível macro (41 de 48), nível meso (6 de 48) e nível micro (1 de 48); na perspectiva macro, os conceitos governança, gerencialismo, nova gestão pública e gestão democrática totalizam quase metade dos conceitos desta categoria. Assim, os conceitos associados a modelos de gestão do sistema educativo dominam a perspectiva macro. A proporção da frequência dos conceitos definidos em relação ao total de conceitos definidos, por níveis de análise, é a seguinte: macro (23 de 25), meso (2 de 25) e micro (0 de 25). A distribuição dos conceitos pelos níveis de análise dentro dos dois grupos de cientistas é a seguinte: entre os textos de autores lusófonos, macro (12 de 18), meso (5 de 18) e micro (1 de 18); entre os textos de autores não lusófonos, macro (29 de 30), meso (1 de 28) e micro (0 de 28). Esta análise permite enfatizar as seguintes características: a preferência pela perspectiva macro é dominante em ambos os grupos, sendo maior entre os autores não lusófonos, e a preferência pela perspectiva meso é maior entre os autores lusófonos; a proporção de conceitos definidos é relativamente baixa, o que sugere existência de aplicação reificada destes instrumentos analíticos; os níveis de análise não são formalmente anunciados e, consequentemente, as relações entre as realidades produzidas neles ou entre eles partilhadas, por influência ou sequência, não são explícitas; quando existem relações entre níveis, a sua fonte dinâmica é colocada no nível macro. Deste modo, as produções realizadas pelos agentes nos níveis meso e micro são reflexo dos constrangimentos estruturais produzidos no nível macro. A consideração implícita daqueles níveis de análise e das suas inter-relações decorre de estratégia de análise holística genérica, a qual é reducionista. Na verdade, na literatura analisada subjazem concepções de inspiração estruturo-funcionalista e marxista, não assumidas nem formalizadas, as quais assentam em modelos teóricos reducionistas centrados no nível macro.
Discussão
A revisão da literatura é tarefa imprescindível do processo científico. Para efeito desta análise, a revisão é classificada com base no critério ‘abordagem da teoria’, o qual é distinto do critério ‘abordagem teórica’. As categorizas são as seguintes: ‘abordagem reprodutora’, a qual convoca conceitos que usa sem avaliar criticamente o seu valor hermenêutico para analisar o objeto empírico; ‘abordagem crítica’, a qual avalia o valor hermenêutico de teoria ou de conceitos para analisar a realidade empírica. Tendencialmente, a abordagem da teoria e conceitos é reprodutora e acrítica. A abordagem crítica mais marcada da teoria discute o valor de conceitos para a educação comparada ( AMOS, 2010 ) e sublinha a necessidade de abordar objetos macro (nacional, educação e sistemas) segundo perspectiva que previna a fetichização destas concepções ( DALE, 2010 ). Assim, a abordagem da teoria é, tendencialmente, ambivalente: por um lado, ela é conservadora e orientada para a aplicação acrítica de instrumentos teóricos; por outro lado, produz leitura crítica da realidade empírica. Esta ambivalência exercerá uma função analítica latente: a abordagem acrítica da teoria facilita a abordagem crítica da empiria.
Em pequena parte da literatura analisada é adotada perspectiva crítica manifesta. Concretamente, a análise crítica foca a nova gestão pública (GRIMALDI; SERPIERI; TAGLIETTI, 2015), a interferência do setor privado na educação pública através de parcerias público-privadas ( PERONI; CAETANO, 2016 ), a estreiteza da avaliação institucional concebida e aplicada no âmbito do gerencialismo ( FARIA, 2005 ), a desvalorização de dimensões basilares da gestão democrática das escolas ( LIMA, 2014 ) e a metodologia de comparação de políticas educacionais ( ROBERTSON; DALE, 2017 ). Contudo, apenas neste último caso é expressamente adotada perspectiva crítica consagrada - a realista crítica. O realismo crítico combina o realismo ontológico, o relativismo epistemológico e a racionalidade do julgamento (ARCHER et al ., 1998), oferecendo uma terceira via entre o empiricismo e o positivismo e entre o relativismo e a redução interpretativista baseada em leis ( SAYER, 2000 ). Assim, nestes estudos é notória a generalizada ausência de referência paradigmática teórica formalmente expressa que organize e padronize o labor científico nos termos do paradigma adotado e, desse modo, normalize a produção do conhecimento.
Diversos estudos consideram a relação entre os níveis de análise. A literatura representa estes níveis do seguinte modo: macro (Estado, Nova Gestão Pública, neoliberalismo, mercado, contratos-programa); meso (organizações escolares, parcerias público-privadas, individualização dos contratos de trabalho, avaliação de desempenho); micro (participação de indivíduos ou agentes, relação entre estes e as instituições, práticas educativas). A relação macro-meso é estabelecida pelas políticas públicas ( ANTUNES; PERONI, 2017 ), pela gerencialização e governança em rede (NEWMAN; CLARKE, 2012), pelo planeamento e regulação estratégica ( ROBERTSON; VERGER, 2012 ), pelas ideias e tecnologias autonomizadoras, responsabilizadoras e reguladoras (GRIMALDI; SERPIERI; TAGLIETTI, 2015), por parcerias interorganizacionais ( PERONI; CAETANO, 2016 ), pela orientação dos estudos de avaliação de impacto das políticas públicas ( FARIA, 2005 ), pela política educacional e pela governança e pedagogia ( AMOS, 2010 ), e pela formação de professores ( CONNELL, 2010 ). Nestes casos, os articuladores dos níveis de análise pertencem às políticas educativas, administrativas e pedagógicas, às tecnologias administrativas e regulatórias, ou seja, têm natureza impessoal. Os agentes, as suas estratégias e práticas de gestão e participação na administração escolar não são focados. Contudo, há imperfeitas exceções. A relação macro-meso-micro é estabelecida e realizada pela governança por números ( GREK, 2016 ), pelas parcerias público-privadas ( ROBERTSON, 2013 ), pelo ideário revolucionário em contexto de ruptura de regime político-administrativo e, após esta fase, pela política de educação ( LIMA, 2014 ). Assim, mesmo quando a análise toca os níveis meso e micro, as orientações e práticas dos agentes não são consideradas. Nesta perspectiva, a administração escolar é mais produto do que processo e as pessoas são mais instrumentos do que agentes.
A literatura revista não apresenta nenhum estudo de caso tipicamente classificável como tal. Há estudos de caso, de natureza geo-administrativo-política, correspondendo ao estado de Minas Gerais ( TRIPODI; SOUSA, 2016 ) e ao Estado de São Paulo ( RAMOS, 2016 ), mas que não são conformes com os requisitos da estratégia de estudo de caso; há estudos de múltiplos casos ( BELLO; PENNA, 2017 ; ANTUNES, PERONI, 2017), mas também não conformes com a estratégia de estudo de caso. Os estudos qualitativos existentes são mais facilmente como tal classificáveis. A classificação de estudos quantitativos é mais difícil, pois há estudos de orientação quantitativa, focado na caracterização da elaboração dos projetos político-pedagógicos ( CABRAL NETO; CASTRO, 2011 ) e na reorganização da rede pública de ensino (GOULART; PINTO; CAMARGO, 2017), os quais são, respectivamente, restritos a cálculo de frequências e proporções e a frequências retiradas de fontes secundárias; falta-lhes, portanto, o virtuosismo estatístico normalmente convocado para este tipo de estudos. Assim, as estratégias de investigação são incaracterísticas. Esta limitação tem efeitos teóricos e práticos: por um lado, dificulta a replicação dos estudos e a acumulação de conhecimento científico externamente validado e que legitima a teoria; por outro lado, não promove a revisão política do modelo de governança baseada na ciência.
O ametodismo é propriedade dos estudos realizados, consistindo na ausência ou na incompletude de método. Foram identificados dois tipos de ametodismo: o ‘ametodismo conforme’, correspondente a ausência ou insuficiência de método justificada pela natureza exclusivamente conceitual do estudo, e o ‘ametodismo não conforme’, correspondente a ausência ou insuficiência de método não justificável pela opção teórica do estudo. No primeiro caso, ele é inerente à natureza do estudo; no segundo caso, ele decorre de vício de forma ou de processo. Na quase totalidade dos casos ametódicos, o ametodismo é conforme, o qual é beneficiado pela limitada ambição da análise de conteúdo das fontes secundárias qualitativas, a qual, por exemplo, não arrisca análise estrutural discursiva ou análise comparativa. O ametodismo não conforme é mais visível em estudos que recorrem a fontes primárias, como acontece na não identificação/caracterização das técnicas de análise de conteúdo de fontes secundárias ( TRIPODI; SOUSA, 2016 ; GREK, 2016 ) e não quantificação do universo, não identificação do critério de amostragem nem do tipo de entrevista ( BELLO; PENNA, 2017 ). De modo geral, nos artigos analisados, o método é pouco valorizado, não recebendo estatuto de seção específica, podendo até ser apresentado em nota de rodapé no final do texto. Assim, a desvalorização do método e as práticas metodológicas não conformes dificultam a replicação objetiva das pesquisas realizadas noutros contextos sócio-organizacionais e reduzem a validação externa dos seus quadros teóricos e dos resultados.
Existe tendência para adoção de perspectiva reificadora. Reificação significa o uso de conceitos abstratos desconectados das práticas concretas dos agentes ( LUKACS, 1971 ), a falácia de tratar convenções, instituições e eventos como produtos de processos recursivos ou leis universais ( HARVEY; REED, 1997 ), de perspectivar os produtos da ação humana como resultados não humanos (BERGER; LUCKMANN, 1966). A consequência da reificação conceitual é a multiplicação não controlada dos usos dos conceitos (LANE; KOKA; PATHAK, 2006), a qual pode ser prevenida quando a pesquisa permite, simultaneamente, aplicar e interrogar os conceitos (WELCH; RUMYANTSEVA; HEWERDIN; 2016). A literatura revista tende a ser afetada por reificação teórica. Por um lado, tácita ou explicitamente, aceita que o modelo da gestão democrática é modelo desejável sem esclarecer os princípios teóricos e/ou valores morais adotados como referenciais, nem questionar a sua eficácia e eficiência. Por outro lado, aceita que o modelo gerencialista é modelo indesejável sem equacionar os seus princípios teóricos e/ou valores morais de referência nem esclarecer a sua eficácia e eficiência. Assim, a valorização e desvalorização implícita de modelos de gestão refletirá modelos da administração pública e escolar tacitamente (des)valorizados e inibe possibilidades de melhoria da teoria no confronto com a empiria.
A ciência disponibilizada é produto de afinidade eletiva. Weber (1978) convocou este conceito para expressar a relação entre razão econômica e ética religiosa, e entre estruturas concretas da ação social e formas concretas de organização econômica. Ele usa a concepção de afinidade eletiva para indicar a natureza contingente das conexões entre o conteúdo simbólico das crenças que os indivíduos elegem seguir e as consequências que essa adesão tem para a vida social ( GIDDENS, 1972 ). Para entender o que é a afinidade eletiva em Weber, é necessário sublinhar que existem possíveis tensões entre ideias e interesses, sendo preferível associar afinidade à noção de ideia e a eletividade à noção de interesse ( GERTH; MILLS, 1982 ). A literatura produzida procura estabelecer afinidades eletivas entre o nível macro e o nível meso, sobretudo, entre as políticas e a administração educacional, entre os requisitos gerencialistas da nova gestão pública e a mercadorização dos serviços educativos, entre a ideia de indesejabilidade do modelo da nova gestão pública e o interesse no modelo de gestão democrática.
As fronteiras entre a prática científica e a opinião política são muitas vezes ambiguamente preservadas. A imparcialidade científica implica a separação entre juízo de fatos e juízo axiológico (de valor), devendo o leitor ser informado onde acaba um e começa outro ( WEBER, 1983 ) porque, como têm origem subjetiva, os juízos de valor não têm lugar na análise científica ( WEBER, 1992 ). Assim, a demonstração científica que seja metodologicamente correta é entendível como correta por uma plateia universal ( WEBER, 1983 ) porque a significação é comum. Uma ciência empírica não permite profecias pessoais ( WEBER, 1983 ) nem prescreve o que fazer ( WEBER, 1992 ). A função da ciência é esclarecer a conveniência dos meios em relação aos fins, determinar as consequências dos meios, apoiar a tomada de consciência sobre a realidade, mas não prescrever decisões ( WEBER, 1983 ). Por isso, adotar uma posição política é atuação política, enquanto analisar as estruturas políticas e as posições partidárias é atuação científica ( WEBER, 1982 ). A literatura produzida revela, em muitos casos, tácita tendência para se colocar em zona onde a neutralidade e a parcialidade axiológica ambiguamente se relacionam.
O valor da teoria depende do valor do método. As opções empíricas são inseparáveis das opções teóricas ( BOURDIEU, 1989 ) e a teoria, enquanto propiciadora de conhecimento que permite a possibilidade de tratar um problema, carece do método, enquanto atividade pensante do sujeito, pois ambos são elementos indispensáveis do conhecimento complexo ( MORIN, 1982 ). Como vimos, a literatura analisada é, tendencialmente, macro-centrada, estruturalista e ametódica. Esta tendência poderá revelar disposições interiorizadas para a prática científica. O ‘ habitus ’ científico manifesta-se em práticas conformes com as normas da ciência sem ter estas na sua origem ( BOURDIEU, 1989 ) e, assim, a atividade científica é baseada nas disposições reguladas de ‘habitus’ científico, o qual é produto da incorporação das necessidades e dos constrangimentos estruturais do campo científico ( BOURDIEU, 1997 ). A literatura analisada acentuadamente partilha a tendência para iluminar os aspetos negativos da Nova Administração Pública deduzidos da teoria, frequentemente servida por saltos dedutivos, e para desvalorizar a investigação empírica com base em fontes primárias e em fontes secundárias produzidas nos níveis micro e meso. Deste modo, o confronto entre a teoria e a empiria é evitado em favor de uma perspectiva que é, essencialmente, macro-centrada e teórico-deduzida.
A importância concedida à perspectiva crítica não manifesta, à desvalorização dos agentes, ao ametodismo não conforme, à perspectiva reificadora e à afinidade eletiva parecem convocar a noção de ciência militante. Os aparelhos ideológicos do Estado exercem função reguladora, mas não se confundem com o Estado, como acontece com o sistema de ensino ( ALTHUSSER, 1999 ). Nas organizações de ensino superior, esta condição facilita ou promove a emergência de perspectiva militante da ciência. Nos seus processos administrativos, a atenção e classificação tornam-se invisíveis por meio da socialização, hábito e ideologia ( TAYLOR, 1986 ) e, nos seus processos de investigação, a posição ideológica condiciona a orientação de pesquisa ( BROWN; RAJESH, 1983 ). Assim, as universidades integram o aparelho ideológico do Estado podendo, por isso, absorver e refletir as contradições sociais, o que, associado à difícil separação entre ideologia e investigação científica, pode estimular o desenvolvimento de ciência militante. Esta opção ativista da ciência pode ser facilitada por ‘habitus’ acadêmicos e por suspensão da neutralidade axiológica, o que, latente ou manifestamente, permite tomar posição ideológica em questões de reforma de modelos de gestão de organizações integradas no aparelho ideológico do Estado. Contrariamente, a percepção da ciência e do ensino da ciência como militantes, quando a militância é adversa à facção social que domina o aparelho de Estado, pode estimular emergência de políticas de controle da administração universitária e de redução do financiamento da investigação científica, sobretudo nas ciências onde a militância poderá ser mais expressiva.
Esta perspectiva militante não é universal e há quem proponha ruptura com a sua orientação. O pensamento sociológico revela-se na capacidade para reconstruir cientificamente objetos socialmente importantes ( BOURDIEU, 1989 ) e a ruptura epistemológica permite suspender as pré-construções, o que implica ruptura com modos de pensar, conceitos e métodos que têm a aparência do bom senso científico ( BOURDIEU, 1989 ). É necessária a reconceptualização da análise sociológica crítica de ‘nacional’, ‘educação’ e ‘sistema’ para melhor entender a educação pós-moderna através da análise das práticas educativas, políticas educacionais, políticas de educação e resultados da educação ( DALE, 2010 ). Focados na gestão e nos meios institucionais de educação, Cabral Neto e Castro (2011) esboçam louvável abordagem empírica do nível meso e micro com base na perspectiva dos agentes, mas o estudo tem ambição analítica limitada à estatística descritiva. É, portanto, fundamental reconceptualizar este objeto, reconhecendo maior capacidade agêntica aos indivíduos que fazem das escolas sítio da sua vida profissional e parental, realizar investigação empírica nos níveis meso e micro que seja metodologicamente legítima e analiticamente ambiciosa. Esta mudança de perspectiva permitirá: i) caracterizar processos de implementação dos modelos de governança nas escolas; ii) compreender as orientações normativas e a interpretação dos requisitos gestionários; iii), avaliar o desempenho do modelo de governança implementado; e iv) explicar os processos e as práticas de participação e de estruturação do modelo de governança.
Conclusão
A análise realizada permite formular conclusões de natureza teórica, metodológica e prática sobre os estudos analisados. No plano teórico, domina o reducionismo, pois o nível macro explica os níveis meso e micro e as estruturas determinam a atuação dos agentes; os estudos são mais holísticos do que bipolares e não são deterministas; a explicação científica produzida é mais subsidiada do que subsidiária; as comunidades científicas lusófonas e não lusófonas adotam práticas endógenas de referenciação bibliográfica. No plano metodológico, o reducionismo igualmente caracteriza a produção científica, pois são poucos os estudos empíricos que recorrem a fontes primárias e a triangulação de fontes; as realidades são mais deduzidas da teoria do que a teoria é induzida pela empiria. No plano da prática, a ausência de competentes estudos nos níveis meso e micro dificulta a melhoria da teoria e a melhoria dos processos de gestão e de participação organizacional. Consequentemente, é necessário reinventar o objeto empírico e inovar o processo científico. A literatura revista também reconhece existência de possibilidades de combinar as orientações crítica e empírica na análise da governança de modo a produzir conhecimento científico que possa ser usado na racionalização do sistema de ensino.