Apresentação
O nascimento da era do nacionalismo, no século XVIII, foi resultado, segundo Benedict Anderson (2008 , p. 69), de três condições culturais: “a indissociabilidade entre uma determinada língua e a verdade; a crença na graça cosmológica (divina) dos governantes; e a associação entre cosmologia e história”. Na produção de “uma nova maneira de unir significativamente a fraternidade, o poder e o tempo” ( ANDERSON, 2008 , p. 70), reescrever o passado e projetar o futuro emergiram como problemas de primeira ordem, visando a assegurar legitimidade aos governos e constituir identidade ao povo. Não por acaso, despontaram neste cenário, como investimentos necessários do Estado, tanto a história, como disciplina acadêmica, em parte associada aos Institutos Histórico-Geográficos, quanto a escola elementar obrigatória. Constituídas a partir deste lugar, as duas instituições por muitos anos foram tributárias de uma narrativa tramada pelo que denominou Martin Lawn (2014 , p. 132) de “nacionalismo metodológico”. Nos dois casos, permitiu o surgimento das categorias “História Nacional” e “Escola Nacional” que, no dizer de Eugenia Roldán Vera (2013) , tenderam a naturalizar o Estado-Nação, encapsulando as análises e obstaculizando a percepção de conexões, contatos, trânsitos entre e através das fronteiras.
Escapar a este quadro de referência tem sido o investimento realizado por pesquisadoras e pesquisadores do campo da história e da história da educação, há pelo menos duas décadas, por meio do que se nomeou por história transnacional e, mais recentemente, história transnacional da educação. A despeito do foco claro na superação do nacionalismo metodológico, ainda é escasso o consenso sobre suas abordagens teóricas, afirma Eckhardt Fuchs (2014 , p. 15). O termo recobre iniciativas distintas como a comparação histórica, transferência cultural, circulação, conexões, sendo ao mesmo tempo uma forma moderna de história internacional, segundo Bernhard Struck, Kate Ferris e Jacques Revel (2011, p. 573). Os mesmos autores esclarecem, entretanto, que “todas estas ferramentas ou perspectivas demonstram a importância da interação e circulação de ideias, pessoas, instituições e tecnologias através do Estado ou das fronteiras nacionais e assim a conexão e influência mútua dos Estados, sociedades e culturas” (REVEL, 2011 p. 574).
Este é o arcabouço teórico que sustenta o Projeto Temático Saberes e Práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-...), liderado por Diana Vidal e Carlota Boto, na Faculdade de Educação e no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP). No âmbito de suas atividades, encontram-se a oferta da disciplina IEB 5046 – História Transnacional da Escola: Circulação de Sujeitos, Saberes e Artefatos (séculos XIX-XX), no primeiro semestre de 2020, sob responsabilidade de Diana Vidal; e a tradução do texto “The Transnational in the History of Education”, de autoria de Eugênia Roldán Vera e Eckhardt Fuchs, por Alexandre Ribeiro e Silva e Ana Carolina de Carvalho Guimarães, que se segue a esta Apresentação.
O artigo, alvo de discussão na disciplina, foi escrito como capítulo introdutório a livro, com o mesmo título, organizado por Fuchs e Roldán Vera (2019, p. 1), com o objetivo de “criar um espaço de crítica e reflexão sobre as concepções e as categorias associadas à descrição do domínio transnacional e seus usos na história da educação: como esses conceitos e categorias emergiram e se desenvolveram historicamente, como eles influenciam e direcionam o modo como pesquisa e como podemos ter uma noção melhor de seus contornos teóricos e metodológicos para obtermos pleno benefício de pesquisas que vão além de uma localidade específica ou Estado-Nação como unidade de análise”.
Para que o texto pudesse ser lido autonomamente em relação à publicação original, algumas alterações foram efetuadas com a anuência dos autores. A última seção, em que apresentavam os demais capítulos constitutivos do livro, foi substituída pelas considerações finais. Acrescentaram-se notas dos tradutores e referências bibliográficas de modo a melhor situar o leitor ou leitora com respeito às discussões propostas e às remissões ao conjunto da obra. Foi também necessário ajustar a bibliografia e as notas de rodapé ao requerido pela Educação e Pesquisa , o que demandou um trabalho considerável por parte dos tradutores, e negociar com a Palgrave/MacMillan a cessão dos direitos autorais.
O esforço, no entanto, valeu a pena, como será possível verificar na leitura. O artigo oferece uma contribuição relevante para os historiadores e historiadoras da educação no Brasil, mas, também, para quem se interessa pela história e educação comparadas, campos que podem ser considerados fundamentais para o estudo da realidade educacional brasileira. Ao repertoriar as distintas maneiras como as interpretações são constituídas nas pesquisas associadas à perspectiva analítica, Roldán Vera e Fuchs nos brindam com uma larga bibliografia de referência, gestando novos diálogos e guiando pesquisadores e pesquisadoras na travessia desse mar denso dos estudos em e sobre a história transnacional da educação. Arriscam-se, por certo, ao categorizar os trabalhos. No entanto, são generosos ao partilhar estes arranjos com a comunidade e ao suscitar a salutar crítica acadêmica, ao mesmo tempo em que reconhecem os limites de um texto dessa natureza.
Estamos seguros de que, tal como ocorreu durante a oferta da disciplina no Programa de Pós-Graduação do IEB, o texto irá fomentar o debate, estimulando a reflexão e ampliando as possibilidades de investigação sobre a história e a educação!