Apresentação
O objetivo das Políticas Públicas de Ações Afirmativas (PPAAs) como cotas, reserva de vagas e ações compensatórias, adotadas pelas Instituições Federais de Ensino Superior (IFEs), é diminuir as diferenças causadas pelo contexto histórico de exclusão escolar de pessoas pobres, pretas, pardas, indígenas e pessoas com deficiências (PCDs). Segundo Secchi (2010), política pública trata dos conteúdos concreto e simbólico de decisões políticas e dos processos de construção e atuação dessas decisões. Dessa forma, a política pública apresenta uma diretriz de enfrentamento a um problema público entendido como coletivamente relevante.
No ensino superior brasileiro o desenvolvimento das políticas públicas foi realizado a partir da movimentação do Estado, desde a elitista “lei do boi” de 1968 (período do governo cívico-militar), os avanços pós-redemocratização, conquistados a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 ( BRASIL, 1988), até as ações afirmativas que marcam o início do século XXI.
Durante a ditadura civil-militar, sob a justificativa de superar o déficit de agrônomos, médicos veterinários e técnicos agrícolas no Brasil, foi promulgada a Lei federal nº 5.465, de 3 de julho de 1968 ( BRASIL, 1968), conhecida popularmente como “lei do boi”. Essa lei tinha como argumento incentivar o acesso do homem do campo às escolas agrícolas de ensino médio e superior.
De acordo com Magalhães (2015), a “lei do boi” foi promulgada ao mesmo tempo em que os movimentos populares favoráveis à reforma agrária foram sufocados pela ditadura civil-militar. A aplicação dessa lei não foi efetivada apenas como “um privilégio para grupos relacionados à agropecuária, mas como uma estratégia de manutenção de certas prerrogativas ligadas à classe dominante agrária” ( MAGALHÃES, 2015, p. 7).
Santos et al. (2008) explicam que as Políticas Públicas de Ações Afirmativas (PPAAs) são fruto da pressão dos movimentos sociais por justiça e igualdade social e racial. No Brasil, desde as décadas de 1960 e 1970, o movimento negro vem discutindo a relevância das ações afirmativas e organizando-se politicamente para pressionar sua adoção, mesmo quando o Estado brasileiro se mostrou reticente em reconhecer a existência do racismo no país (MOEHLECKE, 2000, 2002).
Em 1983, o então deputado federal Abdias Nascimento, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras brasileiras, apresentou o Projeto de Resolução nº 58, que criava a Comissão do Negro. O projeto teve como justificativa a necessidade de, na década do centenário da abolição da escravatura, examinar os ganhos socioeconômicos cívicos e culturais das pessoas negras descendentes de pessoas africanas escravizadas, que receberam sua liberdade, juridicamente, em 13 de maio de 1888. No entanto, o projeto foi julgado inconstitucional.
Em 2004 foi discutido e aprovado no Senado o Estatuto da Igualdade Racial apresentado pelo Senador Paulo Paim. Devido à pressão da grande imprensa, questões como as regras de representatividade profissional, proporcional à presença dos grupos étnico-raciais na população, constantes no estatuto proposto, foram significativamente alteradas, tornando o dispositivo uma mera “carta de intenções” ( CHADAREVIAN, 2007).
Um suposto ataque à meritocracia, à eficiência econômica do mercado e o risco de aumentar o racismo no país são alguns dos argumentos dos opositores das ações compensatórias para o povo negro ( CHADAREVIAN, 2007). Esses argumentos contrários às ações afirmativas são, especialmente, defendidos pelos economistas neoclássicos. Segundo Chadarevian (2007, p. 127), o objetivo é “impedir qualquer transformação social de grande amplitude, por meio de políticas públicas de transferência de renda, que resultem em uma diminuição das desigualdades socioeconômicas”.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 ( BRASIL, 1988), considerada uma “Constituição cidadã”, estabeleceu políticas públicas de cunho democrático e de inclusão social, como a ação afirmativa. Contudo, a reserva de vagas no ensino superior só se tornou uma política pública a partir dos governos Lula (entre 2003 e 2010) e Dilma (entre 2010 e 2016), nos quais a defesa dos direitos sociais e coletivos foram temas centrais, com destaque para a educação.
O Programa de Apoio à Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) foi criado na primeira década dos anos dois mil. Essa política pública de democratização do acesso ao ensino superior objetivou ampliar o acesso e a permanência na educação superior. Articulado a partir do ano de 2003, com previsão de conclusão em 2012, o REUNI desenvolveu ações como: o aumento de vagas nos cursos de graduação, a ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à evasão, entre outras. Tudo isso tinha como propósito diminuir as desigualdades sociais no país ( BRASIL, 2012).
Outra política pública de democratização do acesso ao ensino superior é o Sistema de Seleção Unificada - SiSU ( BRASIL, 2007), um sistema informatizado, gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do qual os(as) candidatos(as) utilizam os resultados obtidos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para concorrer às vagas em cursos de graduação nas IFEs dele participantes.
Em vinte e nove de agosto de 2012, o governo federal sancionou a Lei nº 12.711 ( BRASIL, 2012), conhecida como “Lei de Cotas”, termo adotado nesta pesquisa. Essa política pública de ação afirmativa, regulamentada em onze de outubro do mesmo ano, pelo Decreto nº. 7.824, determinou que, gradualmente, a partir de 2013, ocorresse a reserva de 50% das matrículas, por curso e turno, nas universidades federais, para estudantes oriundos(as) integralmente do ensino médio público. A esta reserva, devem ser observados os critérios de renda familiar e de percentual mínimo correspondente ao da soma de pessoas pretas, pardas, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da federação em questão ( BRASIL, 2012).
Em 2016, a ascensão de Michel Temer à presidência da república, após o impeachment, interrompeu um ciclo virtuoso de investimentos e abriu caminho para o desmonte da educação pública. Aprovada pelo governo Temer, a Emenda Constitucional 95 ( BRASIL, 2016) instituiu um Novo Regime Fiscal no país com o congelamento de gastos. Esse congelamento inviabilizou diversas políticas colocando em risco a universidade pública e a existência da pesquisa científica ( DOURADO, 2019; CARDOSO NETO; DE NEZ, 2021).
REUNI, SiSU e a Lei de Cotas são políticas de expansão, de acesso unificado e de reserva de vagas voltadas para o avanço no processo de democratização do ensino superior brasileiro. A Pesquisa nacional de perfil socioeconômico e cultural dos graduandos(as) das instituições federais de ensino superior, publicada pela Associação Nacional dos(as) Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ( ANDIFES, 2018), apresenta resultados desse processo de democratização. Dados da pesquisa revelam que o percentual de estudantes que cursaram o ensino médio exclusivamente em escolas públicas foi de 60,4% em 2018. Em 2010, esse percentual era de 37,5%.
Outro resultado da pesquisa da ANDIFES mostra a evolução no número de estudantes de cursos de graduação presenciais com renda mensal familiar per capita de até 1,5 salário mínimo de 44,3%, em 1996, para 66,2% em 2014, alcançando o percentual de 70,2%, em 2018 ( ANDIFES, 2018). Quanto a cor/raça/etnia, o percentual de estudantes autodeclarados(as) negros(as), pela primeira vez, desde que a pesquisa ANDIFES foi realizada, alcançou maioria absoluta de 51,1%; as pessoas brancas somaram 43,3 %, amarelas 2,1% e indígenas 0,9%. Nacionalmente, o número de estudantes com algum tipo de deficiência saltou de 31.230, em 2014, para 55.847, em 2018 ( ANDIFES, 2018).
Na Universidade Federal de Viçosa (UFV) a implantação da reserva de vagas iniciou-se no ano de 2013 e, de forma gradual, conforme a previsão legal, o percentual de 50% das vagas reservadas para estudantes cotistas foi atingido em 2016. Este artigo se propôs analisar dados resultantes das políticas públicas de ações afirmativas por meio da investigação do desempenho acadêmico de estudantes cotistas e não cotistas da Universidade Federal de Viçosa Campus Rio Paranaíba (UFV-CRP) nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020.
Neste sentido, a amostra da pesquisa é composta de estudantes oriundos(as) das vagas reservadas de 2016 a 2020, ingressantes nos doze cursos de graduação da UFV-CRP. A coorte foi definida a partir de 2016, por ser o momento no qual foi atingido o limite percentual mínimo de 50% de reserva das vagas em cada curso, conforme o estabelecido pela Lei de Cotas.
Embasado na revisão de literatura, este estudo assumiu a hipótese nula (H0) de que não há diferença estatística significativa na comparação entre estudantes cotistas e não cotistas em relação às médias de nota de ingresso, coeficiente de rendimento acadêmico (média ponderada do número de créditos de todas as disciplinas cursadas) e número de reprovações. Como hipótese alternativa (HA) tem-se que há diferença estatística significativa na comparação entre estudantes cotistas e não cotistas em relação às médias de nota de ingresso, coeficiente de rendimento acadêmico e número de reprovações.
Dessa forma, buscou-se responder a seguinte questão: Estudantes cotistas e não cotistas apresentam diferença estatisticamente significativa nas médias da nota de ingresso na universidade, no coeficiente de rendimento acumulado e no número de reprovações?
Para responder a essa questão, o estudo encontra-se dividido em quatro seções, além desta apresentação. Na segunda seção, a revisão de literatura cita estudos anteriores que discutem o desempenho acadêmico de estudantes cotistas e não cotistas. Na sequência estão os procedimentos metodológicos que guiaram este estudo. Na quarta seção apresenta-se e discute-se os principais resultados da pesquisa. Por fim, está a conclusão deste trabalho.
Revisão da literatura
A ação afirmativa se manifesta de várias formas, sendo o sistema de cotas a vertente mais conhecida que circunscreve, em geral, as áreas de educação e mercado de trabalho. Compreende-se, portanto, a ação afirmativa como modalidade de política pública e o sistema de cotas como espécie de ação afirmativa ( HAAS; LINHARES, 2012).
A política de cotas ilumina um histórico construído sobre um “sistema e concepção burguesa de educação” responsável por segregar e oprimir as pessoas em razão da sua classe, gênero e raça, contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais ( MOCELIN, 2020, p. 105). As políticas de cotas sociais, étnico-raciais e de acessibilidade fomentam a diversidade e pluralidade, além de confrontar um ensino superior historicamente elitizado e branco ( MOCELIN, 2020).
Desde 2002 ações afirmativas foram incorporadas por instituições de ensino superior. Tiveram início no Estado do Rio de Janeiro que aprovou leis aplicáveis à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e à Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Outra unidade da federação que realizou algo semelhante foi o Mato Grosso do Sul que aprovou legislação própria, em 2003. Ancorada na sua autonomia, também em 2003, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) aprovou em seu Conselho Universitário a adoção das cotas, situação parecida ocorreu na Universidade de Brasília (UnB) ( SANTOS, 2018).
Em 2011, “das 70 universidades públicas brasileiras com algum tipo de ação afirmativa, 60 (85%) adotavam políticas para estudantes egressos(as) de escolas públicas e 40 (58%) medidas para estudantes negros(as), ou pretos(as) e pardos(as)” (FERES JUNIOR; CAMPOS, 2016, p. 278).
Em abril de 2012, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, considerou constitucional a política de cotas étnico/raciais existente na UnB, julgando improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) que alega a violação do princípio constitucional da igualdade.
O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, destacou que a UnB promovia um ambiente acadêmico plural e diversificado e a superação de distorções sociais historicamente consolidadas. Lewandowski ressaltou que a ação afirmativa de reserva de vagas étnico/raciais apresentava proporcionalidade, razoabilidade e caráter transitório, com a previsão de revisão periódica de seus resultados ( BRASIL, 2012).
Em agosto de 2012, em um cenário de tensão política, pressão e conflito social, foi sancionada a norma legal que padronizou e estabeleceu a adoção da política pública de ação afirmativa na modalidade de reserva de vagas nas IFEs, a Lei nº 12.711, Lei de Cotas ( BRASIL, 2012).
Em dezembro de 2016, a Lei nº 13.409 ( BRASIL, 2016) alterou a Lei nº 12.711 ( BRASIL, 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Instituiu que a reserva de vagas fosse realizada, por curso e turno, para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas e para pessoas com deficiência, nos termos da legislação. Essa reserva deve ser disponibilizada em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pessoas pretas, pardas, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE ( BRASIL, 2016).
Estudos apontam que a reserva de vagas como política afirmativa amplia as condições de acesso de pessoas vulneráveis social e economicamente nas IFEs ( SILAME; MARTINS JUNIOR; FONSECA, 2020; CAVALCANTI et al., 2019 ; BATISTA, 2018; GUERRINI et al., 2018 ; CERVI, 2013). No entanto, deficiências no ensino médio e, em muitos casos, a necessidade em dividir seu tempo entre a formação educacional e o mercado de trabalho dificultam o acesso e influenciam na escolha de estudantes cotistas por cursos superiores de menor prestígio ou expectativa de rendimento ( et al., BRAZ, 2019; KNOP; COLLARES, 2019; KARRUZ, 2018; PEIXOTO et al., 2016 ; GOLGHER; AMARAL; NEVES, 2015).
São nos cursos de maior prestígio social e de melhor retorno econômico no mercado de trabalho que ocorrem os maiores dilemas na disputa de vagas entre estudantes cotistas e não cotistas ( CAVALCANTI et al., 2019 ; GUERRINI et al., 2018 ; PIOTTO; NOGUEIRA, 2016; ALMEIDA; ERNICA, 2015; RISTOFF, 2014). A Lei de Cotas abriu importantes espaços para estudantes das escolas públicas e para os grupos sociais sub-representados, além de favorecer a mudança de perfil nas IFEs, todavia, ainda existe espaço para que a mudança possa atingir os cursos de maior prestígio social ( KARRUZ, 2018).
Garantido o acesso, não ocorre diferença significativa entre o desempenho acadêmico de estudantes cotistas e não cotistas ( PENA; MATOS; COUTRIM, 2020; SILAME; MARTINS JUNIOR; FONSECA, 2020; GOLGHER; AMARAL; NEVES, 2015; QUEIROZ et al., 2015 ). “A evidência até o momento sugere que a Lei de Cotas mudou o perfil dos(as) discentes e não trouxe prejuízo acadêmico” ( KARRUZ, 2018, p. 406).
Por meio do teste de média, Silame, Martins Junior e Fonseca (2020) procuraram verificar se o capital social e educacional de estudantes cotistas é inferior ao de não cotistas, impactando em uma diferença significativa em sua nota de ingresso na universidade; também buscaram verificar se, em função destas diferenças, o desempenho acadêmico de cotistas seria inferior ao de não cotistas. Esses autores observaram não haver diferenças estatisticamente significativas tanto na nota de ingresso, quanto no desempenho acadêmico entre estudantes cotistas e não cotistas.
Mediante estatística descritiva e testes de comparação de médias (coeficiente geral, reprovação, evasão e oportunidades acadêmicas) de 247 estudantes (71 cotistas e 176 da ampla concorrência), ingressantes no primeiro semestre de 2013 em seis cursos (medicina, nutrição, engenharia civil, engenharia de computação, direito e serviço social) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Pena, Matos e Coutrim (2020) identificaram que a maioria de estudantes cotistas, embora tenha uma nota menor na pontuação do ENEM ao ingressar, tem desempenho acadêmico similar ao de estudantes da ampla concorrência.
Cavalcanti et al. (2019) analisaram estudantes matriculados(as) nos cursos de graduação presencial da Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos anos de 2005 a 2013 que ingressaram apenas nos Cursos de Progressão Linear (CPL) por meio de processo seletivo (vestibular) a partir do primeiro semestre de 2005 e que concluíram o curso até o primeiro semestre de 2013. A análise foi estabelecida por meio de estimativas do PSM, utilizando diferentes métodos de pareamento em dados e quatro medidas de desempenho. Os resultados encontrados indicaram, de forma agregada, a existência de um diferencial de desempenho a favor de estudantes não cotistas, sobretudo no ingresso e início de curso.
Knop e Collares (2019) compararam ingressantes (em 2008, 2009 e 2010) e concluintes (em 2011, 2012 e 2013) de 35 cursos superiores com base nos dados do ENADE, e a partir de modelos de regressão logística, discutiram hipóteses relacionadas às origens sociais dos(as) estudantes. As autoras verificaram que, em geral, estudantes de renda familiar mais elevadas possuem mais chances de conclusão dos cursos superiores, enquanto estudantes com pais de baixa escolaridade e estudantes negros(as) e indígenas têm menor chances de concluir cursos de alto retorno econômico. “Estudantes de maior renda familiar têm não apenas maiores chances de concluir os cursos que iniciam, mas também de escolher os cursos com mais alto retorno econômico no mercado de trabalho” ( KNOP; COLLARES, 2019, p. 375).
A análise de microdados do ENEM, censos escolares e dados de ingressantes nos cursos presenciais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) oferecidos em Belo Horizonte, subsidiaram os resultados do trabalho de Karruz (2018, p. 461) sobre a Lei de Cotas, concluindo que: “i) aqueceu a demanda pelo ensino superior entre seu público-alvo; ii) reduziu desigualdades no acesso para concluintes do ensino médio; e iii) foi mais efetiva nas ofertas com menor relação candidato/vaga nas licenciaturas e nos cursos diurnos.”
Braz et al. (2019) examinaram 5 anos da trajetória acadêmica (ingresso, desistência, conclusão) de ingressantes de todos os 54 cursos de graduação distribuídos em cinco campi da Universidade Federal do Piauí (UFPI) em 2013. Nessa pesquisa, estudantes cotistas apresentaram um rendimento levemente inferior no processo seletivo de ingresso na universidade. Destaca-se o fato de não haver estudantes cotistas oriundos de escola pública que possuam renda mensal familiar inferior a 1,5 salário mínimo per capita nas engenharias, o que os autores relacionaram a uma alta concorrência que inibe as inscrições de estudantes de baixa renda.
No estudo de Golgher, Amaral e Neves (2015) os resultados da comparação entre o desempenho acadêmico de estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ingressantes por meio da política de bônus racial no vestibular da instituição em 2009 e 2010 com o desempenho de estudantes não bolsistas sugerem um desempenho similar. Considerando dados socioeconômicos, os autores indicam uma estigmatização, na qual “os indivíduos em lares de baixa escolaridade procuram cursos menos concorridos e consequentemente, com menores possibilidades de ascensão social” ( GOLGHER; AMARAL; NEVES, 2015, p. 142).
Queiroz et al. (2015) constataram que não existia diferença significativa no desempenho de estudantes ingressantes por meio de cotas sociais e raciais comparado ao da ampla concorrência na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Tal constatação se deu por meio de análises estatísticas com dados do coeficiente de rendimento acadêmico das primeiras turmas ingressantes regulamentadas pela nova legislação de cotas sociais e raciais, no primeiro semestre de 2013. Os autores afirmaram que “independentemente da forma de acesso, o critério de seleção de estudantes é capaz de escolher os(as) mais bem preparados(as) e garantir a formação com qualidade dos(as) futuros(as) profissionais” ( QUEIROZ et al., 2015 , p. 315).
Para Basso-Poletto, Efrom e Beatriz-Rodrigues (2020), que examinaram a produção científica sobre ações afirmativas no ensino superior, no período entre janeiro de 2007 e julho de 2017, as ações afirmativas refletem e dinamizam a sociedade, permitem uma reparação histórica e social e proporcionam uma maior igualdade de acesso à educação. De forma geral, os artigos analisados pelas autoras “citam os reflexos coletivos dessas ações numa predição de melhoria social com menores desigualdades” ( BASSO-POLETTO; EFROM; BEATRIZ-RODRIGUES, 2020, p. 22).
A revisão de literatura realizada na Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo) de livre acesso e modelo cooperativo de publicação digital de periódicos científicos brasileiros, não esgota o tema. Todavia, de forma geral, os artigos encontrados demonstram o acesso de grupos vulneráveis social e economicamente na Universidade, sem prejuízos à qualidade do ensino.
Procedimentos metodológicos
A base de dados estatísticos que compõe este estudo foi cedida pela Diretoria de Ensino da Universidade Federal de Viçosa Campus Rio Paranaíba. Os dados analisados contêm informações sobre a nota de ingresso nos cursos de graduação de estudantes provenientes do SiSU/MEC a partir do ENEM; sobre o desempenho acadêmico a partir do coeficiente de rendimento acumulado (CRA); o número de reprovações; a situação acadêmica; além de informações socioeconômicas.
Para análise dos dados, foi utilizado o teste de média. As variáveis submetidas à análise estatística para a comparação das médias entre estudantes cotistas e não cotistas foram a nota do ENEM, o CRA e o número de reprovações. O teste estatístico indicou que todas as variáveis analisadas não seguem uma distribuição normal, como todos os p-valores significativos, levando a rejeição da hipótese de normalidade, conforme demonstrado na Tabela 1.
Variável | Estatística | p |
---|---|---|
ENEM | 0,989 | < 0,001 |
CRA | 0,910 | < 0,001 |
Número de reprovações | 0,887 | < 0,001 |
Modalidade de ingresso | 0,761 | < 0,001 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Assumindo a hipótese de que estudantes cotistas e não cotistas não apresentam diferença estatística significativa em seu desempenho, o estudo utilizou os testes não paramétricos para amostras independentes, estabelecendo um nível de significância (0,05). Assim, quando o p-valor for maior que 0,05 aceita-se H0, uma vez que haverá fortes indícios, ou seja, grande probabilidade de que a diferença observada entre os grupos de cotistas e não cotistas seja ao acaso. Isso permite considerar que não há diferença significativa entre esses dois grupos no período analisado. Dessa forma:
H0: µc =µnc, as médias da nota de ingresso, do coeficiente acadêmico e do número de reprovações são iguais para cotistas e não cotistas;
H1: µc =µnc, as médias da nota de ingresso, do coeficiente acadêmico e do número de reprovações são diferentes para cotistas e não cotistas.
Na Universidade Federal de Viçosa (UFV) a implantação da reserva de vagas iniciou-se no ano de 2013 e, de forma gradual, conforme a previsão legal, o percentual de 50% das vagas reservadas para estudantes cotistas foi atingido em 2016. Neste sentido, a amostra estudada é composta por ingressantes nos cursos da UFV-CRP por meio do SiSU/MEC de 2016 a 2020. As modalidades de vagas reservadas e de ampla concorrência estão detalhadas no Quadro 1.
Modalidade | Descrição |
---|---|
Cota 1 | Estudantes de escola pública, autodeclarados(as) pretos(as), pardos(as) ou indígenas, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. |
Cota 2 | Estudantes de escola pública, que NÃO se autodeclaram pretos(as), pardos(as) ou indígenas, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. |
Cota 3 | Estudantes de escola pública, autodeclarados(as) pretos(as), pardos(as) ou indígenas, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita. |
Cota 4 | Estudantes de escola pública, que NÃO se autodeclaram pretos(as), pardos(as) ou indígenas, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita. |
Ampla concorrência | Candidatos(as) de Ampla Concorrência |
Fonte: Universidade Federal de Viçosa, 2020.
Resultados
A Universidade Federal de Viçosa Campus Rio Paranaíba (UFV-CRP), nasceu em 2006, como resultado da expansão da educação superior brasileira, por meio do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que proporcionou a criação de novos campi de universidades federais. O campus, que tem aproximadamente dois mil estudantes, oferece, anualmente, cerca de quinhentas vagas, distribuídas em seus doze cursos de graduação.
A amostra deste estudo foi delimitada a partir da aplicação de filtros no banco de dados para a seleção dos casos pertinentes à pesquisa. Foram selecionados(as) estudantes admitidos(as) a partir do ano de 2016 até 2020, independentemente da situação acadêmica, incluídos os casos de evasão (na UFV são os(as) estudantes em situação de desligamento, em abandono de curso, exclusão, mudança de curso e transferência). Desses casos, foram selecionados(as), exclusivamente, estudantes ingressantes por meio do SiSU/MEC. A Tabela 2 detalha a amostra analisada, apresentando a distribuição de estudantes por cursos e pela forma de ingresso na UFV-CRP, contendo um total de 2.585 casos.
Apesar da previsão legal da reserva de 50% das vagas para estudantes cotistas em cada curso da UFV-CRP, esse percentual mínimo de ingressantes está representado apenas na metade dos cursos ofertados (administração integral, administração noturno, agronomia, ciências contábeis, engenharia civil e nutrição).
A maior incidência de estudantes ingressantes pela cota 1 (estudantes de escola pública, com critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita) ocorre nos cursos de agronomia e ciência e tecnologia de alimentos. Nos cursos de administração integral e noturno, ciências biológicas, engenharia de produção, nutrição, química e sistemas de informação noturno, entre estudantes cotistas, ocorre maior incidência daqueles que ingressaram pela cota 3 (estudantes de escola pública, com critério de cor/racial/étnico, com renda familiar mensal superior a 1,5 salário mínimo per capita).
Já nos cursos de ciências contábeis, engenharia civil e sistemas de informação integral, entre estudantes cotistas, a maior incidência são ingressantes pela cota 4 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita).
Curso | Cota 1 | Cota 2 | Cota 3 | Cota 4 | Ampla Concorrência | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Administração Integral | 29 | 11,80% | 25 | 10,20% | 38 | 15,40% | 32 | 13,00% | 122 | 49,60% | 246 |
Administração Noturno | 31 | 12,50% | 34 | 13,70% | 35 | 14,10% | 24 | 9,70% | 124 | 50,00% | 248 |
Agronomia | 35 | 14,10% | 29 | 11,70% | 33 | 13,30% | 30 | 12,10% | 121 | 48,80% | 248 |
Ciência e Tecnologia de Alimentos | 27 | 14,80% | 17 | 9,30% | 19 | 10,40% | 19 | 10,40% | 101 | 55,20% | 183 |
Ciências Biológicas | 24 | 10,30% | 23 | 9,90% | 30 | 12,90% | 24 | 10,30% | 132 | 56,70% | 233 |
Ciências Contábeis | 30 | 12,20% | 33 | 13,40% | 29 | 11,80% | 34 | 13,80% | 120 | 48,80% | 246 |
Engenharia Civil | 25 | 10,20% | 27 | 11,00% | 34 | 3,80% | 40 | 16,30% | 120 | 48,80% | 246 |
Engenharia de Produção | 27 | 11,20% | 29 | 12,00% | 31 | 12,80% | 26 | 10,70% | 129 | 53,30% | 242 |
Nutrição | 19 | 15,20% | 14 | 11,20% | 20 | 16,00% | 10 | 8,00% | 62 | 49,60% | 125 |
Química | 11 | 11,70% | 6 | 6,40% | 13 | 13,80% | 12 | 12,80% | 52 | 55,30% | 94 |
Sistemas de Informação - Integral | 19 | 8,10% | 25 | 10,60% | 20 | 8,50% | 31 | 13,10% | 141 | 59,70% | 236 |
Sistemas de Informação - Noturno | 17 | 7,10% | 28 | 11,80% | 35 | 14,70% | 23 | 9,70% | 135 | 56,70% | 238 |
Total | 294 | 11,40% | 290 | 11,20% | 337 | 13,00% | 305 | 11,80% | 1359 | 52,60% | 2585 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Quanto à nota de ingresso nos cursos de graduação da UFV-CRP de estudantes cotistas e não cotistas (ampla concorrência), por meio SiSU/MEC, ao observar os valores médios calculados ( Tabela 3), verificou-se que entre as modalidades de cotas, ingressantes provenientes da cota 4 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo per capita) apresentam as melhores médias, enquanto as menores são dos estudantes oriundos da cota 1 (estudantes de escola pública, com critério de cor/racial/étnico e renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita).
Modalidade | Média ENEM |
---|---|
Ampla concorrência | 604,0015 |
Cota 4 | 588,3343 |
Cotas agregadas | 572,4821 |
Cota 3 | 572,4413 |
Cota 2 | 571,8511 |
Cota 1 | 556,7061 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Os dados da pesquisa revelam que, do total de estudantes da ampla concorrência (não cotistas), 594 cursaram o ensino médio em escola privada e 729 em escola pública, 36 estudantes não declararam. Esses dados podem ser relacionados ao desempenho superior de estudantes não cotistas quanto a nota de ingresso na UFV-CRP, já que todos(as) os(as) estudantes cotistas têm origem no ensino médio público.
Para Cavalcanti et al.(2019), fatores socioeconômicos influenciam o desempenho dos(as) estudantes. Para os autores não há diferença de desempenho em função de ser ou não cotista, os diferenciais estão relacionados às características socioeconômicas, que condicionaram o seu desenvolvimento escolar até o ingresso na universidade.
Para testar a hipótese de que não há diferença estatisticamente significativa entre a nota média de ingresso de estudantes cotistas e não cotistas, foi realizado o teste para amostras independentes de Kruskal-Wallis. Nesse teste foi rejeitada a hipótese nula de que a distribuição do ENEM é igual nas categorias de modalidade inscrita. Assim, os resultados dos dados analisados refutam a hipótese proposta neste estudo de que não há diferença entre cotistas e não cotistas.
Foi realizada a análise de post hoc de Mann-Whitney da relação entre cada categoria, bem como da agregação de todas as cotas com a categoria ampla concorrência, as quais estão apresentadas na Tabela 4. Esse teste não paramétrico foi definido em decorrência dos dados das categorias analisadas não seguirem distribuição normal e do tamanho da amostra.
Médias 571,8511 | Cota 2 | Cota 3 | Cota 4 | Ampla concorrência | Cotas agregadas | |
---|---|---|---|---|---|---|
572,4413 | 588,3343 | 604,0015 | 572,4821 | |||
Cota 1 | 556,7061 | -205,827 *(0,009) | -221,811 | -437,285 | -635,374 | |
*(0,002) | *(0,000) | *(0,000) | ||||
Cota 2 | 571,8511 | -15,983 | -231,458 | -429,546 | ||
(1,000) | *(0,002) | *(0,000) | ||||
Cota 3 | 572,4413 | -215,474 | -413,563 | |||
*(0,003) | *(0,000) | |||||
Cota 4 | 588,3343 | -198,088 | ||||
*(0,000) | ||||||
Ampla concorrência | 604,0015 | U= 1101794,500 | ||||
*(0,000) |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
*Nota: significante estatística a 0,05. H0: não há diferença estatisticamente significativa entre a nota média de estudantes cotistas e não cotistas. São demonstrados a estatística de t e p-value (entre parênteses). Os valores de significância foram ajustados pela correção Bonferroni para vários testes.
Os resultados do teste indicaram que há uma diferença estatística significativa entre as notas médias do ENEM por modalidade de ingresso na UFV-CRP (2016-2020), exceto entre as cotas 2 e 3. O Teste Mann-Whitney demonstrou que há diferença estatística significativa na comparação da nota média do ENEM de estudantes que compõem as cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3, 4) e estudantes oriundos da ampla concorrência.
Quanto ao coeficiente de rendimento acumulado (CRA), que é obtido pela média ponderada do número de créditos de todas as disciplinas cursadas pelo estudante, verificou-se que existe uma diferença numérica na qual a média das notas da ampla concorrência é superior à média do CRA das cotas 1, 2, 3 e cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3, 4). A Tabela 5 apresenta os valores das médias em cada modalidade de ingresso cotas 1, 2, 3, 4, ampla concorrência e para as cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3, 4).
Modalidade | Média CRA |
---|---|
Cota 1 | 51,945 |
Cota 2 | 51,184 |
Cota 3 | 51,725 |
Cota 4 | 54,332 |
Cotas Agregadas | 52,298 |
Ampla Concorrência | 53,725 |
Fonte: Universidade Federal de Viçosa, 2020.
Entre as modalidades de cotas, os ingressantes provenientes da cota 4 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo) apresentaram as melhores médias, enquanto as menores médias são de estudantes oriundos(as) da cota 2 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita).
A Tabela 6 mostra que existe diferença estatística significativa na média do CRA apenas em quatro dos doze cursos investigados. Nos cursos de ciência e tecnologia de alimentos, engenharia civil, engenharia de produção e nutrição há diferença estatística significativa na média do CRA, sendo a média de estudantes não cotistas superior à média dos estudantes cotistas.
Curso | Média cotista | Média não cotista | Teste U de Mann-Whitney | p |
---|---|---|---|---|
Administração Integral | 57,273 | 56,248 | 7788 | 0,688 |
Administração Noturno | 50,49 | 48,702 | 7563,5 | 0,825 |
Agronomia | 58,847 | 62,2 | 8730 | 0,064 |
Ciência e Tecnologia de Alimentos | 38,646 | 48,281 | 5110,5 | *0,006 |
Ciências Biológicas | 53,814 | 52,359 | 6415 | 0,622 |
Ciências Contábeis | 62,693 | 56,121 | 6876,5 | 0,220 |
Engenharia Civil | 58,28 | 64,834 | 9068,5 | *0,007 |
Engenharia de Produção | 47,715 | 58,709 | 9739 | *< 0,001 |
Nutrição | 58,349 | 70,165 | 2676,5 | *< 0,001 |
Química | 51,069 | 50,288 | 1111,5 | 0,882 |
Sistemas de Informação Integral | 44,148 | 47,111 | 7289 | 0,250 |
Sistemas de Informação Noturno | 39,104 | 37,787 | 6716 | 0,653 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
*Nota: significante estatística a 0,05. H0: não há diferença estatisticamente significativa entre a média de CRA de estudantes cotistas e não cotistas. São demonstrados a estatística de t e p-value.
O resultado que demonstra não existir diferença estatística significativa entre a média do CRA de estudantes cotistas e não cotistas encontrado na maioria dos cursos de graduação da UFV-CRP alinha-se ao estudo de Pena, Matos e Coutrim (2020) e Queiroz et al.(2015). De acordo com Pena, Matos e Coutrim (2020), a maioria dos estudantes cotistas, embora tivesse uma nota menor na pontuação do ENEM ao ingressar, teve desempenho acadêmico similar ao de estudantes da ampla concorrência.
No estudo de Queiroz et al.(2015) foi encontrada diferença significativa no desempenho (CRA) de ingressantes por meio de cotas sociais e raciais comparado ao da ampla concorrência na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Esses resultados reforçam que, garantido o acesso, não ocorre diferença significativa entre o desempenho acadêmico de estudantes cotistas e não cotistas ( PENA; MATOS; COUTRIM, 2020; SILAME; MARTINS JUNIOR; FONSECA, 2020; GOLGHER; AMARAL; NEVES, 2015; QUEIROZ et al., 2015 ).
A análise do número de reprovações partiu da hipótese proposta neste estudo de que não há diferença estatística significativa entre a média do número de reprovações de estudantes cotistas e não cotistas, assim como nas demais variáveis analisadas. A Tabela 7 apresenta os valores das médias do número de reprovações por modalidade de ingresso na UFV-CRP, cotas 1, 2, 3, 4, ampla concorrência e as cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3, 4).
Modalidade | Número de reprovações |
---|---|
Cota 1 | 5,99 |
Cota 2 | 5,44 |
Cota 3 | 5,42 |
Cota 4 | 4,64 |
Cotas agregadas | 5,37 |
Ampla concorrência | 4,62 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
Verificou-se que existe uma diferença numérica na qual a média do número de reprovações de estudantes oriundos das cotas 1, 2, 3, 4 e cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3, 4) é superior à média do número de reprovações de estudantes da ampla concorrência. Em busca de resultados mais específicos optou-se por comparar a média do número de reprovações de estudantes ingressantes pelas cotas agregadas (modalidades 1, 2, 3 e 4) e a ampla concorrência em cada curso oferecido na UFV-CRP.
A Tabela 8 revela que há diferença estatística significativa apenas em quatro dos doze cursos investigados. Nos cursos de agronomia, engenharia civil, nutrição e sistemas de informação integral há diferença estatística na distribuição da média do número de reprovações, sendo o número de reprovações de estudantes cotistas superior à média de reprovações de estudantes não cotistas.
Curso | Média cotista | Média não cotista | Teste U de Mann-Whitney | p |
---|---|---|---|---|
Administração Integral | 4,56 | 3,77 | 6834,5 | 0,187 |
Administração Noturno | 3,99 | 3,59 | 7321,5 | 0,513 |
Agronomia | 6,33 | 4,17 | 6016,5 | *0,003 |
Ciência e Tecnologia de Alimentos | 7,09 | 6,06 | 3666 | 0,181 |
Ciências Biológicas | 6,29 | 7,18 | 7081,5 | 0,818 |
Ciências Contábeis | 2,98 | 2,46 | 6788,5 | 0,157 |
Engenharia Civil | 5,1 | 3,93 | 6447 | *0,044 |
Engenharia de Produção | 7,03 | 5,98 | 6444 | 0,119 |
Nutrição | 4,49 | 1,77 | 1240,5 | *< 0,001 |
Química | 5,07 | 4,37 | 961 | 0,316 |
Sistemas de Informação Integral | 6,62 | 5,16 | 5448,5 | *0,015 |
Sistemas de Informação Noturno | 5,48 | 5,25 | 6646 | 0,558 |
Fonte: Elaboração nossa com dados da pesquisa.
*Nota: significante estatística a 0,05. H0: não há diferença estatisticamente significativa entre o número de reprovações de estudantes cotistas e não cotistas. São demonstrados a estatística de t e p-value.
Nos cursos de engenharia civil e nutrição, há diferença estatística significativa na comparação entre estudantes cotistas e não cotistas quanto ao CRA e ao número de reprovações. Nesses dois cursos, a média do CRA de estudantes não cotistas é superior à média de estudantes cotistas e o número de reprovações de estudantes cotistas é superior à média de reprovação de estudantes não cotistas.
No ranking das médias da nota de ingresso por curso de graduação UFV-CRP (2016-2020), os cursos de engenharia civil e nutrição ocupam primeiro e quinto lugar, respectivamente. Sobre esses cursos, quanto à diferença estatística significativa a favor do desempenho de estudantes não cotistas, vale ressaltar que a Lei de Cotas promove o acesso de estudantes cujo background socioeconômico configurava um fator limitante para o ingresso na universidade.
Na maioria dos cursos analisados, o resultado demonstra não existir diferença estatística significativa entre o número de reprovações de estudantes de graduação cotistas e não cotistas da UFV-CRP (2016-2020). Mais uma vez, fortalecendo o argumento de que estudantes cotistas têm desempenho acadêmico similar ao de estudantes da ampla concorrência ( PENA; MATOS; COUTRIM, 2020; SILAME; MARTINS JUNIOR; FONSECA, 2020; GOLGHER; AMARAL; NEVES, 2015; et al., QUEIROZ 2015).
Considerações finais
Este estudo objetivou verificar se existe diferencial de desempenho acadêmico entre estudantes cotistas e não cotistas ingressantes na Universidade Federal de Viçosa Campus Rio Paranaíba (UFV-CRP) nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020. Por meio de testes estatísticos não paramétricos, foram comparadas as médias da nota do ENEM, o coeficiente de rendimento acumulado (CRA) e o número de reprovações.
Quanto à nota de ingresso de estudantes cotistas e não cotistas, no período analisado, foi encontrada diferença estatística significativa. Os resultados apontaram que a média das notas no ENEM de estudantes da ampla concorrência (não cotistas) foi superior à nota média de estudantes cotistas.
No curso de engenharia civil (mais competitivo do Campus), a média das notas no ENEM de estudantes da ampla concorrência foi estatisticamente superior à média de estudantes das cotas 1, 2, 3, 4 e cotas agregadas. Enquanto no curso de ciência e tecnologia de alimentos (menos competitivo do campus), não há diferença estatística significativa entre a média das notas no ENEM de estudantes das cotas 2, 3, 4 e ampla concorrência.
Apesar da média da nota de ingresso de estudantes cotistas ser estatisticamente inferior à média da nota de estudantes não cotistas, ocorre uma evolução após o ingresso quando, na maioria dos cursos pesquisados, não há diferença estatística significativa nas médias do CRA e no número de reprovações nos dois grupos.
Vale destacar que entre as modalidades de cotas, os(as) ingressantes provenientes da cota 4 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar superior a 1,5 salário mínimo) apresentam melhores médias na nota de ingresso, no CRA e no número de reprovações, enquanto as menores médias na nota de ingresso e no número de reprovações são de estudantes oriundos(as) da cota 1 (estudantes de escola pública, com critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita) e a menor média de CRA é de estudantes oriundos(as) da cota 2 (estudantes de escola pública, sem critério de cor/racial/étnico, com renda mensal familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita). Esses resultados mostram que, entre os mais vulneráveis, a renda e o critério de cor/racial/étnico impactam e determinam a necessidade de políticas públicas específicas.
A pesquisa, além de divulgar os resultados de políticas públicas de ações afirmativas para cotistas, socializando informações com os públicos interno e externo à academia, cumpre o princípio constitucional da publicidade na gestão pública. Ainda contribui com a produção de conhecimento sobre os efeitos da Lei de Cotas, cuja avaliação estava prevista para 2022.
Os resultados deste trabalho estão alinhados à produção acadêmica acerca da eficiência, eficácia e efetividade da Lei de Cotas, somando-se a estudos que evidenciaram o acesso de grupos vulneráveis social e economicamente à universidade, sem prejuízos à qualidade do ensino. Dessa forma, a análise da produção acadêmica acerca da Lei de Cotas mostra sua efetividade no rompimento do pensamento colonial, na quebra de paradigmas, como uma política pública justa que produz resultados significativos para o desenvolvimento social.