Introdução
Este estudo tem como objetivo conhecer o desempenho acadêmico dos alunos ingressantes no curso de Estatística da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2017, ao longo do primeiro ano da graduação. A escolha do público-alvo deu-se porque pesquisa de Rosa e Santos (2018) sobre a retenção nos cursos de graduação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da UFG revelou que, da primeira turma do curso de Estatística, em 2009, apenas três se formaram, e nenhum deles no prazo regular.
Já a opção por estudar o desempenho no primeiro ano do curso decorre do fato de que pesquisa realizada por Rosa e Ribeiro (2018), ao analisar a fase acadêmica em que se deu a saída dos excluídos da UFG, mostrou que tal percentual é bastante expressivo entre os ingressantes e tem sido frequente, sobretudo a partir de 2011 – 23,3% (2011), 38,7% (2012), 36,5% (2013), 47,2% (2014) e 36,6% (2015).
A evasão é, pois, um quadro preocupante, principalmente por se considerar que, de 2006 a 2016, na UFG, houve um aumento importante do número de excluídos, que passou de 1.045 para 1.884, o que representa um crescimento de 80,3%, com percentual de evasão que varia de 27,7% a 39,5% (Rosa; Ribeiro, 2018). Portanto, trata-se de um problema que é institucional, mas que também se faz presente em todo o cenário brasileiro (Gilioli, 2016), e por isso merece ser estudado.
O autor chama a atenção para o fato de que:
Para além das diversas modalidades de evasão (evasão do curso ou microevasão, evasão da instituição ou mesoevasão e evasão da educação superior ou macroevasão) e diferentes formas pela qual ela se manifesta (ingressantes que não se matriculam, desistência, abandono, jubilamento), há diversidade no comportamento da evasão por área de conhecimento, por curso, opção (bacharelado ou licenciatura) e de acordo com o perfil do aluno (renda, atividade laboral em paralelo, cuidado com filhos, gênero, idade). A incidência de evadidos também varia conforme a etapa do curso, sendo mais comum no primeiro ano, mas também com relativa intensidade no segundo ano
(Gilioli, 2016, p.49).
Além disso, Fagundes, Luce e Espinar (2014, p.656) afirmam que: “Após o primeiro ano de estudos, é possível medir o êxito da transição [do Ensino Médio à Educação Superior], ou seja, a partir dessa fase podemos concluir tanto sobre a permanência dos alunos na universidade como o desempenho acadêmico dos mesmos”. No mesmo sentido, Silva, N.H.G. (2015, p.14) salienta que: “Como a Educação trata-se de um sistema contínuo e interligado, este tipo de estudo [sobre desempenho acadêmico] também pode basear medidas de políticas educacionais enquanto sistema, uma vez que todo o contexto do aluno pode envolver-se nos desempenhos subsequentes”.
Procedimentos Metodológicos
Neste estudo, optou-se por analisar particularmente o desempenho acadêmico de todos os ingressantes no curso de Estatística em 2017, considerando seus históricos acadêmicos. As variáveis selecionadas para apreciação foram: mecanismo de ingresso – Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ou processo seletivo para vagas remanescentes; desistência do curso; e análise do desempenho acadêmico dos alunos que permaneceram no curso e cursaram os dois semestres regularmente, considerando os seguintes aspectos: número de disciplinas cursadas; percentual de aprovação, reprovação por média e reprovação por falta e média; desempenho nas disciplinas do núcleo comum do curso; e média dos alunos que cursaram os dois primeiros semestres letivos.
Considerando essas variáveis, o presente estudo contempla os alunos que abandonaram o curso de graduação em 2017, mas foca, especificamente, na investigação do desempenho dos que cursaram os dois semestres letivos com regularidade, sem abandonarem ou trancarem o curso. Essa escolha foi feita para que se pudesse comparar o desempenho acadêmico no primeiro e segundo semestres.
Os dados dos históricos foram analisados por meio de estatística descritiva para calcular medidas de posição e dispersão. Ainda foram aplicados os testes de Shapiro-Wilk, para detectar normalidade das populações, e de Wilcoxon, para avaliar a igualdade entre as médias, bem como entre as medianas, sempre no primeiro e segundo semestres. Além disso, um modelo de regressão linear simples permitiu fazer previsões da média para o semestre seguinte.
Resultados e Discussão
No primeiro semestre de 2017, ingressaram 63 alunos no curso de Estatística da UFG. Desses, 48 ingressaram pelo Sisu e 15 por processo seletivo para preenchimento de vagas remanescentes, destinadas a portadores de diploma de curso superior, ex-alunos da UFG que buscam o reingresso, estudantes de outras Instituições de Ensino Superior (IES) que ingressam por transferência facultativa, e estudantes da UFG que desejam realizar mudança de curso.
Ainda no primeiro ano, 27 alunos foram excluídos (42,8%), sendo 18 ingressantes pelo Sisu (66,7%) e nove (33,3%) pelo edital de preenchimento de vagas remanescentes. Diante desse fato, é importante problematizar por que esse grupo de estudantes parece tão propenso à evasão.
No caso do ingresso pelo Sisu,
[...] o indivíduo já tem uma nota e se candidata a dois cursos (primeira e segunda opção) em relação aos quais ele já sabe com muito mais segurança do que no vestibular, dadas as simulações feitas na etapa inicial do Sisu, suas possibilidades reais de ser aprovado. Essa diminuição do nível de incerteza tende, logicamente, a estimular uma escolha estratégica pelo curso possível. [...]. O candidato não precisa, assim, sair do processo com o peso de ter sido simultaneamente reprovado. Ao contrário, o sistema indiretamente o estimula, por meio das simulações iniciais, a ajustar suas preferências originais ao que é objetivamente possível de modo a ser aprovado, mesmo que não no curso ou instituição mais desejados
(Nogueira et al., 2017, p.7).
Logo, é necessário empreender estudos específicos sobre a permanência e desempenho dos alunos ingressantes pelo Sisu, de modo a verificar se esse mecanismo está, de fato, promovendo a democratização do acesso à Educação Superior, ou a evasão dos cursos e a consequente ociosidade de vagas, tanto no curso objeto deste estudo – a Estatística na UFG –, como em outros cursos e Instituições de Educação Superior.
Também vale destacar que, dos 27 alunos excluídos no primeiro ano do curso, 20 o foram por reprovação por falta e/ou média e falta em todas das disciplinas no semestre de ingresso (74,1%), três por desistência do curso (11,1%), três por desistência da vaga (11,1%) e um por não renovar vínculo com a UFG (3,7%). Os desistentes de vaga ou curso sequer foram inscritos em disciplinas. Os demais foram inscritos, mas ou desistiram de frequentá-las ou foram reprovados, de acordo com o art. 105 da Resolução CEPEC nº 1.122 de 2012 da UFG, que determina: “Será excluído do quadro discente da UFG o estudante que: I – for reprovado por falta em todas as disciplinas ou eixos temáticos/módulos cursadas no semestre de ingresso na UFG”.
É preciso esclarecer que, apesar de o sistema considerar que houve alunos excluídos no segundo semestre, em todos os casos deste estudo, o vínculo com a universidade foi rompido efetivamente no primeiro semestre, já que eles pararam de frequentar as aulas e, por isso, foram excluídos, conforme o artigo 105 da Resolução Cepec nº 1.122 de 2012. Prova disso é que, do total de alunos que desistiram do curso no primeiro ano, nenhum cursou disciplina no segundo semestre letivo. Também é importante registrar que, dos 16 alunos que desistiram do curso no segundo semestre, todos haviam cursado apenas uma disciplina no primeiro semestre.
Tendo em vista que a maior parte dos alunos foram excluídos do curso de Estatística da UFG em 2017 por reprovação por falta e/ou média e falta em todas as disciplinas no semestre de ingresso, é preciso problematizar que, “Embora não se possa definir se isso [o desempenho acadêmico] é causa ou efeito do processo de evasão, é possível observar que em geral a desistência está relacionada com uma dificuldade que decorre do curso ou nele se reflete” (Violin, 2012, p.85).
No mais, um percentual de abandono de 42,8% no primeiro ano do curso é um dado muito expressivo. Mas essa não é uma situação isolada do curso de Estatística da UFG, tampouco da UFG como um todo, como mostraram Rosa e Ribeiro (2018). Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2015, 49,0% dos alunos de graduação presencial no Brasil abandonaram os cursos nos quais ingressaram. Tendo isso em vista, Silva Filho et al. (2007) defendem que é preciso compreender que a evasão é um problema institucional, pois culmina em desperdícios de ordem social, acadêmica e econômica. Portanto,
O abandono no ensino superior é um fenômeno multidimensional e, por isso não tem apenas um impacto na vida do estudante. A universidade, enquanto instituição que ‘produz saber’ tem um interesse prioritário no acolhimento dos estudantes que, para além de representarem uma fonte de vencimento são também passíveis de proporcionar prestígio e visibilidade à instituição através das suas investigações acadêmicas
(Silva, H.G., 2015, p.3).
Estudo conduzido por Rissi e Marcondes (2011) na Universidade Estadual de Londrina (UEL) revelou que os estudantes possuem uma grande expectativa em relação ao curso em que ingressam e também ao ambiente universitário. Mas, em razão das dificuldades de adaptação e falta de informação sobre o curso, não conseguem se identificar, o que, somado às reprovações em algumas disciplinas, acaba por fazê-los se evadir da graduação.
No curso de Estatística da UFG, além das exclusões, foram realizados 11 trancamentos no segundo semestre de 2017. Vale lembrar que, de acordo com o Regulamento Geral dos Cursos de Graduação (RGCG) vigente à época na UFG e aprovado pela Resolução nº 1.122/2012 do Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura (CEPEC), não era permitido o trancamento no primeiro semestre do curso, exceto nos seguintes casos:
doença do interessado ou de pessoa de seu núcleo familiar que exija envolvimento direto do interessado, devidamente comprovado por relatório médico original, ouvido órgão competente da UFG, se necessário;
mudança de horário ou de município em função do emprego/cargo, ocorrido após a realização do processo seletivo e/ou ingresso do estudante na UFG, devidamente comprovado;
cumprimento de serviço militar obrigatório (Universidade Federal de Goiás, 2012, online, Art. 73).
Os 36 alunos que permaneceram no curso, por sua vez, compuseram um total de 137 matrículas em disciplinas no primeiro semestre letivo, com 76 reprovações por média (55,5%) e 15 reprovações por falta e média (10,9%). No segundo semestre letivo, havia apenas 25 alunos ativos e matriculados, enquanto os demais 11 trancaram a matrícula. Foram computadas 85 matrículas em disciplinas, 28 reprovações por média (32,9%) e 25 (29,4%) reprovações por falta e média. Nesse aspecto, vale observar que o percentual de reprovação por falta e média não pode ser desconsiderado, visto que representa os estudantes que desistem de frequentar as aulas, seja quando percebem que não têm chances de aprovação em razão das dificuldades inerentes à disciplina, seja por não conseguirem se identificar com o curso, seja ainda por problemas de ordem pessoal, entre outros motivos.
No cômputo geral, foram aprovados 46 alunos (33,6%) no primeiro semestre e 32 (37,7%) no segundo, o que indica uma reprovação expressiva, que, segundo Maria (2018), pode estar associada a fatores individuais e institucionais. Os primeiros se referem a características próprias dos estudantes, como desnutrição, coeficiente intelectual, escolha equivocada da profissão, motivação, condição socioeconômica, idade, sexo, antecedentes familiares, entre outros. Já os segundos abrangem métodos de ensino, currículo, sistemas de avaliação, estrutura organizacional, gestão escolar e outros (Maria, 2018). Portanto, a reprovação é um fenômeno multivariado, cuja interpretação e compreensão demandam investigações sistemáticas, abrangendo distintos aspectos.
Considerando o aspecto institucional, verifica-se que a proposta do fluxo curricular contida no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Estatística é que os alunos cursem, no primeiro semestre, Cálculo I, Estatística I, Geometria Analítica e Introdução à Computação, e, no segundo semestre, Álgebra Linear I, Cálculo II, Estatística II e Probabilidade I. O desempenho dos alunos nessas disciplinas pode ser observado na Tabela 1.
Disciplinas | Número de alunos | Número de aprovados | Aprovados (%) |
Média final na disciplina | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
6,0 a 6,9 |
7,0 a 7,9 |
8,0 a 8,9 |
9,0 a 10,0 |
|||||||
Cálculo I | 49 | 2 | 4,1 | 2 | - | - | - | |||
Estatística I | 67 | 15 | 22,4 | 3 | 9 | 2 | 1 | |||
Geometria Analítica | 47 | 5 | 10,6 | 3 | 2 | - | - | |||
Introdução à Computação | 50 | 24 | 48,0 | 12 | 4 | 5 | 3 | |||
Álgebra Linear I | 18 | 6 | 33,3 | 4 | - | - | 2 | |||
Cálculo II | 6 | 3 | 50,0 | 1 | 1 | 1 | - | |||
Estatística II | 8 | 7 | 87,5 | 4 | 1 | 1 | 1 | |||
Probabilidade I | 14 | 2 | 14,3 | 1 | - | 1 | - | |||
Total | 259 | 64 | - | 30 | 17 | 10 | 7 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
Vale esclarecer que, apesar de essas disciplinas terem sido cursadas nos dois semestres de 2017 e serem ofertadas preferencialmente para os ingressantes, estudantes reprovados em semestres anteriores também puderam se matricular nelas. Logo, a análise do desempenho não se restringe aos ingressantes de 2017, mas abrange todos os estudantes que estavam matriculados e cursavam essas disciplinas que compõem o fluxo dos dois primeiros períodos do curso.
Pelos dados apresentados, verifica-se que, dos 259 estudantes que cursaram as oito disciplinas do fluxo regular do primeiro ano do curso de Estatística da UFG no ano de 2017, apenas 64 deles (24,7%) foram aprovados. Analisando o comportamento dos aprovados, constatou-se que 46,9% deles tiveram média final na disciplina entre 6,0 e 6,9, sendo esta, portanto, a nota mais frequente. Outros 26,6% tiveram média final de 7,0 a 7,9; 15,6%, de 8,0 a 8,9; e 10,9%, de 9,0 a 10,0. Logo, tendo em vista o elevado percentual de reprovação, e considerando que grande parte dos aprovados tiveram média muito próxima ao mínimo exigido pela universidade para aprovação (nota 6,0), depreende-se que o desempenho dos estudantes analisados, de forma geral, é insatisfatório.
Os dados deste estudo também mostram que, das oito disciplinas analisadas, em apenas duas delas, Cálculo II e Estatística II, ambas do segundo semestre, o percentual de aprovação foi igual ou maior que 50%. Em quatro das disciplinas, o percentual de aprovação sequer chegou a 25% do total de alunos, o que ocorreu com Cálculo I, Estatística I, Geometria Analítica (disciplinas do primeiro semestre) e Probabilidade I (segundo semestre). Já em Introdução à Computação e Álgebra Linear I, o percentual de aprovação dos alunos matriculados ficou entre 30% e 50%. Esse panorama reforça o baixo desempenho dos estudantes nos primeiros dois semestres do curso, sendo que no primeiro semestre o desempenho é pior, visto que o maior percentual de reprovação ocorre em três das quatro disciplinas do fluxo.
Identificado esse quadro, é preciso concordar com Rosa, Alvarenga e Santos (2019, p.14), que afirmam ser preciso “[...] reconhecer que falta uma cultura de criar medidas e instrumentos capazes de minimizar a reprovação; e, mais que isso, levar os alunos a aprenderem os conteúdos ministrados, de modo que o conhecimento se torne significativo”. Os autores ainda defendem ser necessário superar a fase do conformismo e buscar conhecer as causas do baixo desempenho, que não pode ser naturalizado.
Analisando detalhadamente o desempenho em cada uma das oito disciplinas do fluxo do primeiro ano do curso, constatou-se que, no primeiro semestre de 2017, na disciplina Cálculo I, dos 49 alunos do curso de Estatística, houve apenas dois aprovados (4,1%), ambos com média inferior a 7,0. A reprovação nesse componente curricular é bastante comum na universidade em questão. Já no segundo semestre de 2016, foram reprovados 55,65% dos 2.090 estudantes matriculados nas disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral (CDI) ofertadas pelo IME/UFG. Especificamente no componente Cálculo 1A, no mesmo período, o percentual de reprovação foi de 56% dos 494 matriculados (Rosa; Alvarenga; Santos, 2019). Portanto, esse é um problema que deve ser tratado institucionalmente, e não apenas no âmbito do curso de Estatística.
Em Estatística I, dos 67 cursistas, 15 obtiveram aprovação (22,4%), dos quais três com média abaixo de 7,0; nove com média entre 7,0 e 7,9; dois com média entre 8,0 e 8,9; e um com média acima de 9,0. Na disciplina Geometria Analítica, dos 47 alunos da Estatística que a cursaram no primeiro ano do curso, cinco foram aprovados (10,6%), sendo três com média abaixo de 7,0; e dois com média entre 7,0 e 7,9. E em Introdução à Computação, dos 50 alunos, 24 foram aprovados (48,0%), 12 deles com média abaixo de 7,0; quatro com média entre 7,0 e 7,9; cinco com média entre 8,0 e 8,9; e três com média acima de 9,0.
Considerando o fluxo do segundo semestre, em Álgebra Linear I, dos 18 cursistas, seis foram aprovados (33,3%), e, desses, quatro tiveram média abaixo de 7,0 e dois acima de 9,0. Em Cálculo II, dos seis alunos, três foram aprovados (50,0%), um com média abaixo de 7,0; um com média entre 7,0 e 7,9; e um com média entre 8,0 e 8,9. Na disciplina Estatística II, houve oito cursistas, sendo sete aprovados (87,5%), dos quais quatro com média menor que 7,0; um com média entre 7,0 e 7,9; um com média entre 8,0 e 8,9; e um com média acima de 9,0. Já em Probabilidade I, dos 14 cursistas, apenas dois foram aprovados (14,3%), um com média menor que 7,0 e o outro com média entre 8,0 e 8,9.
Estudo de Brandão (2016) evidenciou que:
No que se refere à classificação binária de desempenho acadêmico, ou seja, desempenho acadêmico abaixo da média ou na média/acima da média, os participantes com desempenho na média/acima da média concluíram o curso no tempo previsto pela grade curricular em maior frequência que os participantes com desempenho abaixo da média
(Brandão, 2016, p.117).
Ainda de acordo com o estudo de Brandão (2016), realizado com 305 alunos de graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) – campus de Bauru, a principal variável preditora do desempenho acadêmico ao final do curso de graduação foi o desempenho acadêmico no início do curso. De igual modo, pesquisa de Ribas et al. (2017, p.11) evidencia que “[...] a correlação entre o índice de desempenho acadêmico ao final do primeiro ano e no momento da conclusão do ensino superior é existente e, relevante, alta, forte”. Esses dados reforçam a necessidade e importância de estudos como este, que se voltam para a compreensão do desempenho dos alunos no primeiro ano do curso.
Tendo em vista que o percentual de aprovação dos estudantes nas disciplinas do fluxo do primeiro e segundo semestres do curso de Estatística da UFG de 2017 apenas foi igual ou maior que 50% em duas disciplinas – Cálculo II e Estatística II –, e considerando o que sugerem os estudos de Brandão (2016) e Ribas et al. (2017), há indicativos de que esses estudantes que tiveram baixo desempenho no início do curso poderão apresentar baixo desempenho também ao final do curso, e, em decorrência disso, levar mais tempo para se formar do que o previsto na grade curricular, que é de nove semestres.
Além do mais, verificou-se que, tendo em vista o conjunto dos 36 alunos ativos nos dois primeiros semestres do curso, seus históricos exibem um total de 55 disciplinas, das quais 28 foram aproveitadas. Além daquelas previstas no fluxo dos dois primeiros semestres, os alunos ainda cursaram outras 19, que fazem parte do rol de disciplinas dos núcleos comum4, específico5 e livre6 do curso. Neste estudo, optou-se por averiguar o desempenho dos estudantes apenas nas disciplinas que fazem parte do núcleo comum.
Considerando apenas os alunos que cursaram o primeiro e o segundo semestres, foram obtidas as seguintes distribuições de frequência para a variável média das médias finais (Figura 1).
Com o objetivo de comparar as médias dos dois conjuntos de médias das médias finais nos dois semestres de 2017, fez-se necessário estudar a normalidade dos dados, para definir qual teste de igualdade de médias seria aplicado. Para tanto, foi aplicado o teste de Shapiro-Wilk com 5% de significância, que mostrou como resultado que os dados do primeiro semestre não provêm de uma população normal (p-valor igual a 0,0100), enquanto os dados do segundo semestre provêm de uma população normal (p-valor igual a 0,0705). Diante disso, foi necessário recorrer a um teste não paramétrico.
A média do conjunto de médias do primeiro semestre é igual a 3,7 e, no segundo semestre, 3,5. Essas medidas estão muito próximas, o que sugere que podem ser estatisticamente iguais. O teste de Wilcoxon com nível de significância de 5,00% ratifica essa afirmação, e com p-valor igual a 0,1402, conclui-se que as médias são iguais. Já os desvios padrões são muito diferentes, o que sugere que um dos grupos é mais heterogêneo do que o outro. O coeficiente de variação para a média do primeiro semestre é igual a 51,35% e para o segundo semestre é igual a 71,42%, o que significa que os alunos do segundo semestre formam um conjunto de dados bem menos homogêneo, embora em ambos os grupos haja uma grande variabilidade quanto às médias.
Vale esclarecer que a heterogeneidade de um conjunto de dados diz respeito ao quanto esses dados se afastam da média. O coeficiente de variação mede isso. Logo, ao comparar dois conjuntos, aquele que tiver maior coeficiente de variação será o mais heterogêneo. Coeficiente de variação maior que 30% indica alta dispersão e, consequentemente, alta heterogeneidade.
A mediana das médias para o primeiro semestre foi de 3,2 e, no segundo semestre, de 2,9. Logo, no primeiro semestre, 50% dos alunos obtiveram média no máximo igual a 3,2; e, no segundo semestre, no máximo igual a 2,9. O teste de Wilcoxon para a igualdade entre medianas ao nível de significância de 5% comprovou que elas são estatisticamente iguais, com p-valor igual a 0,7728.
A Figura 2 apresenta, além das médias e das medianas, o primeiro e terceiro quartis, bem como as médias mínimas e máximas obtidas no primeiro e segundo semestres de 2017.
Para os dados do primeiro semestre, à esquerda, 25% dos alunos obtiveram média no máximo igual a 2,3 e 75% obtiveram média no máximo igual a 4,7. Além disso, a menor média foi 1,3 e a maior 8,0. Os dados do segundo semestre, à direita, revelam que 25% dos alunos obtiveram média no máximo igual a 1,3 e que 75% obtiveram média no máximo igual a 5,6. No mais, a menor média foi 0,3 e a maior 8,3. Os conjuntos de dados também mostram que não há dados discrepantes, que são aqueles que se afastam da média por mais de três desvios padrões.
No caso do primeiro semestre, a média vale 3,7 e o desvio padrão 1,9. Logo, os dados discrepantes são aqueles fora do intervalo 3,7±3×1,9, ou seja, menores do que -2 ou maiores do que 9,4. No contexto de notas, os dados discrepantes seriam aqueles menores do que zero ou maiores do que 9,4. Como não é possível obter uma nota menor do que zero, os dados discrepantes seriam aqueles maiores do que 9,4. Analogamente, para o segundo semestre, os dados discrepantes seriam aqueles fora do intervalo 3,5±3×2,5, ou seja, menores do que -4 ou maiores do que 11. No contexto de notas, os dados discrepantes seriam aqueles menores do que zero ou maiores do que 10. Como não é possível obter uma nota menor do que zero, tampouco maior que 10, os dados discrepantes não existem, nesse caso. Saber se há dados discrepantes é importante, visto que a existência deles pode enviesar a análise dos dados.
No que diz respeito à relação entre as variáveis média no primeiro semestre e média no segundo semestre, o diagrama de dispersão abaixo indica que existe uma boa relação linear entre elas (Figura 3).
Infere-se que, ao nível de significância de 5%, a média do segundo semestre aumenta com o aumento da média do primeiro semestre (p<0,0001). Além disso, o coeficiente de determinação ajustado vale 0,9620, o que significa que 96,2% da variável dependente é explicada pela variável preditora.
O maior valor de média para o primeiro semestre foi de 8,3. Logo, é possível utilizar o modelo ajustado para estimar a média do segundo semestre para alunos que obtiveram média no primeiro semestre maior ou igual a 8,4. A Tabela 2 mostra a evolução da média estimada para o segundo semestre.
Média no primeiro semestre | Média estimada para o segundo semestre |
---|---|
8,4 | 9,5 |
8,5 | 9,6 |
8,6 | 9,7 |
8,7 | 9,8 |
8,8 | 10,0 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
Para médias maiores do que 8,8 no segundo semestre, a estimativa da média para o segundo semestre ultrapassa os 10,0 pontos. E essa é uma limitação do modelo. Talvez um modelo não linear cumpra melhor o papel de estimar médias no segundo semestre, associadas a médias no primeiro semestre maiores que 8,8.
Considerações Finais
Os resultados desta pesquisa sugerem que os alunos com melhor desempenho no primeiro semestre tendem a obter um melhor rendimento também no segundo semestre. Será que isso acontece durante toda a graduação? Essa é uma questão que chama a atenção e merece ser averiguada, em razão de que, se for confirmada, é razoável que haja uma atenção especial voltada ao acompanhamento do desempenho dos alunos ingressantes, de modo a minimizar as reprovações, a retenção e mesmo o abandono do curso.
Mas é importante registrar que o modelo de regressão linear aplicado neste estudo não permite fazer previsões além do segundo semestre. Uma alternativa seria utilizar séries temporais para realizar um estudo mais abrangente, ao logo de toda a graduação, que permita extrapolar e conjecturar além dos dois primeiros semestres de curso. E empreender um estudo desse tipo é o propósito dos autores deste artigo.
Outra possibilidade de pesquisa que se apresenta é compreender os fatores que se relacionam com o bom desempenho dos estudantes. O bom desempenho seria uma questão de motivação intrínseca do indivíduo? Os estudantes mais dedicados são aprovados nas disciplinas e concluem o curso no tempo regular? O desenvolvimento cognitivo está relacionado ao desempenho nas disciplinas no decorrer curso? E qual o fator preponderante para a escolha de um curso superior a partir do Sisu: o ingresso na instituição, em qualquer curso, ou as aptidões e interesses do estudante? Foram muitas as questões que despontaram a partir deste estudo e que merecem ser elucidadas. Todas elas fazem referência ao propósito de enfrentar a retenção e a evasão nas instituições de Educação Superior.
Mesmo não tendo respostas para essas perguntas, entende-se que é fundamental pensar em ações voltadas para o acolhimento e suporte pedagógico do estudante, principalmente considerando que o desempenho no primeiro semestre está relacionado ao desempenho no segundo semestre. Uma estratégia que pode contribuir para isso é a tutoria aos estudantes calouros ou “apadrinhamento”, que pode ser realizado tanto por professores como por estudantes veteranos, o que envolve orientação sobre a vida acadêmica, organização do fluxo curricular e encaminhamento para suporte pedagógico, como grupos de estudo e monitoria. Experiências como essa têm sido desenvolvidas por diversas instituições de Educação Superior brasileiras, como a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), a Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD), a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), dentre outras.
Acredita-se ser fundamental ter uma equipe de acolhimento, que possa ouvir os alunos e conhecer suas demandas, para então orientá-los. Isso é necessário, visto que os estudantes ingressam muito jovens na universidade e se inserem em uma realidade muito distinta da Educação Básica, etapa em que contavam com um apoio mais próximo por parte dos coordenadores pedagógicos, dos professores e mesmo dos pais.
Além disso, toda a comunidade acadêmica deve se envolver no propósito de garantir que os estudantes, apesar das fragilidades trazidas de sua formação na Educação Básica, consigam se instrumentalizar para superar as barreiras que enfrentam no início da graduação. Nesse aspecto, é essencial a oferta de projetos de ensino que ampliem as oportunidades de aprendizado e mesmo a superação de dificuldades no processo de ensino-aprendizagem na universidade.
Por fim, é fundamental superar o pensamento de que os estudantes universitários são autônomos e devem, por si sós, buscar alternativas para superar as dificuldades com as quais se deparam em sua trajetória acadêmica. A universidade deve se apresentar como um espaço mais acolhedor, para que o estudante com alguma dificuldade não veja como única alternativa abandonar o curso de graduação.